Open-access De los rituales: consideraciones a partir del análisis de dos guías de actividades de matemática elaborados para una Escuela Técnica

bolema Bolema: Boletim de Educação Matemática Bolema 0103-636X 1980-4415 UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Pesquisa; Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Resumen El artículo estudia dos guías de actividades de matemática elaborados para el uso en la Escuela Técnica de Ouro Preto (Minas Gerais, Brasil) en los años de 1964 y 1982, respectivamente, teniendo como fuente complementar un cuaderno escolar de Matemática, de 1968. El referencial teórico metodológico es dado por la Hermenéutica Profunda, de Thompson, y por el concepto de paratexto editorial, de Genette. Exponiendo estos fundamentos, el texto se dedica a describir la estructura de las fuentes que sustentan análisis cuyas comprensiones permiten afirmar que estos materiales son parte de un ritual corporativo que sustenta y promueve, muchas veces a pesar de la propia Matemática, la excelencia de la institución. Numa página do Tratado de Arquitetura, Filarete, depois de afirmar que é impossível construir dois edifícios perfeitamente idênticos – assim como, apesar das aparências, as ‘fuças tártaras, que têm todas a mesma cara, ou as da Etiópia, que são todas negras, se olhares direito, verás que existem diferenças nas semelhanças’ – admitia que existem ‘muitos animais que são semelhantes uns aos outros, como as moscas, formigas, vermes e rãs e muitos peixes, que daquela espécie não se reconhece um do outro’. Aos olhos de um arquiteto europeu, as diferenças mesmo pequenas entre dois edifícios (europeus) eram relevantes, as entre duas fuças tártaras ou etíopes, negligenciáveis, e as entre dois vermes ou duas formigas, até inexistentes. Um arquiteto tártaro, um etíope desconhecedor de arquitetura ou uma formiga teriam proposto hierarquias diferentes. (Carlo Ginzburg em Mitos, Emblemas e Sinais) Estudar a História significa submeter-se ao caos, sem deixar de ter fé na ordem e no significado. É uma tarefa muito séria, meu jovem, possivelmente trágica. (Herman Hesse em O Jogo das Contas de Vidro) 1 Da caracterização da fonte: caso geral Se este texto tratará de analisar apostilas usadas na Escola Técnica de Ouro Preto, parece ser interessante, antes, tentarmos caracterizar minimamente a natureza desse tipo específico de material instrucional. Há inúmeros materiais instrucionais, cuja função é, de um modo ou outro, apoiar a atuação de professores e alunos, organizar conteúdos, sistematizar métodos, motivar compreensões, imprimir alguma diversificação ao movimento de ensino e aprendizagem. São materiais instrucionais os jogos, as maquetes, os kits de laboratório, vídeos, equipamentos e programas computacionais etc., mas ainda mais usualmente presentes nas salas de aulas estão os materiais instrucionais escritos, em suporte de papel – mais recentemente os digitais –, que atendem a uma diversidade de nomenclaturas: há os livros didáticos, as apostilas, os impressos didáticos, os livros paradidáticos, as notas de aula, os apontamentos, os manuais etc. Aqui nos interessam, mais particularmente, as apostilas, e talvez uma caracterização desses materiais possa ser mais produtivamente feita em comparação aos livros didáticos. Câmara (2012, p. 4)1 situa o livro didático e a apostila como gêneros de um gênero didático-pedagógico, ou seja, um subgênero que se dá “no interior de um tipo de discurso ‘didático’ que por sua vez faz parte de um conjunto maior, o tipo de discurso ‘educacional’, realizado em um lugar institucional escolar entre os parceiros específicos envolvidos no processo”. Essa caracterização – que segue as disposições de Dominique Maingueneau (2001) –, como todas as caracterizações, é feita num terreno ainda em disputa, dada a dificuldade natural de estabelecer definições, classificações e caracterizações, posto que iniciativas desse teor são, sempre, dependentes do agente que define, classifica e caracteriza, bem como são elas de natureza histórica, marcadas, portanto, por alterações e manutenções dependentes do momento e das condições em que são realizadas2. Notemos, a título de exemplo, que essa mesma autora situa, como marco histórico relativo às apostilas, as experiências realizadas em cursinhos preparatórios para os exames vestibulares, quando o livro didático passou a ser “gradativamente substituído pela apostila em muitas instituições. Agregou-se à apostila valores tais como modernidade, atualização, proximidade, custos mais acessíveis, entre outros, a fim de promover sua inscrição” (Maingueneau, 2001, p. 4) no universo escolar. No Brasil, os cursinhos começaram a operar ao final da década de 1960, início da de 1970, como alternativa complementar que visava o acesso de estudantes secundaristas à universidade quando, num panorama de baixa qualidade do ensino público (Fonseca; Villela, 2014), enfrentávamos uma superlotação universitária e o fenômeno dos excedentes, [...] candidatos que obtinham média nos vestibulares mas não conseguiam matricular-se nas escolas de nível superior devido ao número de aprovados extrapolar o número de vagas disponíveis, o que contribuiu substancialmente com a crise educacional que caracterizou o período e foi disparadora de movimentos estudantis contrários ao regime militar instaurado (Prado; Garnica, 2019, p. 6). Esse grande fluxo de estudantes que deixava o ensino secundário e não encontrava vagas nas universidades, ainda que não tenha sido o único, foi um dos principais motivadores das reformas universitárias que se seguiram, principalmente na década de 1970, sendo responsável também pela criação de cursos preparatórios específicos que adotavam como material didático uma novidade: as apostilas. Essa afirmação, entretanto, ainda que pertinente e historicamente consistente, se tomada à risca, como marcando o locus da criação e uso de apostilas, deixa escapar a circulação, já no século XIX, de materiais com função similar a desses materiais (Valente, 2008). No caso das apostilas, outra constatação óbvia das implicações historiográficas de qualquer caracterização pode ser feita: apostilas eram, inicialmente, materiais mais artesanais, graficamente singelos, encadernados em espiral3 e usados internamente em uma ou algumas redes de instituições educacionais (grande parte delas privadas), o que já não ocorre na atualidade, posto que esses materiais se tornaram commodities extremamente lucrativas num ambiente em que predominam grandes sistemas de ensino, com mecanismos de comercialização e divulgação que alcançam até a rede pública de ensino, e mesmo as editoras classicamente dedicadas à produção de livros didáticos têm, hoje, setores especializados na elaboração de apostilas. Toda caracterização, portanto, estará sujeita a exceções, complementações e argumentações, sendo, muito embora, mesmo consideradas essas limitações, um expediente importante para entendermos a natureza daquilo que se tenta caracterizar. Em seu estudo, Câmara (2012, p. 4-5) expõe uma afirmação dificilmente contestada mesmo à luz das caracterizações sempre sujeitas à revisão: livro didático e apostila mantém, como diferenciação significativa, a “relação entre profundidade e superficialidade dos conteúdos temáticos /.../. Verificamos que, de fato, as apostilas apresentam os conteúdos de forma mais superficial que o livro didático”. Há também outras similaridades entre livro didático e apostila, principalmente no que diz respeito à estrutura discursivo-textual, bastante semelhante entre ambos. “Ambos apresentam sumário, texto de apresentação do material cujo objetivo é estimular e obter adesão dos usuários, [e] unidades que são normalmente constituídas por um texto de abertura, seguido de exercícios /.../”. A comparação mais geral entre livro didático e apostila, no que diz respeito a uma caracterização, segue apresentada por Câmara num quadro cujo detalhamento, segundo nosso ponto de vista, nos afastaria de nossas intenções, já que se dirige mais especificamente aos materiais relacionados ao ensino da língua materna. De todo modo, o quadro despreza um elemento que pensamos ser essencial a essa comparação entre livro e apostila: as apostilas não passam pelo crivo do Programa Nacional do Livro Didático, o que implica não atenderem (ou não precisarem atender) as prerrogativas exigidas dos autores e editoras dos livros didáticos usualmente disponíveis no mercado. Assim, embora seja usual encontrarmos apostilas que negligenciam fontes e referências, e/ou apostilas que não propõem leituras e pesquisas complementares, e/ou não fazem referência a questões historiográficas, que não se preocupam com a quantidade, a qualidade e a nitidez de gráficos, tabelas e figuras, e/ou não mesclam tipos específicos de exercícios (exercícios sem resposta, exercícios com múltiplas respostas etc.), e/ou não apresentam diversidade de gêneros textuais (incluindo, por exemplo, cartas, verbetes, anotações, grafismos, manifestações pictóricas de várias naturezas etc.), e/ou não representam, de alguma forma, a diversidade/pluralidade cultural e socioeconômica, e/ou não trabalham com atividades autônomas, que exijam imersões além do contexto escolar, e/ou que não tratam dos povos originários e/ou de comunidades ou grupos específicos (negros, quilombolas, LGBTQIA+ etc.), que não atentam direta e explicitamente às disposições de políticas e legislações educacionais (como os PCN, por exemplo) etc., aos livros didáticos não são facultadas essas ausências, já que esses quesitos são avaliados pelo PNLD, de modo que as editoras passaram a, já de antemão, exigir que os autores atendam a eles quando da criação dos livros. Talvez, a despreocupação quanto a essas exigências resulte numa característica que parece ser própria das apostilas: elas são mais ágeis (no sentido material, são mais curtas, mais diretas, mais objetivas) que os livros didáticos e mais facilmente alteráveis e atualizáveis que os livros didáticos. De todo, [...] apesar das diferenças entre livro didático e apostila, ambos possuem um caráter homogeneizante, de uniformização do ensino e da aprendizagem, uma vez que delimitam os efeitos dos sentidos, legitimando os valores e axiologias dominantes. As competências e habilidades dos professores e dos alunos são, dessa forma, impostas pelo destinador educacional, estabelecendo um fechamento, uma coerção dos sentidos (Câmara, 2012, p. 6). 