RESUMO
No Brasil, a lagarta-do-cartucho Spodoptera frugiperda (J.E. Smith) (Lepidoptera: Noctuidae) é uma praga importante do milho e de outras espécies cultivadas, incluindo cultivos hortícolas, soja, arroz e algodão. Inseticidas botânicos são considerados uma opção interessante para o manejo de S. frugiperda, especialmente em sistemas de produção orgânica, e derivados de Annonaceae constituem uma fonte promissora destes. Diante desse potencial, o efeito do extrato etanólico de sementes de Annona mucosa — ESAM (Annonaceae) no desenvolvimento e comportamento alimentar de S. frugiperda foi avaliado através de bioensaios de exposição em meio artificial (ingestão). ESAM reduziu a viabilidade das fases larval e pupal e o peso de pupa bem como provocou um aumento na duração da fase larval de S. frugiperda. Além disso, ESAM também causou um aumento na proporção de pupas e adultos com alterações morfológicas. Entretanto, ESAM não causou efeito deterrente de alimentação para lagartas de quarto ínstar de S. frugiperda, embora esse extrato tenha ocasionado um decréscimo significativo no consumo ao longo do tempo (toxicidade pós-ingestão).
Palavras-chave inseticidas botânicos; lagarta-do-cartucho; acetogeninas; efeitos subletais
ABSTRACT
In Brazil, the fall armyworm Spodoptera frugiperda (J.E. Smith) (Lepidoptera: Noctuidae) is an important pest of maize and other crops including horticultural crops, soybean, rice, and cotton. Botanical insecticides are an interesting option for S. frugiperda management especially in organic production systems, and annonaceous derivatives have been considered a promising source of them. In light of this potential, we investigated the antifeedant and growth inhibitory effects of ethanolic extract from Annona mucosa seeds — ESAM (Annonaceae) against S. frugiperda using dietary exposure bioassays. ESAM decreased larval and pupal viabilities and also the pupal weight as well as increased the larval phase duration of S. frugiperda. Moreover, ESAM also caused an increase in the proportion of pupae and adults with morphological changes. However, ESAM did not cause antifeedant effect for 4-instar S. frugiperda larvae, though it decreased consumption throughout the time (post-ingestive toxicity).
Key words botanical insecticides; fall armyworm; acetogenins; sublethal effects
INTRODUÇÃO
No Brasil, Spodoptera frugiperda (J.E. Smith) (Lepidoptera: Noctuidae) é a principal espécie-praga da cultura do milho (Zea mays L., Poaceae), causando perdas no rendimento de grãos que podem chegar a 54,5% (Figueiredo et al. 2006), dependendo das condições climáticas e do estágio de desenvolvimento das plantas atacadas (Dequech et al. 2013; Ribeiro et al. 2014b). Nos últimos anos, a severidade do ataque dessa praga vem aumentando em várias regiões produtoras devido ao desequilíbrio biológico causado pela eliminação dos inimigos naturais, bem como pelo aumento na exploração de culturas das quais a espécie se alimenta (Cruz e Monteiro 2004). Nesse contexto, a grande disponibilidade de hospedeiros alternativos — mais de 80 espécies vegetais (incluindo algodão, soja e arroz) — é um dos principais fatores que afetam a dinâmica populacional de S. frugiperda (Cruz et al. 2009), intensificando seus níveis de danos.
Uma das opções para o controle de S. frugiperda é a utilização de inseticidas botânicos, alternativa interessante especialmente para sistemas orgânicos, um mercado que cresce mundialmente (Willer e Kilcher 2009). Diante dos nichos de mercado de produtos mais limpos e seguros, os extratos de origem vegetal têm se constituído em uma opção bastante promissora para o controle de insetos-praga, uma vez que se enquadram nos preceitos dos programas de Manejo Integrado de Pragas (MIP) e das normas das empresas certificadoras da produção orgânica (Lima et al. 2008; Isman et al. 2011; Zanardi et al. 2015). No entanto, a detecção de novas fontes de compostos inseticidas a partir da flora de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento constitui, ainda, uma das principais lacunas a serem preenchidas (Ansante et al. 2015).
