Acessibilidade / Reportar erro

Efeito da estimulação elétrica nervosa transcutânea e hipnose na dor lombar crônica

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

Entre as principais técnicas analgésicas não farmacológicas estão as terapias físicas como a eletroterapia e técnicas cognitivo-comportamentais, como a hipnose. O objetivo deste estudo foi comparar o efeito analgésico da estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) e hipnose no controle da dor lombar crônica.

MÉTODOS

Estudo do tipo cruzado que incluiu 19 adultos jovens de ambos os sexos portadores de dor lombar crônica, submetidos a TENS, hipnose e educação em dor como grupo controle. A qualidade da dor foi avaliada pelo questionário de McGill, a intensidade e o limiar da dor pela escala analógica visual. Foi avaliada a intensidade da dor espontânea, o limiar e a intensidade de dor ao frio e o limiar da dor à pressão, imediatamente após as intervenções e 30 minutos depois do final das intervenções. A análise estatística foi realizada com modelos lineares generalizados mistos, com 5% de significância, e tamanhos de efeito G de Cohen.

RESULTADOS

Houve diminuição estatisticamente significativa da intensidade da dor espontânea e ao frio nos grupos hipnose e TENS comparados ao grupo de educação em dor. Ocorreu redução do quadro álgico estatisticamente significativo nas categorias sensorial e avaliativa nos grupos intervenção comparados ao grupo controle. Não houve diferença significativa para o limiar de dor à pressão e o tempo de latência para a dor ao frio.

CONCLUSÃO

A hipnose e a TENS diminuíram a intensidade da dor lombar crônica sem diferença estatisticamente significativa entre si, porém estatisticamente diferentes em relação ao grupo controle.

Descritores:
Dor lombar; Estimulação elétrica nervosa transcutânea; Hipnose; Modalidades de fisioterapia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES

Among the main non-pharmacological analgesic techniques are physical therapies such as electrotherapy and cognitive-behavioral techniques, such as hypnosis. The objective of this study was to compare the analgesic effect of transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) and hypnosis in the control of chronic low back pain.

METHODS

A crossover study that included 19 young adults of both genders with chronic low back pain who underwent TENS and hypnosis, and pain education as a control group. The quality of pain was assessed by the McGill’s questionnaire; pain intensity and threshold were assessed by the visual analog scale. The intensity of spontaneous pain, the threshold and intensity of pain induced by cold and the pressure pain threshold before the interventions, immediately after the interventions and 30 minutes after the end of the interventions were evaluated. Statistical analysis was performed with Generalized Mixed Linear Models, with 5% significance, and Cohen’s G effect sizes.

RESULTS

There was a statistically significant decrease in the intensity of spontaneous and cold induced pain in the hypnosis and TENS groups compared to the pain education group. There was a statistically significant reduction of pain in the sensory and evaluation categories in the intervention groups compared to the control group. There was no significant difference for the pressure pain threshold and latency time for cold induced pain.

CONCLUSION

Hypnosis and TENS decreased the intensity of chronic low back pain with no statistically significant difference between them, but statistically different from the pain education control group.

Keywords:
Hypnosis; Low back pain; Physical therapy modalities; Transcutaneous electrical nerve stimulation

INTRODUÇÃO

A dor lombar crônica (DLC) é uma síndrome caracterizada por dor, desconforto ou fadiga muscular localizados no terço inferior da coluna vertebral11 Hoy D, Bain C, Williams G, March L, Brooks P, Blyth F, et al. A systematic review of the global prevalence of low back pain. Arthritis Rheum. 2012;64(6):2028-37.

2 Hoy D, Brooks P, Blyth F, Buchbinder R. The epidemiology of low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24(6):769-81.

3 Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017;389(10070):736-47.
-44 Igwesi-Chidobe CN, Amarachukwu C, Sorinola IO, Godfrey EL. Translation, cultural adaptation and psychometric testing of Igbo fear avoidance beliefs questionnaire in mixed rural and urban Nigerian populations with chronic low back pain. PLoS One. 2019;14(5):e0216482., sendo considerada um problema de saúde pública, constituindo pesado ônus para os sistemas de saúde e previdenciário55 Furtado RN, Ribeiro LH, Abdo Bde A, Descio FJ, Martucci CE Jr CE, Serruya DC. Nonspecific low back pain in young adults: associated risk factors. Rev Bras Reumatol. 2014;54(5):371-7..

