Análise de concordância na avaliação da dor de recém-nascidos durante a vacinação contra hepatite B

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Recém-nascidos saudáveis são submetidos a procedimentos dolorosos desde as primeiras horas de vida e a avaliação da dor é essencial para escolha do tratamento adequado. O objetivo deste estudo foi avaliar a concordância entre pesquisadores da escala Neonatal Facial Coding System (NFCS) antes, durante e após a vacinação contra hepatite B nas primeiras 48 horas de vida de recém-nascidos saudáveis.

MÉTODOS:

Trata-se de uma análise de concordância entre pesquisadores, realizada como um estudo de intervenção quase-experimental, desenvolvido em uma maternidade pública de Belo Horizonte. Dois pesquisadores procederam a avaliação independente a partir de filmagens 2 minutos antes, durante e 2 minutos após o procedimento.

RESULTADOS:

Foram incluídos 129 recém-nascidos entre agosto e dezembro de 2022, sendo 60 (46,51%) no grupo controle (contenção facilitada) e 69 (53,49%) no grupo intervenção (amamentação). Observou-se concordância substancial entre os pesquisadores antes (0,69) e após (0,70) a vacinação. Quando analisada concordância entre os grupos, ela foi substancial para as avaliações de recém-nascidos submetidos à contenção facilitada antes e após o procedimento. No grupo submetido à amamentação, a concordância foi quase perfeita antes e substancial depois do procedimento.

CONCLUSÃO:

Há concordância substancial entre os pesquisadores que utilizaram a escala NFCS antes, durante e após a vacinação. Este dado valida a utilização das escalas durante a avaliação da dor de recém-nascidos submetidos à contenção facilitada e amamentação, mesmo tratando-se de um método indireto de avaliação. É importante destacar a importância de programas periódicos de capacitação da equipe para utilização de escalas de avaliação da dor à beira leito.

Descritores:
Enfermagem; Medição da dor; Recém-nascido; Vacinação

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Healthy newborns inevitably undergo painful procedures from the first hours of life and pain assessment is essential for choosing the right treatment. The objective of this study was to evaluate the agreement between evaluators of the Neonatal Facial Coding System (NFCS) pain scale in healthy newborns before, during and after hepatitis B vaccination performed in the first 48 hours of life.

METHODS:

This is an analysis of agreement between two evaluators, carried out as part of a quasi-experimental intervention study, developed in a maternity hospital in Belo Horizonte. Two researchers carried out an independent evaluation based on filming 2 minutes before, during and 2 minutes after the procedure.

RESULTS:

The study included 129 newborns between August and December 2022, 60 (46.51%) in the control group (facilitated restraint) and 69 (53.49%) in the intervention group (breastfeeding). There was substantial agreement between the researchers before (0.69) and after (0.70) vaccination. When the agreement between the groups was analyzed, it was substantial for the evaluations of newborns submitted to facilitated restraint before and after the procedure. In the breastfeeding group, agreement was almost perfect before and substantial after the procedure.

CONCLUSION:

There was substantial agreement between the researchers who used the NFCS scale before, during and after vaccination. This data validates the use of the scales when assessing the pain of newborns undergoing easy restraint and breastfeeding, even though it is an indirect method of assessment. It is important to highlight the importance of periodic staff training programs for the use of pain assessment scales at bedside.

Keywords:
Newborn; Nursing; Pain assessment; Vaccination

DESTAQUES

Avaliação da dor neonatal pelo enfermeiro;

Aplicabilidade da escala de avaliação da dor neonatal NCFS durante a vacinação;

Utilização de métodos para minimizar a dor neonatal.

INTRODUÇÃO

A dor é definida como uma “experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”¹. O reconhecimento da dor enquanto problema de saúde vem ganhando destaque nas últimas décadas e evidenciando a necessidade de implementação de estratégias de avaliação e tratamento de acordo com as especificidades de cada grupo etário. Para além de todas as dificuldades relacionadas à sua identificação e tratamento, no período neonatal são acrescentados outros desafios.

