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Qualidade do grão e da bebida em cafeeiros tratados com lodo de esgoto

Bean and beverage quality in coffee crops treated with sewage sludge

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da aplicação de lodo de esgoto (LE) em plantação comercial de café, sobre a qualidade de bebida, avaliada pela atividade da enzima polifenoloxidase (PFO) e por análise sensorial. O trabalho foi realizado em condições de campo, na Fazenda Santa Elisa, localizada no município de Patrocínio Paulista (SP), em 2001 e 2002. A variedade de café usada em todos os talhões foi Acaiá. O plano de trabalho constou da análise de talhões comerciais em seis agrupamentos, conforme as doses e freqüências de aplicação de lodo de esgoto, denominados tratamentos. Todos os talhões receberam adubação mineral, conforme a análise de solo, e assim foram definidos os diferentes tratamentos. Tratamento 1: talhões B2, B3, B4 e B5, sem aplicação de lodo de esgoto; tratamento 2: talhões C5 e C6, 9,0 T ha-1 de LE (1998), 4,8 t ha-1 (1999) ,11,8 t ha-1 (2000) e 4,2 t ha-1 (2002); tratamento 3: talhões D5 e D6, 9,0 t ha-1 de LE (1998), 4,8 t ha-1 (1999), 11,8 t ha-1 (2000) e 4,2 t ha-1 (2002); tratamento 4: talhões E1 e E2, 9,0 t ha-1 de LE (1998) e 4,2 t ha-1 (2002); tratamento 5: talhões E3 e E4, 9,0 t ha-1 de LE (1998), 4,8 t ha-1 (1999) e 4,2 t ha-1 (2002); tratamento 6: talhões H1, H2, H3, H4 e H5, 22,4 t ha-1 (1999). Foi realizada análise visual dos grãos quanto ao tamanho, e a qualidade da bebida, avaliada pela prova de xícara e atividade da enzima polifenoloxidase. A aplicação de lodo de esgoto não afetou a qualidade da bebida nas condições deste experimento. Houve baixa concordância entre as classificações obtidas pela atividade da polifenoloxidase e pela prova de xícara, para os dois anos analisados.

Coffea arabica; café; lodo de esgoto; qualidade de bebida; polifenoloxidase (PFO)


The objective of this study was to evaluate the effect of the application of sewage sludge (LE) in a commercial coffee crop on the quality of the beverage as evaluated by the activity the enzyme of polyphenoloxidase (PPO) and sensory analysis. The work was carried out under commercial field conditions at the Santa Eliza Farm, Patrocínio Paulista, State of São Paulo, Brazil, in 2001 and 2002 with coffee cultivar Acaiá, groupped in six treatments according to the dose and frequency of application of the sewage sludge. All plots received mineral fertilization according to soil analysis and to the different treatments as follow: treatment 1: plots B2, B3, B4 and B5, without sludge; treatment 2: plots C5 and C6, 9.0 t ha-1 of LE (1998), 4.8 t ha-1 (1999) ,11.8 t ha-1 (2000) and 4.2 t ha-1 (2002); treatment 3: plots D5 and D6, 9.0 t ha-1 of LE (1998), 4.8 t ha-1 (1999), 11.8 t ha-1 (2000) and 4.2 t ha-1 (2002); treatment 4: plots E1 and E2, 9.0 t ha-1 of LE (1998) and 4.2 t ha-1 (2002); treatment 5: plots E3 and E4, 9.0 t ha-1 of LE (1998), 4.8 t ha-1 (1999) and 4.2 t ha-1 (2002); treatment 6: plots H1, H2, H3, H4 and H5, 22.4 t ha-1 (1999). Visual analysis of the beans was performed regarding to type and size. Beverage quality was evaluated by cup test and by PPO activity. Sewage sludge had no effect on the quality of the beverage. There was low agreement between the classifications obtained according to PPO activity and that of the cup test for the two years.

