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0,999... = 1? Tudo que escrevi é falso... Entre histórias e paradoxos

0,999... = 1? Everything I wrote is false... Between stories and paradoxes

Resumo

0,999... é igual 1? Uma pergunta dispara histórias que se fazem, neste artigo, como um ensaio de escrita de e com uma sala de aula de matemática. A cada dízima periódica uma história é trazida. As histórias fazem parte da produção de uma pesquisa que pretende investigar a sala de aula de matemática, focando na formação docente, através da produção de pensares com o atravessamento da escrita. Como produção de dados de campo, histórias de aprendizagem junto à matemática, são acolhidas em diferentes contextos escolares. Para este texto, histórias de aprendizagem com matemática ensaiam, em meio à igualdade de 0,999... e 1, acontecimentos que invadem e inventam diferentes dimensões de produções de vida e de modos de relacionar-se com matemáticas escolares. Em processos de e com a escrita, paradoxos são compreendidos, junto a Deleuze, como a paixão do pensamento. Assume-se o risco de ir aos dois sentidos ao mesmo tempo: verdadeiro e falso, real e inventado, começo e fim. Esquartejar o sujeito: o bom pensador.

Matemáticas; Escritas; Paixão; Pensamento; Aprendizagens

Abstract

0.999... = 1? A question triggers stories, in this article, in a math classroom. With each tithe, a story is brought. The stories are part of the production of a research that is being carried out during the postdoctoral internship in Education, which intends to investigate the mathematics class, focusing on teacher training through the production of thoughts through writing. As field data production, mathematics-related learning stories are welcome in different school contexts. For this text, stories of learning with mathematics rehearse, amid equality of 0.999... and 1. Events that invade and invent different dimensions of life productions and ways of relating to school mathematics. In the processes of and with writing, paradoxes are understood, along with Deleuze, as the passion of thought. There is a risk of walking in both directions at the same time: true and false, real and invented, beginning and end. Dismembering the subject: the good thinker.

Mathematics; Writing; Passion; Thought; Learnings

0,111... = 1/9 - Eu não estava preparado

Enquanto isso na minha cabeça... Que tipo de pergunta é essa? 0,9999999... = 9/9 = 1? Onde já se viu? Como esse aluno pensou nisso? Não devia ter dado esse exemplo hoje! Vou ignorar, não deve ser nada. Depois eu explico isso! Ele não estava preparado para essa conversa mesmo. Está tudo bem, era o melhor a se fazer. Ou será que não? Vou terminar logo essa aula.

Mas, será que eu fiz certo? Ele consegue entender uma conversa matemática? Ele ainda está no primeiro ano, não deve entender direito... Então, foi o melhor sim. Ele realmente não estava preparado, vou parar de pensar nisso.

0,9999999... = 9/9 = 1? É claro que sim, é só arredondar. Mas se eu arredondar eu estou mudando o número e tomando ele como um outro conveniente. Ou não?

Será que ele não estava preparado para essa conversa? O que eu diria para ele?

Essa aula saiu do meu controle, será que não me preparei o suficiente? Eu poderia ter tirado aquele exemplo, ninguém ia pensar nisso!

Será que ele pensaria por conta própria? Ele foi sempre muito curioso, pode ser que sim. O que eu diria? É igual!! Ou não é? Claro que é igual! Mas tem uma pequena diferença... Claro que é igual, essa diferença é tão pequena, insignificante. Ele não estava preparado, certeza!

Eu não estava preparada... para essa conversa. Eu realmente não estava preparada.

***

0,222... = 2/9 – A Matemática me traiu

A matemática me traiu... eu gostava tanto dela, mas agora ela me traiu... Oh dó! Um mundo que cai...

Hoje o meu mundo caiu... Decepção! Fui traída. Mantinha com ela uma ótima relação, quase um caso de amor... Ela me sustentava, sustentava meu mundo. Quando tudo parecia incerto, inseguro, caótico ela aparecia e me lembrava que nem tudo estava perdido. Ao contrário, tudo estava certo, tudo ia dar certo porque ela estava ali, mostrando a exatidão das coisas, a certeza e a plenitude do mundo. Ah, como eu era feliz!!!

Hoje ela me traiu... Ela se mostrou incerta, insegura, quase caótica. Ela não poderia ter feito isso comigo! Que decepção! Como pode? Como ela pode fazer isso? Como? 0,9999999... = 9/9 = 1? Cadê a lógica, a certeza, a segurança?

Meu mundo caiu...

A matemática me traiu!

***

0,333... = 3/9 = 1/3 - Entre coisas da matemática e bolos...

Hoje as crianças estavam muito agitadas, quando servi o almoço já chegaram:

– Tia Rose!! Hoje a matemática nos traiu, o professor ficou até sem palavras na hora que eu perguntei, vê se pode!

Olha, eu nos meus vinte e cinco anos de merendeira desta escola, nunca tinha escutado algo tão absurdo… e olha que já escutei muita coisa! Claro que curiosa como eu sou, já fui rendendo a conversa:

– Como assim, meu filho? A matemática trair? Agora ela é ator da Globo?

– Não assim, Tia Rose, foi o seguinte: o professor estava falando sobre fração geratriz e ele apresentou uma que não deu tão certo.

