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Análise das Notificações Recebidas pela Central de Transplantes do Estado de Roraima de 2017 a 2021

RESUMO

Objetivos:

Analisar as notificações de morte encefálica (ME) recebidas pela Central de Transplantes (CET) do estado de Roraima (RR) de 2017 a 2021.

Métodos:

Trata-se de estudo transversal, quantitativo e observacional no qual foram analisadas todas as notificações recebidas pela CET no período de 2017 a 2021, resultando em 120 pacientes, dos seguintes centros de saúde: Hospital Geral de Roraima (HGR), Hospital Confederação Nacional das Cooperativas Médicas (UNIMED), Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), Hospital das Clínicas (HC) e Hospital Lotty Íris (HLI). Os dados foram coletados do sistema de gerenciamento de dados da central e repassados para a ficha de coleta desenvolvida pela pesquisadora.

Resultados:

Este estudo analisou 119 notificações após a exclusão de uma devido a dados conflitantes. Houve predominância do sexo masculino (58%), com trauma cranioencefálico sendo a causa mais frequente de ME. Ao todo, foram realizadas seis captações de órgãos, todas no HGR. Este estudo não encontrou associações significativas entre a captação de órgãos e sexo, idade, local de internação e ano.

Conclusão:

Há grandes desafios em relação à doação de órgãos em RR, com uma taxa de captação baixa ao longo de 5 anos. Apenas o HGR obteve sucesso em realizar captações de órgãos, diferentemente de outros hospitais notificadores. São necessárias melhorias, destacando a importância de se realizarem mais estudos para uma análise mais aprofundada dos dados.

Descritores
Transplante de Órgãos; Doação de Órgãos; Morte Encefálica; Assistência ao Paciente

ABSTRACT

Objectives:

To analyze brain death (BD) notifications received by Central de Transplantes (CET) in the state of Roraima (RR) from 2017 to 2021.

Methods:

This is a cross-sectional, quantitative, and observational study, where all notifications received by CET from 2017 to 2021 were analyzed, resulting in 120 patients from health the following centers: Hospital Geral de Roraima (HGR), Hospital Confederação Nacional das Cooperativas Médicas (UNIMED), Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), Hospital das Clínicas (HC), and Hospital Lotty Íris (HLI). The data were collected from the center’s data management system and passed on to the collection form developed by the researcher.

Results:

This study analyzed 119 notifications after excluding one due to conflicting data. There was a predominance of males (58%), with traumatic brain injury being the most frequent cause of BD. Six organ harvestings were carried out, all at the HGR. This study found no significant associations between organ procurement and sex, age, place of hospitalization, and year.

Conclusion:

There are considerable challenges concerning organ donation in RR, with a low uptake rate over five years. Only the HGR successfully carried out organ harvesting, while other reporting hospitals were unsuccessful. Improvements are needed, highlighting the importance of more studies for a more in-depth data analysis.