2 Da caracterização das fontes: caso particular Neste texto analisamos duas apostilas usadas na Escola Técnica Federal de Ouro Preto (Etfop) e um caderno4 (usado na mesma instituição) do ano de 1968, com anotações relativas à primeira dessas duas apostilas. De modo mais preciso, a primeira apostila tem título Matemática (1º. Ano) que, aqui, chamaremos de Apostila M. Foi elaborada por Jarbas Eustáquio Avellar para a Escola Técnica de Mineração e Metalurgia, conforme consta no alto da primeira capa, e impressa nas Oficinas Gráficas da Escola de Minas de Ouro Preto5. A carta do autor aos leitores, no prefácio, é datada de abril de 1964. Trata-se – isso será posteriormente discutido – de um material híbrido, já que mantém claramente as características de uma apostila, tendo inclusive circulado como apostila, mas pode também ser lido como um registro de notas de aula, uma espécie de caderno escolar, complementado por uma pequena revisão de bibliografia, e impresso em gráfica especializada. Essa Apostila M foi elaborada pelo autor quando ele ainda era estudante da instituição, tendo José Benedicto Neves como seu professor. A outra fonte em consideração tem como título Curso de Matemática (1ª. Série) e autoria de José Benedicto Neves, e foi elaborada em data bem posterior à Apostila M. A esta segunda fonte doravante nos referiremos como Apostila CM. O alto da capa anuncia que o material se destina à Escola Técnica Federal de Ouro Preto e faz parte das atividades promovidas pelo Departamento de Pedagogia e Apoio Didático daquela instituição. A versão em mãos é de fevereiro de 1982. O caderno e as versões das Apostilas M e CM consultados nos foram disponibilizados pelo professor José Henrique Neves, filho de José Benedicto Neves, e digitalizados em 2019 por bolsistas de iniciação científica no Instituto Federal de Minas Gerais/Ouro Preto. Logo após uma entrevista realizada com esse professor para nosso trabalho de doutorado sobre a Escola Técnica, José Henrique nos convidou a conhecer um material, guardado em sua garagem – uma caixa com livros, cadernos e apostilas –, que ele nos entregou para que pudéssemos digitalizar e catalogar6. Desse conjunto constavam materiais seus e de seu pai, que também foi professor na instituição e é autor da Apostila CM. Das apostilas produzidas pelo professor José Benedicto Neves, só tivemos acesso àquela destinada à 1ª série. Pelos relatos de outros professores da instituição7, sabemos que o uso de apostilas se estendeu até o ingresso dos professores por concurso8, por volta de 1991. Embora alunos da instituição – do tempo em que já vigia a nomenclatura Cefet/OP para a escola – comentem sobre terem usado apostilas, essas referências parecem não se tratar desse mesmo material. Entretanto, não tivemos acesso a nenhuma dessas outras apostilas. Em seu relato, o professor Cláudio Aguiar Vita9, por exemplo, faz uma ponderação interessante sobre o professor José Benedicto, autor da apostila CM e uma referência aos demais professores de Matemática da escola: Nessa época que eu entrei, por exemplo, em 1996, a escola não participava do PNLD, os alunos não tinham livro, então ficava muito à mercê do que o professor dava, a matéria que ele dava. Existia um respeito muito grande por um professor que tinha se aposentado lá, que era o professor José Benedicto Neves. Ele era referência, principalmente nessa parte de trigonometria. Assim, sem desmerecer, o José Benedicto Neves é uma referência em Ouro Preto, além de professor de Matemática, ele também foi prefeito da cidade e tudo, mas é um mito que se criou. Não estou aqui, de maneira alguma, falando mal dele, não é nada disso. Você tinha uma verdadeira reverência, e depois você vai ver que não era bem assim, ele não reinventou a roda. Essas pessoas que falei e que estavam na escola se espelhavam muito nele, nessa questão do rigor e tudo mais. Aos poucos você vê que isso foi flexibilizando (Mendonça, 2024, p. 126). Buscamos outras apostilas, além daquelas disponibilizadas pelo professor José Henrique Neves, na biblioteca, em setores pedagógicos do IFMG/OP e com ex-alunos, mas não encontramos nenhum exemplar. Assim, optamos por considerar, para essa análise, materiais relativos a uma mesma série escolar – o primeiro ano –, acreditando que essa opção permitiria cotejamentos e aprofundamentos que uma maior quantidade e variedade de textos não permitiria, além de que se tornaria inexequível a publicação, em forma de artigo, de uma análise feita tendo como base um conjunto muito grande e diversificado de fontes. 2.1 A apostila M A apostila M, de autoria de Jarbas Avellar, tem 113 páginas divididas em quatro tópicos: Progressões (pp. 1-12), Logaritmos (pp. 13-23), Trigonometria (pp. 25-43), e Redução ao Primeiro Quadrante (pp. 44-112). A última dessas partes, entretanto, bastante extensa, não trata apenas do que é anunciado no seu título (Redução ao primeiro quadrante), mas traz uma grande série de exercícios (resolvidos e propostos) relacionados a todos os assuntos discutidos nos quatro tópicos da apostila, bem como uma enorme listagem de fórmulas e definições, rápida e cruamente expostas. Mais especificamente, a partir da página 103, temos (a) fórmulas relacionadas às progressões aritméticas e geométricas, (b) valores, com cinco casas decimais, de algumas raízes e de π, bem como fórmulas gerais de fatoração, (c) algumas relações métricas nos triângulos, (d) equações relacionadas à soma de ângulos e o valor do lado de polígonos inscritos na circunferência, (e) fórmulas de áreas de figuras planas, (f) fórmulas trigonométricas, (g) transformações de somas em produtos, e (h) símbolos frequentemente usados. Na sequência, ainda neste quarto tópico, surge um texto (pp. 106-110) sobre Juros Compostos – Capitalização e Amortização, finalizando (pp. 111-112) com um pequeno tópico em que se discutem “Aplicações Práticas Trigonométricas”. A impressão do material é bastante singela, embora realizada no setor gráfico da Escola de Minas de Ouro Preto. É importante notar, entretanto, que se trata de um texto de meados da década de 1960, quando os recursos gráficos eram limitados. As páginas são datilografadas em máquina de escrever e multiplicadas por aparato similar – considerada a qualidade da impressão – a um mimeógrafo a tinta10. Encadernada em brochura11, o material tem cerca de 20 cm por 30 cm, tamanho similar ao de uma folha de sulfite A4 visando, talvez, a facilidade de reprodução em mimeógrafo. Os poucos recursos gráficos (ciclos trigonométricos, tabelas, gráficos de funções e símbolos matemáticos, por exemplo) são feitos à mão, e todo material, inclusive a capa, é impresso em preto e branco. Jarbas Eustáquio Avellar, o autor, é Engenheiro Civil formado pela Ufop em 1972, e foi aluno da Escola Técnica tendo como professor, em sua época, José Benedicto Neves, autor da Apostila CM. É importante registrar algumas informações sobre a natureza e o histórico dessa apostila de Jarbas Avellar, dada, principalmente, a curiosidade dessa elaboração e, decorrentemente, a importância que essas características peculiares trazem no que diz respeito tanto ao material e à história da instituição – e, nela, ao grupo responsável pelo ensino de Matemática – quanto às análises que são foco deste nosso artigo. Jarbas Avellar ingressou na Escola Técnica no ano de 1961, e concluiu o curso em 1964, posto que foi reprovado em Matemática, em seu primeiro ano, pelo professor José Benedicto. A reprovação, segundo o próprio Jarbas nos informa em algumas mensagens de e-mails, serviu de motor para a elaboração de um material a partir de seu caderno escolar de quando cursou a disciplina pela segunda vez. Assim, a apostila M foi elaborada entre os anos de 1962 e 1963, tendo sido impressa pela gráfica da Universidade em 1964, numa primeira tiragem de 32 exemplares, para distribuição a uma turma de 31 alunos. No ano de 1965 Jarbas foi contratado como monitor de Matemática para o primeiro ano, dividindo aulas com o professor José Benedicto, tendo sido contratado como professor em 1966. Desde a primeira edição, de 1964, a apostila foi continuamente produzida sob demanda. O exemplar que estudamos é de 1968, ano em que José Henrique Neves, filho de José Benedicto Neves, cursava o primeiro ano e tinha aulas com Jarbas. José Henrique relata que, aos poucos, a produção desse material foi se extinguindo, até não se ter mais notícias dele quando, em 1981, José Henrique tornou-se professor da instituição e quando já circulava a apostila CM, elaborada por José Benedicto. As referências para a elaboração da apostila M são, portanto, notas das aulas que Jarbas teve com José Benedicto, em 1962, registradas cuidadosamente, segundo Jarbas, em seu caderno escolar, já com a intenção de, a partir delas, produzir um material didático específico. Além dessas notas de aula, Jarbas incorporou, para a elaboração do seu texto, recortes de um livro de Ary Quintella12 que foi a ele emprestado por outro professor da instituição. 2.2 A apostila CM A apostila CM tem 139 páginas divididas em três partes, a primeira relativa à Trigonometria, a segunda aos Logaritmos, a terceira à Análise Combinatória. Inicia-se com uma breve carta do autor aos leitores – aos quais chama de amigos – e se encerra com outra pequena carta com título Uma Última Palavra, dirigida aos alunos da Escola Técnica Federal de Ouro Preto. O texto tem um tom motivacional e o autor se assume como porta-voz do corpo docente. Nesse sentido, destoa totalmente, pelo tom professoral, da apostila M que, sabemos, foi produzida quando o autor era ainda aluno da instituição. A impressão é singela, em preto e branco, sem nenhuma ilustração além dos ciclos trigonométricos e de alguns gráficos que apoiam as explicações da primeira parte do texto. É, entretanto, uma impressão profissional, com tipos bem nítidos e formas gráficas – tanto de letras, quanto de ilustrações e símbolos matemáticos – bem cuidadas, realizada pela Imprensa Universitária da Universidade Federal de Ouro Preto, como se lê ao pé da última folha do texto. Trata-se de uma encadernação em brochura, medindo aproximadamente 16 cm por 23 cm (os recursos de impressão da época já permitiam maior flexibilização quanto à medida das laudas), cuja primeira capa traz pequenas listras em preto (que se repetem na última capa) dando destaque, em tamanho maior e em vermelho, às letras que compõem o título (essa é, inclusive, a única vez em que uma cor diferenciada ocorre em toda extensão da apostila). Mineiro, José Benedicto, o autor, nasceu em um distrito de Mariana, no ano de 1921. Formou-se engenheiro pela Escola Nacional de Minas e Metalurgia (hoje Universidade Federal de Ouro Preto) em 1941, e já em 1953 obteve autorização da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais para lecionar em diversas áreas (Matemática, História Geral e do Brasil, Ciências Físicas e Naturais). Tendo atuado, com credenciamento obtido pela Cades (Coordenação de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário), como professor em escolas de ensino secundário da cidade de Ouro Preto, foi contratado pela Escola Técnica de Ouro Preto em 1958, aposentando-se em 1990. Zé Bené, como era conhecido, faleceu em 2002. 2.3 O caderno O caderno que temos em mãos é de José Henrique Neves, filho de José Benedicto, autor da Apostila CM. Trata-se de um material com encadernação em brochura cuja capa, que tem o imperativo Avante! em destaque, traz a representação de cinco escoteiros uniformizados que, entre coqueiros, num cenário de mata, carregam a bandeira do Brasil em marcha decidida. Trata-se, segundo José Henrique, de material relativo ao seu primeiro ano como aluno da Escola Técnica (1968), trazendo, portanto, anotações relativas à apostila M, de autoria de Jarbas Avellar. A data explica o tom ufanista da ilustração da capa, como era usual ocorrer nos mais diversos materiais didáticos da época. É importante registrar que, segundo o professor José Henrique, trata-se de um material passado a limpo, tendo como base as anotações de um colega de classe. Se passar a limpo demonstra certo cuidado com o material escolar, por outro lado deve-se considerar que algumas marcas se perdem com isso: cicatrizes do cotidiano escolar, como as incorreções (de grafia e de cálculo, por exemplo), desaparecem, ao mesmo tempo em que também desaparecem notas momentâneas (como alguma observação do professor que o aluno registra na margem da página), que podem ou ter sido descartadas no processo de cópia do material original ou incorporadas ao texto de modo que, na análise, não se percebe exatamente uma diferenciação entre o que eram registros espontâneos ou recursos mnemônicos, por exemplo, e o que eram anotações ipsis litteris do que o professor escreve no quadro. Ainda que gere um material um tanto mais asséptico do que seria aquele com registros feitos no momento da aula, nem todas as cicatrizes do cotidiano escolar se perdem, já que os cadernos escolares sempre carregam aspectos daquilo que, hoje, os estudantes chamam de scrapbook13, ou caderno de recortes com anotações variadas sobre a memória pessoal do tempo escolar. No caso, o caderno de José Henrique tem 360 páginas (cinco delas em branco), das quais as últimas 17 páginas (e outras duas no decorrer do corpo da fonte), trazem, colados, cartões com cenas de Ouro Preto antiga, como a Escola de Minas, a Praça Antonio Dias, a Rua do Ouvidor etc., um autocolante da Escola de Minas de Ouro Preto (da turma de Engenharia Metalúrgica), um excerto de envelope (enviado de Carapina-Serra) com seu selo (no valor de 500 cruzeiros) carimbado pelos Correios, algumas páginas datilografados e mimeografadas (em mimeógrafo a álcool) contendo notas de aula e exercícios, bem como algum resíduo de tentativas de resolver problemas propostos na apostila ou em sala de aula. A sequência dos temas registrados no caderno é a que segue: Progressões Aritméticas, Progressões Geométricas, Logaritmos, Equação Exponencial, Trigonometria. O tópico relativo à Trigonometria é o que traz mais subdivisões: círculo, grau, grado, radiano, funções trigonométricas, relações trigonométricas, Soma de arcos, Fórmulas de Simpson14, divisão de arcos, somas e diferenças de seno e co-seno, resolução de triângulos. À exceção dos assuntos Juros Compostos – Capitalização e Amortização e Aplicações da Trigonometria – os últimos temas tratados (dispersamente) na apostila M – o caderno segue rigidamente, em seus tópicos e subtópicos, esse material de referência. José Henrique Neves, autor do caderno em questão, filho de José Benedicto Neves, foi aluno da Escola Técnica e engenheiro Mecânico formado pela Fundação Universidade de Itaúna (em 1974). Atuou como engenheiro e, posteriormente como professor da Escola Técnica Federal de Ouro Preto, cargo que ocupava quando se aposentou em 2017. Foi aluno da Escola Técnica Federal de Ouro Preto entre 1968 e 1970. 