Resumo
Diante dos variados tipos de conexões matemáticas e da sua potencialidade para o ensino e aprendizagem, realizamos um estudo com professores da Educação Básica de Portugal que ensinam Matemática, para registrar de que forma esses docentes revelam as conexões matemáticas no ensino. Elaboramos uma investigação qualitativa, em contexto de um curso de formação continuada, propondo modos diversos de engendramento de ideias matemáticas, a partir do conceito de vetor, e concepção de tarefas investigativas à luz das conexões matemáticas. Dos resultados, destacam-se quatro tipos de conexões matemáticas utilizadas pelos professores participantes: orientada para o ensino, derivação, múltiplas representações e currículo.
Engendramento; Vetor; Conexões matemáticas; Proposta Metodológica de Ensino
Abstract
In view of the several types of mathematical connections and their potential for teaching and learning, we conducted a study with mathematics teachers in Portugal to record how teachers reveal mathematical connections in teaching. We developed a qualitative investigation in the context of a continuing education course, proposing different ways of engendering mathematical ideas based on the concept of vector and designing investigative tasks in light of mathematical connections. The results yielded four prominent types of mathematical connections used by the participating teachers: teaching-oriented, derivation, multiple representations, and curriculum.
Engendering; Vector; Math connections; Teaching Methodological Proposal
1 Introdução
Os índices de avaliação da aprendizagem nos colégios brasileiros estão cada vez menores. Em um estudo sobre o conhecimento e o comportamento humano, D’Ambrosio (2018, p. 195) aponta que é alarmante o que se passa nas escolas, que ficam à mercê da burocracia e do descaso dos seus governantes. Segundo o autor, os professores estão desestimulados com baixos salários, e muitos não têm preparo suficiente para a prática letiva: “Atribuo como causa os currículos obsoletos, desinteressantes e inúteis e a formação deficiente de professores. Tudo contribui para desencantar alunos e agravar esse quadro”.
A fragmentação dos temas incluídos no currículo escolar é um assunto frequentemente evidenciado para indicar as potencialidades dos estudantes que ingressam nas universidades (Munhoz; Miorando; Schuck, 2013). Os resultados mostram que a falta de conexão entre os conteúdos contribui para o despreparo dos estudantes da Educação Básica para o pensamento matemático do Ensino Superior.
Na formação inicial de professores, Roldão (2015) evidencia que nem sempre é visível a interconexão entre os conteúdos contidos nos programas curriculares do Ensino Superior. O problema persiste com uma clara separação entre o fazer matemático e o fazer pedagógico. Os distanciamentos impostos por um currículo fragmentado, em que não há uma proposta de interrelações entre os diferentes conhecimentos necessários para lecionar, sejam eles o especializado (Ball; Bass, 2000), o político (Gutiérrez, 2018) ou o tecnológico (Powell, 2014), fazem com que o futuro professor conclua o curso de licenciatura com dificuldades intrínsecas à sua formação, que geram inseguranças para produzir conexões e desfrutar da sua autonomia.
Reconhecemos a necessidade de que o (futuro) professor de Matemática tenha mais espaço (no sentido literal e temporal) para usar as diferentes linguagens e representações da matemática na sua formação (inicial ou continuada), explorando novos modos de produzir as diferentes matemáticas com os seus alunos. No sentido de viabilizar essa forma de matematização na sala de aula, tanto do aluno quanto do professor, destacamos a Proposta Metodológica de Ensino [PME], que se encontra descrita, em pormenores, nos estudos de Assemany (2020), e revela o engendramento de conteúdos para o Ensino Médio a partir do conhecimento prévio sobre o conceito de vetor. Segundo a autora, como os vetores são usados como ferramentas geométricas na produção da matemática, são viabilizadas a compreensão e a utilização das diferentes representações de um mesmo objeto matemático.
A PME salienta as variadas conexões matemáticas a partir da ideia de associação de objetos, assuntos e conceitos matemáticos do Ensino Médio, não necessariamente articulados conscientemente e previamente, e nem explicitados no currículo tradicional da Matemática. A sua concepção sustentou-se na lógica de utilizar com parcimônia as fórmulas e as regras preestabelecidas, para que o estudante fosse acostumado a deduzir as expressões sempre que necessário, instigando o raciocínio lógico-dedutivo e provocando a emancipação de tarefas e problemas previamente conhecidos, usados como referência para a resolução destes. Além do mais, a proposição dessa metodologia ressaltou o ensino de vetores na Matemática como um conhecimento prévio para a compreensão de outros conteúdos (Assemany, 2020), contribuindo para a produção de uma aprendizagem significativa (Ausubel, 1968).
Encontramos na história da Matemática, mais especificamente nas origens do aparecimento do conceito de vetor (Crowe, 1967), que o seu desenvolvimento se deu na busca de leituras geométricas para alguns resultados algébricos, permitindo a sua visualização e, desejavelmente, contribuindo para a sua compreensão. Sobretudo, os vetores foram utilizados, mesmo antes de sua conceituação, para vários fins, como: cooperar com o estudo de sistemas lineares; tentar generalizar os números complexos a lR3, tentativa essa que veio a dar origem aos quatérnios, em lR4; e dar uma interpretação dos números negativos como um deslocamento contrário a um sentido de referência.