Entre as famílias botânicas ocorrentes em regiões tropicais, Annonaceae (Magnoliales) se destaca pela grande diversidade de espécies, apresentando 2.500 espécies e 135 gêneros descritos até o momento no mundo (Chatrou et al. 2004), tendo já sido registrados no Brasil 29 gêneros, o que compreende cerca de 388 espécies (Maas et al. 2014). Estudos fitoquímicos têm identificado uma série de produtos naturais em espécies de Annonaceae, com destaque para as acetogeninas (ACGs), até então isoladas de um pequeno número de gêneros (Annona, Asimina, Xilopia, Goniothalamus e Uvaria) (Bermejo et al. 2005). As ACGs possuem estruturas diversificadas e poderosas propriedades citotóxicas, com aplicações potenciais no desenvolvimento de novos inseticidas agrícolas (Isman e Seffrin 2014).
Em estudos prévios, derivados de Annona mucosa Jacq. (Annonaceae) mostraram-se promissores no controle de algumas espécies-praga de importância agrícola, incluindo Sitophilus zeamais Mots. (Coleoptera: Curculionidae) (Ribeiro et al. 2013), Panonychus citri (McGregor) (Acari: Tetranychidae) (Ribeiro et al. 2014d), Trichoplusia ni Hübner (Lepidoptera: Noctuidae) e Myzus persicae (Sulzer) (Hemiptera: Aphididae) (Ribeiro et al. 2014a). Mais recentemente, foi verificado que o extrato etanólico de sementes de A. mucosa (ESAM) causa pronunciada toxicidade aguda (CL50 = 842,9 mg∙kg–1) para lagartas de S. frugiperda, sendo essa atividade decorrente do sinergismo de ACGs estruturalmente diversificadas, tendo como composto majoritário (~ 70% das frações ativas) a acetogenina bis-tetrahidrofurânica roliniastatina-1 (Ansante et al. 2015). De modo a caracterizar os possíveis efeitos subletais de derivados de A. mucosa, este estudo avaliou os efeitos do ESAM no comportamento alimentar e no desenvolvimento de S. frugiperda, em testes laboratoriais em meio artificial.
MATERIAL E MÉTODOS
Insetos
Os exemplares de S. frugiperda utilizados nos bioensaios foram obtidos de uma colônia estabelecida a partir de espécimens coletados em cultivos de milho em diferentes regiões do Brasil (Rio Verde, Goiás; Campo Verde, Mato Grosso; Campo Novo dos Parecis, Mato Grosso; Sabáudia, Paraná). Antes de sua utilização nos bioensaios, a colônia estabelecida foi multiplicada em laboratório por pelo menos duas gerações.
Em laboratório, sob condições controladas (26 ± 2 °C, umidade relativa — UR: 70 ± 10% e fotoperíodo: 14L:10E h), as lagartas foram mantidas em meio artificial proposto por Kasten Junior et al. (1978) e os adultos, alimentados com solução de água + mel a 10% (p/p).
Obtenção e preparação do extrato
As sementes de A. mucosa utilizadas na preparação do extrato bruto foram obtidas de frutos maduros, coletados em 17 de março de 2011, de exemplares cultivados no campus da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), em Piracicaba, São Paulo, Brasil (lat 22°42′28,5″S; long 47°37′59,6″O; altitude: 534 m). Uma exsicata do espécimen, previamente identificada pelo Dr. Heimo Rainer (Department of Systematics and Evolution of Higher Plants, University of Vienna, Viena, Áustria), encontra-se depositada no herbário do Departamento de Ciências Biológicas da ESALQ/USP, sob registro número 120985.
Para a preparação dos extratos, as sementes foram secas em estufa a 40 °C por um período de 48 a 72 h, sendo posteriormente trituradas em um moinho de facas. O pó vegetal obtido foi armazenado em vidros hermeticamente fechados e mantidos sob refrigeração até sua utilização (~ 10 dias após a coleta).