3 Da análise das fontes e sua fundamentação Há vários guias e fundamentações para a análise de materiais escolares. Há, inclusive, análises mais formais e pormenorizadas (mais acadêmicas e teóricas, podemos dizer) e análises mais pragmáticas (como aquelas que os professores fazem para escolher os livros didáticos a serem distribuídos pelo PNLD). Nossa intenção é conduzir uma análise teórica formalizada e, para isso, aqui, mobilizaremos a Hermenêutica de Profundidade posto que esse referencial teórico-metodológico já tem sido utilizado em nosso Grupo de Pesquisa15 de modo que tanto sua fundamentação quanto seus protocolos e procedimentos nos são bem familiares. A Hermenêutica de Profundidade (HP) é, como toda hermenêutica, um guia para a interpretação. Esse referencial, inicialmente apresentado por John Thompson em seu livro Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (Thompson, 1995), volta-se à interpretação de formas simbólicas que, por sua vez, é uma expressão com longa história no campo da Filosofia, da História e da História da Arte. Formas simbólicas são criações (humanas) intencionais que, como tal, abrem-se à possibilidade de um intérprete atribuir significado a elas. Sendo a HP um emaranhado que carrega inspirações da Sociologia e dos trabalhos de Ricoeur e Habermas, pode-se dizer que formas simbólicas é conceito que integra uma série de conceitos plásticos, que não se dispõem a uma definição estática e definitiva como aquelas das Ciências Exatas. Assim, por exemplo – e esse é um exemplo usual, mas, nos parece, definitivo – uma nuvem não seria, em princípio, forma simbólica, enquanto a fotografia ou a pintura de uma nuvem seriam. Uma nuvem, ela própria, até poderia ser pensada como forma simbólica se, imbuídos de uma concepção religiosa radical, acreditássemos que um ser superior, um deus, criou as nuvens tendo, com elas, a intenção de comunicar-se, de alguma forma, com quem as vê, ou se imaginarmos a possibilidade de criar um tratado sobre a forma e a cor das nuvens que visasse à criação de guias para estudos de natureza climática ou meteorológica. De todo modo, formas simbólicas são construções intencionais e os materiais instrucionais (livros, apostilas, cadernos, jogos etc.) são, por óbvio, formas simbólicas, como o são os dramas teatrais, as pinturas, as salas de aula, as legislações, o mundo etc. se nos dispusermos a lê-los. O mundo contemporâneo impõe um tempo em que somos frequentemente levados a negligenciar as leituras, já que toda leitura exige, no mínimo, atenção e foco. Assim, surgem e se tornam comuns, por exemplo, os não-lugares, pontos da paisagem que nos são tão familiares que já nem são mais percebidos por nós; surgem os não-textos, obras que pensamos conhecer e/ou citamos sem ler; surgem as não-ações, aquelas que praticamos por hábito, sem reflexão apurada; surgem os piores males, aqueles que não praticamos, como a eles se refere Hanna Arendt, ou que praticamos sem saber, ou para atender dinâmicas e interesses que dizemos não serem nossos mas que somos levados a cometer pois que eles se naturalizaram, tornam-se estruturais. Toda hermenêutica, que se situa no domínio da razão, é uma forma de dar sentido à vida, dar significado aos textos, de criar textos, de nos chamar à reflexão, de nos colocar em alerta. Textos escritos são um exemplo dentre a diversidade de espécies de texto. Segundo Ricouer, textos são suportes para a manifestação de discursos, e um texto escrito não pode, assim, de pronto, ser reduzido a uma série de laudas marcadas por caracteres gráficos: todo texto nasce da leitura já que é a atribuição de significado – feita a partir de alguma hermenêutica – que traz um texto à luz, que o faz nascer. Toda leitura é um ato, do mesmo modo como é um ato a manifestação de um preconceito, uma aula ou uma obra de arte. Todo ato está, de alguma forma, fincado num lugar, manifesta-se numa comunidade cujos membros participam dele, desempenhando, de uma forma ou outra, um script com o qual concordam ou não, e todo ato está inscrito no tempo. O Pequeno Príncipe, por exemplo, é lido de uma maneira pelas candidatas à miss; por nós, quando crianças pouco experientes, é (re)lido por nós, quando já adultos e, talvez, mais experientes; até mesmo por advogados que se dirigem ao Supremo Tribunal Federal etc. As leituras, ou o movimento de atribuição de significado, ocorrem em comunidade, num tempo e num espaço, e vão se alterando, ganhando novos contornos, quando – queiramos ou não – mudam os tempos, os espaços, os nossos subsídios. É dessa constatação que vem a afirmação de que toda hermenêutica ocorre num ciclo que se dá entre compreensão e interpretação – interpreta-se para compreender e, compreendendo, geram-se novos subsídios para outras interpretações, que geram outras compreensões... num movimento contínuo. A HP é um referencial teórico-metodológico que propõe como que um guia – aberto, flexível – para interpretar/ler formas simbólicas e, nesse caso específico, está visceralmente vinculada à Sociologia e à noção de ideologia, já que o fim proposto para a HP é a compreensão do modo como as formas simbólicas, sendo como são, promovem ou apoiam a manutenção de relações assimétricas de poder. Um texto escrito manifesta-se num entorno em que operam várias intenções, materialidades e atividades: um livro didático, por exemplo, depende do nome do autor, do selo de uma editora, das divulgações feitas para que sua comercialização resulte como desejado, do seu preço, do prefácio que alguém faz à obra, da apresentação que o próprio autor faz de si e de seu livro ao possível leitor, da qualidade do papel usado para sua confecção, das cores, de seu tamanho, dos recursos gráficos, do seu tom, do modo menos ou mais informal com que o autor se dirige aos seus leitores etc., etc., etc. É, portanto, ingênuo lançar-se a uma hermenêutica quando se despreza esse entorno. A HP é flexível exatamente nesse sentido: não se voltando a um tipo específico de forma simbólica, Thompson (1995) afirma que o movimento de interpretação deve incorporar os conceitos e os protocolos que forem julgados mais apropriados para que o hermeneuta dê conta dessa interpretação. No caso dos textos escritos – apostilas e cadernos, mais propriamente, que são tema deste nosso artigo – tem sido usual termos como interlocutor o trabalho de Gérard Genette em sua obra Paratextos Editoriais (Genette, 2009). Paratextos Editoriais, segundo Genette, são todos os aparatos comunicacionais – alguns muito visíveis para serem percebidos, que atuam sobre o leitor, muitas vezes sem que ele próprio tenha consciência disso – que fazem com que uma determinada obra seja ela, e não outra. São elementos que circundam o texto, propriamente dizendo, são seu entorno, são estratégias que encerram uma dinâmica de identificação, de valoração, de concordância: uma cor, uma gramatura, um autor, um título, uma dedicatória, uma entrevista, uma filipeta de divulgação, um tipo de letra, uma referência, uma figura, uma epígrafe... Genette não só descreve cada um desses paratextos como nos conta, em muitos casos, a história dessas estratégias e, com isso, aponta para elementos que podem (muitas vezes devem) fazer parte de um exame hermenêutico. A questão da análise de formas simbólicas é sempre complexa. Quando a forma simbólica é, como nesse nosso caso, um material didático escrito, várias metodologias podem entrar em cena. Daí a importância de o próprio referencial teórico-metodológico indicar essa flexibilidade e o uso de protocolos diferenciados como bem-vindos no campo da interpretação. Numa simplificação talvez perigosa, pois demasiadamente singela, podemos dizer que um material instrucional pode ser analisado, pelo menos, por três vieses distintos: o da sua elaboração por um autor (ou um conjunto de autores), o da sua produção por uma editora ou qualquer instituição, e o da sua apropriação, caso o material tenha sido posto em circulação e tenha sido efetivamente usado, de alguma forma. Essa tríade é singela demais pois lineariza um processo quase sempre tortuoso (no caso de um livro, por exemplo, as negociações com editoras podem ser feitas – e efetivamente têm sido feitas – antes mesmo da elaboração da obra pelo autor; a obra pode ser apropriada ao mesmo tempo em que autores e editores já promovem alterações em sua estrutura, visando, por exemplo, a uma edição posterior) e negligencia momentos vitais nessa cadeia elaboração-produção-apropriação (entre a produção e a apropriação, por exemplo, há passos importantes, como a avaliação do material – no caso de um livro didático – pelo Programa Nacional do Livro Didático, ou a negociação nas unidades escolares para a escolha do livro a ser adquirido e distribuído pelo Estado aos estudantes; no processo de produção há uma série de negociações entre editores, equipe editorial, produtores de conteúdo, mídia de divulgação etc.). Voltamos, assim, a uma afirmação já feita anteriormente: não se pode sistematizar por completo um processo sem que percamos, no (e do) movimento de sistematização, algum elemento, até porque toda sistematização depende, dentre outros vários elementos, do sistematizador, do que é sistematizado e da época em que sistematização é feita16. Essa cadeia elaboração-produção-apropriação, ainda que singela, aproxima-se daquela proposta por Darnton (2010, p. 125) para o caso dos livros: [...] de modo geral, os livros impressos passam aproximadamente pelo mesmo ciclo de vida. Este pode ser descrito como um circuito de comunicação que vai do autor ao editor (se não é o livreiro que assume esse papel), ao impressor, ao distribuidor, ao vendedor, e chega ao leitor. O leitor encerra o circuito pois ele influencia o autor tanto antes quanto depois do ato de composição. [...] A história do livro se interessa por cada fase desse processo e pelo processo como um todo, em todas as suas variações no tempo e no espaço, e em todas as suas relações com outros sistemas, econômico, social, político e cultural, no meio circundante. Abordar os três momentos que compõem o ciclo de vida de um livro impresso, em meio a uma performance que visa à história do livro e à história da leitura, exigirá, assim, protocolos diferentes de análise para cada um dos momentos, podendo haver reincidências (ou não) de um mesmo protocolo. Assim, por exemplo, a História