No que se refere à importância da aprendizagem dos vetores para a compreensão de outras noções matemáticas na escola, os estudos de Bittar (2013) mostram, acerca do ensino de Matemática em França, que a noção de vetor é introduzida no Ensino Fundamental como um objeto geométrico, uma ferramenta para a resolução de problemas de geometria, propiciando modos outros de produzir conexões matemáticas.
De acordo com o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM) (2000), a utilização das conexões matemáticas faz com que os estudantes desenvolvam a criatividade, a autonomia na busca de soluções para os problemas e a curiosidade na interação entre os tópicos matemáticos e em contextos que relacionam a Matemática a outras áreas do conhecimento. Carreira (2010) sugere que não sejam desperdiçadas as oportunidades em se usar as conexões matemáticas nos processos de ensino e de aprendizagem, integrando e propiciando a coerência dos conceitos. Entretanto, o que acontece nas escolas é a escassez da produção das conexões matemáticas, tanto na Educação Básica (Hendriana; Rahmat; Sumarmo, 2014) quanto na formação de professores (Eli; Mohr-Schroeder; Lee, 2011).
Em seu estudo sobre as conexões matemáticas para o Ensino Médio, Silva (2010) refere que um dos trabalhos mais antigos em Matemática, em que é mencionado o uso de conexões no ensino, foi escrito por Felix Klein, em 1908. No primeiro volume do seu livro, encontramos a indicação para relacionar/associar conceitos, a partir da proposta de se explorar os números complexos por meio da interpretação geométrica. Essa interrelação efetiva entre os tópicos matemáticos se configura em um contexto disparador para gerar conhecimento (NCTM, 2000). Ao fim e ao cabo, os estudantes percebem que a Matemática não é uma coleção de ideias soltas, como ressalta Carreira (2010), especialmente nas situações em que eles conectam os conceitos matemáticos.
No sentido de desvelar as conexões matemáticas utilizadas pelos professores de Matemática, pretendemos responder à seguinte questão de investigação: de que forma um grupo de professores da Educação Básica de Portugal que ensinam Matemática, em um curso de formação continuada, revelam as conexões matemáticas concebidas a partir do conceito de vetor?. Para isso, elaboramos uma investigação qualitativa, em contexto de um curso de formação continuada1 para professores de Matemática, no âmbito das propostas de engendramento de conteúdos para o Ensino Médio, especificamente as conexões matemáticas com o uso do conceito de vetor.
2 Noções sobre Conexões Matemáticas
No contexto educativo, encontramos uma diversidade de estudos para as conexões matemáticas (Gamboa; Figueiras, 2014; Rodríguez-Nieto; Rodríguez-Vásquez; Moll, 2020), o que potencializa a multiplicidade de conceitos sobre este tema.
Businskas (2008) define as conexões matemáticas como relações verdadeiras que se estabelecem entre duas ideias matemáticas, contexto em que pressupõe a Matemática como uma criação humana, ressaltando a importância em percebermos que as conexões são construções (ou produções) possíveis.
Os trabalhos de Mwakapenda (2008) destacam a presença efetiva das conexões no programa curricular da África do Sul. Para o autor, as conexões são subjacentes ao fazer matemática e significam as relações existentes entre os conceitos, tendo importância central na definição da Matemática. O autor discute exemplos de conexões que existem no currículo da Matemática, como a proposta de utilizar os conteúdos algébricos como ferramenta para se trabalhar de forma mais habilidosa com as funções, permitindo que os alunos utilizem várias representações, como a numérica, a gráfica, a verbal e a simbólica. São evidenciadas, também, a conexão da geometria com a álgebra para explorar, simultaneamente, o espaço, a forma e a medição, resultando na geometria analítica. Sobre a estatística, Mwakapenda (2008) indica que os alunos devam ser ensinados a pensar criticamente, tendo em vista a coleta, a organização, a análise e a interpretação dos dados, sustentados por modelos probabilísticos.
Amparando as propostas anteriores, está a ideia de que é muito comum pensar que as conexões matemáticas acontecem somente nas relações significativas entre os tópicos curriculares. No entanto, o ato de fazer conexões é uma característica essencial da atividade matemática, do fazer matemática e do pensar matematicamente. Isto significa que, como nenhum problema é exclusivamente de um único tópico, para fazer a conexão de ideias matemáticas, não basta perceber que as coisas se ligam ou que estejam encadeadas, é preciso notar as relações intrínsecas e implícitas entre os objetos (Carreira, 2010).
O pensamento agregador e sintético de Hiebert e Carpenter (1992) conduz para a concepção de que as conexões podem ser entendidas como uma característica essencial da atividade matemática. Os autores defendem que a Matemática, por si só, é uma rede de ideias conectadas por relações particulares (conexões), que podem (ou não) ser identificadas inicialmente, independentemente do sujeito. À luz de uma perspectiva construtivista, as conexões matemáticas são tidas como uma construção de quem as cria, tratando-se de artefatos que ajudam a promover a aprendizagem, uma vez que fazer conexões matemáticas representa uma forma de as pessoas tentarem organizar as ideias matemáticas em sistemas coerentes, nomeadamente os esquemas mentais.
A concepção construtivista fundamenta-se no pressuposto de que todo conhecimento é construído, e que o aprendiz constrói significados a partir de experiências, integrando o conhecimento prévio com novos conhecimentos. Em específico, Vygotsky (1991) destaca a importância em conectar as variadas representações como forma de conduzir os processos psicológicos elementares de uma criança aos processos psicológicos superiores da mente, de forma não organizada e relacionada ao contexto social, superando a ideia do encadeamento de conceitos.
