Resumos
Os hematomas placentários executam funções desconhecidas em várias espécies. Na ovelha, estas estruturas ocorrem na zona arcada do placentônio (topos dos septos maternos), região onde ocorre a eritrofagocitose trofoblástica. A função real do hematoma é desconhecida na espécie bufalina, a qual é muito importante no nosso estudo. Há grande possibilidade de transferência de ferro para o feto através destas estruturas, que ocorrem por extravasamento de sangue materno em determinadas regiões dos vilos (junção materno-fetal). Foram usadas placentas de búfalos entre 4-5, 7-8, 9-10 meses de prenhez, imediatamente após sacrifício e fixadas por perfusão de vasos uterinos com paraformaldeído a 4% em 0,1M em tampão fosfato; após a perfusão, os placentônios foram fixados por imersão para microscopia de luz. Depois de 24 horas, as amostras foram cortadas e processadas para inclusão em "paraplast" e "historesina" e coradas pelos métodos de HE, azul de Toluidina, reações de Perls e PAS e tricromos de Gomori e Mallory. Os hematomas estavam presentes em determinadas regiões do placentônio, nos quais havia áreas hemorrágicas entre o epitélio uterino e o trofoblástico, nas placentas de 7-8 e 9-10 meses de prenhez. Células sangüíneas maternas foram encontradas nas células trofoblásticas, elucidando a eritrofagocitose.
Placenta; Epiteliocorial; Búfalo; Hematomas
The placental haematomes execute unknown functions in some species. In ewe this structures occur in an arcade zone of the placenton (tips of the maternal septa), region where occurs the trophoblastic erythrophagocytosis. The real function of the haematome is unknown in bufaline specie, which is very important in our study. There is great possibility of maternal-fetal transfer of iron across of these structures, that occur by extravasated maternal blood in determinate regions of the villi (maternal-fetal junction). Water buffalo placentae were used within 4-5, 7-8 and 9-10 months of pregnancy, immediately after sacrifice and fixed by perfusion the uterine vessels with paraformoldehyde 4% in 0,1M phosphate buffer; after perfusion, the placentons were fixed for light microscopy by immersion, too. After 24 hours, the pieces were cut and processed for embed in paraplast and historesin and staining by HE, Toluidine blue, Perls and PAS reactions, Gomori's and Mallory's tricrome. The haematomes were present in determinate regions of the placenton, which had haemorragic areas within the uterine and trophoblastic epithelium, in placentae of 7-8, 9-10 months of pregnancy. Maternal red cells were found into the trophoblastic cells, clearing the erythrophagocytosis.
Placenta; Epitheliochorial; Buffalo; Haematomes
Aspectos morfológicos dos hematomas placentários da placenta do búfalo (Bubalus bubalis bubalis ¾ Linnaeus, 1758)*
Morphological aspects of placental haematomes of water buffalo placenta (Bubalus bubalis bubalis ¾ Linnaeus, 1758)
Flávia Thomaz Verechia PEREIRA1; Maria Angélica MIGLINO2; Estela BEVILACQUA3; Ana Flávia de CARVALHO4
CORRESPONDÊNCIA PARA:
Maria Angélica Miglino
Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina Veterinária e
Zootecnia da USP
Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87
Cidade Universitária Armando de Salles
Oliveira - 05508-000 ¾ São Paulo ¾ SP
e-mail: miglino@usp.br
RESUMO
Os hematomas placentários executam funções desconhecidas em várias espécies. Na ovelha, estas estruturas ocorrem na zona arcada do placentônio (topos dos septos maternos), região onde ocorre a eritrofagocitose trofoblástica. A função real do hematoma é desconhecida na espécie bufalina, a qual é muito importante no nosso estudo. Há grande possibilidade de transferência de ferro para o feto através destas estruturas, que ocorrem por extravasamento de sangue materno em determinadas regiões dos vilos (junção materno-fetal). Foram usadas placentas de búfalos entre 4-5, 7-8, 9-10 meses de prenhez, imediatamente após sacrifício e fixadas por perfusão de vasos uterinos com paraformaldeído a 4% em 0,1M em tampão fosfato; após a perfusão, os placentônios foram fixados por imersão para microscopia de luz. Depois de 24 horas, as amostras foram cortadas e processadas para inclusão em "paraplast" e "historesina" e coradas pelos métodos de HE, azul de Toluidina, reações de Perls e PAS e tricromos de Gomori e Mallory. Os hematomas estavam presentes em determinadas regiões do placentônio, nos quais havia áreas hemorrágicas entre o epitélio uterino e o trofoblástico, nas placentas de 7-8 e 9-10 meses de prenhez. Células sangüíneas maternas foram encontradas nas células trofoblásticas, elucidando a eritrofagocitose.