Coffea arabica; polyphenoloxidase (PPO)


TECNOLOGIA PÓS-COLHEITA

Qualidade do grão e da bebida em cafeeiros tratados com lodo de esgoto(1 (1 ) Parte da tese de Mestrado da primeira autora, Curso de Pós-Graduação em Agricultura Tropical e Subtropical, Instituto Agronômico (IAC), Campinas (SP). )

Bean and beverage quality in coffee crops treated with sewage sludge

Daniela Ribeiro MartinsI; Otávio Antonio de CamargoII; Ondino Cleante BatacliaII

IAcadêmica do curso de pós-graduação em Agricultura Tropical e Subtropical, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Solos e Recursos Ambientais, IAC, Caixa Postal 28, 13001-970, Campinas (SP). E-mail: danielacacau@bol.com.br

IICentro de Pesquisa e Desenvolvimento de Solos e Recursos Ambientais, IAC, Campinas (SP)

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da aplicação de lodo de esgoto (LE) em plantação comercial de café, sobre a qualidade de bebida, avaliada pela atividade da enzima polifenoloxidase (PFO) e por análise sensorial. O trabalho foi realizado em condições de campo, na Fazenda Santa Elisa, localizada no município de Patrocínio Paulista (SP), em 2001 e 2002. A variedade de café usada em todos os talhões foi Acaiá. O plano de trabalho constou da análise de talhões comerciais em seis agrupamentos, conforme as doses e freqüências de aplicação de lodo de esgoto, denominados tratamentos. Todos os talhões receberam adubação mineral, conforme a análise de solo, e assim foram definidos os diferentes tratamentos. Tratamento 1: talhões B2, B3, B4 e B5, sem aplicação de lodo de esgoto; tratamento 2: talhões C5 e C6, 9,0 T ha-1 de LE (1998), 4,8 t ha-1 (1999) ,11,8 t ha-1 (2000) e 4,2 t ha-1 (2002); tratamento 3: talhões D5 e D6, 9,0 t ha-1 de LE (1998), 4,8 t ha-1 (1999), 11,8 t ha-1 (2000) e 4,2 t ha-1 (2002); tratamento 4: talhões E1 e E2, 9,0 t ha-1 de LE (1998) e 4,2 t ha-1 (2002); tratamento 5: talhões E3 e E4, 9,0 t ha-1 de LE (1998), 4,8 t ha-1 (1999) e 4,2 t ha-1 (2002); tratamento 6: talhões H1, H2, H3, H4 e H5, 22,4 t ha-1 (1999). Foi realizada análise visual dos grãos quanto ao tamanho, e a qualidade da bebida, avaliada pela prova de xícara e atividade da enzima polifenoloxidase. A aplicação de lodo de esgoto não afetou a qualidade da bebida nas condições deste experimento. Houve baixa concordância entre as classificações obtidas pela atividade da polifenoloxidase e pela prova de xícara, para os dois anos analisados.

Palavras-chave:Coffea arabica, café, lodo de esgoto, qualidade de bebida, polifenoloxidase (PFO).

ABSTRACT

The objective of this study was to evaluate the effect of the application of sewage sludge (LE) in a commercial coffee crop on the quality of the beverage as evaluated by the activity the enzyme of polyphenoloxidase (PPO) and sensory analysis. The work was carried out under commercial field conditions at the Santa Eliza Farm, Patrocínio Paulista, State of São Paulo, Brazil, in 2001 and 2002 with coffee cultivar Acaiá, groupped in six treatments according to the dose and frequency of application of the sewage sludge. All plots received mineral fertilization according to soil analysis and to the different treatments as follow: treatment 1: plots B2, B3, B4 and B5, without sludge; treatment 2: plots C5 and C6, 9.0 t ha-1 of LE (1998), 4.8 t ha-1 (1999) ,11.8 t ha-1 (2000) and 4.2 t ha-1 (2002); treatment 3: plots D5 and D6, 9.0 t ha-1 of LE (1998), 4.8 t ha-1 (1999), 11.8 t ha-1 (2000) and 4.2 t ha-1 (2002); treatment 4: plots E1 and E2, 9.0 t ha-1 of LE (1998) and 4.2 t ha-1 (2002); treatment 5: plots E3 and E4, 9.0 t ha-1 of LE (1998), 4.8 t ha-1 (1999) and 4.2 t ha-1 (2002); treatment 6: plots H1, H2, H3, H4 and H5, 22.4 t ha-1 (1999). Visual analysis of the beans was performed regarding to type and size. Beverage quality was evaluated by cup test and by PPO activity. Sewage sludge had no effect on the quality of the beverage. There was low agreement between the classifications obtained according to PPO activity and that of the cup test for the two years.