O extrato orgânico foi obtido por meio da técnica de maceração em solvente etanol (na proporção de 1:5, p∙v–1). Para isso, a solução (pó vegetal + etanol) foi agitada por 10 min e mantida em repouso por 72 h, sendo, após esse período, filtrada em papel filtro. A torta remanescente foi novamente submetida à extração, utilizando-se as mesmas proporções pó vegetal:solvente. Esse procedimento foi repetido por três vezes, totalizando nove dias de extração. O solvente remanescente na amostra filtrada foi eliminado em rotaevaporador (temperatura: 50 °C; pressão: −600 mmHg). Após a completa evaporação do solvente em câmara com fluxo de ar, o rendimento de extração foi determinado.
Bioensaios (exposição em meio artificial tratado)
Todos os bioensaios foram conduzidos em condições controladas (temperatura: 25 ± 2 °C; UR: 60 ± 10% e fotofase: 14 h) sob delineamento inteiramente aleatorizado.
Efeito do extrato sobre o consumo alimentar de S. frugiperda
O efeito antialimentar do ESAM para lagartas de quarto ínstar (dez dias) de S. frugiperda foi avaliado em dois bioensaios sem chance de escolha. No primeiro bioensaio, o extrato foi avaliado nas concentrações correspondentes às CL25 (468 mg∙kg–1), CL50 (842,97 mg∙kg–1) e CL90 (1.882 mg∙kg–1), que foram estimadas em estudo prévio (Ansante et al. 2015), sendo o consumo larval avaliado após 24 h. No segundo bioensaio, avaliou-se o efeito do ESAM somente na CL90 estimada (1.882 mg∙kg–1), porém o consumo das lagartas foi determinado em diferentes tempos de exposição (24, 48 e 72 h, com amostragens independentes).
Em ambos os bioensaios, o extrato foi incorporado em meio artificial proposto por Kasten Junior et al. (1978), ao final do seu preparo, quando este apresentava temperatura de 50 °C. Além dos meios correspondentes a cada concentração do extrato, foi também preparado um meio artificial (controle), sem extrato, porém utilizando-se o mesmo volume (5 mL) de solventes [acetona:metanol (1:1, v/v)] empregado na solubilização do extrato.
Após a incorporação dos tratamentos, os meios artificiais tratados foram acondicionados em caixas plásticas (11 × 11 × 3,5 cm) do tipo Gerbox (J Prolab® Ind. e Com. de Produtos para Laboratório Ltda., São José dos Pinhais, Paraná, Brasil) e, após 24 h da deposição, os mesmos foram cortados em pedaços (1,5 × 1,5 cm) a fim de serem oferecidos às lagartas. Posteriormente, os pedaços foram pesados e colocados no centro de placas de Petri de 15 cm de diâmetro com o fundo coberto por gesso e recoberto por papel filtro, os quais foram previamente umedecidos. No centro de cada placa, foram liberadas três lagartas de quarto ínstar de S. frugiperda, sendo que, para cada tratamento e/ou tempo de exposição, foram utilizadas 15 repetições.
Após 24 h (bioensaio 1) e após 24, 48 e 72 h (bioensaio 2), foram pesados os restos dos pedaços de cada meio artificial oferecidos às lagartas, sendo que o consumo alimentar foi calculado pela diferença entre o peso inicial e final. Para determinar a perda de água sofrida pelo meio, foi mantida uma alíquota correspondente a dez pedaços inteiros, que foram pesados no início e ao final de cada tempo de exposição. A perda média de umidade (em %) dos dez pedaços coletados em cada tempo foi descontada do peso final de cada pedaço de meio oferecido às lagartas.
Efeito do extrato selecionado sobre parâmetros biológicos de S. frugiperda
Os efeitos do ESAM sobre parâmetros biológicos de S. frugiperda foram avaliados em um ensaio em meio artificial utilizando-se a CL50 (842,97 mg∙kg–1) previamente estimada (Ansante et al. 2015). Para isso, o extrato foi incorporado em 600 g do meio artificial ao final do seu preparo, quando este apresentava temperatura de 50 °C. Como controle, utilizou-se o mesmo volume de solventes [acetona:metanol (1:1, v/v)] utilizado na solubilização do extrato.