Unitermos: Placenta; Epiteliocorial; Búfalo; Hematomas.
INTRODUÇÃO
Aplacenta de ruminantes possui uma estrutura macroscópica muito uniforme, baseada em áreas especializadas de aposição e proliferação das membranas materno-fetais: os placentônios. Mostrando um papel fundamental para o sucesso da prenhez, estas estruturas têm sido muito estudadas em várias espécies domésticas de interesse comercial.
A morfologia dos órgãos reprodutores dos búfalos assemelha-se àquela dos demais bovídeos. O primeiro estro ocorre aos 24-26 meses de idade e a puberdade aos 20 meses de idade. A média de idade da primeira parição ocorre entre 3-4 anos. O comportamento do búfalo no estro é de menor intensidade que nas vacas e é muito mais difícil de detectar. A média de duração do estro é de 12 a 28 horas. A ovulação ocorre ao redor de 10 horas após o término do estro. A média de duração do ciclo estral é de 21-22 dias e da prenhez é de 310 a 330 dias. O intervalo entre partos está entre 400 e 600 dias.
Com vistas a contribuir com o estudo a respeito da morfologia dos bufalinos, procurou-se elucidar algumas características morfológicas da placenta dos búfalos pretos. Estes animais apresentam cariótipo 2n (50), exceto os Carabao, que possuem diferente número de cromossomos, cariótipo 2n (48). Para este estudo utilizaram-se três grupos de animais em diferentes fases de prenhez: Grupo 1 (animais de 4-5 meses de prenhez), Grupo 2 (animais de 7-8 meses de prenhez) e Grupo 3 (animais de 9-10 meses de prenhez).
Sendo assim, este trabalho tem por objetivo caracterizar morfologicamente os hematomas placentários através de observações microscópicas ao longo da prenhez.
MATERIAL E MÉTODO
Para a realização deste trabalho, foram utilizadas 6 fêmeas de búfalas em diferentes fases da prenhez, provenientes de abatedouros ¾ frigoríficos de Ilha Solteira-SP, São João da Boa Vista-SP, Feira de Santana-BA.
Considerando que a prenhez da búfala é em média de 315 dias (10 meses), o material foi dividido em 3 Grupos : Grupo 1: 2 fêmeas bubalinas com 150 dias de prenhez (4-5 meses), Grupo 2: 2 fêmeas com 230 dias de prenhez (7-8 meses) e Grupo 3: 2 fêmeas com até 318 dias de prenhez (9-10 meses).
Em cada animal foram realizadas abertura da cavidade abdominal, determinação do corno uterino prenhe e retirada do útero com o seu conteúdo.
A seguir, fez-se uma incisão no sentido craniocaudal da cérvix uterina em direção ao corno gestante. As membranas fetais foram abertas e o feto e os líquidos fetais removidos. As medidas cefalococcígeas dos fetos (CR = "Crown - Rump") foram tomadas para determinar a idade de prenhez, conforme as fórmulas estabelecidas por Abdel-Raoulf e El-Naggar1apud Ribeiro10, onde Y = 74 + (9/2) X (para fetos com menos de 20 cm) e Y = 74 + (9/4) X (para fetos com mais de 20 cm), sendo que X é o comprimento ápice-sacro (A-S), equivalente à distância do ponto mais alto da cabeça (fronte) até a base da cauda, acompanhando a curvatura do corpo, e Y é a idade da prenhez a ser calculada inicialmente em dias. Após a determinação da idade, foi realizada a identificação dos fetos. Após inversão do útero, as áreas de interesse foram analisadas macroscopicamente, isoladas e fixadas com solução de paraformaldeídoc 4% em tampão fosfato 0,1M pH 7.4, para microscopia de luz. Ainda imersos no fixador, os placentônios próximos ao feto foram coletados, fragmentos menores destes foram então recortados e imersos novamente nos fixadores.
