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Conhecimento e uso das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde por pacientes com dor orofacial

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

A utilização de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no tratamento da dor tem aumentado, sobretudo em função da natureza biopsicossocial da dor. O objetivo foi avaliar o conhecimento e uso das PICS em pacientes com dor orofacial e conhecer o perfil sociodemográfico dos pacientes que utilizam essas terapias.

MÉTODOS

Estudo do tipo transversal, com pacientes atendidos de agosto de 2018 a julho de 2019 nas clínicas de dor orofacial. A coleta de dados foi feita por meio de um questionário sobre conhecimento, uso e interesse a respeito das PICS.

RESULTADOS

Dos 66 pacientes, 56 (84,8%) eram mulheres. Desses, 97% conheciam as práticas integrativas, sendo a acupuntura a mais conhecida (89,6%). Ademais, 59% dos participantes fizeram uso de alguma terapia para dor orofacial, sendo a fitoterapia a mais utilizada (28,8%), e 97% tinham interesse em conhecer e utilizar as práticas.

CONCLUSÃO

Pacientes com dor orofacial conhecem e utilizam as PICS para alívio da dor e promoção do bem-estar. Há grande interesse pelas práticas, fato que estimula a inclusão no tratamento complementar da dor orofacial.

Descritores:
Dor crônica; Dor facial; Odontologia; Terapias complementares.

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES

Use of Integrative and Complementary Health Practices (ICHP) in pain management has increased, mainly due to the biopsychosocial nature of pain. The objective of this work is to evaluate the knowledge and use of ICHP in patients with orofacial pain and describe the sociodemographic profile of patients that use these therapies.

METHODS

This is a cross-sectional study and data collection was performed through a questionnaire about knowledge, use and interest in ICHP in a sample of patients with orofacial pain. Adult patients of both sexes under treatment from August 2018 to July 2019 at orofacial pain specialized services were included.

RESULTS

Fifty-six patients (84.8%) were female and among those 97% had previous knowledge of complementary practices, with acupuncture being the most known (89.6%). In addition, 59% of participants used therapies for orofacial pain, mainly phytotherapy (28.8%). Ninety-seven percent showed interest in knowledge and use of complementary therapies. Among users, the majority was female.

CONCLUSION

The patients know and use ICHP to relieve orofacial pain and show great interest in the field which justifies inclusion of complementary practices for management of orofacial pain.

Keywords:
Chronic pain; Complementary therapies; Dentistry; Facial pain.

INTRODUÇÃO

A dor crônica (DC) é um problema de saúde pública devido aos altos custos associados ao tratamento, às incapacidades físicas e emocionais geradas e ao absenteísmo11 Turner JA, Franklin G, Fulton-Kehoe D, Egan K, Wickizer TM, Lymp JF, et al. Prediction of chronic disability in work-related musculoskeletal disorders: a prospective, population-based study. BMC Musculoskelet Disord. 2004;5:14.. Estudos epidemiológicos relatam que 33 a 50% da população mundial sofre de DC22 Gureje O, Von Korff M, Simon GE, Gater R. Persistent pain and well-being: a World Health Organization Study in Primary Care. JAMA. 1998;280(2):147-51.,33 Fayaz A, Croft P, Langford RM, Donaldson LJ, Jones GT. Prevalence of chronic pain in the UK: a systematic review and meta-analysis of population studies. BMJ Open. 2016;20;6(6):e010364.. Dentre os diversos tipos de DC, a dor orofacial (DOF), definida como toda dor associada a tecidos moles e mineralizados da cabeça, face e pescoço, acomete 12 a 22% da população mundial e gera grande desconforto e sofrimento33 Fayaz A, Croft P, Langford RM, Donaldson LJ, Jones GT. Prevalence of chronic pain in the UK: a systematic review and meta-analysis of population studies. BMJ Open. 2016;20;6(6):e010364..

O tratamento preconizado para a DOF, assim como para as DCs, em geral, visa a redução da dor e a recuperação da função. Para isso, deve-se considerar não somente o diagnóstico puramente biológico, mas também a ampla gama de fatores psicológicos, sociais e contextuais de cada indivíduo44 Magalhães BG, de Sousa ST, de Mello VV, da-Silva Barbosa AC, de-Assis-Morais MP, Barbosa-Vasconcelos MM, et al. Risk factors for temporomandibular disorder: binary logistic regression analysis. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2014;19(3):e232-6.,55 Edwards RR, Dworkin RH, Sullivan MD, Turk DC, Wasan AD. The role of psychosocial processes in the development and maintenance of chronic pain. J Pain. 2016;17(9 Suppl):T70-92.. Considerando, portanto, a natureza biopsicossocial da DC, a utilização das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) torna-se bastante relevante no manejo clínico da dor e promove o vínculo terapêutico entre profissional de saúde e paciente, gerando resultados mais efetivos66 Silva LB, Lima IC, Bastos RA. Terapias complementares e integrativas: conhecimento e utilizações pelos docentes do curso de enfermagem de uma instituição pública. Rev Saúde Col UEFS. 2015;5(1):40-5.. Apesar da necessidade de mais estudos aprofundados sobre os mecanismos, efeitos adversos e a eficácia de algumas PICS, diversos benefícios já foram relatados no alívio de sintomas de doenças e DCs, dentre eles a DOF, sobretudo quando o tratamento convencional não apresenta resultados satisfatórios77 Li X, Wang R, Xing X, Shi X, Tian J, Zhang J, et al. Acupuncture for myofascial pain syndrome: a network meta-analysis of 33 randomized controlled trials. Pain Physician. 2017;20(6):E883-E902.