Descriptors
Organ Transplantation; Organ Donation; Brain Death; Patient Care

INTRODUÇÃO

O Brasil conta com o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo, com acesso garantido a toda população via Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, o país é um dos maiores transplantadores do planeta, ocupando o segundo lugar no ranking mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos da América. Em 2022, foram notificados, no Brasil, 13.349 potenciais doadores (PD), dos quais 3.522 se tornaram doadores efetivos. No primeiro semestre de 2023, foram realizados 206 transplantes de coração no país, o que representa um aumento de 16% comparado ao mesmo período do ano anterior11 BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Transplantes. Relatório de Doação | evolução 2001 - 2022. Brasília (DF): MS; 2023 [acesso em: 15 Fev 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/snt/estatisticas/transplantes-serie-historica
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Apesar do alto número de transplantes realizados, o total de doações efetivas ainda está aquém do desejado, com cerca de 42.041 brasileiros aguardando por um órgão para transplante em 2024. Tal situação é igualmente crítica em regiões mais carentes do país, como a Região Norte22 BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Transplantes. Brasília (DF): MS; 2024 [acesso em: 15 Fev 2024]. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNmMyOTVlZGEtYzdhNC00ZDEzLWJhZDYtMDg1ZGYwY2M5MTQzIiwidCI6IjMyMjU1NDBiLTAzNDMtNGI0Ny1iMzk2LTMxMTYxZTdiODMyMyJ9
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Em 2020, a Região Norte apresentou, entre as regiões brasileiras, os menores números de notificações de PD por ano [17,4 por milhão de população (pmp)/ano] e de doações efetivadas (2,1 pmp/ano). Nesse ano, na comparação entre os estados da Região Norte, Roraima (RR) foi um dos estados com menor número de notificações e doações efetivadas, ficando à frente apenas do estado do Amapá33 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado. Registro Brasileiro de Transplantes [Internet] 2020 [acesso 2021 set 21];XXVI(4):3-88. Disponível em: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2021/03/rbt_2020_populacao-1-1.pdf
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,44 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Diretrizes básicas para captação e retirada de múltiplos órgãos e tecidos da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. São Paulo: ABTO; 2009 [acesso 15 Abr 2023]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/pdf/livro.pdf
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Os principais candidatos a PD são geralmente pacientes internados com problemas neurológicos, e o processo de doação e transplante envolve uma equipe multiprofissional, sendo necessárias várias ações com o objetivo de transformar o PD em doador efetivo, realizando o transplante44 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Diretrizes básicas para captação e retirada de múltiplos órgãos e tecidos da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. São Paulo: ABTO; 2009 [acesso 15 Abr 2023]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/pdf/livro.pdf
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Em RR, ainda não são realizados transplantes, apenas captações de órgãos e tecidos. A Central Estadual de Transplantes (CET) coordena comissões intra-hospitalares para doações de órgãos e tecidos (CIHDOTTs) no Hospital Geral de Roraima (HGR) e no Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), locais notificadores e captadores55 Governo de Roraima. Secretaria de Estado da Saúde de Roraima. Setembro verde – Especialista destaca importância da doação de órgãos em mês de conscientização. Boa Vista: SESAU; 2021 [acesso em: 22 Ago 2022]. Disponível em: https://www.saude.rr.gov.br/index.php/component/content/article/20-noticias/821-setembro-verde-especialista-destaca-importancia-da-doacao-de-orgaos-em-mes-de-conscientizacao?Itemid=101
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Considerando esses aspectos, a premissa deste estudo foi avaliar a realidade de RR no que tange a notificação de ME, a doação de órgãos e a realização da cirurgia de captação de órgãos.

OBJETIVO

Analisar as notificações de ME recebidas pela CET de RR de 2017 a 2021, verificando os dados do doador, o hospital notificante e os desfechos de tais notificações, identificando as captações efetivadas e os motivos que levaram à não captação, e identificar tempos médios entre abertura, notificação e finalização do processo de captação de órgãos.

MÉTODOS

Este estudo é do tipo transversal, retrospectivo, quantitativo e observacional realizado na Central de Transplantes (CET) de RR, com levantamento de dados de 120 pacientes internados nos centros de saúde HGR, Hospital Confederação Nacional das Cooperativas Médicas (UNIMED), HCSA, Hospital das Clínicas (HC) e Hospital Lotty Íris (HLI), no período de 2017 a 2021, referentes a todas as notificações recebidas pela CET no período.

Para a coleta de dados, foi utilizada uma ficha desenvolvida pela própria pesquisadora, que dispõe de perguntas sobre motivo da morte encefálica (ME) dos doadores efetivos, número de notificações no período, número de processos finalizados, número de captações realizadas, motivos de não captação ou não finalização do processo, local de internação do paciente, idade, sexo, desfecho da finalização do processo e outros dados que possam ser relevantes para a pesquisa.

A abertura diz respeito ao início do processo no hospital onde foi identificada a possível ME. Em seguida são realizadas a notificação da abertura do processo para a CET, a finalização, que dispõe sobre a conclusão dos processos, a captação, que se dá quando o órgão é, de fato, captado e enviado para doação, e a não efetivação, que se dá quando não há efetivação da captação. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Roraima (UERR), com o número de CAAE: 66910323.0.0000.5621.

Na análise estatística, foram utilizados o teste qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher em variáveis quantitativas quando as frequências esperadas eram menores que 5. No caso das variáveis quantitativas, o teste t de Student foi utilizado nos casos em que a distribuição se aproximava de uma distribuição normal. Caso contrário, foi aplicado o teste não paramétrico de Mann-Whitney U. Em todas as comparações, adotou-se o nível de significância usual de 0,05. Os programas estatísticos utilizados foram o SPSS, versão 21, e o JAMOVI, versão 2.2.5.