Nesse trabalho, usaremos as noções apontadas por Assemany (2020), que discorda da ideia de relacionar as conexões matemáticas exclusivamente ao encadeamento de assuntos ou ao currículo. A autora se sustenta nos princípios construtivistas para suplantar a elementar emenda de tópicos matemáticos e a concepção de se fazer conexões unicamente pelo conhecimento prévio. Conforme a autora, para conectar duas coisas, e mesmo que à primeira vista elas pareçam não se relacionar, é necessário perceber que há algum aspecto de uma que se relaciona a outro aspecto da outra, formando uma espécie de trama, em que se (inter)ligam os conceitos matemáticos de uma forma que passa a fazer sentido para aquele que as relacionou, a partir de uma estrutura de memória que se desenvolve por experiências individuais, cuja característica principal é a presença de conexões.
A definição de trama apoia-se em Hiebert e Carpenter (1992), que afirmam que as conexões são uma consequência natural da teoria construtivista no domínio da Matemática, desde que a aprendizagem da compreensão conceitual envolva a construção mental de redes estruturadas como se fosse uma teia de aranha, de modo que as junções (ou nós) sejam partes da informação representada, e os fios entre eles sejam as conexões.
Assemany (2020) também fundamenta-se em Carreira (2010), que indica a dificuldade em exprimir e utilizar essa concepção de conexões no currículo da Matemática, pois é preciso, dentre outras coisas, que o professor lance mão da criatividade para fazê-las: “as conexões matemáticas são o verdadeiro currículo, aquele que nenhum documento oficial pode fielmente exprimir porque corresponde a inúmeros caminhos possíveis e a tantas outras formas de tratar a matemática, os conceitos, as ideias, as tarefas [...]” (Carreira, 2010, p. 18).
Para relacionar ideias, objetos, assuntos e conceitos matemáticos, encontramos na literatura diversas categorias que tipificam as conexões matemáticas, as quais usaremos para identificar de que forma estas conexões são reveladas pelos professores, sujeitos da pesquisa.
2.1 Tipos e categorias das Conexões Matemáticas
O desenvolvimento das ideias sobre conexões matemáticas tem acontecido por meio dos estudos com pesquisadores e professores de Matemática, que fazem apontamentos acerca das suas práticas pedagógicas e investigativas, sobre como realizar e/ou promover as conexões no ensino e na aprendizagem da matemática. As investigações acerca desse tema contemplam, ainda, trabalhos realizados com estudantes no seio da resolução de tarefas específicas de matemática, com métodos de recolha de dados que incluem a expressão escrita, oral e mímica.
Conforme García-García e Dolores-Flores (2017), as conexões matemáticas são concebidas pelo processo cognitivo, através do qual uma pessoa relaciona duas ou mais ideias matemáticas entre si, com outras disciplinas ou com a vida real. Os autores destacam que é na resolução de tarefas que as conexões matemáticas aparecem, a partir de produções escritas e argumentações, e podem se estabelecer em dois contextos: dentro e fora da Matemática. Conectar duas ou mais ideias matemáticas é uma forma de se fazer conexões (intra)matemáticas. Por outro lado, pensar em relacionar a Matemática com outras disciplinas ou com a vida real, é uma forma de se estabelecer conexões (extra)matemáticas.
As conexões (intra)matemáticas ganharam visibilidade na Educação Matemática quando, em 1991, foram incorporadas às orientações curriculares apresentadas pelo NCTM. Sobretudo, este conceito projetou-se significativamente quando o tema Conexões foi indicado dentre os cinco Padrões de Procedimentos essenciais (NCTM, 2000) a serem desenvolvidos com os alunos da Educação Infantil ao Ensino Médio.
Os estudos de Businskas (2008) salientam que o uso do conhecimento prévio para relacionar conceitos matemáticos é uma forma de serem promovidas conexões matemáticas; e essa premissa lhe impulsionou a uma investigação mais aprofundada acerca das diversas formas de se fazer conexões (intra)matemáticas. A autora identificou cinco categorias pelas quais ela considera que se dão estas conexões, explicitadas no Quadro 1.
No que tange à categoria Múltiplas Representações (Quadro 1), o trabalho de Gafanhoto e Canavarro (2014) aponta que esse é um fator de grande relevância para a compreensão da matemática, tanto dos conceitos e relações matemáticas quanto do desenvolvimento sequencial de ideias. Quando os alunos observam diferentes perspectivas de um mesmo conceito, eles compreendem com maior facilidade novas ideias ao tentar conectar as variadas representações (Duval, 2013). Gafanhoto e Canavarro (2014) ressaltam que um ambiente de ensino que propicie as múltiplas representações, em que os benefícios de umas suplantem os prejuízos pelas combinações com as outras, propicia uma aprendizagem bem sucedida.
A investigação de Eli, Mohr-Schroeder e Lee (2011) teve o objetivo de pesquisar os tipos de conexões matemáticas usadas pelos professores do Ensino Médio quando estavam engajados em tarefas matemáticas. Dos resultados encontrados, os autores apontaram cinco categorias para as conexões (intra)matemáticas, que estão destacadas no Quadro 2:
Categorias estabelecidas por Eli, Mohr-Schroeder e Lee (2011) para as conexões (intra)matemáticas
Observando as definições expostas nos Quadros 1 e 2, é possível inferir que as categorias Conexão nos Procedimentos e Relação parte-todo, apontadas por Businskas (2008), se aproximam, respectivamente, das conexões matemáticas dos tipos Processual e Categórica, destacadas por Eli, Mohr-Schroeder e Lee (2011). Além dos estudos supracitados, encontramos pesquisas que revelam a presença de outras categorias para as conexões (intra)matemáticas.