Concluído este procedimento, as amostras mantidas em fixador foram transferidas para o laboratório, onde o experimento teve continuidade.
Fixação e processamento do material para observação ao microscópio de luz
1) Processamento em "paraplast"
Os placentônios foram recortados em cubos com lados medindo aproximadamente 0,5 cm e colocados em solução fixadora de paraformaldeído 4 % em PBSa. Após a fixação, o material foi desidratado em uma série de etanóis em concentrações crescentes (de 70 a 100%) e diafanizado em xilol, seguido de inclusão em "paraplast"1.
2) Processamento em "historesina"
Para inclusão em metacrilato, as amostras também foram fixadas em paraformaldeído 4% em PBSc. Após a fixação, o material foi lavado em PBS, desidratado em etanol (concentrações crescentes de 50 a 100%) e finalmente infiltrado na proporção de 1:1 em solução infiltradora (50 ml de resina básica [glicolmetacrilato] e 0,5 ml de ativador [peróxido de benzoíla] /álcool 95º durante 2 horas e deixado para polimerizar em uma mistura de resina (15 ml de solução infiltradora e 1 ml de endurecedor, derivado do ácido barbitúrico-DMSO) à temperatura ambiente, de 4 a 6 horas ou em estufa a 37ºC, por 1 hora.
Foram então obtidos os cortes, com espessura de 4 a 6 µm para o material embebido em "paraplast" e de 3 µm para os incluídos em "historesina"d, que por sua vez foram rotineiramente corados pela hematoxilina de Harris e eosina, azul de Toluidina, tricrômicos de Gomori e Mallory, azul de metileno e fucsina básica, e reação histoquímica de PAS contracorada com hematoxilina de Harris e reação de Perls. Estas colorações foram utilizadas para morfologia e diferenciação da área de eritrofagocitose.
A terminologia utilizada segue as determinações do International Committee on Veterinary Gross Anatomical Nomenclature4 - Nomina Anatomica Veterinária, Nomina Histologica, Nomina Embriologica, 1994 e as sugestões de Miglino7.
RESULTADOS
Extravasamento de sangue na interface materno-fetal formando hematomas foi ocasionalmente observado no 7º mês de prenhez, sendo, no entanto, muito mais freqüente nas etapas finais, aos 9-10 meses de prenhez. Nestas regiões, as células trofoblásticas binucleadas mostram hemácias em seu interior, indicando eritrofagocitose, sugerindo transferência de ferro para o feto (Fig. 1a, b). Acredita-se que o feto utilize esse ferro extravasado da mãe para sua hematopoese, o que confirma os dados anteriores de bovinos e ovinos. As características morfológicas em microscopia de luz foram semelhantes nestas duas fases de prenhez estudadas, sendo que essas estruturas não apareceram nas placentas de 4-5 meses de prenhez.
DISCUSSÃO
A placenta dos ruminantes é descrita na literatura como sendo múltipla ou cotiledonária2,3, caracterizada pela presença de áreas especializadas de troca placentária, os placentônios, os quais estão separados por áreas intercotiledonárias de cório liso.
Os hematomas foram observados por Myagkaya et al.9 a partir dos 70 dias de prenhez, em ovelhas, tornando-se especialmente desenvolvidos após o 150o dia de prenhez8. Latshaw 5 também relata a presença de hematomas na 2ª metade da prenhez, na ovelha. Na placenta a termo do gato doméstico, Leiser; Enders6 também descrevem hematomas na região central da placenta zonária.
Hematomas são considerados fonte de ferro para o desenvolvimento embrionário, na medida em que as hemácias maternas são fagocitadas, digeridas pelo trofoblasto9. É possível que em búfalos estas observações também correspondam à transferência de ferro para o feto, nas fases finais da prenhez.