Até a década de 1980, conceitos equivocados relacionados ao processamento da dor em recém-nascidos (RN) subsidiaram o seu subtratamento². A imaturidade do sistema nervoso central, a presença de fibras nervosas desmielinizadas e o risco de dependência a fármacos foram aspectos que contribuíram para que, na prática clínica, o tratamento da dor não fosse compreendido como uma prioridade de cuidado durante muitos anos²,³.

Entretanto, as evidências científicas atuais demonstram que os RN possuem desenvolvimento anatômico, fisiológico e neuroquímico suficientes para que seja possível perceber o estímulo doloroso e reagir a ele⁴. Na 24ª semana de vida intrauterina, algumas conexões corticais talâmicas indispensáveis para a percepção da dor estão presentes e apresentam-se organizadas já na infância. Portanto, os RN, ainda que prematuros, possuem neurotransmissores e vias neurais semelhantes aos adultos e são mais expostos à experiência dolorosa em decorrência da imaturidade da via eferente inibitória⁴.

A dor não tratada pode resultar em impactos negativos no desenvolvimento dos RN, identificados de maneira imediata por meio de dificuldades de recuperação fisiológica e comportamental após estímulos dolorosos⁵. Efeitos tardios, tais como comportamento internalizante, tendência à depressão, drogadição e alcoolismo na vida adulta também são descritos na literatura⁶.

Para que o tratamento da dor seja implementado e atinja o objetivo de prevenção e controle, os profissionais de saúde devem ser capazes de reconhecer a dor do RN, uma vez que existe uma interdependência entre avaliação e tratamento. A observação de alterações fisiológicas, comportamentais e contextuais é utilizada para avaliação da experiência dolorosa do RN⁸. Várias escalas têm sido utilizadas em diferentes contextos a depender da idade da população alvo, natureza dos procedimentos, situação clínica, facilidade e experiência na utilização⁷,⁸,⁹.

Nenhuma escala específica para esta avaliação demonstrou superioridade até o momento. Por tratar-se de uma aferição necessariamente indireta, o profissional de saúde pode ser influenciado pela experiência profissional, participação em capacitações e pesquisas e vivências pessoais⁸. Dessa maneira, a variabilidade entre pesquisadores na avaliação da dor de RN pode comprometer o resultado da avaliação e, consequentemente, a implementação do tratamento adequado, aumentando a exposição à dor¹⁰.

O presente estudo consiste em uma das etapas de um estudo quase-experimental que verificou a influência da amamentação no controle da dor de RN saudáveis durante a vacinação contra hepatite B nas primeiras 48 horas de vida. Nesta etapa, o objetivo primário do estudo foi avaliar a concordância entre pesquisadores que utilizaram a escala Neonatal Facial Coding System (NFCS) para avaliação da dor de RN saudáveis antes, durante e após a vacinação contra hepatite B nas primeiras 4 h de vida. Como objetivo secundário, buscou-se avaliar a aplicabilidade da utilização da NFCS durante a avaliação da dor de RN amamentados e submetidos à contenção facilitada.

MÉTODOS

Trata-se de uma análise de concordância entre pesquisadores, realizada como parte de um estudo de intervenção quase-experimental, desenvolvido em uma maternidade pública filantrópica de Belo Horizonte. Dois pesquisadores independentes utilizaram a escala de dor NFCS. O avaliador 1 realizou a avaliação de forma síncrona, durante a administração da vacina, e o avaliador 2, de forma assíncrona, por meio da filmagem da face dos RN.

Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos, sendo A (grupo controle), composto por RN que não podiam amamentar por contraindicação clínica, manifestação contrária da família ou por ausência da mãe no momento da vacinação. Neste grupo de pacientes foi adotada a medida de contenção facilitada, recurso utilizado na rotina da unidade.

O grupo B (intervenção) foi composto por RN submetidos à amamentação. Foram incluídos no estudo os RN pré-termo tardios ou termo saudáveis (34 a 41 semanas de idade gestacional), internados no alojamento conjunto, que possuíam indicação clínica de vacinação contra hepatite B. Para inclusão no grupo B, era necessário que a mãe estivesse presente no momento do procedimento. O critério de exclusão foi a presença de alterações clínicas durante o procedimento que inviabilizassem a continuidade da medida de controle de dor instituída (contenção facilitada ou amamentação).