Na busca por contributos para evidenciar as conexões (intra)matemáticas realizadas por estudantes do Ensino Médio na resolução de tarefas sobre derivada e integral, García-García e Dolores-Flores (2017) observaram a presença de cinco categorias, destas, duas ainda não haviam sido apontadas pela literatura, Conexões nos Significados e Reversibilidade.
Conforme os autores, as Conexões nos Significados podem se apresentar de duas formas: i) o momento em que o sujeito produz significado para um conceito; ii) quando há a conexão de significados produzidos para um conceito com o propósito de resolver um determinado problema. Destacamos o exemplo dado pelos autores: “The integral is the area under a curve”2 (García-García; Dolores-Flores, 2017, p. 248). A outra categoria apresentada é a Conexão por Reversibilidade, que se refere à capacidade de estabelecer relações bidirecionais, ou seja, quando se parte de um conceito A para chegar a um conceito B e, posteriormente, inverte-se o processo, partindo de B para retornar a A. Indicamos como exemplo, para essa categoria, a relação entre derivada e integral, compreendida pelo aluno como operações inversas, e que recorre ao Teorema Fundamental do Cálculo como forma de relacionar os dois conceitos.
Recentemente, despontou-se na literatura outra categoria para se conhecer e estudar as conexões (intra)matemáticas. Rodríguez-Nieto, Rodríguez-Vásquez e Moll (2020) destacam as conexões do tipo Metafóricas como um modo de se utilizar propriedades ou características de objetos conhecidos (concretos), por meio de projeções mentais em um domínio abstrato ou obscuro, como forma de estruturar o pensamento. Quando um professor afirma, sobre o desenho de um gráfico – Podemos viajar (nos mover) por ele (linha do gráfico) sem tirar o lápis do papel – implicitamente, esse docente está sugerindo a metáfora conceitual de que a linha do gráfico representa o caminho percorrido. Os autores salientam que esse tipo de conexão surgiu da revisão da literatura de como as metáforas afetam a compreensão das noções matemáticas.
Com base nas treze categorias que apresentamos, sendo cinco de Businskas (2008), cinco de Eli, Mohr-Schroeder e Lee (2011), duas de García-García e Dolores-Flores (2017) e uma de Rodríguez-Nieto, Rodríguez-Vásquez e Moll (2020), buscamos identificar os tipos de conexões matemáticas que são revelados, a partir do conceito de vetor, numa pesquisa com um grupo de professores da Educação Básica de Portugal que ensinam Matemática, em contexto de um curso de formação continuada.
3 Aspectos metodológicos
Para registrar a concepção de conexões matemáticas por um grupo de professores de Matemática de Portugal, a partir do conceito de vetor, tipificando-as, realizamos uma investigação qualitativa, de índole exploratória (Bogdan; Biklen, 2013), com estratégia de um estudo de caso (Morgado, 2016), devido à produção de numerosos dados que deverão ser organizados e pormenorizados, preservando o seu caráter unitário.
No âmbito da dinamização de um curso de formação continuada para professores de Matemática, com duração de 50 horas, apresentamos diversas possibilidades de conexões (intra)matemáticas, em dimensões variadas, tanto nos encontros presenciais quanto nas propostas didáticas para as suas práticas profissionais. Portanto, para a coleta dos dados, utilizamos como instrumentos as entrevistas semiestruturadas e o grupo de discussão focalizada, uma vez que as entrevistas “permitem obter material pertinente para compreender, ou mesmo justificar, não só os discursos dos atores mas também algumas atitudes e comportamentos que assumem nos seus contextos de trabalho” (Morgado, 2016, p. 74). Optamos pelo grupo de discussão focalizada porque, segundo o autor, esse instrumento permite, principalmente, uma visão global do tema, a recolha de uma vasta quantidade de informação qualitativa; e a produção de conhecimentos e entendimentos para todos os envolvidos.
Utilizamos a metodologia de análise do conteúdo (Bardin, 2011) para realizar o tratamento dos dados, uma vez que essa ferramenta possibilita a verificação de hipóteses (ou categorias prévias) e a descoberta do que está oculto ao nosso ponto de vista, sendo uma estratégia tradicionalmente utilizada para analisar uma grande quantidade de materiais textuais.
A partir das 50 horas de gravação do curso de formação, incluindo reflexões entre os docentes, diálogos particulares entre a pesquisadora e os professores, as entrevistas semiestruturadas e o grupo de discussão focalizada, realizamos a transcrição de todo o material coletado para ser explorado a partir da leitura flutuante dos dados. Selecionamos as primeiras unidades de registro, que corresponderam a um total de 44. Em seguida, refizemos a exploração do material e esmiuçamos as unidades de registro, encontrando 75. Recorremos ao uso das triangulações das unidades de registro percebidas em momentos diferentes da pesquisa e, posteriormente, encontramos os eixos temáticos, que seguiram os princípios de Bardin (2011): exclusão mútua; homogeneidade; pertinência; produtividade; objetividade e fidelidade.