CONCLUSÕES
A presente investigação revelou a presença de hematomas na placenta epiteliocorial do búfalo. Estas estruturas foram observadas exclusivamente na base dos vilos coriônicos, nos estágios finais de prenhez (7-8, 9-10 meses de prenhez). Os hematomas placentários mostraram-se numerosos ao longo da interface materno-fetal de forma irregular e contendo variável quantidade de sangue materno extravasado. Células trofoblásticas de áreas adjacentes dos hematomas exibiram eritrofagossomas, sugerindo um processo de eritrofagocitose, como ocorre em outras espécies.
SUMMARY
The placental haematomes execute unknown functions in some species. In ewe this structures occur in an arcade zone of the placenton (tips of the maternal septa), region where occurs the trophoblastic erythrophagocytosis. The real function of the haematome is unknown in bufaline specie, which is very important in our study. There is great possibility of maternal-fetal transfer of iron across of these structures, that occur by extravasated maternal blood in determinate regions of the villi (maternal-fetal junction). Water buffalo placentae were used within 4-5, 7-8 and 9-10 months of pregnancy, immediately after sacrifice and fixed by perfusion the uterine vessels with paraformoldehyde 4% in 0,1M phosphate buffer; after perfusion, the placentons were fixed for light microscopy by immersion, too. After 24 hours, the pieces were cut and processed for embed in paraplast and historesin and staining by HE, Toluidine blue, Perls and PAS reactions, Gomori's and Mallory's tricrome. The haematomes were present in determinate regions of the placenton, which had haemorragic areas within the uterine and trophoblastic epithelium, in placentae of 7-8, 9-10 months of pregnancy. Maternal red cells were found into the trophoblastic cells, clearing the erythrophagocytosis.
UNITERMS: Placenta; Epitheliochorial; Buffalo; Haematomes.
REFERÊNCIAS
1- ABDEL-RAOULF e EL-NAGGAR, 1968 apud RIBEIRO, A. A. C. M., 1998, 182 p.
Recebido para publicação: 06/07/2000
Aprovado para publicação: 19/03/2001
Referências bibliográficas
- 2- DANTZER, V. Epitheliochorial Placentation. In: KNOBIL, E.; NEILL, J. D. Encyclopedia of reproduction San Diego: Academic Press, 1999. v. 1, p. 18-28.
- 3- HAFEZ, E. S. E. Foetal-maternal attachments in buffalo and camel. Indian Journal Veterinary Sciences and Animal Husbandry, v. 25, p. 109-115, 1955.
- 4- INTERNATIONAL COMMITTEE ON VETERINARY GROSS ANATOMICAL. Nomina Anatomica, Histologica, Embriologica Veterinária 4.ed. Zurich. World Association of Veterinary Anatomists, Gent, 1994. 405 p.
- 5- LATSHAW, W. K. Veterinary Developmental Anatomy. A Clinically Oriented approach Toronto: B. C. Decker Inc., 1987. 283 p. Extraembrionic membranes and placentation.
- 6- LEISER, R.; ENDERS, A. C. Light and electron microscopy study of the near-term paraplacenta of the domestic cat II. paraplacental hematoma. Acta Anatomica, v. 106, n. 3, p. 312-326, 1980.
- 7- MIGLINO, M. A. Pesquisa anatômica sobre a ramificação e distribuição das artérias e veias da placenta de bovinos, 1991. 303 f. Dissertação (Livre Docência) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
- 8- MURAI, T.; YAMAUCHI, S. Erythrophagocytosis by the trophoblast in a bovine placentome. The Japanese Journal of Veterinary Science, v. 48, n. 1, p. 74-87, 1986.
- 9- MYAGKAYA, G.; VREELING-SINDELAROVA, H. Erythrophagocytosis by cells of the trophoblastic epithelium in the sheep placenta in different stages of pregnancy. Acta Anatomica, v. 95, p. 234-248, 1976.
- 10- RIBEIRO, A. A. C. M. Estudo anatômico dos gânglios celíaco, celíaco-mesentérico e mesentérico cranial e de seus componentes aferentes em fetos de búfalos (Bubalus bubalis ¾ Linnaeus, 1758), 1998. 182 f. Dissertação (Doutorado) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jun 2002 -
Data do Fascículo
2001
Histórico
-
Aceito
19 Mar 2001 -
Recebido
06 Jul 2000