– O que é isso, meu filho? Fração Geratriz? Vai gerar quem?

– Calma, tia, pensa assim: você vai partir um bolo em três pedaços iguais.

– De cortar bolo eu entendo… continua!

– Então eu vou pedir um pedaço: então, um terço do bolo.

– Até agora tá tudo tranquilo, vamos lá.

– Mas aí que tá, se a gente pegar 1 e dividir por 3, a calculadora dá um número infinito!! Acredita?

– Misericórdia, um número que nunca acaba? Mas eu consigo partir a torta, uai, como que dá um número infinito? O bolo acaba do mesmo jeito!

– Coisas da Matemática, tia! Mas voltando a fração geratriz, a ideia é que ele me dê um pedaço já cortado do bolo e vai querer saber a forma em que ele foi feito.

– Hummm, entendi, tá fazendo sentindo…

– E aí eu perguntei qual a forma de bolo que chega muito perto, tipo ser 0,9999999.... Aí ele me respondeu que é a forma toda do bolo, um, e aí foi onde me senti traído, né? Se ser 0,9999999... é ser a forma toda. Entendeu?

– Entendi sim, meu filho, mas eu já tenho a resposta para você! É fácil essa!

– Sério, tia Rose? A senhora entende matemática assim?

– Claro amore, é o seguinte: quando a gente vai desenformar o bolo, sempre fica um pouquinho agarrado no fundo do tabuleiro, porque a tia tem dia que esquece de untar direito o tabuleiro. Mas o bolo sai quase inteiro, o que fica é a rapa e não precisa preocupar com ela, aí fica o bolo inteiro.

Agora vai lá que o sino já bateu.

– Aí tia Rose! Só a senhora! Um beijão.

***

0,444... = 4/9 – Como ensinar?

Em uma disciplina do final do curso de licenciatura em matemática o problema recai sobre nós. Um problema que muitos achariam bobo, mas deu e está dando bastante problema. É o seguinte: em uma sala de aula do Ensino Médio, um certo professor está no quadro ensinando fração geratriz: 0,9999999... = 9/9 = 1. Uma aluna fica indignada. Esse problema foi colocado em debate várias vezes em aula e nunca chegamos a uma conclusão. Será que isso realmente é possível? Como pode um problema, que já tem uma prova matemática de muitos anos, trazer tanto desconforto assim? Será que nós estamos errados em problematizar algo trivial? Ou esse algo trivial, não é tão trivial assim?

Eu, um estudante do curso de licenciatura em matemática, sinto sim um desconforto com essa igualdade zero vírgula nove, nove, nove, nove, nove, nove... igual a um, e por que um adolescente do Ensino médio não sentiria? Como devemos nos comportar, como devemos responder, como devemos ensinar?

***

0,555... = 5/9 = Um problema dentro de outro problema

Era a última aula de matemática do dia. Eu, professor, já havia trabalhado o dia todo. A única coisa que passava pela minha mente era chegar em casa e desfrutar de um bom banho, um bom lanche e uma bela noite de sono. Quando, de repente, sou pego de surpresa por uma intrigante pergunta de um aluno, enquanto eu fazia uma revisão sobre fração geratriz:

– Professor 0,999... é ou não é igual a 1? Como podem dois números diferentes terem o mesmo valor? Se isso for verdade, então 2,999... também é igual a 3?

A sala fica em silêncio com a questão.

Eu, cansado, com a cabeça já na minha cama, tenho que voltar e aterrissar na sala de aula, ou melhor, tentar aterrissar dentro da cabeça do aluno para conseguir explicá-lo. Aliás, como explicar isso para ele? Se ele não estudou limite e não tem uma ideia formada sobre números infinitos? Enquanto eu pensava no que responder, escuto o aluno falando com o colega ao lado:

– É, agora a matemática me traiu.

No meio do meu silêncio, um turbilhão de sons se conflitava em minha mente tentando formar uma bela harmonia para que eu pudesse mostrá-la ao aluno. Talvez, a matemática tenha me traído também, pois não consegui encontrar uma forma coesa de respondê-lo naquele momento. Eu disse a ele:

– Acho que poderíamos pesquisar sobre assunto, hein pessoal?! Está lançado: –trabalho valendo ponto. Tema: 0,999... é igual a 1?

A turma logo se indigna com a dúvida do colega. A dúvida que gerou um trabalho. Trabalho que gerou um problema. Um problema dentro do problema. Problema para mim, professor, que teria que explicar para os alunos sobre a questão. Trabalho para os alunos que teriam que gastar tempo na busca da resolução da questão. Um problema maior: como mostrar ao aluno que, na verdade, a matemática não o traiu? Na realidade, o problema dentro do problema era mostrar à turma que a matemática não é tão exata quanto se pensa e nem sempre ela terá todas as respostas que se espera dela.

Os sons que soavam em minha mente, continuaram... Fizeram tanto barulho que tive som suficiente para me acompanhar no banho, no lanche e na minha noite. Sem sono.

***

0,666... = 6/9 – Era mais um dia comum numa sala de aula de Matemática. O tema da aula: frações geratrizes.