Na fase seguinte, a partir dos eixos temáticos, tratamos as unidades de registro e de contexto, buscando relacioná-las com as treze categorias encontradas na literatura, conforme descrevemos a seguir.
3.1 Contexto da pesquisa
Este estudo resulta de uma investigação de tese realizada entre os anos de 2017 e 2020, no âmbito do sistema educacional português, em contexto de um curso de formação continuada para professores de Matemática, intitulado Uma proposta para montar o puzzle dos conteúdos do Ensino Secundário de Matemática a partir do conceito de vetor. Participaram da pesquisa todos os formandos do curso, configurados em 10 (dez) professoras de Matemática que lecionavam em escolas públicas portuguesas, sendo 3 (três) do Ensino Fundamental e 7 (sete) do Ensino Médio, denotadas por Pi, com i = 1, ..., 10.
A faixa etária das professoras encontra-se, majoritariamente, acima dos 40 anos, sendo que 60% do total das docentes estava com idade acima dos 50 anos. Quanto ao tempo médio de experiência no ensino da Matemática, verificamos que 60% das professoras tinham de 20 a 30 anos no magistério e 10% possui mais do que 30 anos de atuação docente.
O curso de formação se deu em 25 horas presenciais e 25 horas autônomas. O período destinado às horas online consistiu na atuação das professoras em um ambiente virtual de aprendizagem, com fóruns de discussão, tarefas a serem cumpridas, material de leitura etc. Ao todo, foram seis meses de formação continuada, que se dividiram em três momentos distintos (Quadro 3):
No decorrer das sessões do curso de formação, as professoras foram orientadas a planejar – em grupos de dois a quatro participantes – tarefas de natureza exploratória e investigativa (Ponte, 2005), destinadas aos estudantes da Educação Básica e com a utilização de conexões (intra)matemáticas, com destaque ao uso dos vetores. O compartilhamento e o debate de ideias após a elaboração das tarefas foram propiciados como meio para desvelar as reflexões das docentes e para o recebimento de sugestões e comentários.
A metodologia das tarefas foi usada pelas professoras como integrante de uma situação didática (Chevallard; Bosch; Gascón, 2001), em que o professor intervém na relação do estudante com o meio em que está inserido para propiciar que ocorram aprendizagens. A elaboração das tarefas, enquanto recurso de intervenção didática das professoras, possibilitou o surgimento de conexões (intra)matemáticas que instigaram a reflexão docente acerca delas. Conforme Ponte (2005, p. 11), o uso das tarefas incita a construção do conhecimento, tanto do educando quanto do educador: “A tarefa pode surgir de diversas maneiras: pode ser formulada pelo professor e proposta ao aluno, ser da iniciativa do próprio aluno e resultar até de uma negociação entre o professor e o aluno”.
O contexto matemático que sustentou a elaboração das tarefas consistiu na Proposta Metodológica de Ensino (PME) (Assemany, 2020), uma vez que a sua configuração mostra possibilidades de conexões matemáticas a partir do conceito de vetor, refletindo-se como uma relação de ideias ou conceitos que impactam no currículo. Buscando valorizar a visão geométrica dos alunos do Ensino Médio sobre os conteúdos de matemática, inclusive àqueles em que a interpretação tradicionalmente explorada é exclusivamente algébrica, a PME constitui-se como uma possibilidade de engendramento de conteúdos sobre a qual já foi construído um material didático com tarefas de matemática para a sala de aula, discriminado em Assemany et al. (2013a).
Segundo Assemany (2020, p. 36-37), quando os vetores são utilizados majoritariamente por sua representação em coordenadas cartesianas, as potencialidades do uso do vetor são reduzidas, privando-o do que tem de mais especial: “a possibilidade de ser ‘três em um’ (módulo, direção e sentido)”. Isto contribui para evitar o uso exaustivo e, muitas vezes desnecessário, da manipulação algébrica na Educação Básica, que conduz à memorização de fórmulas ao invés de favorecer o raciocínio lógico-dedutivo a partir de conhecimentos prévios e de fortalecer o uso das ferramentas para a resolução de tarefas matemáticas.
No intuito de elucidar a PME, propiciando maior compreensão do Quadro 3, apresentamos os oito princípios fundamentais da proposta: i) explorar a geometria euclidiana utilizando os vetores; ii) relacionar a construção gráfica de uma circunferência com o conceito de módulo do vetor; iii) utilizar as transformações no plano para o ensino da trigonometria; iv) abordar função afim a partir do estudo de equação da reta; v) constituir a expressão algébrica de uma determinada função (ou cônica) usando o conceito de translação para relacionar as representações (algébrica e gráfica); vi) conceituar matrizes como um conjunto de vetores linha (ou coluna); vii) usar a geometria plana e a vetorial para o estudo de números complexos e suas representações; viii) estudar a geometria espacial a partir do conceito de vetor em lR3.
A PME foi construída e repensada, de modo contínuo, entre os anos 2006 e 2013, sendo simultanemante experienciada pela autora (docente e pesquisadora) junto aos estudantes do Ensino Médio de um colégio federal no Rio de Janeiro, cujos principais resultados foram apresentados nos estudos de Assemany e Azevedo (2011), Assemany et al. (2013b) e Assemany (2020), em transformação progressiva de um trabalho para o outro. Nesta pesquisa, a PME se configurou como material didático do curso de formação, a fim de salientar a percepção acerca das conexões matemáticas pelos professores de Matemática, provocando a produção destas conexões e servindo como dados de pesquisa para responder à nossa questão de investigação.