Key words:Coffea arabica, polyphenoloxidase (PPO).

1. INTRODUÇÃO

Atualmente, o Brasil ocupa a posição de maior produtor e exportador de café do mundo. Contudo, observa-se nos principais mercados importadores de café do Brasil um crescente interesse pelos cafés especiais.

As exigências do mercado internacional por cafés de melhor qualidade estão sendo responsáveis pela difusão e adoção de novas tecnologias de produção e preparação, pois um dos fatores que determinou o declínio brasileiro no mercado internacional foi a falta de padrão de qualidade do produto nacional.

A qualidade da bebida do café pode ser afetada por fatores pré-colheita, como espécies e variedades, local de cultivo, maturação dos grãos, incidência de microrganismos e efeito de adubações AMORIM et al., 1965). Já os fatores pós-colheita, que podem afetar a qualidade da bebida são fermentações, armazenamento do café beneficiado, mistura de diferentes lotes e torração do café.

A separação pelo tamanho dos grãos por meio da classificação por peneiras proporciona melhor qualidade do produto final, resultando mais uniformidade na torra (NASSER e CHALFOUN, 2000).

As enzimas polifenoloxidases atuam nos polifenóis, diminuindo a ação antioxidante desses compostos sobre aldeídos e facilitando sua oxidação, o que resulta na produção de quinonas, que inibem a ação das polifenoloxidases. Dessa forma, estabelece-se uma correlação entre a baixa atividade da PFO e os cafés de baixa qualidade. (AMORIM e SILVA, 1968). De acordo com CARVALHO et al. (1994), um possível método de classificar de forma objetiva a qualidade do café é pela atividade da polifenoloxidase, complementando a classificação feita pelo teste subjetivo da prova da xícara, utilizada nas avaliações qualitativas de café.

O lodo de esgoto (LE) possui grande potencial de uso na agricultura, por ser rico em matéria orgânica e nutrientes, principalmente nitrogênio, fósforo e alguns micronutrientes como o zinco, atuando também como condicionador de solo. Entretanto, o lodo de esgoto pode apresentar características indesejáveis como a presença de metais pesados potencialmente tóxicos e patógenos, que precisam ser devidamente estudados para evitar problemas de contaminação (BETTIOL e CAMARGO, 2000).

A reciclagem do LE na cultura do café é favorecida pelo fato de ela ser exigente em nutrientes, a parte colhida ser o fruto onde o acúmulo de metais pesados é baixo em relação às outras partes da planta e a facilidade de aplicação do biossólido graças ao espaçamento entre as covas.

O objetivo deste trabalho foi analisar o efeito da aplicação do lodo de esgoto em talhões comerciais de café sobre a qualidade da bebida, avaliada pela análise sensorial e pela atividade da enzima polifenoloxidase.

2. MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado em2001 e 2002, em condições de campo, em uma cultura comercial de café da variedade Acaiá IAC-474, plantada no espaçamento de 3,7 x 1,2 m, em talhões ocupando áreas variáveis e com idades diferentes, na Fazenda Santa Elisa, localizada no município de Patrocínio Paulista, norte do Estado de São Paulo, com altitude média de 870 m e clima subtropical, com verão ameno e inverno seco (SETZER, 1966).