Procedimento

A contenção facilitada foi realizada pelo técnico de enfermagem da sala de vacina cinco minutos antes do procedimento utilizando uma manta que envolvia os membros superiores e inferiores do bebê, de maneira a promover contorno corporal. No grupo submetido à amamentação, as mães foram orientadas a manter a barriga do bebê em contato com o próprio corpo, de maneira que seus braços promovessem a estabilização dos membros superiores e inferiores do RN, que foi posicionado no seio materno 5 minutos antes da administração da vacina ou até que estabelecessem um ritmo regular de sucção.

Em ambos os grupos, o membro inferior direito permaneceu acessível para realização do procedimento. A vacinação foi realizada pelo técnico de enfermagem da sala de vacina que realizava a estabilização do membro inferior direito do RN delicadamente e administrava 0,5 mL da vacina contra Hepatite B, utilizando uma seringa de 1 mL com agulha 13x4,5 no ângulo de 90°.

O procedimento foi filmado pelo pesquisador e foram registradas a frequência cardíaca, a saturação de oxigênio e a pontuação na escala NFCS 2 minutos antes do início do procedimento, durante a administração da vacina e 2 minutos após o término do procedimento. Para avaliação da frequência cardíaca e saturação de oxigênio, foi utilizado um monitor Multiparamétrico Mindray MEC-1000 com sensor de saturimetria de pulso posicionado no membro inferior contralateral ao da administração da vacina.

Avaliação da dor – Neonatal Facial Coding System

A NFCS é uma escala comportamental que analisa a mímica facial do RN por meio de 7 indicadores (fronte saliente, fenda palpebral estreita, sulco nasolabial aprofundado, boca aberta, boca estriada, língua tensa e protusão da língua)⁹. A pontuação varia de 0 a 7, sendo considerada presença de dor quando a pontuação é maior ou igual a 3. As avaliações foram realizadas 2 minutos antes do procedimento, durante a inserção da agulha na pele do RN e 2 minutos após o término do procedimento.

Nesta etapa de análise da concordância, dois observadores independentes foram responsáveis pela aferição dos indicadores da escala de dor, tendo o avaliador 1 realizado a avaliação síncrona durante a realização do procedimento e, o avaliador 2, por meio da filmagem. Antes do início do estudo, um treinamento de alinhamento foi realizado por meio de uma oficina, da qual participaram os pesquisadores envolvidos na coleta de dados. Na oficina, além da apresentação da escala e esclarecimento de dúvidas, foram apresentadas 5 situações clínicas extraídas de vídeos disponibilizados na internet, a partir dos quais os pesquisadores procederam às avaliações utilizando a NFCS e esclareceram suas dúvidas com o pesquisador principal.

Considerações éticas

Esse estudo foi conduzido de acordo com os princípios éticos da Resolução CNS Nº466/2012 e aprovado pelo comitê de Ética em pesquisa da UFMG com o número CAAE 46889120.0.3001.5132. Os principais benefícios desta etapa foram garantir a fidedignidade dos dados coletados durante a pesquisa e a capacitação de profissionais da instituição envolvidos na pesquisa. Na etapa de avaliação de concordância, o risco principal foi algum tipo de constrangimento para os pesquisadores envolvidos, que foram mitigados por meio do mascaramento do nome do examinador identificado através de códigos. Todos os responsáveis pelos RN incluídos no estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e autorizaram a gravação das imagens.

Análise estatística

Os dados foram lançados em uma planilha no Excel e analisados por meio do software Stata versão 12.0, utilizando o coeficiente estatístico kappa, que mede a concordância entre dois pesquisadores ajustando a concordância que seria esperada ao caso¹¹. O método é baseado em uma matriz de contingência que mostra o número de casos em que ambos os pesquisadores concordam em cada categoria de resposta. Se um dos pesquisadores optar por apenas uma categoria de resposta, isso pode levar a uma matriz de contingência com células vazias, o que pode afetar o cálculo do coeficiente Kappa.