Após a incorporação dos tratamentos no meio, depositaram-se 4 mL de meio em tubos de ensaio de vidro de fundo chato (8,5 cm de altura × 2,5 cm de diâmetro), no qual foi infestada uma lagarta de S. frugiperda de primeiro ínstar (< 24 h de idade). Para cada tratamento, utilizaram-se dez repetições, sendo cada repetição constituída por 12 tubos (n = 120).
As avaliações foram feitas diariamente até a emergência dos adultos, sendo que os parâmetros avaliados foram a viabilidade e a duração das fases larval e pupal, o peso de pupas com 24 h e a porcentagem de pupas e de adultos defeituosos.
Análises dos dados
Os dados de mortalidade (larval e pupal) e de pupas e adultos defeituosos foram analisados por meio de um modelo linear generalizado (GLM) (Nelder e Wedderburn 1972) com distribuição do tipo quase-binomial. Já para análise dos dados referentes ao peso larval, peso pupal e duração das fases larval e pupal, utilizou-se um GLM com distribuição do tipo gaussiana. A verificação da qualidade do ajuste dos dados aos modelos foi feita por meio do uso do gráfico meio-normal de probabilidades com envelope de simulação (Hinde e Demétrio 1998). Havendo diferença significativa entre os tratamentos, foram realizadas comparações múltiplas (teste pos hoc de Tukey, p < 0,05) por meio da função “glht” do pacote Multicomp com ajuste dos valores de p.
As curvas de sobrevivência larval de S. frugiperda foram analisadas pelo método de Kaplan-Meier seguindo-se o modelo de regressão paramétrico com distribuição de Weibull (variável-resposta), sendo posteriormente realizado o teste de log-rank para comparação entre os grupos (tratamentos). Ainda, para análise dos dados referentes ao consumo alimentar de lagartas de S. frugiperda em diferentes tempos de exposição, foi realizada análise fatorial confirmatória para os fatores tratamento e tempo de exposição. Todas essas análises foram realizadas utilizando-se o software estatístico R, versão 2.15.1 (R Development Core Team 2012).
RESULTADOS
Efeito do extrato selecionado sobre o consumo alimentar de lagartas de S. frugiperda
Independentemente da concentração testada, não houve diferença significativa (F3,56 = 02,1432; p = 0,6826) no consumo de lagartas de quarto ínstar de S. frugiperda expostas em meios tratados com o ESAM após 24 h de exposição (Tabela 1). Apesar de não causar fagodeterrência (efeito geralmente estimado pelo consumo alimentar em até 24 h) em nenhuma das concentrações testadas, o ESAM (na CL90) afetou o consumo de lagartas de quarto ínstar de S. frugiperda a partir de 48 h de exposição (Tabela 2). Nesse caso, observou-se interação significativa entre tratamentos e tempos de exposição (F2,84 = 17,07; p < 0,0001). Assim, enquanto no controle houve aumento significativo do consumo larval ao longo do tempo de exposição, isso não ocorreu quando as lagartas foram expostas ao meio artificial tratado com o ESAM (Tabela 2).
Consumo (g) de lagartas de quarto ínstar de Spodoptera frugiperda em meio artificial tratado com diferentes concentrações do extrato etanólico de sementes de Annona mucosa (ESAM), após 24 h de exposição em teste sem chance de escolha.
Consumo (g) de lagartas de quarto ínstar de Spodoptera frugiperda em meio artificial tratado com diferentes concentrações do extrato etanólico de sementes de Annona mucosa (ESAM), após 24, 48 e 72 h de exposição em teste sem chance de escolha.