Uma sala de aula de matemática e uma formação docente denunciam: não há uma falsa imagem do pensamento; a negativa dessa frase não a torna verdadeira. Entre histórias e paradoxos, docentes, discentes e merendeiras vão para além das contradições e aquém das validações ou das refutações ao pensamento. Histórias de aprendizagem com matemática1 1 As histórias trazidas neste artigo fazem parte da produção de pesquisa de pós-doutorado em Educação, em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF. A pesquisa investiga a sala de aula de matemática, focando na formação docente, através da produção de pensares com o atravessamento da escrita. Em particular, na presente escrita, apresentam-se as histórias produzidas, durante o ano de 2022, na turma de “Reflexões sobre a atuação no espaço escolar – ensino de matemática I”, do Curso de Licenciatura em Matemática UFJF. Tais histórias foram registradas em https://padlet.com/martaoliveirajf/procura-se-quem-queira-contar-hist-rias-de-aprendizagem-com--hyx9xiykol7u8onz. contam o que acontece quando pensamentos invadem diferentes dimensões de produções de vida e de modos de relacionar-se com matemáticas escolares.

Histórias de aprendizagem com matemática efetuam-se e atualizam-se na temporalidade/espacialidade de acontecimentos: docente-casa-sala-aula, merendeira-intervalo-discente, discente-formação-universidade. Infinitos que não operam em uma unidade e nem com espaço fechado, onde as coisas são lineares e sólidas, distribuídos por leis exteriores e transcendes à formação docente.

Um paradoxo de Zenão2 2 O Paradoxo De Zenão “[...] Indica A Dificuldade De Se Somar Uma Infinidade De Quantidades Cada Vez Menores E de se conceber que essa soma possa ser uma grandeza finita. Na matemática atual, temos um problema análogo ao somar séries. Um exemplo simples para indicar a dificuldade de conceber que a soma de infinitas parcelas pode ser uma grandeza finita é mostrar que 0,999999… é igual a 1. A série que pode ser usada para traduzir o problema de Zenão é ½ + (½)2 + (½)3 cuja soma deve ser igual a 1 [...]” (Roque, 2012, p. 104). , vivido em linhas de formação em sala de aula de matemática a partir da problematização da igualação de 0,999... com 1. Para uma matemática acadêmica, esse paradoxo era, até a formalização das ideias de cálculo infinitesimal, considerado falsídico3 3 Os paradoxos podem ser classificados em Paradoxos Verídicos (aqueles que apresentam conclusões verdadeiras) e em Paradoxos Falsídicos (aqueles que apresentam conclusões falsas) (Dias, 1999, p. 53). , insolúvel.

Para uma matemática em sala de aula, trata-se, esse paradoxo, de um regime de multiplicidade não-métrico e qualitativo: enquanto conta histórias, produz matemáticas.

Para este texto, matemáticas que se constituem em histórias, com a própria matemática, enquanto se escreve: tudo que escrevi é falso; matemática que produz pensamento surpreendentes, que fazem entrar em um jogo que destrona a pretensa ordenação da intuição. O que se tem aqui são histórias que, em sua singularidade, não possuem começo ou fim: histórias que convocam uma coletividade; histórias que se transmutam em paradoxos linguísticos.

Em história de aprendizagem com matemática, que elemento confuso de sentido subsiste? Que aprendizagens exprimem movimentos e devires? Uma relação com uma linguagem, uma dimensão que foge dos contornos estruturais de categorias lógicas produzidos pela língua escrita, que extrapola seus limites e os inverte: real e inventado são colocados em xeque; verdadeiro e falso se perdem, se (com)fundem. Um paradoxo da linguagem: tudo que escrevi é falso; verdadeiro e falso, ao mesmo tempo.

Não se trata da produção de uma alternativa para se pensar a formação de docentes validando procedimentos e métodos, ou constituir premissas falsas e verdadeiras para constituição de um sujeito que viveu ou não viveu uma história. Trata-se de pensar em um sistema de atualizações, não de traduções, que conta histórias enquanto se escreve. Um deleite de/em paradoxo. “[...] Os paradoxos só são recreações quando são considerados como iniciativas do pensamento; não quando os consideramos com “a Paixão do pensamento”, descobrindo o que não pode ser senão pensado, o que não pode ser senão falado, que é também o inefável e o impensável [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 77). Uma constante interpenetração do pensamento em paradoxos4 4 “[...] O paradoxo é, em primeiro lugar, o que destrói o bom senso como sentido único, mas em seguida, o que destrói o senso comum como designação de identidade fixa [...]” (Deleuze, 1969, p. 3). . Daí, uma abordagem, uma política: assumir o risco, ir aos dois sentidos ao mesmo5 5 É pelo exercício disjuntivo que se pode pensar a multiplicidade, "[...] uma operação a partir da qual duas coisas ou duas determinações são afirmadas por sua diferença, isto é, não são objetos de afirmações simultâneas senão na medida em que sua diferença é ela própria afirmada, ela própria afirmativa. Não se trata mais, em absoluto, de uma identidade dos contrários, como tal inseparável ainda de um movimento do negativo e da exclusão. Trata-se de uma distância positiva dos diferentes: não mais identificar dois contrários ao mesmo, mas afirmar sua distância como o que os relaciona um ao outro enquanto ‘diferentes’ [...]” (Deleuze, 1969, p. 178). tempo, verdadeiro e falso. Esquartejar o sujeito, o bom pensador.