A concordância do escore geral e entre cada um dos itens do instrumento foi estabelecida considerando-se: Kappa: 0 a 0,19 – concordância fraca; 0,20-0,39 – concordância relativa; 0,40-0,59 – concordância moderada; 0,60-0,79 – concordância substancial; 0,80-0,99 – concordância quase perfeita e 1,00 – concordância perfeita¹¹. As variáveis analisadas foram fenda palpebral estreita, fronte saliente, sulco nasolabial aprofundado, boca esticada, boca esticada na horizontal, na vertical e língua tensa, antes, durante e após o procedimento de vacinação contra hepatite B. Escores da NFCS maiores ou iguais a 3 foram considerados como presença de dor. Os pesquisadores foram identificados como A e B, mantendo sigilo acerca da identificação durante a análise estatística. O teste Exato de Fisher foi utilizado para testar a homogeneidade da amostra.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 129 RN entre agosto e dezembro de 2022, sendo 60 (46,51%) no grupo controle (contenção facilitada) e 69 (53,49%) no grupo intervenção (amamentação). Os grupos foram considerados homogêneos. Cada pesquisador realizou 387 avaliações, sendo 3 por RN. Considerando o escore final da NFCS, observou-se concordância substancial entre os pesquisadores antes e após a vacinação. Durante o procedimento, a concordância bruta foi elevada (96,12%), entretanto não foi possível calcular o índice de concordância Kappa, pois um dos pesquisadores registrou apenas a presença de dor como categoria de resposta.

Quando analisada a concordância da avaliação em relação à dor entre os grupos, no grupo submetido à contenção facilitada (grupo controle), o resultado da concordância foi substancial antes e após o procedimento. No grupo submetido à amamentação (intervenção) a concordância foi quase perfeita antes e substancial depois do procedimento (Tabela 1).

Tabela 1
Valores de concordância bruta e índice de concordância Kappa do escore total da escala Neonatal Facial Coding System antes, durante e após a administração da vacina contra hepatite B (n = 129).

Momento da avaliação	Concordância bruta (%)/Kappa Grupo contenção facilitada	Concordância bruta (%)/Kappa Grupo amamentação	Concordância bruta(%)/Kappa Geral
NFCS antes do procedimento	95/0,64	98,55/0,80	96,9/0,69
NFCS durante o procedimento	96,67/*	95,65/*	96,12/*
NFCS após o término do procedimento	82,14/0,64	93,94/0,74	88,52/0,70

• *Um dos pesquisadores registrou apenas uma categoria de resposta impossibilitando o cálculo do coeficiente Kappa

A tabela 2 apresenta a proporção de concordância entre os pesquisadores de acordo com as variáveis analisadas pela NFCS. Todas as variáveis apresentaram concordância substancial ou quase perfeita, exceto a variável “língua tensa” durante e após o procedimento, que apresentou fraca concordância.

Tabela 2
Valores de concordância bruta e índice de concordância Kappa entre pesquisadores para cada variável da escala Neonatal Facial Coding System antes, durante e após a vacinação de recém-nascidos saudáveis contra hepatite B nas primeiras 48h de vida.

Momento da avaliação	Variáveis	Concordância bruta (%)	Kappa
NFCS antes do procedimento	Fronte saliente	96,90 %	0,73
	Olhos apertados	98,45%	0,85
	Sulco nasolabial aprofundado	96,90%	0,73
	Boca esticada	98,45%	0,87
	Boca estirada na vertical	96,90%	0,70
	Boca esticada na horizontal	96,90%	0,70
	Língua tensa	96,90%	0,70
NFCS durante o procedimento	Fronte saliente	96,90%	*
	Olhos apertados	97,67%	*
	Sulco nasolabial aprofundado	97,67%	*
	Boca esticada	96,12%	*
	Boca estirada na vertical	93,80%	*
	Boca esticada na horizontal	91,47%	*
	Língua tensa	90,70%	0,10
NFCS após o procedimento	Fronte saliente	87,60%	0,67
	Olhos apertados	83,72%	0,61
	Sulco nasolabial aprofundado	86,82%	0,68
	Boca esticada	86,05%	0,67
	Boca estirada na vertical	88,37%	0,71
	Boca esticada na horizontal	86,05%	0,65
	Língua tensa	81,40%	0,1887