O lodo de esgoto utilizado foi o da estação de tratamento de esgoto de Franca, classificado como condicionador de solo, com a denominação comercial de Sabesfértil. A aplicação foi feita mecanicamente mediante incorporação ao solo com um sulcador acoplado ao trator e carreta especial com rosca sem fim, a uma profundidade de 15 cm, sem qualquer contato do produto com o aplicador.

Foram analisados dezessete talhões, com três repetições, perfazendo um total de 51 amostras, de aproximadamente 3,6 kg cada uma. Cada talhão recebeu doses diferentes de lodo.

Os talhões estudados foram agrupados de acordo com as doses aplicadas, formando os tratamentos: 1 (talhões B2, B3, B4 e B5), sem aplicação de lodo, 2 (talhões C5 e C6), 3 (talhões D5 e D6), 4 (talhões E1 e E2), 5 (talhões E3 e E4) e 6 (H1,H2,H3,H4 e H5). As doses de lodo aplicadas em cada talhão estão apresentadas na Tabela 1.

As amostras de café cru, no total de três por talhão, foram colhidas nos anos agrícolas de 2000/2001 e 2001/2002, nos dezessete talhões, na época ideal de maturação dos frutos, estando a maioria dos grãos nos estágios cereja e passa.

O tipo de colheita foi derriça no pano, impedindo o contato dos grãos com o solo. Para a secagem do café, as amostras foram colocadas em peneiras dispostas sobre carrinhos de madeira, colocadas diariamente ao sol e revolvidas várias vezes ao dia garantindo seca homogênea. Após verificar se o teor de água dos grãos estava adequado (10% a 12%), os cafés em coco foram beneficiados, separando os grãos das cascas para análises posteriores.

Primeiramente, foi realizada a classificação física dos grãos, quanto ao tipo, pela contagem do número de defeitos, teor de água e tamanho de peneira, para os dois anos analisados.

Na extração da enzima polifenoloxidase empregou-se o método de CARVALHO et al. (1994), com adaptação do processo de extração segundo DRAETTA e LIMA (1976). Foram pesados 5 g da amostra de café previamente moídos e adicionados a 40 mL de solução-tampão de fosfato de potássio 0,1 mol. L-1 a pH 6,0, agitando-a por 5 minutos. Após a agitação, as amostras foram filtradas em papel de filtro Whatman n.º 1 e em todas as etapas o material foi mantido gelado (± 4 °C). A atividade da polifenoloxidase foi determinada pelo método descrito por POTING e JOSLYNG (1948), utilizando-se o extrato da amostra sem DOPA (3,4 dihidroxifenil-alanina) como branco.

Utilizou-se a tabela de classificação complementar à prova de xícara, desenvolvida por CARVALHO et al. (1994), em que a atividade da polifenoloxidase é relacionada à qualidade de bebida de café da seguinte maneira: bebida mole e apenas mole – atividade da polifenoloxidase de 62,99 a 67,65 U min-1g-1 de amostra e bebida dura – atividade da polifenoloxidase de 55,99 a 62,98 U min-1g-1 de amostra.

A análise sensorial de qualidade da bebida foi feita pela prova de xícara, de acordo com o sabor (aroma e gosto doce, ácido, amargo e salgado) detectado por quatro degustadores treinados da Cooperativa Regional dos Cafeicultores em Guaxupé – Cooxupé, levando em consideração suas propriedades organolépticas. Esse método consiste em avaliar as sensações percebidas pelo olfato, gosto e sensação na boca pelo provador de café.

Foram pesados 100 g de grãos, e torrados para a degustação das amostras. O café foi torrado em máquinas apropriadas, providas de um sistema giratório, facilitando o manuseio e garantindo torra homogênea. Em seguida, foram moídos 10 g de café para cada xícara, formando a mesa de prova, composta por cinco xícaras por amostra. O próximo passo foi a infusão, colocando água quente à temperatura de 90-96ºC diretamente sobre o café torrado e moído contido em cada xícara e, após o resfriamento e decantação, fez-se a prova de xícara, classificando o café quanto ao tipo de bebida e aos demais atributos relativos à percepção sensorial da bebida do café.