***

0,777... = 7/9 - Explico o conceito, a álgebra ali presente e passo alguns exercícios para ver se eles conseguiram pegar o que havia acabado de falar. Foi aí, então, que me deparo com a seguinte pergunta: – fessora, então 0,99999... = 1? Fico surpresa com a pergunta e foi aí, então, que o sinal do final da aula tocou. E fui salva da indagação. Não tenho aparatos suficientes para essa discussão

O que há entre 0,999... e 1? Nada?

– Tudo: infinidades, multiplicidades, salas de aulas, matemáticas, aprendizagens e e e...

O que há entre escritas de histórias de aprendizagem com matemática e os paradoxos em aulas de matemática? Nada?

– Tudo: infinitas possibilidades, constituição de mundos, aprendizagens enquanto se escreve histórias com matemáticas e e e...

O que há entre histórias que se escrevem em paradoxo6 6 Etimologicamente, paradoxo: para, contra ou contrário, e doxa, senso ou opinião. ? Nada?

– Tudo: dois sentidos ao mesmo tempo, explosão da bifurcação, múltiplos sentidos e e e...

O que há entre pensamentos que operam em linhas que escapam à doxa constituída pelo bom senso e pelo senso único? Nada?

– Tudo: diferenciar-se a cada pergunta: – o que há entre 0,999... e 1? Seguir todos os sentidos. Nada também é um sentido? Produzir histórias de aprendizagens em salas de aula, em matemáticas, em vidas e e e ...

Para a Matemática a resposta: nada está entre 0,999... e 1, um sentido, é fundada em dois aspectos: o bom senso e o senso comum. O bom senso determina a direção, para uma explicação da igualdade 0,999... = 1. O senso comum traz uma demonstração que gera a identificação. A Matemática sugere e exige a doxa7 7 A doxa se compõe, de modo complementar, pelo bom senso e o senso comum, constituindo a imagem do pensamento, o modelo da recognição ou a forma da representação que dele deriva: “[...] A imagem do pensamento é apenas a figura sob a qual universaliza-se a doxa, elevando-a ao nível racional. Mas, permanece-se prisioneiro da doxa, quando apenas se faz abstração de seu conteúdo empírico, mantendo-se o uso das faculdades que lhe correspondem e que retêm implicitamente o essencial do conteúdo [...]” (Deleuze, 2006, p, p. 134). .

Nessa lógica, para assuntos de dízima periódica, no nível da Educação Básica, o caminho que, talvez, produza uma explicação mais facilmente aceitável seria a algebrização. Usa-se sistema linear, como explicação:

χ = 0,999... (multiplicar por 10)

9x = 9

x= 9/9 = 1

9,999... (subtrair-se as equações)

Também, pode-se apropriar de recursos mnemônicos como:

0,111... = 1/9

0,222... = 2/9

0,333... = 3/9

0,444... = 4/9

0,555... = 5/9

0,666...= 6/9

0,777... = 7/9

0,888...= 8/9

0,999... = 9/9

Entretanto, o triunfante na Matemática, no Ensino Médio, é a soma de séries infinitas, que estabelece e prescreve a compreensão através da soma infinita de uma progressão geométrica. Esse triunfo é subsidiado pelo conceito de limite:

0 , 999 = 0 , 9 + 0 , 99 + 0 , 999 = a 1 1 q = 0 , 9 1 0 , 1 = 0 , 9 0 , 9 = 1

Independente da abordagem, o que sustenta a ideia é a produção de um caminho para se chegar ao verdadeiro, capturando o bom senso e assumindo em si o sentido único. Eis os seus fundamentos: uma Matemática que privilegia a forma, as demonstrações, a conformidade a um modelo que valide e que dê concordância ao pensamento, à verdade. Tem-se aí a essência da aprovação e da desaprovação, conferindo ao que se qualifica um caráter geral.

Por vezes, o triunfante constitui a própria marca da opressão e da recusa ao diferente. Tudo isso a serviço da boa explicação, do bom entendimento, do bom pensador e da boa direção. 0,999... e 1 sendo presos ao mesmo tempo, capturados. Entre os números: nada. Entre as abordagens, uma outra demonstração, uma prova por absurdo que estabelece sua igualdade, a partir do ≠ (diferente) ou = (igual). Uma metodologia, pretensamente, garantida pela cientificidade.

Existe um sentido determinado para se pensar o 0,999... e sua relação com o 1? Existe um sentido determinado para o pensamento?

A igualdade conferida legitima o pensador matemático. O sujeito, em uso da boa vontade, é capaz de conferir a afinidade do pensamento ao verdadeiro e, porque não dizer também, do verdadeiro ao pensamento. O sujeito estabelece um sentido correto ao pensamento, um caminho a se caminhar: “[...] ora, o bom senso se diz de uma direção: ele é senso único, exprime a existência de uma ordem de acordo com a qual é preciso escolher uma direção e se fixar a ela [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 78).