Efeito do extrato sobre parâmetros biológicos de S. frugiperda
ESAM, testado na CL50, reduziu significativamente a viabilidade (F1,38 = 132,18; p < 0,0001) e ocasionou um aumento (F1,34 = 23,29; p < 0,0001) de aproximadamente sete dias na duração da fase larval de S. frugiperda (Tabela 3, Figura 1).
Médias (± erro padrão) da viabilidade e duração das fases larval e pupal de Spodoptera frugiperda mantida em meio artificial contendo o extrato etanólico das sementes de Annona mucosa (ESAM), na concentração equivalente a CL50 previamente estimada (842,97 mg∙kg-1).
Curva de sobrevivência (Kaplan-Meier) de lagartas de Spodoptera frugiperda mantidas em meio artifi cial contendo o extrato etanólico das sementes de Annona mucosa (ESAM), na concentração equivalente a CL50 previamente estimada (842,97 mg∙kg–1).
Além disso, o ESAM também reduziu significativamente a sobrevivência da fase pupal (F1,38 = 107,06; p < 0,0001), sem, contudo, interferir na duração dessa fase (F1,6 = 3,00; p = 0,0833) (Tabela 3). As pupas provenientes de lagartas alimentadas em dietas contendo ESAM apresentaram peso significativamente inferior (F1,38 = 61,82; p < 0,0001) em relação àquelas oriundas do controle (Tabela 4, Figura 2) e uma maior proporção (F1,18 = 7,72; p = 0,0123) de pupas deformadas ou defeituosas, sendo estas caracterizadas, principalmente, pela retenção da exúvia remanescente do último ínstar larval (Figura 2). Igualmente, o ESAM também acarretou o surgimento de adultos defeituosos (Tabela 4), caracterizados, principalmente, pela retenção da carapaça frontal da pupa e por malformações das asas anteriores e posteriores (Figura 2).
Médias (± erro padrão) de peso pupal e porcentagens de pupas e adultos defeituosos de Spodoptera frugiperda mantidos durante sua fase larval em meio artificial contendo o extrato etanólico das sementes de Annona mucosa (ESAM), na concentração equivalente a CL50 previamente estimada (842,97 mg∙kg-1).
Alterações morfológicas em Spodoptera frugiperda alimentada durante a fase larval em meio artificial tratado com o extrato etanólico das sementes de Annona mucosa(ESAM), na concentração equivalente a CL50 previamente estimada (842,97 mg∙kg–1).
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos mostraram que o extrato etanólico obtido das sementes de A. mucosa (ESAM) interfere significativamente no desenvolvimento pós-embrionário de S. frugiperda, sem, contudo, afetar o comportamento alimentar da espécie-praga (fagodeterrência). De modo geral, a atividade deterrente de alimentação de determinado derivado vegetal ou composto químico sobre insetos é demonstrada por meio de bioensaios laboratoriais (com ou sem chance de escolha) realizados em curtos períodos (geralmente 24 h). Longas exposições conduzem a uma redução na alimentação do inseto em decorrência da toxicidade pós-ingestão, que afeta a fisiologia do inseto e não o seu comportamento alimentar (Isman 2002).
Embora o ESAM não tenha interferido no comportamento alimentar das lagartas, os resultados obtidos mostraram uma redução no consumo alimentar das mesmas após 48 h de exposição, possivelmente em decorrência da toxicidade pós-ingestão do extrato. Apesar da ação lenta (TL50 > 4 dias) dos compostos ativos presentes em derivados de Annonaceae (Ribeiro et al. 2014c), essa rápida interrupção da alimentação da espécie-praga pode reduzir os danos ocasionados à área foliar das culturas a serem protegidas. Diferentemente dos resultados obtidos no presente estudo, ESAM (224,92 mg∙L–1) reduziu significativamente o número de ovos e a alimentação de adultos de Diaphorina citri Kuwayama (Hemiptera: Liviidae) (Ribeiro et al. 2015). Segundo Kusari et al. (2012), compostos de origem natural com ação fagodeterrente produzem estimulações específicas nos quimiorreceptores gustativos dos indivíduos expostos, desencadeando interferência na percepção fagoestimulante de outros quimiorreceptores também presentes na região periférica do aparelho bucal. Variações na composição, disposição e sensibilidade dos quimiorreceptores gustativos de indivíduos de diferentes espécies (Chapman 2012) pode explicar a fagodeterrência de uma maneira espécie-específica do extrato testado.