Oral pode operar como uma metodologia extremamente produtiva para conhecermos os momentos de elaboração, produção e apropriação do livro, caso esse material tenha sido elaborado, produzido e sido apropriado em uma época tal que o autor ainda esteja vivo e lúcido, a editora ainda exista, bem como existam leitores dispostos a nos relatar suas impressões sobre a obra. Materiais complementares, como podem ser aqui chamados os cadernos e os paratextos a que se refere Genette, podem nos dar indícios da circulação e da reação dos leitores, mesmo que essas teorias sobre o modo como determinada comunidade reage a uma forma simbólica ainda estejam em aberto17. No caso dos materiais instrucionais escritos, análises técnicas – relativas aos elementos gráficos, ao tom da argumentação, ao tipo de letras utilizadas no material, bem como os espaços em branco, o encadeamento dos temas, as formas de linguagem, a natureza dos exemplos, as referências, as fontes bibliográficas etc. – são essenciais quando o objeto de análise é o material em si, quando se tem à mão esse conjunto de laudas encadernadas, que circula ou circulou atendendo (ou visando a atender) a um grupo específico de leitores, mas dizem menos quando, ausente a materialidade do livro, pensamos em sua elaboração (que pode ter sido pensada de um modo e se tornado outra coisa no processo de composição) ou em sua produção/execução (que pode alterar, por pressões técnicas, de legislação ou de mercado, as disposições de autor e editor). Essa discussão nos mostra que uma análise como a que pretendemos realizar esbarra em várias e sérias questões e, ao mesmo tempo, nos ajudam a argumentar pela necessidade de criar (e fundamentar) protocolos metodológicos alternativos que dependem, também, da natureza do material em avaliação. Em nosso caso, o material impresso sob análise são duas apostilas. Do seu processo de elaboração pouco podemos dizer além do que já dissemos sobre isso. Já o processo de produção é bem mais singelo do que aquele pelo qual passam livros impressos por editoras, com grandes tiragens e ampla circulação: ainda que produzidos formal e institucionalmente pela equipe gráfica da Escola de Minas, atual Universidade Federal de Ouro Preto – que, assim, querendo ou não, dá certo lastro aos textos, pois um material institucional deve passar por algum processo de avaliação interna para ser produzido – trata-se de material que circulou em pequena escala, ficando restrito a uma comunidade escolar específica. A dificuldade de encontrarmos outros exemplares dos mesmos textos ou títulos distintos além das apostilas que encontramos é outro elemento a ser considerado na análise, pois diz da negligência – da própria instituição, em primeira instância, e dos vários usuários que as obras tiveram ao longo do tempo – com os materiais escolares, via de regra tidos como de uso localizado, temporário, sem interesse que mereça memória ou preservação. Ademais, essa é a realidade não só das apostilas, mas dos livros didáticos, de forma geral, posto que os acervos escolares são, usualmente, criados e mantidos sob o signo da urgência. Isso dá, por exemplo, uma dimensão da diferença entre os que se lançam à História da Educação e à História da Educação Matemática e aqueles historiadores especializados em temas considerados (con)sagrados pela academia e pela comunidade internacional de historiadores. Esse conjunto de fatores nos levou a criar um modo específico de mobilizar três fontes entre as várias fontes de que dispúnhamos. Das apostilas encontradas, optamos por duas, já que ambas, embora produzidas em épocas distintas, tratavam da mesma série escolar (o primeiro ano da Escola Técnica Federal de Ouro Preto) e a elas acrescentamos uma terceira fonte, um caderno escolar, também relativo ao primeiro ano, cursado em 1968, com anotações motivadas pelo uso de uma das apostilas que usamos como fonte. O caderno, que foi passado a limpo – ao que já nos referimos – traz contribuições para a análise, ainda que um caderno cujas marcas de seu aluno-autor, se feitas no momento da aula, pudesse trazer outras (e mais) contribuições sobre as reações dos leitores. De todo modo, essas três fontes, quando colocadas em diálogo, podem trazer compreensões, e foi a isso que nos apegamos para propor e realizar esse nosso estudo. Cumpre ressaltar, finalmente, a importância da História Oral tanto para a reunião dessas fontes quanto para as análises que já foram aqui iniciadas: foi desenvolvendo um projeto de pesquisa voltado à história da Escola Técnica Federal de Ouro Preto e aos aspectos do ensino de Matemática nessa instituição que nos aproximamos das duas apostilas e do caderno, conversando aqui e ali, de forma sistemática, com professores, ex-professores e ex-alunos da instituição. 4 Depurando a análise Escolhido o tema da pesquisa, tudo o que segue é, de algum modo, análise, já que qualquer movimento faz parte de uma coreografia para atribuir significado ao que se pretendeu estudar. Assim, um registro dessa nossa análise está diluído nas argumentações e comentários feitos até aqui. Sempre, porém, é possível aprofundar discussões e seguir na atribuição de significados: esse é o trânsito no ciclo da interpretação. Nos dediquemos, mais detalhadamente, agora, à análise formal da estrutura das apostilas. Rege a Apostila M uma intenção pragmática: segundo seu autor – que no prefácio agradece os professores Jose Benedicto Neves18 e Álvaro de Oliveira Prado19 – o texto tem a intenção de suprir a escola com um material que, devido à falta de livros que condensem os tópicos estudados no 1º. Ano da Escola Técnica, dispõe a sequência de conteúdos assim como está indicado no Programa da disciplina. A partir do caderno de José Henrique Neves, pode-se inferir que os temas trabalhados na apostila foram, efetivamente, tratados em sala de aula, à exceção, talvez, do tópico de Matemática Financeira (que pode ou não ter sido ministrado, pois não se tem informações sobre o caderno de José Henrique ser o único usado naquele seu primeiro ano na escola, em 1968). A intenção pragmática não é apenas anunciada pelo autor: ela se efetiva claramente já no tratamento dos quatro tópicos iniciais (Progressão Aritmética, Progressão Geométrica, Logaritmos, Equação Exponencial), cuja abordagem é objetiva, havendo uma breve caracterização do conceito, seguida das propriedades e conceitos complementares. Todas as propriedades são demonstradas, posto exigirem apenas elaborações de natureza algébrica, similar, aliás, ao que se faz até hoje nos livros didáticos. É importante notar que o tratamento dos logaritmos era, à época, decorrente do estudo das progressões (Miorim; Miguel, 2001), e não, como ocorre mais recentemente, decorrência do estudo das funções. Ainda que a ideia de ter as funções reais como eixo do ensino de Matemática seja bem mais antiga (registra-se claramente em vários estudos de História da Educação Matemática, inclusive no artigo ao qual aqui fazemos referência, que a concepção algébrico-funcional já pode ser observada em livros e programas do início do século XX, com destaque à proposta de Euclides Roxo, da década de 1930), na apostila M impera ainda, como em outros manuais didáticos da época, a abordagem aritmética que faz o estudo dos logaritmos (e, consequentemente, o das exponenciais) operar como (con)sequência20 do ensino da progressão geométrica que, por sua vez, é desenvolvido a partir do estudo das progressões aritméticas. A definição de Equações Exponenciais exemplifica isso (tanto o pragmatismo do material quanto a abordagem aritmética aos temas) de forma bastante clara21. Não há, em todo o texto, nenhuma abordagem que possamos chamar de funcional. Mesmo os gráficos das funções trigonométricas são feitos de um modo que poderíamos chamar, com alguma liberdade, de pontual, discreta, como uma mera transposição para um plano cartesiano de resultados (pontos) que decorrem de medições no círculo trigonométrico presumindo, assim, a continuidade. Nesse mesmo sentido, o comportamento do logaritmo nas vizinhanças do zero22 é apenas enunciada – quando muito, exemplificada em casos particulares –, sem a justificativa usual que se daria, por exemplo, a partir de considerações gráficas. Ainda assim, a noção de limite – operação infinitária a ser estudada no segundo ano, na Escola Técnica – aparece como complementação (de natureza, digamos, apenas erudita) já no tratamento das Progressões Geométricas23. Ainda que as argumentações matemáticas presentes na apostila M tenham mais um caráter de verificação do que, propriamente de demonstração, elas são adequadas e corretamente desenvolvidas, e há poucas incorreções (corrigidas em sala de aula, a julgar pelas anotações deixadas pelo usuário24), resultantes de erros de datilografia, da impressão um tanto tosca e de um descuido de revisão (usa-se, por exemplo, x e . para a multiplicação, ao mesmo tempo, e às vezes numa mesma sentença). Todas as propriedades, em todos os tópicos, são demonstradas, mas os exercícios são, muito frequentemente, diretivos, de cálculo (por exemplo “Calcule c−3a4b27d4e⋅b3135 ”). Há uma tendência da proposição de exercícios repetitivos e mecânicos, do tipo Calcule, Resolva, Simplifique. No que diz respeito à diferenciação que fizemos entre verificação e demonstração convém registrar que as verificações têm um caráter de checagem, sendo resultado, no mais das vezes, de procedimentos algébricos, enquanto as demonstrações são, formalmente, argumentações de natureza lógica.25 A verificação ocorre, em boa parte, na argumentação sobre a validade de uma igualdade: o segundo membro da igualdade se repete enquanto o primeiro sofre operacionalizações (algebrizações) de modo a, simplificado, encontrar o segundo membro, atestando a validade.26 Há também, no decorrer do texto, principalmente nos tópicos relativos à Resolução de Triângulos e Resolução de Polígonos Regulares, demonstrações que partem de figuras geométricas para criar uma cadeia de igualdades da qual resulta uma afirmação tomada como válida27, o que parece ser um procedimento adotado até hoje e julgado pelos estudantes como mais natural do que as demonstrações formais. De todo modo, as verificações ou demonstrações têm um mesmo tom ao longo de todo texto, são corretas, e não operam com um formalismo extremo, parecendo ser convenientes e consistentes com a proposta geral de apostila e, acrescente-se, com o que é até hoje usualmente apresentado nos livros didáticos. O texto, de modo geral, é enxuto e direto: ele traz definições, demonstrações, faz e propõe exercícios, mas não há – como se tornou usual nos livros didáticos recentes, por exemplo – tentativas de diálogo entre autor e leitor. A natureza da apostila é pragmática, visando à comodidade de se ter à mão um material objetivo, resumido, com a exata sequência dos tópicos do programa da Escola Técnica, já que a sequência dos tópicos, bem como o tratamento dado a esses tópicos, não traz nem novidade nem criatividade quando se faz comparações entre outros livros da época. A única diferenciação, deve-se apontar, é a presença do tema relativo à Matemática Financeira (que não sabemos se foi ou não efetivamente trabalhado em sala de aula) e que, embora tratado de forma apoucada e breve, disperso entre outros itens que parecem ser complementares, está ausente dos livros didáticos para o primeiro ano secundário regular. Não há justificativas que vinculem um tópico ao outro, e deve-se considerar que mesmo a sequenciação é um tanto quanto desorganizada, pois, sem aviso, exercícios relativos ao início do texto aparecem ao final da apostila, e as páginas finais parecem mais um amontoado de fórmulas, nomenclaturas, lembretes e recursos mnemônicos que, ao que parece, foram ali registrados conforme ocorriam ao autor. Sem subtópico específico, o tratamento rápido sobre Matemática Financeira, tratando de Juros e