A impossibilidade da duplicidade de sentido, já expressada desde Aristóteles8 8 Em seus princípios Aristóteles afirma que “é impossível que uma coisa, ao mesmo tempo, seja e não seja” (Aristóteles, 2002, p. 3- 4). , fundamenta uma não-contradição: “[...] é necessário ou afirmar ou negar, do mesmo objeto um só dos contraditórios, qualquer que seja ele [...]” (Aristóteles, 2002ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Giovanni Reale. São Paulo: Loyola, 2002., p. 25). Um não à contradição, ao paradoxo, à loucura?

Ora, o bom senso é a afirmação de que há um sentido presumível e determinável, enquanto o outro pilar da doxa, o senso comum, vai submeter a diversidade à identidade. “[...] O senso comum identifica, reconhece, não menos quanto o bom senso prevê [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 80). Uma qualificação estática, que tem o bom senso como seu complemento, para a conformação do pensamento ortodoxo.

A igualação de suas partes, 0,999... e 1, só é determinada pela forma identidade do senso comum dos princípios matemáticos, que submetem a instância capaz de determinar e de fixar começos e fins. A igualdade conferida traz a exatidão: nem maior e nem menor, não existe nada fora da igualdade, nada fora da razão estabelecida. A diferença constitui-se em um absurdo, em caminho incerto e vacilante, é uma não-verdade que só existe para legitimar o verdadeiro. “[...] A forma do conceito como forma de identidade que constitui ora o em-si do representado (A é A), ora o para-si do representante (Eu=Eu). O prefixo RE, na palavra representação, significa a forma conceitual do idêntico que subordina as diferenças [...]” (Deleuze, 2006DELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução: Luiz B. L. Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006., p. 93).

Daí, na escola, farelos de bolos são frutos de uma forma considerada mal untada. Não representa a comensurabilidade dos números racionais.

Do princípio da identidade à demonstração, através da enunciação A é A, identificar não é senão o oferecer uma causa primeira, uma origem única, um estabelecimento dos fundamentos. Na Matemática, racionar é identificar.

Com Aristóteles, concebe-se que a identidade é o princípio verdadeiro, já que não é possível chegar à verdade sem a identidade. Com isso, a diferença é sinal de não-verdade, está sempre presa à negação da afirmativa. O conceito de diferença aristotélico se dá a partir da oposição e constitui a lógica produzida pela racionalidade ocidental.

A identidade torna-se o princípio fundamental do pensamento filosófico, arraigado na Matemática. Enquanto a diferença é a discordância, satânica. A diferença é tratada como erro, como absurdo, como uma falsa ideia do pensamento, como “uma desventurara do pensamento.” (Deleuze, 2006DELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução: Luiz B. L. Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006., p. 215).

Essa forma de pensamento possui um endereçamento, uma finalidade e uma afinidade. Instaura, a partir de premissas, a identidade 0,999...= 1 recorrendo à doxa para sustentar-se, fazendo da Matemática a própria doxa. A Matemática fundamenta-se no sentido único que produz a exatidão e, ao mesmo tempo, a servidão do pensamento ao já pensado e já concebido. Uma direção que persegue o verdadeiro, o belo, o real, sem questionar os fundamentos que os constituíram como tal. Assumindo a crença no cogitatio natura universalis, em um ser humano capaz de pensar naturalmente.

***

0,888... = 8/9 - São problemas assim que compõem o cotidiano da sala de aula de matemática e que nós professores temos que lidar...

Nas histórias de aprendizagem com matemática, docentes-discentes-merendeiras questionam as identidades estabelecidas, conjuram e reivindicam salas de aula-casas-universidades e reivindicam dois sentidos ao mesmo tempo: produzem histórias que deixam suspenso o real e o inventado e destituem começos e fins.

Com essas histórias, a matemática se submete e fracassa em todas as suas provas ortodoxas. Quanto ao bom senso: exata e não exata, verdadeiro e falso, real e inventado, início e fim... tudo ao mesmo tempo. Contradições que se fazem simultaneamente. A contradição faz parte das proposições de existência. Quanto ao senso comum, questiona-se: que senso? À medida que não reconhece o objeto matemático, não reconhece mais a matemática soberana e, exclusivamente, exata. Ela trai, é incerta. Que matemática é essa que produz incertezas na quais tudo que escrevi é falso? Uma matemática Em Paradoxo linguístico, em sala de aula: “A linguagem atinge sua mais alta potência com a paixão do paradoxo” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 81).

Com a linguagem habitam-se duas direções inseparáveis: tudo que escrevi é falso. Uma matemática em sala de aula é animada por essa escrita paradoxal, coexistente nas duas direções ao mesmo tempo, falso e verdadeiro, real e inventado, começo e fim, instigante para ir além e aquém da própria doxa que a constitui, já que não se trata de crer ou não crer em algo, mas explodir as estruturas que constituem a própria noção de sujeito. Esquarteja o bom, o verdadeiro, o pensador e o bom ensinamento.

Subverter a imagem ortodoxa do pensamento, questionar seus fundamentos. Opor-se às teorias do exercício concordante das faculdades. Destituir o sujeito. Abalar o princípio de identidade, cujo modelo é o decalque ou a reprodução.