A classificação e a descrição da bebida obtida pela degustação foi a seguinte:

Estritamente mole (EM) – gosto agradável brando e doce acentuado;

Mole (M) - gosto agradável brando e doce;

Apenas mole (AM) – gosto levemente suave, sem aspereza de paladar;

Dura (D) – gosto adstringente e áspero, sem paladares estranhos;

Riada (RIA) – leve sabor de iodofórmio;

Rio (RIO) – forte cheiro e sabor de iodofórmio.

Para a análise estatística foi utilizado o programa Statistical Analysis Systems (SAS), aplicando o teste Qui-Quadrado para verificar associação entre a qualidade da bebida e os tratamentos e, também, por anos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Classificação do café

3.1.1 Classificação física

Os resultados da análise visual para os anos agrícolas de 2000/2001 e 2001/2002 estão apresentados na tabela 2, e são referentes ao tamanho de peneiras, para cada tratamento.

A separação pelo tamanho dos grãos por meio da classificação por peneiras proporciona melhor qualidade do produto final, permitindo uma torra mais homogênea, conforme mencionado por NASSER e CHALFOUN, (2000).

Nota-se que, em 2001, a classificação dos grãos por peneiras foi maior, ou seja, a porcentagem de grãos retidos nas peneiras 17/18 e de grãos moca foi maior neste ano do que em 2002 (Tabela 2). Por outro lado, em 2002, aumentou a quantidade de grãos retidos nas peneiras 14/16 (grãos menores) e no fundo, para todos os tratamentos. A redução no tamanho dos grãos de 2001 para 2002, possivelmente está associada à fatores climáticos e principalmente à produtividade.

No ano agrícola de 2001/2002, apesar das condições climáticas favoráveis na fase de crescimento dos grãos, a produtividade foi muito mais alta que no ano anterior. Em 2000/2001, apesar de as condições climáticas estarem menos favoráveis ao crescimento dos grãos, foi um ano de baixa produção, acarretando maior porcentagem de peneiras 17/18. Portanto, a elevada produtividade foi uma das possíveis causas da redução no tamanho de peneiras no ano agrícola de 2001/2002, pois, em ano de grande produção há aumento de demanda por nutrientes, a exemplo do K, essencial para o transporte de carboidratos responsáveis pelo enchimento dos grãos (MARSCHNER, 1997); segundo MALAVOLTA (1986), chega a retirar K das folhas adjacentes, diminuindo a quantidade de frutos chochos.

O excesso de secagem também pode ser prejudicial, levando a uma quebra excessiva de grãos no beneficiamento, aumentando a classificação dos grãos retidos em peneiras menores (SAMPAIO e AZEVEDO, 1989); nesse trabalho, porém, a secagem do café para os dois anos manteve-se na faixa ideal de umidade (10%-12%), não ocasionando quebras no benefício.

3.1.2 Classificação sensorial

Considerando os dados de CAMARGO et al. (1992), que as condições climáticas propícias para cultura do café arábica no Brasil são temperaturas médias entre 18 e 22 ºC e deficiências hídricas inferiores a 150 mm anuais, verifica-se que a Fazenda Santa Elisa está localizada em uma região adequada para o cultivo de café.

Pelo teste Qui-quadrado usado, observou-se não haver associação entre as variáveis, ou seja, a classificação sensorial não dependeu dos tratamentos (Tabelas 3 e 4), comprovando que a aplicação de lodo de esgoto não influenciou a qualidade da bebida, tanto em 2001 como em 2002. Não foi notada diferença significativa entre as variáveis bebida, acidez, corpo e sabor, e os tratamentos, para os dois anos, observando-se que em relação ao sabor, em 2002 (Tabela 5), não foi possível calcular o teste Qui-quadrado, pois, só houve um tipo de sabor.

As doses de lodo de esgoto usadas em cada tratamento não foram responsáveis pela mudança na qualidade da bebida, pois, conforme a tabela 3, até em cafés dos talhões que nunca receberam lodo (tratamento 1), houve alterações na classificação da bebida de 2001 para 2002, e mesmo aplicando 4,2 t ha-1 de lodo em alguns tratamentos em 2002, aumentou o número de talhões classificados como estritamente mole.