O tratamento de disfunções lombares é feito com fármacos e técnicas analgésicas não farmacológicas com terapias físicas como a eletroterapia, que ativam o sistema sensitivo-discriminativo e estimulam o sistema supressor de dor66 Piccoliori G, Engl A, Gatterer D, Sessa E, in der Schmitten J, Abholz HH. Management of low back pain in general practice - is it of acceptable quality: an observational study among 25 general practices in South Tyrol (Italy). BMC Fam Pract. 2013;14:148.; e com técnicas cognitivo-comportamentais, como a hipnose, que promove relaxamento muscular, distração da atenção e a sugestão, o que interfere no estímulo doloroso77 Wellington J. Noninvasive and alternative management of chronic low back pain (efficacy and outcomes). Neuromodulation. 2014;17(Suppl 2):24-30..

A estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) é uma técnica analgésica para alívio de dor aguda e crônica, inclusive dor lombar (DL), aplicada com diferentes frequências, intensidades e durações de pulsos de estimulação, com objetivo de ativar vias antinociceptivas ascendentes ou descendentes. Alguns estudos apontam que a eficácia da TENS pode depender da frequência e da acomodação neural, processo que ocorre quando uma resposta fisiológica é diminuída continuamente, o que pode ser um importante fator para a percepção do estímulo analgésico88 Yurdakul OV, Beydogan E, Yalçinkaya EY. Effects of physical therapy agents on pain, disability, quality of life, and lumbar paravertebral muscle stiffness via elastography in patients with chronic low back pain. Turkish J Phys Med Rehabil. 2019;65(1):30-9.

9 Garaud T, Gervais C, Szekely B, Michel-Cherqui M, Fischler M. Randomized study of the impact of a therapeutic education program on patients suffering from chronic low-back pain who are treated with transcutaneous electrical nerve stimulation. Medicine. 2018;97(52):e13782.

10 Wu LC, Weng PW, Chen CH, Huang YY, Tsuang YH, Chiang CJ. Literature review and meta-analysis of transcutaneous electrical nerve stimulation in treating chronic back pain. Reg Anesth Pain Med. 2018;43(4):425-33.
-1111 Facci LM, Nowotny JP, Tormem F, Trevisani FVM. Effects of transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) and interferential currents (IFC) in patients with nonspecific chronic low back pain?: randomized clinical trial. São Paulo Med J. 2011;129(4):206-16..

As técnicas hipnóticas têm apresentado evidências nas atividades cerebrais em áreas relacionadas à dor. O “transe hipnótico”, base da hipnose, definido como um estado voluntário em que o indivíduo está mais predisposto a aceitar sugestões, sem que ocorra avaliação crítica de informações, pode produzir um estado facilitador de analgesia nos centros nervosos superiores1212 Jensen M, Patterson DR. Hypnotic treatment of chronic pain. J Behav Med. 2006;29(1):95-124.,1313 Azizmohammadi S, Azizmohammadi S. Hypnotherapy in management of delivery pain: a review. Eur J Transl Myol. 2019;29(3):210-7., podendo ser útil como terapia na DLC1414 Tan G, Fukui T, Jensen MP, Thornby J, Waldman KL. Hypnosis treatment for chronic low back pain. Int J Clin Exp Hypn. 2010;58(1):53-68.,1515 Noergaard MW, Hakonsen SJ, Bjerrum M, Pedersen PU. The effectiveness of hypnotic analgesia in the management of procedural pain in minimally invasive procedures: a systematic review and meta - analysis. J Clin Nurs. 2019;28(23-24):4207-24..

A hipótese é que ambas as técnicas induzem a analgesia, mas a TENS pode ter resultado superior quando a qualidade da percepção da dor apresenta aspecto predominante sensorial e, de forma inversa, a hipnose apresentaria efeito superior quando a qualidade da dor for afetiva. Este estudo teve como objetivo primário comparar o efeito das técnicas analgésicas TENS e hipnose em pacientes com DLC, em aplicação única. O objetivo secundário foi analisar se o efeito analgésico das técnicas ocorre por meio de diferentes qualificações da percepção da dor.