As variáveis qualitativas foram resumidas por meio de frequências absolutas e relativas. Já as variáveis numéricas foram expressas utilizando-se medidas de tendência central, como médias, e medidas de dispersão, como desvios-padrão (DP), intervalos interquartis e valores mínimos e máximos.

RESULTADOS

Foram analisadas 120 notificações; contudo, uma notificação foi excluída da pesquisa devido a dados conflitantes. Assim, foram incluídas no estudo 119 notificações. Os dados foram categorizados e dispostos nesta seção.

A Tabela 1 apresenta a caracterização dos pacientes em relação à idade e ao sexo. A média de idade dos pacientes foi de 36,9 ± 19,8 anos, com variação de 1 a 83 anos. Quanto ao sexo, houve predomínio de homens (58%).

Tabela 1
Caracterização dos pacientes em relação aos dados demográficos (n = 119).

A Tabela 2 descreve os motivos da ME, sendo traumatismo cranioencefálico (TCE) a causa mais frequente, seguida de hemorragia subaracnóidea (HSA) e acidente vascular encefálico hemorrágico (AVEH).

Tabela 2
Motivos da ME.

A Tabela 3 apresenta comparações entre pacientes que tiveram ou não a captação de órgãos em relação a sexo, idade, local de internação e ano da realização. Todas as captações foram feitas no HGR em 2018, 2019 e 2020. Do ponto de vista estatístico, não foram encontradas associações significantes.

Tabela 3
Comparações entre os grupos que realizaram captação de órgãos.

A Tabela 4 apresenta o tempo médio entre a abertura do protocolo de ME e a comunicação/notificação à CET (TAPN) e o tempo médio em que ocorreram a abertura e a finalização do processo de captação de órgãos (TAFP). Esses tempos foram calculados com base nos dados de data da abertura do processo no hospital notificador, da notificação da CET e da finalização do processo.

Tabela 4
Comparação entre tempos de abertura e notificação e dos tempos de abertura e finalização do processo de captação divididos para o local de internação.

A Tabela 5 apresenta as características dos pacientes que tiveram os órgãos captados. Todas as captações ocorreram no HGR e todos os processos foram finalizados com órgãos ofertados a Central Nacional de Transplantes (CNT).

Tabela 5
Relação de doadores que efetivaram a cirurgia de retirada de órgãos.

A Tabela 6 apresenta a comparação entre os hospitais quanto aos motivos que levaram à não captação de órgãos.

Tabela 6
Comparações entre os hospitais quanto ao motivo para não captação.

Na Tabela 7, tem-se a comparação entre os hospitais quanto aos motivos de não efetivação.

Tabela 7
Comparações entre os hospitais quanto ao motivo da não efetivação.

A Tabela 8 representa a comparação entre os hospitais quanto aos motivos de não finalização do processo.

Tabela 8
Comparações entre os hospitais quanto ao motivo da não finalização.

DISCUSSÃO

As análises encontradas neste estudo corroboram alguns achados da literatura conforme discutido a seguir. A Tabela 1, que apontou o perfil dos PDs, demonstrou resultados semelhantes ao estudo de Leblebici66 Leblebici M. Prevalence and potential correlates of family refusal to organ donation for brain-dead declared patients: a 12-year retrospective screening study. Transplant Proc 2021;53(2):548-54. https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2020.08.015
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, que buscou determinar a prevalência e correlatos potenciais de recusa familiar à doação de órgãos para pacientes declarados com ME, por meio de análise retrospectiva de dados de 12 anos. A média de idade dos pacientes foi de 36,0 anos, com prevalência do sexo masculino (56,1%), assemelhando-se aos dados encontrados nesta pesquisa.

Já as causas mais encontradas por Leblebici66 Leblebici M. Prevalence and potential correlates of family refusal to organ donation for brain-dead declared patients: a 12-year retrospective screening study. Transplant Proc 2021;53(2):548-54. https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2020.08.015
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foram hemorragia intracraniana não traumática (58,5%) seguida por hemorragia intracraniana traumática (28%) e encefalite (13,4%). Esses achados diferem dos encontrados em RR, onde os principais motivos de ME encontrados foram TCE, com 27,73% dos casos, HSA, correspondendo a 15,12% das causas, e acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH), com a mesma porcentagem da HSA (Tabela 2). Quanto ao consentimento familiar, 51,2% dos familiares não consentiram a doação, enquanto 48,8% consentiram; neste estudo, a negativa familiar foi a terceira maior causa de não doação (Tabela 6).