3.2 Instrumentos de recolha dos dados
A recolha de dados se deu sobre 5 (cinco) situações, ocorridas em momentos distintos: i) tarefas produzidas e testadas pelas professoras no decorrer dos 6 meses de curso (T); ii) reflexão analítica, por escrito, das professoras sobre as tarefas que compõem a PME, apresentadas no momento I do curso (RA), indicado no Quadro 3; iii) entrevistas semiestruturadas com cada professora, totalizando 10 sessões individuais de 30 a 45 minutos cada (ES); iv) grupo de discussão focalizada com a presença das 10 professoras (GDF); e v) reflexão crítica sobre o curso de formação continuada, por escrito e individual (RC), que representou uma forma de as professoras avaliarem o curso.
Todas as sessões da formação, incluindo as entrevistas e o grupo de discussão focalizada, foram gravadas para garantir a fidedignidade e manter a confiabilidade da pesquisa.
4 Resultados
Consoante às falas das professoras, sujeitos da pesquisa, observamos a maior incidência das expressões múltiplas representações, várias resoluções, vetor, conexão e tarefas, que, conforme a intenção e a conscientização, foram organizadas em dois eixos temáticos, despontados após as triangulações e a leitura flutuante: Apresentação e Interrelação.
No eixo Apresentação, concentram-se as falas relacionadas às conexões matemáticas de uma forma geral, sem utilizar os vetores, como: lembranças de momentos em que foi identificada a concepção de conexões inconscientemente; e situações que sugerem conexões matemáticas a partir de uma reflexão prévia sobre o tema.
Durante o processo de percepção quanto à utilização das conexões matemáticas, algumas professoras apontavam o contexto das múltiplas representações como um meio de se perceber as conexões (intra)matemáticas. Expressões como riqueza de resoluções, várias formas de chegarem lá e várias hipóteses de resolução despontaram em seus relatos:
No âmbito das entrevistas semiestruturadas, do grupo de discussão focalizada e das tarefas, destacamos, no Quadro 5, o eixo temático Interrelação, com algumas falas que indicam a existência, a necessidade e a importância em utilizar as conexões (intra)matemáticas.
5 Discussão dos dados
Considerando os dois eixos temáticos descritos e exemplificados anteriormente, bem como as treze categorias despontadas na literatura, observamos que as professoras, participantes do curso de formação continuada, revelaram conceber as conexões (intra)matemáticas em quatro categorias.
O contexto de trabalho no curso de formação continuada, em que as professoras elaboraram tarefas exploratórias e investigativas e, depois, aplicaram-nas aos seus alunos, propiciou que elas percebessem diferentes representações no contexto professor-aluno. Gafanhoto e Canavarro (2014, p. 117) subsidiam essa ideia e concebem as potencialidades do ensino com recurso às múltiplas representações: “Uma estratégia é trabalhar num ambiente que proporcione múltiplas representações, em que as desvantagens de umas possam facilmente ser colmatadas pela combinação com as outras”.
Legitimando essa concepção, os depoimentos das professoras P4, P7 e P10 (Quadro 4) convergem para o fato de que a riqueza de resoluções e a utilização das duas representações em simultâneo contribuem para o melhor entendimento da Matemática (Gafanhoto; Canavarro, 2014). A argumentação, a transparência da abordagem utilizada e a clareza do raciocínio são aspectos de partilha que contribuem para ampliar o campo epistêmico do aluno.
Salientamos o relato de P10 (entrevista semiestruturada, Quadro 4), que sugere não só a observação dos alunos quanto às várias formas de resolução, mas também propicia a discussão sobre elas, questionando-as, reconhecendo-as e corroborando-as (Friedlander; Tabach, 2001), para que a riqueza de caminhos se torne o processo central, criativo, motivante e significativo do aprendizado. Ainda no Quadro 4, destacamos os trechos,
(...) sempre tendemos a dizer aos alunos várias formas de chegarem lá (Assertiva de P4, 2017).
(...) uma utilização mais fácil das duas representações em simultâneo e, logo, uma melhor compreensão do tópico em estudo (Assertiva de P7, 2017).
que mostram que estas professoras valorizam o uso das várias formas de apresentação (múltiplas representações), tanto para o ensino, como para a aprendizagem. Quando os alunos percebem distintos pontos de vista de um mesmo conceito, eles compreendem com maior facilidade novas ideias ao tentar conectar a nova representação com a sua (Duval, 2013).
Implicitamente, as falas das professoras P4, P7 e P10 abrangem a visualização como elemento importante para a aprendizagem. Duval (2013) discute o funcionamento cognitivo dos estudantes pelas formas que representam o seu pensamento, através da análise das suas várias formas de apresentação (por visualizações, interpretações e exteriorizações) em uma dada atividade matemática. Ressaltamos a visualização como um elemento colaborador (coadjuvante) para a produção do conhecimento. A visualização – na perspectiva de Duval – é um percurso próprio para a construção das figuras, pois está ligada às percepções, representações, transformações, descobertas e comunicações, possibilitando gerar, documentar e refletir sobre as informações visuais.