MÉTODOS

Estudo quantitativo e cruzado, com amostra constituída por 19 voluntários, de ambos os sexos (12 mulheres e 7 homens), com idade média de 21,36±2,75 anos, altura 1,71±0,09m, peso 75,24±17,81kg e índice de massa corporal (IMC) 25,56±4,24kg/m2, que apresentavam diagnóstico de DLC e que aceitaram participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para este tamanho de amostra, com base na escala analógica visual (EAV), diferença de 1,5cm, desvio-padrão de 1,4, o poder do teste foi calculado em 80%.

Os critérios de inclusão foram idade entre 18 e 30 anos, DL por mais de três meses e disponibilidade em participar do estudo. Os critérios de exclusão foram realizar tratamento fisioterapêutico por eletroanalgesia, independente da corrente usada, ter marcapasso cardíaco, ser gestante, ter sido submetido a procedimentos cirúrgicos na coluna, ter usado fármacos analgésicos 24h antes das intervenções, ter contraindicação ao frio e ter bandeiras vermelhas presentes na DL1616 Verhagen AP, Downie A, Popal N, Maher C, Koes BW. Red flags presented in current low back pain guidelines: a review. Eur Spine J. 2016;25(9):2788-802..

A coleta de dados e as intervenções foram realizadas no Centro de Reabilitação Física (CRF) da UNIOESTE, por terapeutas treinados, sendo apenas um terapeuta responsável pela aplicação de cada forma terapêutica e as avaliações feitas pelo mesmo avaliador. Foi aplicado o questionário McGill de Dor para qualificação da percepção dolorosa e a EAV para quantificação da dor. Também foi realizada avaliação do limiar e da intensidade de dor ao frio e avaliação do limiar de dor à pressão. Todas as avaliações foram realizadas de forma sequencial, antes (AV1), logo após (AV2) e 30 minutos após as intervenções (AV3).

Todos os participantes receberam três intervenções sendo uma em cada semana. A amostra foi dividida a partir de sorteio pelo portal https://www.graphpad.com/quickcalcs/randomize1/, e cada indivíduo recebeu as intervenções de modo alternado uma vez por semana, totalizando três semanas, para que todos fossem submetidos a TENS, hipnose e educação em dor (ED).

O questionário McGill de dor é organizado em quatro categorias, com numeração variável para as palavras em cada subclasse. Foi solicitado para o voluntário escolher uma palavra de cada subcategoria, permitindo a opção de não escolher nenhuma. Para o escore de avaliação foi considerada a soma dos valores das palavras de cada subclasse para a pontuação de cada categoria.

A EAV é constituída por uma linha de 10 cm, com as frases “ausência de dor” e “dor insuportável” nos extremos correspondentes ao “zero” e “10”. A partir da escala cada indivíduo escolheu uma posição na linha que melhor quantificasse sua dor.

Para a avaliação do limiar e a intensidade de dor ao frio, foi mensurada a temperatura de uma pedra de gelo, com termômetro infravermelho, que foi posicionada sobre o processo espinhoso da quinta vértebra lombar (L5). Foi cronometrado o tempo desde a colocação da pedra até o momento em que o indivíduo relatasse dor e a seguir foi avaliada a intensidade da dor pela EAV.

O limiar de dor à pressão foi mensurado por algômetro modelo DDK-50 (Kratos®, São Paulo, Brasil), capaz de exercer pressão de até 50kgf. Os voluntários foram posicionados em decúbito ventral, foi realizada a palpação das vértebras lombares para a identificação daquela com maior grau de desconforto, foi exercida pressão pelo algômetro com extremidade circular de 1,2cm de diâmetro posicionado 1cm ao lado da vértebra. A pressão foi aumentada até o voluntário referir o início da dor, e a pressão foi registrada em gramas-força.