• *Um dos pesquisadores registrou apenas uma categoria de resposta impossibilitando o cálculo do coeficiente Kappa

Quando analisada a confiabilidade entre pesquisadores para cada variável nos grupos intervenção e controle separadamente, os valores da concordância bruta antes do procedimento foram acima de 95% e o coeficiente Kappa foi de substancial a quase perfeito para todas as variáveis da escala. Durante o procedimento observou-se concordância bruta abaixo de 50% entre as variáveis “boca esticada”, “boca esticada na horizontal”, “boca esticada na vertical” e “língua tensa”, com valores de Kappa demonstrando associação fraca.

Após o procedimento, a concordância bruta no grupo controle (contenção facilitada) variou de 61,17% a 81,33% entre as variáveis da escala, com coeficiente Kappa de substancial a quase perfeito (Kappa de 0,60 a 0,75). No grupo intervenção (amamentação), a concordância bruta após o procedimento foi acima de 88,41% para todas as variáveis e o coeficiente Kappa variou de concordância relativa a moderada (0,28 a 0,57).

DISCUSSÃO

A concordância entre examinadores reduz os desvios relacionados aos critérios e procedimentos do estudo, aumentando sua precisão. Para que o erro dos examinadores não afete a precisão dos dados e cumpram o papel ao qual se destinam, especialmente nos estudos que apresentam como objetivo primário resultados advindos de processos de avaliação, é necessário rigor metodológico para que os dados sejam confiáveis e possam ser reproduzidos.

RN saudáveis inevitavelmente são submetidos a procedimentos dolorosos desde as primeiras horas de vida em decorrência da necessidade de cuidados de rotina, tais como administração de vitamina K e vacinação, estando também vulneráveis aos impactos no neurodesenvolvimento decorrentes da dor não tratada¹¹. Investigações acerca das repercussões de experiências dolorosas no início da vida têm demonstrado que respostas mais intensas de dor (choro prolongado e maiores escores de dor) têm sido observadas durante a vacinação de rotina aos 4 e 6 meses de vida em RN circuncidados quando comparados aos não circuncidados¹².

A dor não tratada no início da vida tem sido apontada como um aspecto favorecedor para o desenvolvimento de dor crônica em crianças e adultos¹³,¹⁴. Existe um distanciamento entre as recomendações, as evidências produzidas pela comunidade científica e a adoção de práticas voltadas para o controle da dor no período neonatal à beira leito¹⁷. A avaliação continua sendo o principal desafio para o controle adequado da dor. Mais de 65 escalas estão disponíveis e validadas para a avaliação da dor de RN em diferentes contextos de assistência¹⁸. Tais escalas contemplam variáveis fisiológicas, comportamentais e contextuais, tendo por objetivo qualificar e quantificar a dor. A utilização de escalas para avaliação da experiência dolorosa é um método indireto de avaliação que demanda, necessariamente, a presença de um profissional capacitado e de protocolos articulados de avaliação e tratamento.

Os profissionais de saúde têm função primordial no controle da dor de RN, sendo responsáveis pelo diagnóstico, bem como pelo monitoramento da intervenção álgica e da efetividade do tratamento. Sendo assim, investir na capacitação da equipe multidisciplinar para a aquisição de conhecimento especializado e desenvolvimento de habilidades é um aspecto fundamental para a garantia de diagnóstico preciso e tratamento adequado, com foco no controle da dor¹⁹. Embora outros métodos de avaliação, tais como dosagem de biomarcadores e a identificação de alterações do fluxo sanguíneo cerebral por meio da espectroscopia infravermelha (NIRS) também sejam objetos de estudo, a utilização de escalas continua sendo a alternativa mais viável à beira leito, possibilitando a identificação imediata da dor e a adoção de métodos de controle²⁰.