De modo análogo, as falas das professoras, indicadas no Quadro 5, mostram que elas produziram ações reflexivas sobre o uso e a provocação das conexões matemáticas no âmbito das suas lecionações, nomeadamente com os (seus) alunos do Ensino Médio. Vislumbrando os modos de se fazer as conexões (intra)matemáticas, destacamos a explanação da professora P6 (grupo de discussão focalizada), que mostra a importância das várias formas de apresentação do mesmo objeto (representações) ao indicar o estudo das retas no 1.o ano por meio da geometria – o que inclui a translação de pontos por meio de um vetor, a representação gráfica e a proporcionalidade direta – e da representação gráfica da função afim. A partir deste posicionamento, a professora P6 mostra utilizar o mesmo tipo de conexão (intra)matemática que P4, P7 e P10, inserido na categoria Múltiplas Representações, de Businskas (2008).
Ao propor o ensino da reta no plano em simultâneo com o estudo das funções, P6, além de estimular o uso das variadas representações, recorre às interrelações como um modo de reorganizar o currículo. Esta professora revela o uso das conexões (intra)matemáticas, inserindo-se, também, na categoria Currículo, de Eli, Mohr-Schroeder e Lee (2011).
O relato de P3 (grupo de discussão focalizada, Quadro 5) indica a importância do vetor para auxiliar o ensino de números inteiros, nomeadamente a percepção dos números simétricos, dispostos sobre a reta numérica. Registramos a presença de uma conexão (intra)matemática do tipo Orientada para o ensino, de Businskas (2008), uma vez que a docente, quando pretende iniciar um novo conteúdo, recorre a um conhecimento prévio dos alunos e o utiliza para estabelecer interrelações até conquistar um conhecimento novo (Ausubel, 1968).
A importância da utilização do conhecimento prévio do aluno para a compreensão de novos conceitos também aparece nas falas das professoras P2 e P5, ambas no contexto do grupo de discussão focalizada, ressaltadas na Quadro 5. A fala de P2,
Quando eu estou a dar um conteúdo que eu sei que eles já abordaram, por onde eu começo? Por onde eles já sabem! (Assertiva de P2, 2017).
evidencia a utilização de um conhecimento anterior como ferramenta de ensino para tratar novas noções. De modo análogo, P5 ressalta a necessidade de o professor recorrer à geometria para abordar o tópico de funções. Estas condutas mostram que as professoras P2 e P5 revelam conexões (intra)matemáticas do tipo Orientadas para o ensino.
A ponderação da professora P5 (Quadro 5) revela diferentes categorias, pois são evidenciados diferentes aspectos das conexões (intra)matemáticas. No momento em que ela aponta a utilização do estudo das funções para a elaboração das ideias matemáticas relacionadas aos polinômios, no contexto de aplicação das tarefas elaboradas no curso de formação, P5 utiliza uma conexão (intra)matemática do tipo Derivação, pois o conhecimento de um conceito mostrou ter funcionalidade (serventia) para construir outro, como apontam Eli, Mohr-Schroeder e Lee (2011). No que se refere à proposta de conectar conteúdos, modificando a estrutura curricular na produção de conexões entre funções e polinômios, há um impacto direto no currículo, que indica uma postura de P5 inserida na categoria Currículo (Eli; Mohr-Schroeder; Lee, 2011).
Ao considerar os apontamentos das professoras P8 e P9, no Quadro 5, observamos que elas estão a utilizar as conexões na categoria Derivação, de Eli, Mohr-Schroeder e Lee (2011). Destacamos os seguintes trechos,
Conseguir colocá-los [vetores] em outros sítios, sem ser só nas isometrias” (Assertiva de P8 na entrevista semiestruturada, 2018).
[a formação] fez com que o grupo de trabalho [professores participantes da formação] olhasse para os vetores de forma diferente (...)” (Assertiva de P9 na reflexão analítica, 2018).
em que observamos que as professoras revelam suas concepções acerca das conexões utilizando o conhecimento de um conceito que se difunde em outro.
Analogamente, percebemos na fala de P1 (entrevista semiestruturada, Quadro 5),
[Sobre] a questão do ponto médio, há alunos que dizem: ‘mas nós podemos ir por vetores’. Os livros têm isso através de coordenadas de pontos. (...) Mesmo nas transformações, eu acho que eles acabam por recorrer ao vetor assim, de uma forma simples, para os ajudar a perceber o que estava a ser feito. (Assertiva de P1, 2018).
que os seus alunos buscam derivar os resultados para obter novas descobertas, configurando a produção das conexões (intra)matemáticas segundo a categoria Derivações, de Eli, Mohr-Schroeder e Lee (2011). Sobretudo, essa fala pressupõe uma análise mais alargada, em que se desponta a categoria Orientada para o ensino, de Businskas (2008). A professora P1 utiliza as conexões (intra)matemáticas para apresentar aos alunos um conteúdo novo, buscando os conhecimentos prévios, mesmo que não sejam imediatas.