Para a aplicação da TENS, os voluntários foram posicionados em decúbito ventral em uma maca de tratamento, e a estimulação elétrica foi aplicada pela TENS (Ibramed®, Amparo, Brasil), com duração de fase de 250µs e frequência de 100Hz, por pares de eletrodos colocados de forma bilateral, a 1cm dos processos espinhosos das vértebras lombares, de L1 a L5, por 30 minutos, no nível de tolerância do paciente1717 Verruch CM, Fréz AR, Bertolini GR. Comparative analysis between three forms of application of transcutaneous electrical nerve stimulation and its effect in college students with non-specific low back pain. BrJP. 2019;2(2):132-6.. Cada indivíduo foi avisado de que sentiria formigamento de moderado a forte, mas não dor, e quando sentisse a intensidade da corrente acomodar, deveria avisar o terapeuta para a intensidade ser aumentada.

A hipnose foi realizada em sessão individual terapeuta/paciente, com duração de 30 minutos. Os atendimentos aconteceram em sala com iluminação, temperatura e diminuição de ruídos externos adequados para o relaxamento. Depois de aprofundar o transe, foram dadas sugestões para o alívio da dor1818 Dillworth T, Jensen MP. The role of suggestions in hypnosis for chronic pain: a review of the literature. Open Pain J. 2010;8(1):39-51.. Foi sugerido ao voluntário que identificasse cada ponto doloroso no corpo e atribuísse a estes pontos dolorosos forma, cor e massa. De forma tranquila e lenta sugeriu-se que a cada movimento respiratório, esses pontos se tornavam menores, mais transparentes e leves. As mudanças na forma, cor e massa se tornavam tão intensas que esses pontos se desprendiam do voluntário como se fossem bolhas de sabão levadas para longe até estourarem e desaparecerem, em alusão a dor que se afastou e desapareceu. Ao encerrar o transe, foi dado o reforço para que a sensação de bem-estar e o alívio da dor produzido se manteriam por tempo indeterminado após o término da sessão.

O método de ED foi realizado por palestras dirigidas aos participantes com o intuito de fornecer informações e esclarecer dúvidas em relação à DL. Ao final foi entregue material de apoio. A ED serviu como controle na pesquisa, sendo realizada apenas uma vez para cada indivíduo. As evidências mostram resultados discretos da ED isolados em indivíduos com DLC1919 Clarke CL, Ryan CG, Martin DJ. Pain neurophysiology education for the management of individuals with chronic low back pain: A systematic review and meta-analysis. Man Ther. 2011;16(6):544-9..

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2.681.234) (Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos: RBR-7528X4).

Análise estatística

Foi usado o software SPSS 20. O nível de significância adotado foi de 5% (α=0,05). As análises foram feitas por Modelos Lineares Generalizados Mistos (Generalized Linear Mixed-effects Models - GLMMs) com post-hoc de Bonferroni. Nas tabelas, as diferenças significativas entre grupos foram apontadas por diferentes letras maiúsculas e diferenças dentro dos grupos de intervenções por letras minúsculas. Foi realizada a análise de tamanho de efeito de Cohen de acordo com a classificação: <0,2: trivial; 0,2-0,5: pequeno; 0,5-0,8: moderado; >0,8: grande.

RESULTADOS

O questionário McGill evidenciou diminuição das pontuações nas quatro categorias, com algumas diferenças entre elas, indicando redução do quadro álgico nos grupos intervenção. Na categoria sensorial houve diferenças entre os grupos (p<0,001), momentos (p<0,001) e interação (p=0,017), no momento de ED não houve alteração dos valores, mas redução para os outros dois momentos. Na categoria afetiva houve diferenças entre os grupos (p<0,001) e momentos (p=0,016). Na categoria avaliativa houve diferenças entre os grupos, momentos e interação (p<0,001), mostrando que no momento ED não houve redução dos escores, mas sim para os outros momentos. Na categoria miscelânea estes resultados se repetiram com diferenças entre os grupos (p<0,001), momentos (p=0,003) e interação (p=0,019), sendo que as avaliações dentro de cada momento mostraram que apenas após a TENS houve redução dos valores (Tabela 1).

Tabela 1
Média e desvio padrão para as variáveis sensorial, afetiva, avaliativa e miscelânea, pelo questionário de dor de McGill, com comparações entre e intragrupos

Com relação ao tamanho de efeito observado ao comparar as avaliações subsequentes com a primeira, foi possível observar que para a ED o tamanho de efeito foi trivial; já para a TENS, foram moderados ou grandes; e para a hipnose, variaram de trivial a grandes (Tabela 2).