A escala NFCS tem sido amplamente aplicada para avaliação da dor no período neonatal por contemplar variáveis comportamentais relacionadas à mímica facial. Um ensaio clínico randomizado desenvolvido com 55 RN comparou o cuidado canguru e a amamentação durante a vacinação contra hepatite B e os resultados demonstraram que a pontuação da escala foi menor no grupo que combinava amamentação e contato pele a pele em todos os períodos avaliados. A média dos valores do ritmo cardíaco foram maiores no grupo do contato pele a pele. Esses resultados demonstram que a combinação entre amamentação e contato potencializa os efeitos analgésicos durante uma intervenção dolorosa¹⁹.

Outro estudo comparou o controle da dor de 131 RN saudáveis com idade pós-natal de até três dias durante a administração da vacina BCG. Os pacientes foram randomizados em quatro grupos: amamentado (n=33), enrolado alguns minutos antes da injeção (n=34), enrolado e amamentado (n=31), e o último grupo não recebia nenhuma intervenção (n=33). Todas as intervenções resultaram em menor intensidade de dor quando comparadas ao grupo controle que não recebeu nenhuma intervenção e a amamentação foi mais eficaz no controle da dor quando comparada à contenção facilitada⁴. A analgesia promovida pela amamentação também foi avaliada em um estudo que comparou o uso da amamentação e da dextrose a 25% no controle da dor de 120 RN saudáveis, nascidos a termo com até três meses de idade que receberiam a vacina DTP. Os resultados mostraram que o grupo da amamentação e o grupo da dextrose tiveram um tempo de choro menor quando comparados com o grupo controle. A pontuação na escala NFCS também foi menor nos grupos de intervenção quando comparados com o grupo controle²¹.

Apesar das evidências demonstrarem a efetividade da amamentação como método não farmacológico de controle da dor e de haver uma recomendação do Ministério da Saúde²¹ para sua utilização, na prática clínica ainda podem ser observadas limitações e questionamentos sobre os métodos de avaliação mais indicados de acordo com cada contexto ou procedimento a ser realizado. No caso da NFCS, como se trata de uma escala de mímica facial, compreender em que medida a adoção da amamentação compromete o acesso à avaliação é uma questão importante que se buscou garantir por meio da aplicação de testes de concordância entre pesquisadores, questão que não foi descrita nos trabalhos investigados até então.

Alguns estudos relatam diferença nas concordâncias entre os observadores, o que compromete o resultado e a replicação dos dados obtidos. Esse fato pode acontecer devido à experiência ou não com o tema abordado na pesquisa, como foi mencionado em um estudo acerca do câncer de mama, no qual os pesquisadores que tinham mais experiências na área concordaram mais entre si do que aqueles menos experientes²².

Em outro estudo, os autores apresentaram vários fatores que podem influenciar a concordância entre os observadores. Dentre eles, o que mais pode influenciar os registros de dados por humanos é o fato de que o comportamento é transitório, ou seja, não pode ser congelado e revisitado. A filmagem é um excelente recurso, porém pode causar desconforto aos participantes²³.

Além disso, durante a execução da pesquisa, pode haver protocolos que envolvam a observação de diversos comportamentos e/ ou indivíduos simultaneamente. Por vezes, tais observações ocorrem em intervalos de tempo muito curtos e sem pausas agendadas para o registro dos dados. Ter de observar muitos fenômenos simultaneamente, sem pausas predeterminadas, pode resultar em erros de registro. Ademais, alguns pesquisadores criam folhas de registro cuja organização e formatação dificultam a localização de informação acerca de quais comportamentos devem ser registrados, onde e em qual sequência²³.

No presente estudo, encontrou-se concordância substancial entre os dois pesquisadores para o escore total da escala NFCS antes e após a vacinação dos 129 RN investigados. É importante destacar que a oficina de alinhamento foi uma etapa importante do método para garantir o entendimento da ferramenta de avaliação a ser utilizada e possibilitar o esclarecimento de dúvidas.