Comparando os dados de RR com os do Brasil, o estudo de Santos77 Santos FGTD, Mezzavila VAM, Rodrigues TFCDS, Cardoso LCB, Silva MD, Oliveira RR, et al. Trend of transplants and organ and tissue donations in Brazil: a time series analysis. Rev Bras Enferm 2021;74(1):e20200058. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0058
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buscou identificar a tendência temporal das taxas de doadores efetivos de órgãos e tecidos e de notificações e tipos de órgãos transplantados por milhão da população no Brasil e detectou a tendência crescente de PD e doadores efetivos em todo o país, com aumento médio anual de 2,33 e 0,92, respectivamente. A região com maior taxa de PDs (83,8) e doadores efetivos (34,1) foi a Região Sul. A Região Norte apresentou os menores índices, com taxa de PDs de 20,2 e de doadores efetivos de 3,9, tendência persistente, como visto nos resultados obtidos em RR. Ainda no trabalho de Santos77 Santos FGTD, Mezzavila VAM, Rodrigues TFCDS, Cardoso LCB, Silva MD, Oliveira RR, et al. Trend of transplants and organ and tissue donations in Brazil: a time series analysis. Rev Bras Enferm 2021;74(1):e20200058. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0058
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, o principal motivo para efetivação da doação foi a recusa familiar, seguido por contraindicação médica, diferindo um pouco dos resultados de RR, que apresentaram como causas mais frequentes para não captação o óbito e a contraindicação médica (Tabelas 6, 7 e 8).

Apesar de os pacientes serem majoritariamente do sexo masculino, nas captações prevaleceu o sexo feminino, corroborando estudo semelhante, no qual verificou-se que, nos PD de órgãos e tecidos em que ocorreu a doação, o sexo com maior frequência foi o feminino (61,90%)88 Bonetti C, Boes A, Lazzari D, Busana J, Maestri E, Bresolin P. Doação de órgãos e tecidos e motivos de sua não efetivação. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017 [acesso em 10 Jun 2023];11(9):3533-3541. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/234483
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. Contudo, não houve diferenças quanto à captação. Em outro estudo semelhante realizado na Região Sul do Brasil, no qual foram analisados 102 prontuários de PD, foi observado que 56,86% dos pacientes eram do sexo feminino, com média de idade de 49 anos, em contraste com os resultados deste estudo. Já as causas da ME se assemelham aos resultados de RR, nos quais o autor verificou que 27,4% apresentaram HSA, 22,55% TCE e 22,55% AVCH88 Bonetti C, Boes A, Lazzari D, Busana J, Maestri E, Bresolin P. Doação de órgãos e tecidos e motivos de sua não efetivação. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017 [acesso em 10 Jun 2023];11(9):3533-3541. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/234483
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Ainda no estudo anterior, em 31,67% o motivo declarado para não doação foi, principalmente, recusa familiar, e 35% dos motivos para não doação foram óbito antes de iniciar ou concluir o protocolo de ME, contraindicação médica, paciente residente em comunidade terapêutica que necessitava de autorização judicial para ser doador e registro em RG de não doador88 Bonetti C, Boes A, Lazzari D, Busana J, Maestri E, Bresolin P. Doação de órgãos e tecidos e motivos de sua não efetivação. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017 [acesso em 10 Jun 2023];11(9):3533-3541. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/234483
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. Esses resultados são semelhantes aos encontrados em RR, incluindo o achado nesta pesquisa, de indígenas aldeados como fator de não doação. Nesse caso, os indígenas obedecem a normas próprias de sua cultura e, assim, não aceitam que seja realizada doação de órgãos entre os seus.

Esse estudo ainda demonstrou que 42 dos 102 pacientes foram doadores efetivos88 Bonetti C, Boes A, Lazzari D, Busana J, Maestri E, Bresolin P. Doação de órgãos e tecidos e motivos de sua não efetivação. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017 [acesso em 10 Jun 2023];11(9):3533-3541. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/234483
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; das 119 notificações analisadas, apenas em seis foram efetivadas as doações, número bem maior que os encontrados em RR. Todas as captações foram realizadas no HGR.