Tabela 2
Valores dos tamanhos de efeito observados para os itens do questionário de dor de McGill. Avaliações dentro dos subgrupos, comparando com a primeira avaliação (AV1)

Os valores de intensidade de dor, tanto espontânea quando a dor induzida pelo frio mostraram que houve diferenças nos grupos (p<0,001 e p<0,001), momentos (p<0,001 e p=0,002), bem como interação (p=0,002 e p=0,036), apontando que não houve reduções apenas para o ED. Os limiares de dor, tanto ao frio quanto à pressão, não apresentaram diferenças significativas nas comparações entre e dentro dos grupos (p>0,05) (Tabela 3).

Tabela 3
Média e desvio padrão para intensidade de dor, limiar em segundos e intensidade de dor ao frio, bem como limiar de dor à pressão, com suas respectivas comparações entre e intragrupos

O tamanho de efeito pelo ED, independente da variável analisada, foi trivial; porém, para TENS e hipnose com relação à intensidade pela EAV, foram grandes. Quanto à intensidade ao frio pela EAV, a TENS mostrou resultados moderados e grandes e, a hipnose, moderados; para o limiar ao frio, as modalidades variaram de trivial a pequeno e no limiar à pressão foram pequenos e moderados para o TENS em AV1-AV2 (Tabela 4).

Tabela 4
Valores dos tamanhos de efeito observados para as intensidades de dor e limiares. Avaliações dentro dos subgrupos, comparando com a primeira avaliação (AV1)

DISCUSSÃO

Foi feita a comparação em adultos jovens com DLC do efeito imediato de duas técnicas analgésicas, porém com características diferentes, sendo evidenciadas que ambas foram efetivas, com vantagens para TENS na dor provocada pelo frio.

A DLC pode apresentar causas não muito bem definidas, por isso sua etiologia é multifatorial. Alguns fatores etiológicos são mais frequentes, como processos degenerativos e inflamatórios, alterações congênitas ou mecânico postural. O desequilíbrio entre o esforço requerido para alguma atividade e o potencial para desenvolvê-la pode gerar dor33 Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017;389(10070):736-47.,2020 Vlaeyen JWS, Maher CG, Wiech K, Zundert J Van, Meloto CB, Diatchenko L, et al. Low back pain. Nat Rev Dis Primers. 2018;4(1):52.. A etiologia de DLC pode ser anatômica ou fisiológica, porém, fatores psicossociais têm impacto direto sobre a percepção da dor, pois problemas de ordem emocional, como o estresse, a depressão, a ansiedade e o medo interferem em processos neurológicos de modulação da dor2121 Cao S, Song G, Zhang Y, Xie P, Tu Y, Li Y, Yu T, Yu B. Abnormal local brain activity beyond the pain matrix in postherpetic neuralgia patients: A resting-state functional MRI study. Pain Physician. 2017;20(2):E303-14..

O conhecimento das vias de condução da dor, bem como seus mecanismos básicos de ação, é essencial para o entendimento do quadro doloroso e para a compreensão dos métodos de intervenção para o alívio da dor2222 Gosling AP. Physical therapy action mechanisms and effects on pain management. Rev Dor. 2013;13(1):65-70.. A dor inicia com ativação de nociceptores na periferia gerando estímulos que são conduzidos até o sistema nervoso central onde serão processados, gerando a sensação dolorosa. Regiões específicas do encéfalo, como a substância cinzenta periaquedutal, núcleo magno da rafe, córtex insular e córtex pré-frontal medial têm papel importante na modulação da atividade nociceptiva espinal e podem contribuir para aspectos cognitivos e afetivos. Nas síndromes dolorosas crônicas, o sistema nociceptivo apresenta limiar de resposta à dor alterado, o que gera quadros dolorosos como resposta a estímulos considerados não ou pouco álgicos e, por isso, há a manutenção da dor2323 Marchand S. The physiology of pain mechanisms: From the periphery to the brain. Rheum Dis Clin N Am. 2008;34(2):285-409.,2424 Ossipov MH, Dussor GO, Porreca F. Central modulation of pain. J Clin Invest. 2010;120(11)3779-87..