De acordo com a tabela 5, em 2001, em 94,1% dos talhões, a bebida foi classificada como mole. Esses resultados são coerentes com o trabalho realizado por ORTOLANI et al. (2000), que classificou a região de Franca como produtora de bebida mole. Em 2002, a porcentagem de talhões classificados como bebida mole caiu para 41,2% e 29,4% dos talhões como bebida dura, indicando maior heterogeneidade das amostras em 2002 do que em 2001.

A maior heterogeneidade na qualidade da bebida das amostras em 2002, pode ser devida a fatores climáticos, concordando com SOUZA (1996); CARVALHO et al., (1997); CORTEZ (1999); ORTOLANI et al., (2000), embora se saiba que vários são os fatores que podem afetar a qualidade da bebida (GARRUTI e GOMES, 1961; AMORIM et al., 1965; SAMPAIO e AZEVEDO, 1989; COELHO et al., 2000, THEODORO, 2001).

No ano agrícola de 2000/2001, houve pouca produção, déficit hídrico em outubro/novembro de 2000 (Figura 1) e qualidade da bebida quase que exclusivamente mole. Em 2002, o ciclo de maturação foi mais curto, o que segundo (CORTEZ, 1997) pode contribuir para o aparecimento de gostos típicos de bebida dura, já quando o ciclo é suficientemente longo, as transformações são completadas favorecendo melhores bebidas.


Observando os dois anos agrícolas, nota-se que a vegetação de janeiro a março de 2001 foi prejudicada, em função de déficit hídrico em fevereiro até meados de março, possivelmente não havendo gasto de nutrientes a favor da vegetação. De metade de março a meados de abril, as condições de precipitação pluvial foram favoráveis para a indução de gemas florais (figura 1). O déficit hídrico de meados de abril até o fim de setembro é normal, pois, nesta fase as gemas florais encontram-se em repouso (dormência).

De outubro a dezembro de 2001, as condições hídricas foram favoráveis para várias floradas, que significam vários estágios de maturação no momento da colheita. Como as condições de clima no momento da granação foram igualmente favoráveis e graças à boa reserva que havia no solo, os grãos resultantes das floradas mais precoces completaram seu desenvolvimento fisiológico, extraindo mais nutrientes, formando maior número de precursores do gosto e do aroma do café e produzindo a bebida estritamente mole. Os grãos resultantes das floradas medianas também completaram o seu desenvolvimento fisiológico e produziram a bebida mole, enquanto os das últimas floradas não conseguiram completar o desenvolvimento e produziram a bebida dura.

Esses fatores explicam porque ocorreu queda no tipo no ano agrícola de 2001/2002 em relação a 2000/2001 e aumento expressivo na intensidade do corpo médio e ligeiro do corpo alto em 2002. Na prática observa-se uma correlação negativa entre o corpo e a acidez da bebida, confirmado neste trabalho (Tabela 4).

Em adição aos efeitos da precipitação pluvial, as temperaturas no ano agrícola 2001/2002, em abril, maio e junho foram mais altas do que no mesmo período do ano anterior (Figura 2); esse fato pode ter contribuído também para a maior desuniformidade de maturação dos grãos, e conseqüentemente pela qualidade da bebida.


De acordo com CAMARGO et al. (1992), a fermentação do café envolve uma fase alcóolica inicial, quase simultânea à fase acética, seguida, se forem dadas condições, de uma fermentação propiônica e butírica, responsáveis pelo aparecimento de gostos estranhos na bebida. Na região da Alta Mogiana, assim como no Sul de Minas, classificadas como regiões de bebida mole, em virtude de características como temperaturas amenas e acentuada deficiência hídrica, ocorre apenas a primeira fase da fermentação, pois essa se encerra nas fases alcoólica e acética, favorável à bebida fina.