Durante o procedimento, como um dos pesquisadores registrou apenas a presença de dor, não foi possível calcular o coeficiente Kappa. No grupo amamentado, a concordância entre pesquisadores antes do procedimento foi quase perfeita. Quando analisado o coeficiente de concordância de cada variável da escala, todas apresentaram concordância substancial antes e após o procedimento, com exceção da variável “língua tensa”, que apresentou concordância fraca.

O presente trabalho identificou que houve concordância substancial a quase perfeita antes, durante e após o procedimento em seis variáveis da escala NFCS. Apenas a variável “língua tensa” teve concordância fraca, tanto no grupo controle (contenção facilitada) quanto no grupo amamentado. Quando analisado o coeficiente Kappa das variáveis da escala NFCS separadamente entre os grupos, observou-se que as variáveis boca esticada, boca esticada na horizontal, boca esticada na vertical e “língua tensa” apresentaram associação fraca, porém concordância bruta de 96% entre pesquisadores, isso se deve ao fato de que o RN estava amamentando no momento da avaliação, o que dificulta a visualização.

Esse dado aponta para a possibilidade de uma limitação para aplicação desta escala quando o método de controle de dor utilizado é a amamentação. A dificuldade de avaliar estes parâmetros pode comprometer o escore total e a identificação da dor do RN, apesar de vários estudos utilizarem esta ferramenta de avaliação no contexto da amamentação¹⁸. Considerando que a escala apresenta sete variáveis, que tem por objetivo identificar a presença ou ausência de dor e que valores iguais ou superiores a 3 indicam sua presença, a dificuldade de acessar essas variáveis não seria suficiente para mudar a condição identificada de ausência de dor para presença para dor. Portanto, entende-se que essa limitação não compromete sua identificação, uma vez que a escala não tem por objetivo descrever a intensidade da dor. O presente estudo apresentou algumas limitações: os pesquisadores realizaram os registros em momentos diferenciados, sendo que o primeiro fez de maneira síncrona no momento do procedimento e o segundo avaliador por meio de filmagens, fato que pode proporcionar mais elementos e tempo de observação ao segundo observador. Além disso, o estudo foi desenvolvido em um único centro e a amostra não foi randomizada e mascarada em decorrência da natureza da investigação. Também é importante considerar que a experiência do profissional pode influenciar na identificação dos sinais de dor, entretanto houve tentativa de controlar este viés por meio do treinamento de alinhamento.

Ainda assim, o presente estudo apresenta dados inéditos que podem colaborar tanto localmente, quanto com a generalização dos achados para outras instituições. Foi possível identificar em quais subitens da NFCS há menor concordância entre pesquisadores e inclusive discutir a aplicabilidade da utilização da escala em situações nas quais a amamentação for utilizada como medida de controle da dor. Ademais, o estudo colabora com a prática profissional da enfermagem, uma vez que o enfermeiro deve ter conhecimento para avaliar e reconhecer sinais de dor neonatal. Logo, essa escala permite a aplicabilidade no contexto de vacinação, a fim de instituir medidas para minimizar a dor neonatal durante este procedimento de rotina.

CONCLUSÃO

De maneira geral, a concordância entre os pesquisadores na aplicação da escala NFCS é boa antes, durante e após a realização do procedimento. Entretanto, dos 7 itens que compõem o escore, quatro deles (“boca esticada”, “boca esticada na horizontal”, “boca esticada na vertical” e “língua tensa”) podem ser de mais difícil identificação quando a medida de controle de dor instituída for a amamentação. Assim como identificado no presente trabalho, é importante avaliar a aplicabilidade clínica das escalas uma vez que a identificação das variáveis relacionadas à dor pode variar de acordo com o procedimento realizado ou tratamento instituído. O comprometimento do diagnóstico pode igualmente comprometer o tratamento, gerando impactos no desenvolvimento do RN em curto e longo prazos.

• Fontes de fomento: não há

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Editado por

Editor associado responsável: Isabela Azevedo Freire Santos https://orcid.org/0000-0001-8836-8640

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jul 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  22 Jun 2023
• Aceito
  22 Abr 2024