Em hipótese, as lagartas consumiram regularmente a dieta fornecida até o início da ação das acetogeninas bioativas presentes no extrato, o qual passou a inibir o consumo a partir da interferência no seu sítio de ação e a consequente privação de energia decorrente da inibição do transporte mitocondrial de elétrons afetado pelas acetogeninas (Lewis et al. 1993). Em Sitophilus zeamais Mots. (Coleoptera: Curculionidae), os sintomas da ação das acetogeninas (especialmente perda da coordenação muscular) ocorre após 12 – 20 h de exposição (Ribeiro et al. 2013), sendo esse efeito passível de ser caracterizado pelas mudanças na reflectância corporal dos insetos após 36 h de exposição (Nansen et al. 2015).
Quanto aos efeitos crônicos, ESAM reduziu tanto a viabilidade dos estágios larval e pupal de S. frugiperda quanto o tamanho e peso das lagartas e pupas sobreviventes. Tais efeitos devem estar associados à redução da eficiência de conversão alimentar em detrimento da interferência das acetogeninas, especialmente da rolliniastatina-1 (composto majoritário do extrato de A. mucosa), na atividade enzimática do mesêntero do inseto (Martinez e Van Endem 1999), bem como das células dos músculos do canal alimentar, diminuindo a frequência de contrações e aumentando a flacidez muscular (Mordue (Luntz) e Nisbet 2000), aspectos que comprometem a fisiologia do trato digestivo e o ganho de biomassa corpórea. Larvas de Aedes aegypti L. (Diptera: Culicidae) expostas ao extrato metánolico de Annona coriacea apresentaram intensa e destrutiva vacuolização citoplasmática de células colunares e regenerativas do intestino (Costa et al. 2012). De forma semelhante, o extrato de folhas de Annona coriacea diminuiu a sobrevivência larval e afetou o desenvolvimento da fase pupal e o ganho de peso de S. frugiperda (Freitas et al. 2014). Os autores verificaram, ainda, a pronunciada ação do extrato de Annona dioica na fase adulta, especialmente na fecundidade e fertilidade, bem como no desenvolvimento embrionário de S. frugiperda, variáveis não analisadas no presente estudo, mas que podem influenciar significativamente a demografia da espécie-praga no campo.
Além dos efeitos sobre parâmetros do desenvolvimento pós-embrionário de S. frugiperda, foi também observado um aumento na proporção de pupas e adultos com alterações morfológicas. Essas malformações são normalmente observadas na exposição de insetos a compostos que interferem em sua atividade hormonal, um aspecto ainda a ser mais bem investigado em futuros estudos utilizando-se acetogeninas isoladas de A. mucosa. Corroborando nossos resultados, Blessing et al. (2010) analisaram a incorporação de acetogeninas isoladas de Annona montana na dieta de S. frugiperda e constataram alterações morfológicas em larvas e pupas da referida espéciepraga. Isso também foi constatado por Colom et al. (2007), ao verificarem a ocorrência de até 20% de adultos malformados de S. frugiperda quando expostos em sua fase larval a diferentes acetogeninas isoladas de Annona cherimolia.
Com base nos resultados obtidos, é possível concluir que ESAM ocasiona promissores efeitos subletais para S. frugiperda e pode se constituir em um componente útil para o manejo dessa importante espécie-praga no Brasil. Diante dessa perspectiva, estudos em condições de campo deverão ser realizados visando avaliar o efeito desse derivado botânico na demografia e dinâmica populacional de S. frugiperda e na proteção dos cultivos hospedeiros dessa espécie-praga.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo 2010/18832-4), pelo suporte financeiro, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa ao segundo autor.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Maio 2016 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2016
Histórico
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Recebido
05 Out 2015 -
Aceito
17 Dez 2015