Amortizações, surge um pouco antes de Aplicações da Trigonometria, incluído, junto a esse conjunto caótico de temas, como parte do tema Redução ao Primeiro Quadrante, a se julgar pelo sumário. Sob nossa perspectiva, trata-se, na realidade, não de uma coletânea de recortes que segue o Programa da instituição ou de um mero compilado de assuntos presentes em todos os livros didáticos disponíveis à época (o que, reservadas as particularidades, a apostila também é, embora ela não possa nem de longe ser comparada, por exemplo, aos compêndios que autores brasileiros escreviam a partir das obras de autores estrangeiros, em épocas de pouca produção de livros didáticos no Brasil), mas de um amontoado de notas de aula que deveria/poderia facilitar o trabalho do professor e, talvez, dos estudantes, ao qual o autor deu alguma sistematização, descuidando-se completamente da parte final (páginas 97 a 112). Essas páginas parecem ter sido deixadas mais como escombros de textos, como meros lembretes, que como parte efetiva de uma coletânea sistemática para fins didáticos. De todo modo, os registros no caderno de José Henrique repetem, ipsis litteris, o texto da apostila, o que pode indicar que, ainda que esse material tenha sido efetivamente levado à sala de aula, o trabalho docente não ocorria a partir dele, pois o professor não o tomava como algo a ser complementado em sala, nem o utilizava para simplificar protocolos de aula (por exemplo minimizando os momentos de cópia) ou para ser usado em sessões de estudo extra-sala, por exemplo. Aqui, cabe um parêntesis: buscamos, com insistência, mas sem sucesso, contato com o autor da apostila, professor Jarbas. Assim, essa análise mais detalhada do material, exposta até aqui, foi elaborada sem maiores informações sobre o autor e a estrutura da elaboração. Quando já finalizado esse artigo, recebemos uma mensagem de e-mail do professor Jarbas, que nos relatou ter produzido a apostila quando aluno e a partir de registros das aulas que teve com o professor José Benedicto e de algum estudo de um livro do Ary Quintella. Essas informações não inviabilizam o que já havíamos concluído antes desse contato com o autor, mas certamente agregam informações e compreensões importantes. Sem experiência significativa com Matemática – além do fato de ter frequentado o sistema escolar e passado por aulas de Matemática no ensino regular –, muitas das limitações da apostila podem, agora, ser compreendidas e/ou justificadas. Não se trata, efetivamente, de um material autoral, mas de uma transcrição do que se ouviu e se leu em aulas reais de Matemática numa escola Técnica. Daí poder-se considerar tanto o professor José Benedicto assumindo, no texto, uma posição de coautor ou de autor de referência, quanto justificar algumas imprecisões e lacunas seja nas notações utilizadas, seja no encadeamento dos tópicos e na forma desajeitada e desorganizada de alguns. É interessante, então, retomarmos a afirmação do último parágrafo: a apostila não é, definitivamente, um material a partir do qual o professor guiava suas aulas mas, bem ao contrário, um material que registrava os tópicos tal como eles haviam sido tratados em sala de aula, não sendo, portanto, um guia para as aulas, mas um roteiro guiado pelas aulas. Um período de cerca de 20 anos separa a elaboração das apostilas M e CM, mas o que se percebe de maneira mais clara já em uma primeira leitura, no texto de 1982, não está relacionado ao modo de tratamento dos conteúdos, mas à sua sequenciação. Enquanto o tema Trigonometria encerra o texto de Jarbas Avellar, na apostila CM ele é inicial, tratado numa Parte I que tem dez capítulos28 com os mesmos subtópicos da apostila M. Ao estudo da Trigonometria segue o estudo dos Logaritmos (a Parte II da apostila, dividida em três capítulos) e da Análise Combinatória (a Parte III, dividida em três capítulos). Há algumas observações a serem feitas aqui. Ainda que o termo função seja utilizado por José Benedicto, não há nenhum conceito efetivamente trabalhado pela via-funcional. Vejamos, por exemplo, o parágrafo de introdução ao capítulo Funções Trigonométricas (p. 10): “Já estudamos as funções trigonométricas. Aqui vamos apresentar um resumo para ajudá-lo”. Embora a linguagem – que ocorre em alguns momentos do texto, ao contrário da apostila de Jarbas, em que isso não se dá em momento algum29– seja mais informal, ainda que professoral, tendo aparentemente a intenção de cativar o aluno e chamar sua atenção, criando como que um fluxo para a leitura30, o que se percebe é que não houve, em nenhum momento (nem haverá, na sequência do texto) tratamento de função, seja na Trigonometria ou no estudo dos logaritmos e exponenciais. O que o autor chama de funções trigonométricas são as razões trigonométricas decorrentes de medidas no ciclo trigonométrico. Não se trata de variação contínua, não se fala de domínio, contradomínio ou imagem: não há tratamento funcional. Ao contrário, o tópico voltado às exponenciais (Parte II, capítulo III, chamado Função Exponencial) já se inicia com a definição formal de função exponencial (“é toda função que obedece à lei y = ax, sendo a = no. real positivo e diferente de 1” (p.95)). Malgrado as pequenas incorreções de natureza formal relativas à linguagem, essa definição é realmente da função exponencial. Entretanto, estranha-se o fato de que, na sequência, o autor trate do gráfico da função e faça algumas considerações acerca de seu crescimento e imagem31 (sem tratar, entretanto, do domínio), mas em nenhum momento, no todo do texto, trate da noção formal de função, ainda que minimamente. Há, no que diz respeito a esse assunto, no mínimo, algumas lacunas a serem trabalhadas, já que ora o conceito é usado incorretamente, ora ele é explicitado, mas sem ter seus pressupostos tratados no material. De todo modo, há aspectos singulares no modo como cada uma das apostilas em exame tratam o conceito de função: na apostila M o conceito não aparece, posto estar vigente, à época, um tratamento de natureza aritmética, enquanto na apostila CM o conceito ocorre de modo incorreto (no caso das funções trigonométricas) ou de modo lacunar, sem lastro de um tratamento anterior ao tema (no caso das exponenciais). Estranhamente, no texto de José Benedicto, no tratamento dos logaritmos – que são tratados como números – o aspecto funcional sequer é mobilizado. Não só a sequência dos temas se altera de uma apostila a outra: há também inclusões significativas. Da apostila CM, em comparação à apostila M, desaparece o tratamento dos Juros e Amortizações (que, no mais, é feito muito apressadamente na apostila M e talvez nem tenha sido tratado em sala), mas surgem os temas Análise Combinatória, Binômio de Newton e Matrizes e Determinantes. Essa atualização, em parte, pode ser explicada pela época e, é claro, pelas possíveis alterações ocorridas no Programa da disciplina vigente na Escola Técnica Federal de Ouro Preto. A inclusão das matrizes nos programas escolares foi proposta pelo Movimento Matemática Moderna (MMM), mas desse Movimento – à época já em descrédito – não há um único resquício nítido no que diz respeito a abordagens e conceitos. Nesse sentido, o texto de José Benedicto efetivamente se afasta dos livros didáticos produzidos à época, nos quais ainda havia certa ressonância dos tratamentos modernos. Isso implica que a apostila CM possa ser texto efetivamente autoral ou ancorado em material didático elaborado antes do advento da Matemática Moderna, quando não havia sinais de abordagens estruturais e topológicas como as propostas pelo Movimento. Talvez seja nesse sentido a afirmação do autor em seu prefácio: “Não houve, de nossa parte, a preocupação com a linguagem atual, em voga, com os modernos manuais. Preferimos usar a mesma linguagem, aquela empregada em nossas aulas”. Os exercícios propostos, em boa parte, guardam similaridade aos propostos na Apostila M32: são diretivos, impõem uma grande sequência de cálculos em questões do tipo Resolva, Calcule, Complete as lacunas, Determine o valor de. 5 O domínio do técnico e os rituais de uma corporação Não temos, em Educação Matemática, um acervo homogêneo de produções sobre o ensino de Matemática em Escolas Técnicas de modo que uma sistematização, ou um estudo tipo Estado da Arte ou Estado do Conhecimento possa ser desenvolvido sem enfrentar questões teóricas e metodológicas de envergadura considerável. Isso não implica afirmar que não haja estudos sobre o ensino de Matemática em Escolas Técnicas ou que um estudo tipo Estado da Arte não possa ser feito tendo como fontes essas tantas produções existentes33. Significa, entretanto, reconhecer que há uma pluralidade de Escolas Técnicas, voltadas a diferentes áreas, bem como existem Escolas Técnicas que fazem parte de diferentes sistemas e seriação escolares e que, nessa variedade de áreas e modalidades, o ensino de Matemática participa de modos diferentes e/ou que os discursos sobre a aproximação da Matemática e essas áreas são, também eles, distintos. Só os trabalhos desenvolvidos sobre essas Escolas em nosso Grupo de Pesquisa mostram de forma definitiva essa pluralidade: há pesquisas sobre Ensino Técnico Industrial, sobre Escola Técnica Agrícola, Cursos de Mineração e Metalurgia, Patologia Clínica, Eletrônica, Mecânica, Química, Instrumentação, Informática, Processamento de Dados, Construção Civil, Mecatrônica, Logística, Edificações, Educação Física, Gemologia, Metalografia, Automação Industrial, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, dentre tantas outras áreas, bem como há as Faculdades de Tecnologia, de ensino superior, como a Fatec paulista; a Escola Técnica Federal de Ouro Preto, atual IFMG, de ensino técnico integrado ao médio, subsequente e de ensino superior; e o Coltec, Colégio Técnico da UFMG, também de ensino técnico integrado ao médio e subsequente. Essa variedade de configurações exige, por exemplo, certa flexibilização quando se pretende tratar de aplicações da Matemática, bem como dos discursos e da coreografia executada por (e entre) professores de Matemática e professores das áreas técnicas, posto que áreas tão diversas, com aplicações tão distintas, vão exigir, muito provavelmente, no exercício profissional do tecnólogo formado por cada um desses cursos, aproximações diferenciadas em relação à Matemática, mobilizando mais frequentemente diferentes conceitos ou procedimentos do campo matemático em detrimento de outros, mais familiares a outras áreas de aplicação. Ao mesmo tempo – ainda que isso ocorra também em outros espaços de formação escolar –, há uma enorme alteração nas legislações que envolvem esses cursos. No caso das Escolas Técnicas, ora elas têm o mesmo status dos cursos de ensino médio regular, ora estão completamente apartadas desse ensino regular, ora são ou podem ser complementares. Tentamos34 tornar mais homogêneo esse quadro considerando que uma Escola Técnica, seja de nível médio ou superior, tem dois núcleos distintos centrais que, necessariamente, segundo as legislações (mais amplas) e os projetos pedagógicos (mais localizados), devem interagir: um núcleo propriamente técnico, composto por especialistas em uma determinada área e que visa à formação de um profissional (técnico) específico, e um núcleo de apoio, composto por disciplinas usuais dos sistemas de ensino regular que, via de regra, servem como cursos de serviço, dando lastro a aplicações em cada uma das diferentes áreas nas quais serão formados os técnicos ou tecnólogos35. Do ponto de vista historiográfico, é importante notar que, nos primeiros momentos de várias Escolas Técnicas, dada a intenção precípua desses cursos, e dada também a falta de cursos superiores voltados à formação de professores secundários, tornou-se muito comum que as disciplinas de serviço, chamadas básicas ou do núcleo básico, fossem ministradas por docentes do núcleo técnico, quase inexistindo uma