Estudos de neuroimagem relacionados à modulação da dor evidenciam alterações na atividade de áreas específicas do encéfalo responsáveis pela modulação da dor quando indivíduos recebem estímulos de distração por meio de tarefa cognitiva durante a dor induzida pelo frio2525 Knudsen L, Petersen GL, Nørskov KN, Vase L, Finnerup N, Jensen TS, et al. Review of neuroimaging studies related to pain modulation. Scand J Pain. 2011;2(3):108-20.. Este estudo evidenciou redução nos escores da dor geral e ao frio e na intervenção com hipnose, apesar de que para esta última forma de avaliação o uso da TENS mostrou melhores resultados.

A técnica hipnótica pode, além de moldar a percepção em relação à dor, influenciar em aspectos sensoriais e afetivos da percepção da dor2626 Brugnoli MP, Pesce G, Pasin E, Basile MF, Tamburin S, Polati E. The role of clinical hypnosis and self-hypnosis to relief pain and anxiety in severe chronic diseases in palliative care: a 2-year long-term follow-up of treatment in a nonrandomized clinical trial. Ann Palliat Med. 2018;7(1):17-31.,2727 Castañeda E, Krikorian A. Clinical hypnosis in Latin America: systematic review of the literature. Av Psicol Latinoam. 2018;36(2):269-83.. Em estudos experimentais, a analgesia hipnótica se mostrou associada com alterações nos limiares de dor, incluindo atividade cerebral, potenciais relacionados a eventos somatossensoriais e reflexos espinais. Quanto mais suscetíveis os indivíduos forem à hipnose, melhor será o resultado obtido em relação à analgesia2525 Knudsen L, Petersen GL, Nørskov KN, Vase L, Finnerup N, Jensen TS, et al. Review of neuroimaging studies related to pain modulation. Scand J Pain. 2011;2(3):108-20., o que se constatou neste estudo, visto que os escores pelo questionário McGill, que avaliou o caráter subjetivo da dor, se alteraram após as intervenções. De forma contrária, estudo que avaliou o limiar doloroso em indivíduos saudáveis não evidenciou alterações após hipnose2828 Kramer S, Zims R, Simang M, Rüger L, Irnich D. Hypnotic relaxation results in elevated thresholds of sensory detection but not of pain detection. BMC Complement Altern Med. 2014;14:496.. Além disso, a hipnose não foi vantajosa frente a TENS na avaliação da modalidade afetiva e apresentou resultados similares na modalidade sensitiva.

A aplicação da TENS reduziu a intensidade da dor, provavelmente por meio de vias analgésicas ascendentes, como na Teoria das Comportas99 Garaud T, Gervais C, Szekely B, Michel-Cherqui M, Fischler M. Randomized study of the impact of a therapeutic education program on patients suffering from chronic low-back pain who are treated with transcutaneous electrical nerve stimulation. Medicine. 2018;97(52):e13782.,1010 Wu LC, Weng PW, Chen CH, Huang YY, Tsuang YH, Chiang CJ. Literature review and meta-analysis of transcutaneous electrical nerve stimulation in treating chronic back pain. Reg Anesth Pain Med. 2018;43(4):425-33.. Um estudo de coorte retrospectivo avaliou mudanças na dor após 60 dias de uso da TENS de alta frequência, sugerindo que esta terapia é opção para o tratamento da dor crônica, pois reduz a intensidade da dor, melhorando o sono e as alterações de humor devido aos efeitos analgésicos provavelmente decorrentes da ativação da inibição central da dor2929 Kong X, Gozani SN. Effectiveness of fixed-site highfrequency transcutaneous electrical nerve stimulation in chronic low back pain: a large-scale, observational study. J Pain Res. 2018;11:703-14., como demonstrado neste estudo, em que houve redução na intensidade da dor espontânea e ao frio.

No presente estudo não foi evidenciada diferença no limiar de dor à pressão, independentemente da técnica utilizada, diferente de estudo que mostrou aumento significativo do limiar de dor à pressão com o uso da TENS por 15 minutos, na frequência de 120Hz e duração de pulso de 100µs3030 Ebadi S, Ansari NN, Ahadi T, Fallah E, Forogh B. No immediate analgesic effect of diadynamic current in patients with nonspeci fi c low back pain in comparison to TENS. J Bodyw Mov Ther. 2018;22(3):693-9.. Os autores avaliaram o ponto de maior dor e mais dois pontos adjacentes, diferente do realizado neste estudo, que avaliou apenas um ponto lateral ao processo espinhoso mais doloroso à palpação.