É porque todo mundo pensa naturalmente que se presume que todo mundo saiba implicitamente o que quer dizer pensar. A forma mais geral da representação está, pois, no elemento de um senso comum como natureza reta e boa vontade [...] (Eudóxio e ortodoxia) (Deleuze, 2006DELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução: Luiz B. L. Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006., p. 192).

O clímax da harmonia das faculdades é uma natureza reta do pensamento e uma boa vontade do pensador, que constituem o modelo da recognição: “[...] um exercício concordante de todas as faculdades sobre um objeto suposto como sendo o mesmo: é o mesmo objeto que pode ser visto, tocado, lembrado, imaginado, concebido [...]” (Deleuze, 2006DELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução: Luiz B. L. Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006., p. 194).

O modelo de recognição é mantido por um pensamento naturalmente reto, impedindo o rompimento com a doxa. Acredita e assume sentido único a partir do bom senso, em uso de métodos (demonstrações), que vão garantir a exorcização dos pensamentos desviantes, substituindo o falso pelo verdadeiro. A recognição tem em seu princípio o modelo: do bom, do belo, do verdadeiro, do importante, do real, do natural e do começo. Recorre-se sempre à recognição para acalmar o pensamento. O pensamento passa a ser um reconhecimento. A concordância das faculdades mantém o pensamento naturalmente reto e estabelece a identidade entre os objetos.

Uma educação escolar acolhe o modelo da recognição de bom grado, validando a premissa de que existe um caminho para que todos pensem corretamente.

Entretanto, a recognição não se constitui apenas no reconhecimento do já sabido, já visto, já observado, mas atribui valor sobre o objeto visto, percebido e observado. Subjetivamente e objetivamente, o senso comum, instaura a unidade do sujeito pensante, fundamentando a concordância das faculdades.

Em seu aspecto subjetivo o

[...] senso comum subsume faculdade diversas da alma ou órgãos diferenciados do corpo e os refere a uma unidade capaz de dizer Eu: é um só e mesmo eu que percebe, imagina, lembra-se sabe etc.; e que respira, que dorme, que anda, que come... A linguagem não parece possível fora de um tal sujeito que se exprime ou se manifesta nela e que diz o que ele faz [...] (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 80).

No aspecto objetivo,

[...] subsume a diversidade dada e a refere à unidade de uma forma particular de objeto ou de uma forma individualizada de mundo: é o mesmo objeto que eu vejo, cheiro, saboreio, toco, o mesmo que percebo, imagino e do qual me lembro... e é no mesmo Mundo que respiro, ando, fico em vigília ou durmo, indo de um objeto para outro segundo as leis de um sistema determinado. Aí ainda a linguagem não parece possível fora de tais identidades que designa [...] (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 80).

Opor-se ao bom senso e ao senso comum: eis a potência dos paradoxos. “[...] O paradoxo como paixão descobre que não podemos separar duas direções, que não podemos instaurar um senso único para o sério do pensamento, para o trabalho, nem um senso invertido para as recreações e os jogos menores [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 79).

O paradoxo não consiste, portanto, em avançar no sentido oposto ao sentido atualmente em desenvolvimento, mas em afirmar simultaneamente a divergência dos divergentes, em suas dimensões subjetiva e objetiva.

Subjetivamente, o paradoxo despedaça o exercício comum e põe cada faculdade diante de seu próprio limite, diante de seu incomparável, o pensamento diante do impensável que, todavia, só ele pode pensar, a memória diante do esquecimento, que é também o seu imemorial, a sensibilidade diante do insensível, que se confunde com o seu intensivo... [...] Objetivamente, o paradoxo faz valer o elemento que não se deixa totalizar num conjunto comum, mas também a diferença que não se deixa igualizar ou anular na direção de um bom senso [...]” (Deleuze, 2006DELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução: Luiz B. L. Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006., pp. 320-321).

Subverter e perverter a lógica aristotélica, o princípio da identidade, dar lugar à diferença, não como princípio, mas como meio, pelo meio. Não significa produzir uma identidade dos contrários, identificando dois contrários, já que esses se configuram no movimento de negação e de exclusão, “[...] mas afirmar sua distância como o que os relaciona um ao outro enquanto ‘diferentes’ [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 178).

Não se inverte o bom sentido apenas seguindo pela direção oposta:

[...] Bastaria então dizer que o paradoxo segue a outra direção oposta à do bom senso e vai do menos diferenciado ao mais diferenciado, por um capricho que seria somente um divertimento do espírito? Para retomar exemplos célebres, é certo que se a temperatura fosse se diferenciando ou se a viscosidade se fizesse acelerante, não poderíamos mais “prever”. Mas por quê? Não porque as coisas se passariam no outro sentido. O outro sentido seria ainda um senso único. Ora, o bom senso não se contenta em determinar a direção particular do senso único, ele determina primeiro o princípio de um sentido único em geral, reservando-se o direito de mostrar que este princípio, uma vez dado, nos força a escolher tal direção de preferência a outra. De tal forma que a potência do paradoxo não consiste absolutamente em seguir a outra direção, mas em mostrar que o sentido toma sempre os dois sentidos ao mesmo tempo, as duas direções ao mesmo tempo. [...] Se a viscosidade se fizesse acelerante, ela arrancaria os móveis ao repouso, mas em um sentido imprevisível. Em que sentido, em que sentido? [...] (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 79).