separação entre os professores desses dois domínios. Esse estado de coisas manteve-se inalterado por longo período, posto que uma outra característica usual nesses cursos (mas não só neles, já que os registros mostram que essa prática era usual a todas as escolas, incluídas aí as da rede pública) era a da ausência de concursos para preenchimento de vagas de docência, sendo que os docentes ativos usualmente decidiam, entre si, e convidavam colegas, conhecidos e ex-alunos para ocuparem as vagas existentes. Também parece ser usual às instituições de Ensino Técnico, principalmente àquelas escolas que formavam profissionais mais próximos à área das Ciências Exatas, a circulação de um discurso sobre a importância da Matemática para a formação técnica, independentemente do que rezavam ou não as legislações, bem como parece ser usual, nos tantos estudos que consideramos para este artigo, o discurso de que a Matemática desenvolvida nessas instituições deveria ter (e efetivamente tinha) um caráter distinto daquela Matemática (acadêmica) mais própria dos cursos regulares. Esse discurso, sem dúvida, legitimava tanto a presença de técnicos como docentes das disciplinas básicas (do núcleo de serviço ou básico) quanto valorizava uma postura de relativo afastamento da Matemática mais formal, aproximando a Matemática vista como necessária daquela que esses técnicos haviam, quando muito, visto em suas próprias formações superiores ou em cursos de complementação para o magistério. Também, de modo geral, pode-se perceber que as questões de natureza pedagógica só começaram a se presentificar no cenário das Escolas Técnicas por força de legislações que tornaram obrigatórias formações/especializações formais mínimas para o exercício da docência nesses cursos e disciplinas sendo que, às décadas de 1950 e 1960, por exemplo, imperavam ainda os certificados de autorização à docência emitidos após a aprovação em programas de formação emergencial para compor o corpo docente das escolas secundárias cujo sistema nacional era ainda muito incipiente. Os autores das duas apostilas bem como o autor do caderno aqui considerados são engenheiros, atuaram como professores numa Escola Técnica, criada por uma Escola de Engenharia, e tiveram como alunos estudantes que não escondiam seu encantamento em, a partir do Curso Técnico, serem aprovados no vestibular para Engenharia. As boas taxas de aprovação de ex-alunos da Escola Técnica na Universidade Federal de Ouro Preto é um dos pontos a que professores, ex-professores e ex-alunos se referem para sustentar a excelência daquela instituição. Nossas fontes para este artigo, portanto, são criadas e mobilizadas num domínio de engenheiros e se dirigem a (futuros) engenheiros, inexistindo, até época bem recente, no quadro docente da escola, docentes de Matemática formados em Matemática ou em Licenciatura em Matemática. A elaboração das apostilas, mais do que para suprir a inexistência de livros didáticos específicos, parece funcionar como exemplo da autossuficiência dos engenheiros para a docência em todos os ramos do conhecimento necessários ao funcionamento da Escola. Note-se que não há referências bibliográficas nas duas apostilas e que ambos os autores fazem menção, nos respectivos Prefácios, à carência de livros didáticos, no caso da apostila M, e ao afastamento dos modelos impostos pelos livros didáticos então no mercado, no caso da apostila CM. Dificilmente se conseguiria argumentar, de forma fundamentada, sobre a inexistência de materiais didáticos adequados às necessidades da Escola Técnica na década de 1980 e mesmo ao final da década de 1960. As apostilas, assim, parecem ser mais uma reserva de território, uma defesa ou marca da competência de engenheiros que ali atuam em um domínio que não é a Engenharia, ou mesmo um facilitador para a organização de estudantes e docentes, um controle para os alunos e um guia para o cumprimento do Programa pelos professores, do que, propriamente, uma necessidade vital ao ensino de Matemática na instituição. Melillo e Gomes (2019) afirmam, em relação ao Colégio Técnico da UFMG, que nas décadas de 1970 e 1980, as atividades escolares no Coltec também não eram centradas em livros didáticos, [...] e sim nos recursos didáticos produzidos pelos docentes, em especial nos estudos dirigidos e nas instruções programadas. Nas entrevistas, sobretudo dos professores, percebemos uma tendência a ocultar o uso dos livros didáticos. [...]. Em contraposição a destacar o papel dos manuais escolares de Matemática em suas aulas, os discursos dos docentes, como observamos, enfatizaram seu empenho na produção do próprio material como uma atividade diferenciadora de suas práticas em relação a outras escolas. Entretanto, por outra ótica, podemos asseverar que os livros didáticos estiveram muito presentes na sala de aula de Matemática do Coltec. Isso porque, além de os estudos dirigidos os requererem de forma indispensável e os próprios professores fazerem referência a alguns manuais específicos, como aquele que designaram como ‘o livro do Gelson Iezzi´ e a coleção de Trota, Imenes & Jakubo [...] os livros constituíram referências na própria preparação dos materiais escritos pelos docentes (Melillo; Gomes, 2019, p. 15). O mesmo ocorre quando analisamos as apostilas da Escola Técnica de Ouro Preto: não há, nelas, referência alguma a livros didáticos de apoio – há, ao contrário, afirmações que enfatizam o afastamento proposital desses materiais – mas uma breve troca de mensagem com um dos autores já faz aparecer o livro de Ary Quintella como referência. Além disso, nas entrevistas que realizamos com ex-alunos, professores e ex-professores da Escola Técnica de Ouro Preto, também alguns livros didáticos vieram à cena como, por exemplo, o Curso de Matemática, de Manoel Jairo Bezerra; A conquista da Matemática: teoria e aplicação, de Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr.; Matemática, de Manoel Paiva; Matemática, de Iezzi, Dolce et allii., volume único; Fundamentos de Matemática Elementar, de Iezzi et al., dentre outros, mas as apostilas, sempre – mesmo quando já não eram mais utilizadas –, em especial a de José Benedicto, são lembradas e reconhecidas como um material importante. Isso parece mostrar um certo apreço pela condição especial de terem, na instituição, professores cuja competência permite a criação de materiais específicos, autorais. Esse espírito de orgulho em relação à Escola Técnica não se restringe a esses materiais didáticos específicos, mas também a vários outros fatores que são sempre citados de modo a realçar a excelência da Escola Técnica. Mas os materiais, em si, além dessa marca de notoriedade que dão aos autores, a seus alunos e à própria instituição, não parecem, de modo algum, ter alguma diferenciação, novidade ou criatividade. São coletâneas-padrão, tendo, inclusive, várias lacunas do ponto de vista do desenvolvimento dos conceitos. A noção de função, fartamente mobilizada, mas nunca tratada na apostila CM, é um exemplo dessas lacunas; o descuido com a sequência e elaboração dos tópicos, na apostila M, outro exemplo. De modo geral, não sendo inéditas ou criativas, nos perguntamos sobre a intenção de sua composição além das possibilidades que já aventamos aqui. Segundo apontam Melillo e Gomes (2019, p. 16), [...] a partir do final dos anos 1960, precisamente nos primeiros anos de funcionamento do Coltec, uma tendência pedagógica de repercussão significativa no Brasil foi o tecnicismo. No ensino de Matemática, a tendência tecnicista penetrava as discussões metodológicas e as práticas dos professores, atribuindo uma organização racional ao ensino, que diminuía as interferências subjetivas que poderiam alterar o rendimento dos procedimentos (Saviani, 2007). Prado e Garnica (2019) também trazem à cena essa tendência, afirmando que Na mesma época em que os cursinhos e os sistemas de ensino ganharam alento no cenário educacional, nas décadas de 1960 e 1970, o ensino da Matemática no Brasil sofreu a influência das tendências tecnicistas, que pretendiam tornar a escola ‘eficiente’ e ‘funcional’ e inseri-la ‘nos modelos de racionalização do sistema capitalista’ (Fiorentini, 1995). Logo, podemos pensar que, sob a responsabilidade dos professores de Matemática das Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo, métodos e materiais didáticos foram (re)produzidos, aplicados e manipulados de modo a ‘facilitar a aprendizagem’ e a atender a um modelo dominante na época (Prado; Garnica, 2019, p. 06). Assim, pode-se aventar a possibilidade da criação das apostilas na Escola Técnica Federal de Ouro Preto responder a uma demanda que surgia no sistema escolar, levando os docentes, de alguma forma, a assumirem um lugar de explicação distinto, apoiando-se em um tipo de material que era uma novidade, a apostila. Essa posição acaba por reforçar uma certa autonomia do corpo docente (ou, pelo menos, de alguns de seus membros) que ajuda a criar e a consolidar um lugar institucional próprio, que reforça a excelência e serve de marca de destaque da Escola Técnica Federal de Ouro Preto. É importante, finalmente, voltarmos nosso olhar à existência de uma Matemática própria, ou uma Matemática diferenciada, que serviria (ou deveria servir) à área técnica para a qual a escola forma seus estudantes. Ao contrário do que se verifica em outros estudos (dentre os quais Melillo e Gomes (2019) e Prado e Garnica (2019), já citados), não se percebe esse discurso como marca da instituição, se tomarmos em consideração os vários relatos de que dispomos (Mendonça, 2024). Se Melillo e Gomes (2019) mostram que esse discurso é encantatório mas não efetivamente posto em prática no Coltec, Prado e Garnica (2019) são mais contundentes ao afirmar que, se na Fatec havia uma Matemática efetivamente aplicada aos domínios técnicos, uma nova Matemática ou uma Matemática Tecnológica, ela não era realizada – nem ao menos proposta de modo claro – nas aulas de Matemática pelo grupo de professores de Matemática das Fatec: ela seria realizada – se o fosse – no domínio das próprias disciplinas técnicas, sem o controle daqueles agentes responsáveis, em primeira instância, pela cultura matemática da escola: “Havia/Há um discurso que dá sustentação a uma nova perspectiva quanto à Matemática Escolar – a de uma Matemática voltada à tecnologia. E a Matemática, nós sabemos, não é um conjunto de objetos, mas um discurso manifestado em algumas práticas. O discurso que legitima essa nova Matemática, porém, pode não ter sido efetivado nas salas de Matemática, ainda que essas salas estivessem orbitando num cenário em que as questões da tecnologia eram o principal foco. Assim, a julgar, por exemplo, pelas apostilas estudadas (muito representativas em relação à concepção de Matemática e de ensino de Matemática vigente nas Fatec), os professores de Matemática podem não ter efetivamente criado estratégias e práticas relacionadas a uma Matemática voltada à Tecnologia, ou seja, essa nova Matemática pode não ter sido objeto de ensino nas classes de Matemática, já que é muito usual que as aplicações – e mesmo as subversões – em relação à Matemática ensinada e aprendida em cursos específicos ocorram, via de regra, fora das salas de aula de Matemática (por exemplo, nas aulas das disciplinas técnicas ou mais especializadas, de acordo com o curso e o perfil dos alunos que se pretendia formar). Assim, essa Matemática voltada à tecnologia pode até ter sido criada ou se insinuado nas Fatec, constituindo-se em objeto de ensino nesse cenário de formação tecnológica, mas não seriam os professores de Matemática seus principais agentes de criação e desenvolvimento” (Prado; Garnica, 2019, p. 18-19). As apostilas M e CM, aqui analisadas, participam, portanto, mais de um ciclo de legitimação institucional, no caso, da Escola Técnica Federal de Ouro Preto, do que como exercício em defesa de uma nova