Comparando amostras obtidas da região de Franca (Alta Mogiana) com as da Araraquarense e da Média Paulista, CORTEZ (2001) também observou melhores características físicas e sensoriais da primeira região, podendo ser explicada por ciclos mais longos entre as floradas e os períodos de maturação dos grãos e invernos mais secos e temperaturas mais baixas durante a época de maturação e colheita, que dificultam a ocorrência de processos fermentativos prejudiciais à bebida do café.

Como não houve associação entre os tratamentos, considerou-se todos os tratamentos, com uma associação por ano (Tabela 5).

Comparando a qualidade dos cafés, dos dois anos, verificou-se diferença significativa quanto à bebida, à acidez e ao corpo (Tabela 5). Essa diferença ocorreu muito provavelmente em virtude de fatores climáticos e não pelo fato de aplicar 4,2 t ha-1 de lodo em 2002 e não aplicá-lo em 2001.

Em relação à bebida, houve uma associação entre os anos, pois, aumentou o número de amostras classificadas como dura e estritamente mole e diminuiu o de amostras de bebida mole. A maior parte das amostras apresentaram acidez média em 2001 e 2002, de 28% e 26% respectivamente. Dessa forma, de 2001 para 2002 diminuiu o número de amostras com acidez alta e média e aumentou o de amostras com acidez baixa.

De 2001 para 2002, houve redução do número de amostras classificadas como corpo baixo. Já para o sabor não houve associação, revelando que não variou entre os anos. Registrou-se apenas uma amostra em 2001, com sabor desagradável, possivelmente pela presença de grãos fermentados.

3.1.3 Classificação da bebida pela atividade da polifenoloxidase

Na tabela 6, verificam-se os resultados da qualidade da bebida, com base na atividade da enzima polifenoloxidase, sugerida por vários autores como indicador da qualidade do café (CARVALHO et al., 1994; CARVALHO JUNIOR et al., 2000; PIMENTA et al., 2000).

Observa-se que em 2001 doze amostras foram classificadas como dura e 39 como mole; em 2002, o número de amostras classificadas como dura aumentou para 33 e como mole diminuiu para 18. Dessa forma, nota-se que aumentou o número de amostras classificadas como dura de 2001 para 2002 e diminuiu aquelas classificadas como mole, passando de 76,5% em 2001 para 35,3% em 2002.

Analisando cada tratamento (Tabela 7), com exceção do tratamento 1, observou-se uma variação de um ano para o outro, havendo maior variabilidade quanto ao tipo de bebida em 2002.

Pela figura 3, houve baixa concordância entre as classificações obtidas pela atividade da polifenoloxidase e pela prova de xícara, para os dois anos analisados. Esses dados são semelhantes àqueles verificados por VITORINO et al. (2001), que também observaram baixa concordância entre as classificações obtidas pelos dois métodos, não havendo equivalência entre ambos.


Da mesma forma, MAZZAFERA et al. (2002) sugerem que o uso da atividade da PFO como indicador da qualidade de bebida seja reavaliado, uma vez que existem problemas nos procedimentos de extração e dosagem da atividade da enzima.

Ao comparar os dois métodos de análise, notou-se uma tendência de rebaixamento da qualidade da bebida obtida pela atividade da enzima polifenoloxidase, quando comparada com a prova de xícara (Figura 3), método usado comercialmente.

4. CONCLUSÕES

1. Apesar da diferença de bebidas de 2001 para 2002, a aplicação de lodo de esgoto não afetou a qualidade da bebida, para as condições avaliadas;

2. Houve baixa concordância entre as classificações obtidas pela atividade da polifenoloxidase e pela prova de xícara, para os dois anos analisados.

Recebido para publicação em 11 de julho de 2003 e aceito em 27 de setembro de 2004.

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  • (1
    ) Parte da tese de Mestrado da primeira autora, Curso de Pós-Graduação em Agricultura Tropical e Subtropical, Instituto Agronômico (IAC), Campinas (SP).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Recebido
      11 Jul 2003
    • Aceito
      27 Set 2004
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