Novos estudos precisam ser elaborados com diferentes métodos para avaliar a dor à pressão, com tempos mais longos de terapêutica, para avaliar os efeitos em prazos mais longos. Outra limitação deste estudo é que o grupo controle recebeu técnicas de educação em saúde, o que pode ter influenciado nos resultados3131 Puentedura EJ, Flynn T. Combining manual therapy with pain neuroscience education in the treatment of chronic low back pain: a narrative review of the literature. Physiother Theory Pract. 2016;32(5):408-14.. No entanto, quando aplicado isoladamente, o ensino em saúde produz efeitos pequenos na redução da dor1919 Clarke CL, Ryan CG, Martin DJ. Pain neurophysiology education for the management of individuals with chronic low back pain: A systematic review and meta-analysis. Man Ther. 2011;16(6):544-9.,3232 Saper RB, Lemaster C, Delitto A, Sherman KJ, Herman PM, Sadikova E, et al. Yoga, physical therapy, or education for chronic low back pain. A randomized noninferiority trial. Ann Intern Med. 2019;167(2):85-94..

CONCLUSÃO

As técnicas de hipnose e TENS diminuíram a dor em pacientes com DLC. Não houve diferença significativa entre as duas técnicas.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Hoy D, Bain C, Williams G, March L, Brooks P, Blyth F, et al. A systematic review of the global prevalence of low back pain. Arthritis Rheum. 2012;64(6):2028-37.
  • 2
    Hoy D, Brooks P, Blyth F, Buchbinder R. The epidemiology of low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24(6):769-81.
  • 3
    Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017;389(10070):736-47.
  • 4
    Igwesi-Chidobe CN, Amarachukwu C, Sorinola IO, Godfrey EL. Translation, cultural adaptation and psychometric testing of Igbo fear avoidance beliefs questionnaire in mixed rural and urban Nigerian populations with chronic low back pain. PLoS One. 2019;14(5):e0216482.
  • 5
    Furtado RN, Ribeiro LH, Abdo Bde A, Descio FJ, Martucci CE Jr CE, Serruya DC. Nonspecific low back pain in young adults: associated risk factors. Rev Bras Reumatol. 2014;54(5):371-7.
  • 6
    Piccoliori G, Engl A, Gatterer D, Sessa E, in der Schmitten J, Abholz HH. Management of low back pain in general practice - is it of acceptable quality: an observational study among 25 general practices in South Tyrol (Italy). BMC Fam Pract. 2013;14:148.
  • 7
    Wellington J. Noninvasive and alternative management of chronic low back pain (efficacy and outcomes). Neuromodulation. 2014;17(Suppl 2):24-30.
  • 8
    Yurdakul OV, Beydogan E, Yalçinkaya EY. Effects of physical therapy agents on pain, disability, quality of life, and lumbar paravertebral muscle stiffness via elastography in patients with chronic low back pain. Turkish J Phys Med Rehabil. 2019;65(1):30-9.
  • 9
    Garaud T, Gervais C, Szekely B, Michel-Cherqui M, Fischler M. Randomized study of the impact of a therapeutic education program on patients suffering from chronic low-back pain who are treated with transcutaneous electrical nerve stimulation. Medicine. 2018;97(52):e13782.
  • 10
    Wu LC, Weng PW, Chen CH, Huang YY, Tsuang YH, Chiang CJ. Literature review and meta-analysis of transcutaneous electrical nerve stimulation in treating chronic back pain. Reg Anesth Pain Med. 2018;43(4):425-33.
  • 11
    Facci LM, Nowotny JP, Tormem F, Trevisani FVM. Effects of transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) and interferential currents (IFC) in patients with nonspecific chronic low back pain?: randomized clinical trial. São Paulo Med J. 2011;129(4):206-16.
  • 12
    Jensen M, Patterson DR. Hypnotic treatment of chronic pain. J Behav Med. 2006;29(1):95-124.
  • 13
    Azizmohammadi S, Azizmohammadi S. Hypnotherapy in management of delivery pain: a review. Eur J Transl Myol. 2019;29(3):210-7.