Na Tabela 4, tem-se a comparação entre os resultados das análises entre TAPN e TAFP, e observa-se que o tempo médio entre abertura e notificação foi menor no HGR em relação ao HCSA. Esse dado indica a possibilidade de haver maior agilidade na comunicação com as outras instituições relacionadas no HGR, facilitando o andamento do processo. Mesmo assim, como já discutido, o número de doações efetivadas foi ínfimo em relação ao número de notificações.

Na Tabela 3, a comparação entre os pacientes que realizaram ou não captação não obteve diferenças significativas no teste estatístico; observa-se a tendência de os doadores serem mais jovens e não haver doadores com menos de 10 anos de idade nem com mais de 60 anos. O estudo de Bertasi99 Bertasi RAO, Bertasi TGO, Reigada CPH, Ricetto E, Bonfim KO, Santos LA, et al. Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma organização de procura de órgãos. Rev Col Bras Cir 2019;46(3):e20192180. https://doi.org/10.1590/0100-6991e-201922180
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apresenta resultados que confirmam a tendência de o maior número de doações serem realizadas em jovens. O autor observou os dados de 1.772 PDs, nos quais, na comparação entre faixas etárias de doadores e não doadores, o maior número de doações ocorreu na faixa de 21 a 60 anos (519 doadores no total), com pico de doadores na faixa de 41-50 anos (165 doadores). O número de doações reduziu na faixa de 61-70 anos, com 64 doações, e após os 70 anos foram contabilizadas apenas quatro doações. Até os 10 anos de idade, foram encontrados 21 doadores, com o número aumentando na faixa de 11-20 anos, na qual foram realizadas 73 doações, demonstrando que o número de doadores tende a ser menor entre aqueles com menos de 10 e com mais de 60 anos.

No estudo de Bertasi99 Bertasi RAO, Bertasi TGO, Reigada CPH, Ricetto E, Bonfim KO, Santos LA, et al. Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma organização de procura de órgãos. Rev Col Bras Cir 2019;46(3):e20192180. https://doi.org/10.1590/0100-6991e-201922180
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, também foi observado que a maior parte dos PDs era do sexo masculino (57,39%), assim como os dados encontrados neste estudo, com a média de idade de 42,55 anos, um pouco acima da encontrada na Tabela 1. Sobre as causas de ME, a principal encontrada nesta pesquisa foi a vascular, com 996 casos (56,21%), seguida pela traumática em 501 (28,27%), neoplásica (neoplasias do sistema nervoso central) em 61 (3,44%), infecciosa em 26 (1,47%) e 188 classificados na categoria outros (10,61%).

Quanto aos doadores desse estudo, do total, 681 (38,43%) foram disponibilizados para doação – 293 (43,02%) do sexo feminino e 388 (56,98%) do sexo masculino –, sendo tal achado condizente com o descrito na Tabela 5, na qual a maioria dos doadores era do sexo feminino. Outros dados do autor também se assemelham aos resultados de RR, onde o principal motivo para não doação de órgãos foi a recusa familiar (42,8%) seguida por contraindicação médica (25,75%), parada cardiorrespiratória (PCR) (21,63%), sorologia positiva (4,21%) e não conclusão do protocolo de ME; em 60 casos (5,49%) não havia o motivo da não doação99 Bertasi RAO, Bertasi TGO, Reigada CPH, Ricetto E, Bonfim KO, Santos LA, et al. Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma organização de procura de órgãos. Rev Col Bras Cir 2019;46(3):e20192180. https://doi.org/10.1590/0100-6991e-201922180
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.