Matemática. A criação de materiais escritos pelos próprios docentes atesta certa autonomia, exibe a capacidade de gerir a formação que entendem ser a mais adequada para os estudantes, e demonstra claramente quão funcional e eficiente esse modelo de escola pode ser, se diferenciando das demais. Se é à Engenharia que se voltam todas as atenções na Escola Técnica, as apostilas usadas nas aulas de Matemática reforçam essa constatação e dão a ela um tom ainda mais inusitado se considerarmos que mesmo a Matemática praticada na Escola Técnica era, já, uma Matemática filtrada por engenheiros para engenheiros, de modo a operar adequadamente, algumas vezes inclusive ao revés da correção formal e conceitual, para que essa visão voltada à Engenharia se mantivesse. Professores engenheiros, sem formação matemática específica – como eram os professores da Escola Técnica de Ouro Preto até se tornarem obrigatórios os concursos públicos de contratação docente – estabelecem o que a Matemática é, como deve funcionar, como deve ser ensinada e quais de seus conteúdos devem ser selecionados para as salas de aula, numa sequência que era também por eles decidida. Trata-se de criar e manter um ciclo de referência totalmente corporativo, fundado e justificado numa pretensa tradição que se impõe e é reproduzida já que mantém e ressalta, internamente e junto à comunidade de entorno, a excelência do ensino praticado e do profissional que a escola forma. Sem pautar-se por uma exposição diferenciada, sem fundar-se no modo formal de conceber a Matemática profissional que, como padrão, desliza para a prática pedagógica, sem atentar-se para a necessidade de conceitos anteriores para alicerçar o ensino do que vem em seguida, atendendo prioritariamente à sequência ditada pelo Programa da instituição, sem justificar os elos da cadeia de conteúdos, afirmando-se alheia, mas mantendo-se próxima aos manuais didáticos disponíveis à época, as apostilas guardam semelhanças e dissonâncias em relação ao que se apresenta nos livros didáticos. Aparentemente – e essa é uma das compreensões possíveis – a apostila é parte do cumprimento de um ritual: a Matemática – exigem as legislações e, não fossem as legislações, exigiria o movimento histórico – deve constar dos programas escolares das Escolas Técnicas. É outra questão se servem ou não de apoio às disciplinas do núcleo técnico, se servirão ou não, no futuro, para o ingresso dos alunos em cursos de Engenharia. A julgar pela abordagem dos conteúdos, as apostilas não têm essas questões como problema, e por isso descuidam de aplicações ou exemplos vinculados à profissão do futuro técnico que se tem a pretensão de formar. Descuidam-se, em muitos pontos, da própria Matemática que em seus discursos os professores e ex-alunos defendem como formal, rígida, seletiva, diferenciada, como mostram os relatos que colhemos junto a professores, ex-professores e ex-alunos da escola. No momento adequado, as pontes entre a Matemática lecionada e a área de atuação técnica serão criadas, se for necessário criá-las, por quem quiser e puder criá-las. Trata-se, portanto, de alimentar um ritual do qual a Matemática, necessariamente, deve fazer parte, mas sem prioridades, sem protagonismos e mesmo às avessas daquele formalismo da Matemática profissional que, de um modo ou outro, deságua nas práticas pedagógicas: ela é parte de um mecanismo que funciona e deve continuar funcionando na dinâmica das atividades escolares e, como contrapartida, legitimar a posição de autores-docentes e da própria instituição face a si mesma e junto à comunidade. 6 Concluindo sem concluir Esta análise de alguns materiais didáticos da Escola Técnica de Ouro Preto foi desenvolvida a partir de várias fontes: duas apostilas, um caderno, relatos de professores, ex-alunos e ex-professores, e vários outros documentos e obras de referência. Seu foco, como se tentou argumentar no correr do texto, está nas apostilas, elas próprias, na forma como circularam entre estudantes e docentes, mas não são desprezados, no correr dessa análise, aspectos da elaboração e da apropriação desses materiais, ainda que esses sejam, aqui, temas mais periféricos, que intervêm para formar um cenário que conhecemos a partir de contatos que mantivemos com diversos atores envolvidos nesse processo. Trata-se, pensamos, de uma análise cujos resultados são plausíveis e legítimos, à luz dos materiais que tínhamos à mão. Não tivéssemos trocado e-mails com um dos autores, nosso cenário seria outro; se tivéssemos mais depoimentos sobre o modo como os estudantes usavam as apostilas, nosso cenário poderia ser outro; fossem outros os hermeneutas, e não nós, bem provavelmente teríamos outras compreensões. Os autores não são, no extremo, os professores que davam as aulas, assim como os capítulos das apostilas não são as aulas, mas um registro lacunar delas; e os estudantes que usaram as apostilas relatam uma memória de uso, tão fugidia e instável como qualquer memória. Essas são constatações usuais e recorrentes a quem se lança a um exercício historiográfico. A principal característica de uma análise qualitativa como a que empreendemos aqui é exatamente essa: a de não ser definitiva e não pretender apontar verdades que não possam ser questionadas ou contestadas à luz de outras fontes e processos. O que deve pautar qualquer esforço analítico, portanto, é a legitimidade e a plausibilidade dos significados que podemos atribuir a partir das nossas experiências e das fontes de que dispomos. Disso, segue que este artigo é mais um exemplo do que nos alertam as epígrafes que escolhemos para iniciá-lo. Referências AVELLAR, J. Matemática - 1º. Ano, Escola de Mineração e Metalurgia. 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No caso, é de nossa responsabilidade a ampliação dessa sua análise, flexibilizando-a de modo a considerar os materiais relativos à Matemática. 2 Não seria inútil notar que, mesmo no campo da Matemática, em que predomina um formalismo cuja intenção de assepsia é indiscutível, as definições são estabelecidas numa trama histórica que impõe uma coreografia de acertos e ajustes até que sejam tidas como suficientes e estabelecidas como adequadas aos sistemas em que se inscrevem, uma constatação analisada, por exemplo, por Imre Lakatos (1978) em seu Provas e Refutações. 3 Com relação à encadernação, nota-se que atualmente boa parte das apostilas são, como os livros didáticos, encadernados em brochura, ao passo que se tornaram comuns os livros didáticos encadernados em espiral, não mais sendo esse, portanto, quesito para diferenciar um gênero do outro. 4 Deve-se ressaltar que o caderno, por motivos que serão discutidos posteriormente, não ocupa posição central nessa análise – daí nos referirmos mais restrita e objetivamente às apostilas como nossas fontes. Ainda que seja material importante, devendo ser analisado posteriormente junto a outros cadernos, aqui ele nos serviu mais para viabilizar um cotejamento com a apostila M, que serviu de guia às aulas e, consequentemente, às anotações desse material escolar. 5 O vínculo entre a Escola Técnica Federal de Ouro Preto com a Escola de Minas de Ouro Preto vem desde os anos de 1940. Em 1942 foram criados os cursos de Mineração e Metalurgia na Escola Técnica de Ouro Preto, nas dependências da Escola de Minas que, à época, era vinculada ao Ministério da Educação e Saúde. Em 1944, atrelada à Escola de Minas, criou-se a Escola Técnica de Ouro Preto – daí a referência informal de Jarbas Avellar a uma Escola Técnica de Mineração e Metalurgia –, que passou por várias denominações ao longo do tempo (de Escola Técnica de Ouro Preto passou a Escola Técnica Federal de Ouro Preto (Etfop), posteriormente Centro Federal de Educação Tecnológica em Ouro Preto (Cefet/OP) e, hoje, denomina-se Instituto Federal de Minas Gerais, câmpus Ouro Preto (IFMG/OP)). Assim, entende-se por que as duas apostilas, que aqui tomamos como fontes, tenham sido produzidas no setor gráfico da Escola de Minas, atual Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). 6 Livros: A Matemática Moderna, Irving Adler, tradução da publicação de 1958; Abecedário da Álgebra (1º e 2º volume), Darcy Leal de Menezes, 1959 e 1956; Álgebra Elementar, Paulo de Azevedo & cia, 1941; Aulas de Didática Geral, Albert Ebert, 1955; Calcul Diferentiel et Intégral, E. Lainé, 1946; Curso de Desenho, José de Arruda Penteado, 1966; Curso de Geometria Analítica, Antônio Moreira Calaes, 1973; Lições de Análise Combinatória, Francisco Antônio Lacaz Neto, 1943; Geometria métrica, proyectiva y sistemas de representacion, L. Sanchez-Marmol e M. Perez-Beato, 1947; Lições de Matemática (5ª série), Algacyr Munhoz Maeder, 1944; Matemática – 3º volume, Francisco Antonio Lacaz Neto e Willie A. Maurer, 1944; Números Reais, Francisco Antônio Lacaz Neto, 1953; Projeto de Desenho, Benjamin de A. Carvalho, 1954; Teoria Elementar dos Determinantes, Francisco Antonio Lacaz Neto, 1943; Tábua de Logaritmos, Alberto Nunes Serrão, 1978; Tábuas Completas – Logaritmos e formulários (2ª edição), Prof. Melo e Souza, S/A; Tábua de Logaritmos, Irmãos Maristas, 1978; Cours d’Analyse Infinitésimale, Ch.-J. de la Vallée Poussin, 1946. Apostilas: Curso de Aperfeiçoamento de professores de Matemática (Colégio Nova Friburgo), Ministério da Educação e Cultura, 1954; Curso de Matemática 1ª série, José Benedicto Neves, 1982; Matemática 1º ano, Jarbas Avellar, 1964; Álgebra Elementar (vol 2), Prof A. T. Dias da Escola Técnica Federal de Ouro Preto, 1970; Cadernos: 1º e 2º anos do ensino médio, do professor José Henrique Neves. Não há cadernos das séries posteriores posto que a Matemática só fazia parte da grade das duas primeiras séries, tanto que o caderno do segundo ano traz os temas Limites, Derivadas e estudo de Sólidos de Revolução. 7 Deve-se registrar que o estudo que deu origem a este artigo sobre alguns dos materiais escolares usados na Escola Técnica está vinculado a uma tese de doutorado (Mendonça, 2024), desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro, cujo tema é o ensino de Matemática no Instituto Federal de Minas Gerais – câmpus de Ouro Preto (IFMG/OP), no periodo 1959-2008, ou seja, desde os tempos em que se denominava Escola Técnica Federal de Ouro Preto (Etfop) até o período em que se designava Centro Federal de Educação Tecnológica de Ouro Preto (Cefet/OP). Desenvolvida segundo os pressupostos teórico-metodológicos da História Oral – o que implica ter como disparador narrativas de atores ligados ao tema do estudo às quais outras fontes vão se agregando no processo de pesquisa – foram entrevistadas 16 pessoas (cinco professores que atuam/atuaram como professores de Matemática, cinco professores de outras áreas que foram alunos da instituição, e seis ex-alunos que não estão na instituição e seguiram caminhos distintos em carreiras ligadas ou não à formação técnica pela qual passaram. As narrativas foram constituídas a partir de entrevistas ocorridas nos anos entre 2020 e 2022, época da pandemia de COVID-19. O distanciamento social obrigatório exigiu que essas entrevistas – ao contrário do que vinha sendo usual nos trabalhos com História Oral – fossem realizados virtualmente, usando o google-meet. 8 Como usualmente ocorre em diversas instituições de ensino de amplo histórico de funcionamento, no início das atividades o corpo docente é contratado de modo mais informal, atendendo a convites de professores e administradores escolares e mesmo de políticos. A partir de certo momento, por pressão de legislações – no que diz respeito às instituições públicas –, aos poucos, esse sistema de normatização vai se tornando mais amplo e restritivo, sendo controlado mais efetivamente pelo poder público que exige, por exemplo, concursos de contratação, o que, no caso da Escola Técnica Federal de Ouro Preto, ocorre no início da década de 1990. 