O princípio da não contradição não se manifesta pelo caminho da contradição, mas pela disjunção inclusiva (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969.). Afirmar a diferença a partir da operação de disjunção, por intermédio do princípio da diferença: relações agenciadas pela conjunção e. Ao tomar o e não se chega a um sentido oposto, mas a dois sentidos divergentes: deste modo, tampouco há como saber para qual lado seguirá o processo, pois ele encontra-se bifurcado. Um processo sempre inventado, um caminho imprevisível: “[...] A força dos paradoxos reside em que eles não são contraditórios, mas nos fazem assistir à gênese da contradição. O princípio de contradição se aplica ao real e ao possível, mas não ao impossível do qual deriva, isto é, aos paradoxos ou antes ao que representam os paradoxos [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 77).

Refutar o princípio da identidade que legitima a representação, destituir seus fundamentos. Movimentar-se entre as coisas, permitir passagens pelo meio, deixando escapar a diferença, significa também, destronar o verbo ser, o é como produção de igualdade, 0,999... é 1.

A representação é o fundamento que tudo conhece, que pensa a diferença sempre em relação a algo já pensado, já concebido: “A representação tem apenas um centro, uma perspectiva única e fugidia, portanto, uma falsa profundidade; ela mediatiza tudo, mas não mobiliza nem move nada.” (Deleuze, 2006DELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução: Luiz B. L. Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006., p. 93).

Como libertar a diferença da sua representação aristotélica, presa aos fundamentos de contradição e de negação? Como reivindicar um pensamento que diga sim à divergência, que afirme o pensamento múltiplo?

Produzir pensamentos que não se limitem e não se sucumbam a coações da instauração do mesmo. Habitar a paixão ao pensamento que falsifica uma resposta, que não obedece ao modelo de educação escolar. Permitir ao pensamento a inclinação aos problemas insolúveis, que estão abertos, à medida em que se libertam das amarras do já reconhecido e da repetição do mesmo.

Apaixonar-se por uma escrita desviante, movida pelo desejo que escorre em palavras, impulsionadas pelos próprios problemas. Dar passagem, assim como Alice a um novo mundo: um beba-me e um tornar-se pequeno, envolvendo-se com a força dos problemas; um coma-me e um afogar-se em lágrimas. Jogar um jogo diferente do já conhecido, desrespeitar as regras e a ordem instituída. Ter a sentença de sua cabeça cortada pela Rainha de Copas. Alimentar-se do impossível e afogar-se nele: ser tão pequeno e habitar um entre 0,999 e 1. Diferenciar-se: a cada dízima periódica; a cada sala de aula de matemática, a cada pergunta – o que há entre 0,999... e 1?

Tudo! Há aprendizagens com matemática enquanto se escreve histórias. Uma aprendizagem que incide sobre a vida na medida em que compreende o aprender como processualidade naquilo que se vive, daquele que vive. Os efeitos dessa dimensão de aprendizagem, na formação docente, podem ser concebidos junto às intensidades diferenciadas, das problematizações que são colocadas no viver, das linhas que constituem os modos como o professor torna-se o que é, o que vai sendo... violentando o pensamento, forjando caminhos inesperados e diferenciados no aprender. “[...] Se não deixam que você fabrique suas questões, com elementos vindos de toda parte, de qualquer lugar, se as colocam a você, não tem muito o que dizer [...]” (Deleuze; Parnet, 1998DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998., p. 9).

Deslocar a escrita, a problematização de 0,999... = 1, para além e aquém das demonstrações e das traduções; estar com o que acontece em sala de aula, assumindo o caráter humano, demasiado humano, da matemática em seus diferentes sentidos. Sim, aprendizagens!!! Docentes-discentes seguem na colocação dos problemas, que não desaparecem em respostas, nem em artigo. A formulação de seus problemas consiste na atividade do pensamento. Com suas escritas, convidam a pensar os problemas de outro lugar, de um lugar da força do problema, casa-escola-universidade. E, por isso, caminham ao mesmo tempo na bifurcação do ficcional e o não ficcional, do verdadeiro e do falso, do errado e do certo, do começo e do fim, do legitimado e do invalidado, do nada e do uno.

Caminhar na bifurcação, um impossível do pensamento, em condições da temporalidade/espacialidade? Um paradoxo?

Afirmar a potência paradoxal de que dois números diferentes podem ser iguais, dois números diferentes podem ser uma fração; de que uma mesma história conta diferentes dimensões vida, uma vida produz modos de relacionar-se com diferentes matemáticas e “tudo que escrevi é falso. “[...] Não se trata mais de uma identidade dos contrários, como tal inseparável ainda de um movimento do negativo e da exclusão. Trata-se de uma distância positiva dos diferentes: não mais identificar dois contrários do mesmo modo [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 178).

Em cada escola-casa-universidade, uma história de aprendizagem com matemática acontece, ao mesmo tempo, em seus vários sentidos.

Em cada linha, uma outra história de aprendizagem com matemática.