Na Tabela 4, foi feita a análise entre TAPN e TAFP, evidenciando que o HGR obteve os menores tempos, sendo mais ágil no processo que os outros hospitais. O HGR ainda foi o principal notificador e o único local dentre os cinco hospitais descritos na Tabela 4 a realizar as captações. O HGR é o principal hospital de referência de RR, onde são realizados atendimentos de urgência e emergência em média e alta complexidade. Localizado na capital do estado, Boa Vista, o hospital recebe pacientes da capital, de todos os municípios do estado e ainda atende pacientes da Venezuela e Guiana, países que fazem fronteira com RR. Por seu tamanho e relevância, torna-se o hospital com maior volume de pacientes, sendo o que notifica PD e realiza doações. O hospital ainda recebe muitos investimentos em ampliação e infraestrutura, o que pode colaborar para sua maior agilidade no processo de doação de órgãos1010 Governo de Roraima. Secretaria de Estado da Saúde. Unidade de Atendimento Capital. Boa Vista: SESAU; 2023 [acesso em: 09 Ago 2023]. Disponível em: https://saude.rr.gov.br/index.php/travel/regimento-da-saude/rede-de-atendimento/unidades-capital
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A realização do estudo em RR apresentou algumas limitações, entre essas, falta de informações de alguns pacientes no sistema, informações conflitantes de pacientes e mudança de algumas variáveis, como famílias que deram o consentimento à doação, porém o retiraram após alguns dias. Importante destacar que pacientes que sofreram PCR antes da captação não realizaram doação de córneas, pois o estado ainda não conta com a infraestrutura necessária para essa captação. Contudo, desde 2023, tem-se o projeto de construção e implantação do Banco de Tecido Ocular Humano (BTOC), já com local onde será construído, na cidade de Boa Vista, segundo informações fornecidas pela enfermeira responsável pela CET de RR. Na literatura pesquisada, poucos estudos foram encontrados sobre o tema, sendo alguns muito antigos, portanto, não incluídos neste estudo.

Apesar das limitações e dificuldades inerentes ao processo de doação de órgãos, não só em RR, mas em todos os estados brasileiros, são nítidos o esforço e a organização tanto das instituições quanto dos profissionais envolvidos para que sejam realizadas as doações. Com isso, é bastante válido que estudos nesse tema sejam desenvolvidos, preferencialmente com análise mais profunda dos casos, buscando também outros hospitais e/ou profissionais, a fim de conhecer melhor todos os fatores que influenciam a doação ou não de órgãos.

CONCLUSÃO

A realização deste estudo demonstrou que RR ainda enfrenta muitas dificuldades no que diz respeito à doação de órgãos, com número muito baixo de captações realizadas ao longo de 5 anos. Dos hospitais mencionados no estudo, apenas o HGR obteve sucesso, não havendo captações nos outros hospitais notificadores. Apesar dos esforços, RR segue a tendência da Região Norte, que apresenta os menores índices de doação de órgãos do Brasil. No entanto, observa-se uma crescente agilidade no processo de doação de órgãos, desde a abertura do processo até a captação de órgãos/finalização do processo, com a maioria ocorrendo no mesmo dia ou em até 1 dia.

Nas captações efetivadas, a maioria ocorreu no mesmo dia ou em 1 dia após a abertura do processo, sendo a captação realizada em 2020, possivelmente devido à pandemia da COVID-19, a mais longa, com 4 dias entre abertura e finalização do processo. Também houve captação de múltiplos órgãos e tecidos na maioria dos doadores, com apenas dois realizando a doação de apenas um órgão. Apesar de os estudos na literatura apontarem a recusa familiar como um dos principais motivos da não captação de órgãos, em RR, óbito e contraindicação médica foram as causas mais frequentes, sendo o não consentimento familiar, geralmente, a terceira maior causa de não captação.

Conclui-se, portanto, que vários pontos precisam ser melhorados para modificar o panorama apresentado em RR. É importante realizar mais estudos sobre o tema, com análise mais aprofundada dos dados, buscando solucionar os déficits listados aqui e outros que possam ser identificados, a fim de oferecer mais subsídios para a criação de novas estratégias para otimizar o processo de doação de órgãos no estado.

AGRADECIMENTOS

À Patrícia Renovato de Oliveira Freitas, Márcia Cristina Barbosa de Alencar Cavalcante, Angela Tavares Paes, Rômulo Leão e Karin Romano Posseguer.

  • FINANCIAMENTO

    Não se aplica.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Todos os dados foram gerados/analisados no presente artigo.

REFERÊNCIAS

Editado por

Editora de Seção: Ilka de Fátima Santana F. Boin https://orcid.org/0000-0002-1165-2149

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2023
  • Aceito
    07 Abr 2024
Associação Brasileira de Transplante de Órgãos Avenida Paulista, 2.001 - 17° andar Conj. 1.704/1.707, Cerqueira César - CEP: 01311-300, Tel: (55) 11 98243 - 3901 - São Paulo - SP - Brazil
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