9 O professor Cláudio Aguiar Vita integra atualmente o quadro docente da instituição. Contratado em 1995, não foi ex-aluno da Escola Técnica. A íntegra de seu relato pode ser consultada em Mendonça (2024). 10 Convém notar que a reprodução de textos, à época, era, muito usualmente, feita de modo manual, em mimeógrafo, existindo o mimeógrafo a álcool (para quantidades menores de laudas e cópias) e o mimeógrafo a tinta (já mais mecanizado, para quantidades maiores de cópias e de impressão mais nítida e apurada que aquela do mimeógrafo a álcool). 11 Trata-se de um conjunto de laudas grampeadas, cujo resultado se assemelha à encadernação brochura sem, no entanto, efetivamente, sê-lo. 12 Ary Norton de Murat Quintella (1906 – 1968) era paulista, mas desenvolveu sua carreira de professor e autor mais propriamente no estado do Rio de Janeiro. Segundo Valente (2008), que se reporta a Thiengo (2003), a biografia profissional de Quintella credenciou-o a fazer parte do quadro da Editora Nacional, tornando seus livros didáticos de matemática verdadeiros best-sellers educacionais: “No início dos anos 1950, suas obras para o ginásio e para o colégio alcançaram várias dezenas de edições. Esse autor garantiu à Editora grande parte do mercado do Rio de Janeiro, rivalizando com as concorrentes cariocas, que sempre se mantiveram à frente na produção de obras didáticas de matemática. Quintella e Stávale, nos anos 1940, seriam os grandes autores da Nacional a compor a vulgata do período” (Valente, 2008, p, p. 154). Jarbas não soube precisar qual dos livros de Quintella utilizou. A produção desse autor, com inúmeras reimpressões e reedições, é vultuosa e diversificada, abrangendo textos para o Ginásio, para o Científico, para o Curso Comercial, Exames de Admissão, cursos Normais e concursos de ingresso a cursos universitários, além de livros de Exercícios, com e sem coautorias. 13 Embora o scrapbook hoje esteja mais popularizado, há referências a materiais desse tipo que vêm do século XIX, por exemplo, quando se reuniam em um álbum recortes e fotografias de memórias julgadas preciosas para seus autores. 14 As Fórmulas de Simpson, no caso, são cos⁡([m+1]b)=2cos⁡(bm)cos⁡(b)−cos⁡([m−1]b) e sen⁡([m+1]b)=2sen⁡(bm)cos⁡(b)−sen⁡([m−1]b), cujas demonstrações decorrem da soma e da diferença de arcos de seno e co-seno. Hoje, aparentemente, essas regras caíram em desuso no ensino de trigonometria, não constando mais dos textos didáticos (ao contrário do que ocorre a todos os demais tópicos de trigonometria das apostilas M e CM). 15 Trata-se do Grupo de Pesquisa História Oral e Educação Matemática (GHOEM), um coletivo multi-institucional, criado no ano de 2002, cujo tema central das pesquisas é a cultura matemática escolar, abordada em inúmeros projetos que envolvem a História de instituições escolares – incluindo, com ênfase, as instituições e processos de formação de professores que ensinam/ensinaram Matemática nas mais diversas regiões do país –; o estudo de materiais escolares – como livros antigos, apostilas, materiais lúdicos e impressos educacionais; a própria História Oral, que dá nome ao grupo, como metodologia de pesquisa para a Educação Matemática e como possibilidade de intervenção nos processos de formação docente; e a história da pesquisa em Educação Matemática no Brasil. Mais recentemente, outros temas têm sido agregados entre aqueles estudados no grupo, como a relação entre gênero e ensino de Matemática e os estudos decoloniais. A abordagem historiográfica caracteriza boa parte da produção do grupo, embora essa não seja exclusiva nas práticas de pesquisa. 16 Mesmo o diagrama do ciclo de vida de um livro impresso, proposto por Darnton (2010), que aqui nos serve de parâmetro, ainda que bastante esclarecedor, tropeça em situar a figura do livreiro, hoje ausente dos mecanismos de produção de obras escritas, pelo menos se considerarmos o modo como os livreiros eram vistos na cadeia de produção no século XVIII até meados do século XX. Darnton, obviamente, preocupado em estudar a França Iluminista e Revolucionária, vale-se desse seu diagrama sem as alterações que nós, para analisarmos materiais elaborados e produzidos em outros tempos, precisamos impor. 17 “[...] há de ser possível desenvolver uma história, bem como uma teoria da reação do leitor. Possível, mas não fácil, pois os documentos raramente mostram os leitores em atividade, modelando os sentidos a partir dos textos, e os próprios documentos também são texto, o que requer interpretação. Poucos têm uma riqueza tal que possa fornecer um acesso, mesmo que indireto, aos elementos cognitivos e afetivos da leitura, e um ou outro caso, excepcionalmente, talvez não seja suficiente para se reconstruírem as dimensões internas dessa vivência.” (Darnton, 2010, p, p. 171) 18 Professor da Escola Técnica Federal de Ouro Preto (contratado em 1958), foi prefeito de Ouro Preto (gestão 1963-1967) e já tinha grande experiência no ensino de Matemática, tendo atuado como professor (no período 1952-1979) e diretor (no período 1959-1963) do Colégio Estadual de Ouro Preto e como professor no Colégio Arquidiocesano de Ouro Preto (no período 1942-1973). Para o exercício dessas funções, contava com a formação integral em Engenharia (diplomado em 1941) e registros para atuação como docente em três disciplinas distintas (Matemática, Ciências Físicas e Naturais, História Geral e do Brasil) obtidos nos anos de 1953 e 1954. As atividades de docência, direção e como prefeito, como se vê, foram concomitantes por largos períodos. Posteriormente, na década de 1980, elaborou a apostila CM que substitui a apostila de Jarbas Avellar. 19 Álvaro de Oliveira Prado formou-se em Engenharia Civil, Metalúrgica e de Minas em 1964. Enquanto cursava a Engenharia, atuou como professor convidado na Escola Técnica, na área de Física, mas trabalhando muito próximo ao professor José Benedicto nos momentos de avaliação e exames finais. Jarbas, como aluno da Escola Técnica, teve aulas com ambos, Álvaro e José Benedicto. Daí o reconhecimento registrado no prefácio da Apostila M. 21 Não se pode afirmar que, no caso da apostila M, o estudo dos logaritmos seja consequência do estudo das progressões, posto não haver, registrado e/ou discutido, na apostila, vínculo entre os tópicos ou quaisquer outros indícios que levem à compreensão dessa vinculação. O que se percebe, obviamente, é que o tópico progressões antecede o tópico logaritmos. 20 Sem nenhuma caraterização sobre a exponencial, dos logaritmos a apostila M passa diretamente às equações exponenciais, definidas como “equações em que a incógnita figura como expoente. Ex.α𝓍 = N: ” (p. 25). 22 “O logaritmo de zero é igual a ±∞. Será +∞ se a < 1 e -∞ se a > 1” (p.15). 23 Lê-se, à página 11, por exemplo, que “[nas progressões geométricas decrescentes], quando o número de termos for muito grande, o último termo () será muito pequeno. Quanto mais crescer o número de termos, menor será o valor de , que tende a zero. Diz-se que seu limite será zero. O que nos permite dizer /.../ liman→0S=a11−q [onde S é a soma dos termos de uma PG decrescente e ilimitada]”. 24 O exemplar da apostila M que estudamos tem mais marcas de leitura, em sentido estrito, mais registros do momento, do que o caderno, que foi passado a limpo. 25 Por definição, uma demonstração é uma sequência de sentenças (numa cadeia de condicionais) cujos componentes são axiomas ou decorrentes de sentenças anteriores por alguma inferência válida, de tal modo que, partindo-se de alguma(s) hipótese(s), chega-se a uma última sentença chamada teorema. 26 Do caderno de José Henrique vem um exemplo dessa estratégia (que, cremos, ainda é bastante usual nas salas de aula):1+tg⁡a1−tg⁡a=cos⁡a+sen⁡acos⁡a−sen⁡a; 1+sen⁡acos⁡a1−sen⁡acos⁡a=cos⁡a+sen⁡acos⁡a−sen⁡a; cos⁡a+sen⁡acos⁡acos⁡a−sen⁡acos⁡a=cos⁡a+sen⁡acos⁡a−sen⁡a; cos⁡a+sen⁡acos⁡a−sen⁡a=cos⁡a+sen⁡acos⁡a−sen⁡a. 27 É o caso, por exemplo, da argumentação, registrada no caderno de José Henrique, que prova o “Teorema – A área de qualquer triângulo vale o semi-produto de dois lados pelo seno do ângulo formado entre eles” (p.126), ou seja, S=b⋅a⋅sen⁡C^2 , onde b é o tamanho do lado AC¯, a é o tamanho do lado BC¯ e C^ o ângulo formado entre os lados AC¯ e BC¯. 28 Parte I (Capítulo I: Arcos e ângulos, medidas de arcos e ângulos, unidades, conversão; capítulo II: Círculo Trigonométrico, arcos e famílias de arcos; capítulo III: Funções Trigonométricas, definições, consequências das funções e propriedades; capítulo IV: Relações entre as funções trigonométricas, relações fundamentais da trigonometria; capítulo V: Redução de arcos ao primeiro quadrante; capítulo VI: Arcos notáveis, funções circulares inversas; capítulo VII: Operações com Arcos; capítulo VIII: Transformações em produto; capítulo IX: Equações Trigonométricas; capítulo X: Estudo de Triângulos); Parte II (capítulo I: Logaritmo logaritimação); capítulo II: Progressões – progressão aritmética, progressão geométrica; capítulo III: função Exponencial); Parte III (capítulo I: Análise Combinatória; capítulo II: Binômio de Newton; capítulo III: Matrizes e Determinantes). Deve-se registrar que os capítulos da Parte III, ao contrário dos que compõem as duas primeiras partes, não têm título. O que segue anteriormente descrito são os assuntos tratados em cada um dos capítulos dessa terceira parte. 29 Essa diferença de estilos talvez possa ser justificada pelo fato de Jarbas não se considerar, efetivamente, autor da apostila M, mas mais um compilador das aulas de José Benedicto. Não se trata, obviamente, de questionar o mérito de Jarbas – é notável que um aluno se lance a uma iniciativa dessas, e mesmo ele, nas mensagens que trocamos, parece reconhecer isso – mas apenas dimensionar aspectos que, sem essas considerações, poderiam parecer meras deficiências ou inconsistências de um autor. 30 Note-se, por exemplo, o parágrafo à página 97 da Apostila CM: “O professor irá fazer em classe uma série de exercícios. Aconselho a acompanhar o raciocínio que o professor fizer em cada exercício e depois, em casa, você procurará fazer outros. Não se esqueça de fazer todos os exercícios e no caso de aparecer alguma dificuldade procure, imediatamente, o professor”. Para abordar a noção de conjunto, à página 83, o autor escreve: “Você já possui, bem nítida, a ideia de conjunto. Sabe que conjunto é uma coleção bem definida de objetos, animais ou símbolos” ou, ainda, na introdução do autor ao tema logaritmos, à página 62: “Precedendo ao estudo dos logaritmos, vamos rever um assunto que você já estudou na sexta série do seu curso de primeiro grau. Você sabe que a potenciação é um caso especial de multiplicação. Ela foi definida para você como ‘um produto de fatores iguais’ /.../ “. Essas tentativas de se comunicar com o leitor – ainda que, no caso do texto de José Benedicto, elas ocorram timidamente –, impõem uma das diferenças mais nítidas entre as apostilas M e CM, fazendo com que a apostila CM se desvincule daquela impressão de uma colagem apressada que caracteriza o texto de Jarbas. 31 Termos e definições específicos relativos ao estudo das funções (como domínio, contradomínio, imagem etc.) não são utilizados. 32 Pode-se entender que alguns dos exercícios tenham se mantido, nas práticas letivas, por muitos anos, posto que ambos os textos – as apostilas M e CM – pautam-se, em última instância, nas experiências, concepções e práticas de um mesmo professor. 33 É importante registrar que boa parte desses estudos está inscrita no campo de História da Educação Matemática. 34 Essa tentativa se faz como uma síntese de várias pesquisas, dentre as quais Melillo (2018), Martins-Salandim (2007), Pinto (2006) e Prado (2018). 35 Há estudos que dispõe sobre a distinção desses termos. Não sendo esse assunto central a este artigo, indicamos ao leitor, por exemplo, o trabalho de Prado (2018) no qual há uma extensa discussão sobre isso.
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