Um paradoxo: contar uma história que acontece enquanto se escreve:

0,111... = 1/9 – Eu não estava preparado,

0,222... = 2/9 – a Matemática me traiu.

0,333... = 3/9 = 1/3 – Entre coisas da matemática e bolos:

0,444... = 4/9 – Como ensinar?

0,555... = 5/9 – Um problema dentro de outro problema:

0,666...= 6/9 – Era mais um dia comum numa sala de aula de Matemática, onde os alunos aprendiam frações geratrizes.

0,777... = 7/9 – Explico o conceito, a álgebra ali presente e passo alguns exercícios para ver se eles conseguiram pegar o que havia acabado de falar. Foi aí então que me deparo com a seguinte pergunta – fessora, então 0,99999... = 1? Fico surpresa com a pergunta e foi aí então que o sinal do final da aula tocou. E fui salva de tal indagação. Pois não tenho aparatos suficientes para tal discursão.

0,888...= 8/8 – São problemas assim que compõem o cotidiano da sala de aula de matemática e que nós professores temos que lidar...

***

0,999... = 9/9 = 1 - Tudo que escrevi é falso.

***

Referências

  • ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Giovanni Reale. São Paulo: Loyola, 2002.
  • DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969.
  • DELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução: Luiz B. L. Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.
  • DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998.
  • DIAS, C. M. C. Compêndios de matemática e de lógica matemática: uma abordagem extemporânea. 2. ed. Curitiba: C. M. Corrêa Dias, 1999.
  • ROQUE, T. História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
  • 1
    As histórias trazidas neste artigo fazem parte da produção de pesquisa de pós-doutorado em Educação, em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF. A pesquisa investiga a sala de aula de matemática, focando na formação docente, através da produção de pensares com o atravessamento da escrita. Em particular, na presente escrita, apresentam-se as histórias produzidas, durante o ano de 2022, na turma de “Reflexões sobre a atuação no espaço escolar – ensino de matemática I”, do Curso de Licenciatura em Matemática UFJF. Tais histórias foram registradas em https://padlet.com/martaoliveirajf/procura-se-quem-queira-contar-hist-rias-de-aprendizagem-com--hyx9xiykol7u8onz.
  • 2
    O Paradoxo De Zenão “[...] Indica A Dificuldade De Se Somar Uma Infinidade De Quantidades Cada Vez Menores E de se conceber que essa soma possa ser uma grandeza finita. Na matemática atual, temos um problema análogo ao somar séries. Um exemplo simples para indicar a dificuldade de conceber que a soma de infinitas parcelas pode ser uma grandeza finita é mostrar que 0,999999… é igual a 1. A série que pode ser usada para traduzir o problema de Zenão é ½ + (½)2 + (½)3 cuja soma deve ser igual a 1 [...]” (Roque, 2012ROQUE, T. História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas. Rio de Janeiro: Zahar, 2012., p. 104).
  • 3
    Os paradoxos podem ser classificados em Paradoxos Verídicos (aqueles que apresentam conclusões verdadeiras) e em Paradoxos Falsídicos (aqueles que apresentam conclusões falsas) (Dias, 1999DIAS, C. M. C. Compêndios de matemática e de lógica matemática: uma abordagem extemporânea. 2. ed. Curitiba: C. M. Corrêa Dias, 1999., p. 53).
  • 4
    “[...] O paradoxo é, em primeiro lugar, o que destrói o bom senso como sentido único, mas em seguida, o que destrói o senso comum como designação de identidade fixa [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 3).
  • 5
    É pelo exercício disjuntivo que se pode pensar a multiplicidade, "[...] uma operação a partir da qual duas coisas ou duas determinações são afirmadas por sua diferença, isto é, não são objetos de afirmações simultâneas senão na medida em que sua diferença é ela própria afirmada, ela própria afirmativa. Não se trata mais, em absoluto, de uma identidade dos contrários, como tal inseparável ainda de um movimento do negativo e da exclusão. Trata-se de uma distância positiva dos diferentes: não mais identificar dois contrários ao mesmo, mas afirmar sua distância como o que os relaciona um ao outro enquanto ‘diferentes’ [...]” (Deleuze, 1969DELEUZE, G. Lógica do Sentido. Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1969., p. 178).
  • 6
    Etimologicamente, paradoxo: para, contra ou contrário, e doxa, senso ou opinião.
  • 7
    A doxa se compõe, de modo complementar, pelo bom senso e o senso comum, constituindo a imagem do pensamento, o modelo da recognição ou a forma da representação que dele deriva: “[...] A imagem do pensamento é apenas a figura sob a qual universaliza-se a doxa, elevando-a ao nível racional. Mas, permanece-se prisioneiro da doxa, quando apenas se faz abstração de seu conteúdo empírico, mantendo-se o uso das faculdades que lhe correspondem e que retêm implicitamente o essencial do conteúdo [...]” (Deleuze, 2006, pDELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução: Luiz B. L. Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006., p. 134).
  • 8
    Em seus princípios Aristóteles afirma que “é impossível que uma coisa, ao mesmo tempo, seja e não seja” (Aristóteles, 2002, p. 3- 4).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2023
  • Aceito
    08 Set 2023
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