  • 14
    Tan G, Fukui T, Jensen MP, Thornby J, Waldman KL. Hypnosis treatment for chronic low back pain. Int J Clin Exp Hypn. 2010;58(1):53-68.
  • 15
    Noergaard MW, Hakonsen SJ, Bjerrum M, Pedersen PU. The effectiveness of hypnotic analgesia in the management of procedural pain in minimally invasive procedures: a systematic review and meta - analysis. J Clin Nurs. 2019;28(23-24):4207-24.
  • 16
    Verhagen AP, Downie A, Popal N, Maher C, Koes BW. Red flags presented in current low back pain guidelines: a review. Eur Spine J. 2016;25(9):2788-802.
  • 17
    Verruch CM, Fréz AR, Bertolini GR. Comparative analysis between three forms of application of transcutaneous electrical nerve stimulation and its effect in college students with non-specific low back pain. BrJP. 2019;2(2):132-6.
  • 18
    Dillworth T, Jensen MP. The role of suggestions in hypnosis for chronic pain: a review of the literature. Open Pain J. 2010;8(1):39-51.
  • 19
    Clarke CL, Ryan CG, Martin DJ. Pain neurophysiology education for the management of individuals with chronic low back pain: A systematic review and meta-analysis. Man Ther. 2011;16(6):544-9.
  • 20
    Vlaeyen JWS, Maher CG, Wiech K, Zundert J Van, Meloto CB, Diatchenko L, et al. Low back pain. Nat Rev Dis Primers. 2018;4(1):52.
  • 21
    Cao S, Song G, Zhang Y, Xie P, Tu Y, Li Y, Yu T, Yu B. Abnormal local brain activity beyond the pain matrix in postherpetic neuralgia patients: A resting-state functional MRI study. Pain Physician. 2017;20(2):E303-14.
  • 22
    Gosling AP. Physical therapy action mechanisms and effects on pain management. Rev Dor. 2013;13(1):65-70.
  • 23
    Marchand S. The physiology of pain mechanisms: From the periphery to the brain. Rheum Dis Clin N Am. 2008;34(2):285-409.
  • 24
    Ossipov MH, Dussor GO, Porreca F. Central modulation of pain. J Clin Invest. 2010;120(11)3779-87.
  • 25
    Knudsen L, Petersen GL, Nørskov KN, Vase L, Finnerup N, Jensen TS, et al. Review of neuroimaging studies related to pain modulation. Scand J Pain. 2011;2(3):108-20.
  • 26
    Brugnoli MP, Pesce G, Pasin E, Basile MF, Tamburin S, Polati E. The role of clinical hypnosis and self-hypnosis to relief pain and anxiety in severe chronic diseases in palliative care: a 2-year long-term follow-up of treatment in a nonrandomized clinical trial. Ann Palliat Med. 2018;7(1):17-31.
  • 27
    Castañeda E, Krikorian A. Clinical hypnosis in Latin America: systematic review of the literature. Av Psicol Latinoam. 2018;36(2):269-83.
  • 28
    Kramer S, Zims R, Simang M, Rüger L, Irnich D. Hypnotic relaxation results in elevated thresholds of sensory detection but not of pain detection. BMC Complement Altern Med. 2014;14:496.
  • 29
    Kong X, Gozani SN. Effectiveness of fixed-site highfrequency transcutaneous electrical nerve stimulation in chronic low back pain: a large-scale, observational study. J Pain Res. 2018;11:703-14.
  • 30
    Ebadi S, Ansari NN, Ahadi T, Fallah E, Forogh B. No immediate analgesic effect of diadynamic current in patients with nonspeci fi c low back pain in comparison to TENS. J Bodyw Mov Ther. 2018;22(3):693-9.
  • 31
    Puentedura EJ, Flynn T. Combining manual therapy with pain neuroscience education in the treatment of chronic low back pain: a narrative review of the literature. Physiother Theory Pract. 2016;32(5):408-14.
  • 32
    Saper RB, Lemaster C, Delitto A, Sherman KJ, Herman PM, Sadikova E, et al. Yoga, physical therapy, or education for chronic low back pain. A randomized noninferiority trial. Ann Intern Med. 2019;167(2):85-94.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2020
  • Aceito
    04 Jan 2021
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br