Em outra perspectiva, observamos que a professora P1 salienta que as conexões (intra)matemáticas a partir dos vetores, utilizadas pelos seus alunos como ferramenta para a compreensão, mostram-se com o objetivo de contribuir para o aprendizado dos estudantes. Essa possibilidade se torna eficaz nos contextos em que os estudantes apresentam obstáculos na correlação de dados, como aponta Carreira (2010, p. 14) sobre situações didáticas em Portugal: “(...) os alunos portugueses mostram dificuldade em relacionar informações e em raciocinar eficazmente sobre contextos e situações multifacetadas, que envolvem vários tipos de dados e requerem raciocínio analítico para lidar com os dados envolvidos”. A autora afirma que, como nenhum problema é exclusivo de um único conteúdo, para fazer a conexão de ideias matemáticas, não basta que alunos e professores percebam que as coisas se ligam. É uma conquista individual do empenho docente esta percepção mais conscientizada sobre as interrelações, essencialmente por elas não sobressaírem em documentos. O apontamento da autora nos dá pistas de que as experiências das docentes, durante a formação continuada, foram perpassadas aos alunos destas professoras, gerando um tipo de contaminação pela prática.
Das treze categorias de conexões matemáticas destacadas neste estudo, o grupo de professoras revelou quatro: Orientadas para o ensino, Derivação, Múltiplas Representações e Currículo, que mostraram-se independentes dos eixos temáticos (Apresentação e Interrelação). Os tópicos a seguir salientam as categorias despertadas no estudo, para estas 10 (dez) professoras.
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Conexões orientadas para o ensino: P1, P2, P3, P5
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Derivação: P1, P5, P8, P9
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Múltiplas Representações: P4, P6, P7, P10
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Currículo: P5, P6
6 Conclusões
O curso de formação continuada buscou ressaltar e incentivar a criatividade ao propor a elaboração de tarefas exploratórias e investigativas que recorressem às conexões matemáticas a partir do conceito de vetor . Em forma de grupos de trabalho, foram discutidos temas relativos à prática curricular vigente e os métodos propostos para repensar o ensino e a aprendizagem, nomeadamente a Proposta Metodológica de Ensino (PME). Nesse contexto, este estudo buscou evidenciar as formas que estas professoras revelam as conexões (intra)matemáticas concebidas.
Diante das tarefas elaboradas e das reflexões críticas apresentadas pelas professoras, com relação aos resultados e limitações do processo no curso de formação, ressaltamos a importância de as docentes adquirirem uma compreensão da matemática mais flexível, adaptável e interrelacionada, para que estejam aptas a construir, explorar, estabelecer e promover as conexões (intra)matemáticas para o ensino.
Para registrar de que forma as professoras portuguesas, participantes da investigação, revelaram propostas de conexão de conteúdos, concebidas e apresentadas a partir do conceito de vetor, o estudo de caso realizado nos conduziu a quatro categorias: i) Conexões orientadas para o ensino: o conhecimento prévio é utilizado na compreensão de um conceito novo; ii) Derivação: o conhecimento de um conceito serve para explicar outro; iii) Múltiplas Representações: alternância de representações diferentes de um mesmo objeto; iv) Currículo: uma relação sequencial de ideias que impacta diretamente no currículo.
Entendemos que esse resultado não representa todas as categorias de conexões matemáticas que essas professoras utilizam na sua prática docente, e sim, os tipos de conexões que despontaram no contexto desta pesquisa.
Ademais, as falas das professoras, que indicam surpresa e alegria por perceberem as suas próprias conexões, exemplificadas, principalmente, nos Quadros 4 e 5 sobre os eixos temáticos, nos sinalizam que nem todas as conexões matemáticas foram produzidas de forma consciente por elas. Entretanto, e tendo em conta a importância da conscientização na produção das conexões matemáticas, apontamos para a necessidade de se explorar essas conexões na formação de professores.
Embora este seja um estudo de caso, a análise dos dados nos conduz a novas perguntas que contribuirão para revelar as conexões matemáticas que são concebidas por professores, como: Existem tipos de conexões matemáticas mais recorrentes usadas pelos professores, seja em formação continuada ou no exercício da docência? Há outros tipos de conexões (intra)matemáticas produzidos pelos professores, para além dos treze encontrados na literatura?
Diante das questões anteriores, consideramos pertinente a realização de pesquisas que evidenciem - ou revelem, despontem, manifestem, expressem - os modos de apropriação das conexões matemáticas por professores de Matemática, mostrando as categorias suscitadas por eles, no intuito de buscar entender as lacunas existentes na percepção dessas conexões e inferir de que maneira a formação de professores pode contribuir para a produção das conexões matemáticas no ensino da Matemática.
O tema conexões matemáticas ainda é pouco difundido, tanto nas investigações que se apresentam, quanto na formação de professores (inicial e continuada). Entendemos que existem múltiplos percursos que podem ser trilhados acerca desse assunto, e encaminhamos este trabalho como impulsionador de mais estudos no âmbito das conexões matemáticas, relacionadas não só à formação de professores, mas ao ensino-aprendizagem e ao campo da epistemologia, o que legitimam a importância das investigações para a sua evolução.
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1
Por formação continuada de professores, concebemos a noção de um processo, em constante movimento, no qual o professor conjuga a sua formação com as exigências de sua atividade docente (Alarcão, 2003), a partir de ações reflexivas que impactam os conhecimentos específico e pedagógico.
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2
“A integral é a área sob uma curva.” (tradução nossa).
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3
A escolaridade em Portugal é dividida em três níveis: Ensino Básico, Ensino Secundário e Ensino Superior. O Ensino Secundário equivale ao Ensino Médio no Brasil, com três séries: 10.º, 11.º e 12.º anos, sendo que o 1.º ano do Ensino Médio no Brasil é denotado por 10.º ano do Ensino Secundário em Portugal.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
14 Jun 2023 -
Aceito
22 Abr 2024