8 Chen J, Huang J, Li JV, Lv Y, He Y, Zheng Q. The characteristics of TCM clinical trials: a systematic review of clinicaltrials.gov. Evid Based Complement Alternat Med. 2017;2017:9461415.
-99 Zotelli VL, Grillo CM, Gil ML, Wada RS, Sato JE, da Luz Rosário de Sousa M. Acupuncture effect on pain, mouth opening limitation and on the energy meridians in patients with temporomandibular dysfunction: a randomized controlled trial. J Acupunct Meridian Stud. 2017;10(5):351-9..

Em 2006, o Ministério da Saúde aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que objetiva colaborar para que o paciente tenha atenção humanizada e integral, proporcionando atendimento multiprofissional na atenção à saúde1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Portaria 971 - Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde; Diário Oficial da União. 2006.. Desde então, o interesse e conhecimento por parte dos profissionais da saúde e dos pacientes com relação às PICS têm aumentado no Brasil, principalmente em função de estudos científicos que demonstram seus benefícios77 Li X, Wang R, Xing X, Shi X, Tian J, Zhang J, et al. Acupuncture for myofascial pain syndrome: a network meta-analysis of 33 randomized controlled trials. Pain Physician. 2017;20(6):E883-E902.,88 Chen J, Huang J, Li JV, Lv Y, He Y, Zheng Q. The characteristics of TCM clinical trials: a systematic review of clinicaltrials.gov. Evid Based Complement Alternat Med. 2017;2017:9461415.,1111 Dhanani NM, Caruso TJ, Carinci AJ. Complementary and alternative medicine for pain: an evidence-based review. Curr Pain Headache Rep. 2011;15(1):39-46.,1212 Münstedt K, Harren H, von Georgi R, Hackethal A. Complementary and alternative medicine: comparison of current knowledge, attitudes and interest among German medical students and doctors. Evid Based Complement Alternat Med. 2011;2011:790951..

O uso das PICS por parte dos pacientes está relacionado ao conhecimento prévio, ao acesso e aos benefícios da combinação das PICS ao tratamento convencional1313 Armstrong AR, Thiébaut SP, Brown LJ, Nepal B. Australian adults use complementary and alternative medicine in the treatment of chronic illness: a national study. Aust N Z J Public Health. 2011;35(4):384-90.. Contudo, é relatado que o uso é mais difundido entre indivíduos com grande interesse em aumentar seus conhecimentos sobre as PICS, assim como em pacientes com condições crônicas de saúde, como a dor1414 Murthy V, Sibbritt D, Broom A, Kirby E, Frawley J, Refshauge KM, et al. Back pain sufferers' attitudes toward consultations with CAM practitioners and self- prescribed CAM products: a study of a nationally representative sample of 1310 Australian women aged 60-65 years. Complement Ther Med. 2015;23(6):782-8.,1515 Zhang Y, Leach MJ, Hall H, Sundberg T, Ward L, Sibbritt D, et al. Differences between male and female consumers of complementary and alternative medicine in a National US Population: a secondary analysis of 2012 NIHS Data. Evid Based Complement Alternat Med. 2015;2015:413173..

Diante do exposto, percebeu-se a importância de avaliar o conhecimento sobre as PICS por parte dos pacientes que sofrem de DOF para subsidiar tomadas de decisões e propostas terapêuticas de integração das PICS ao tratamento tradicional, o que pode contribuir para alívio da dor e melhor qualidade de vida. Isso se torna particularmente importante no contexto da DOF e da disfunção temporomandibular (DTM), uma vez que o tratamento multiprofissional é preconizado como fundamental para o manejo da sintomatologia dolorosa e do controle dos hábitos perpetuantes e fatores psicossociais associados a essas condições1616 Fernández-de-las-Penas C, Svensson P. Myofascial temporomandibular disorder. Curr Rheumatol Rev. 2016;12(1):40-54.,1717 Wu JY, Zhang C, Xu YP, Yu YY, Peng L, Leng WD, et al. Acupuncture therapy in the management of the clinical outcomes for temporomandibular disorders: a PRISMA-compliance meta-analysis. Medicine (Baltimore). 2017;96(9):e6064.. Ademais, o reconhecimento das PICS como modalidade terapêutica, tanto pelos que atuam na assistência à saúde quanto pela população em geral, permitirá sua aplicabilidade na prática clínica e o desenvolvimento de novos estudos, com repercussões claras para a ciência e para a comunidade atendida66 Silva LB, Lima IC, Bastos RA. Terapias complementares e integrativas: conhecimento e utilizações pelos docentes do curso de enfermagem de uma instituição pública. Rev Saúde Col UEFS. 2015;5(1):40-5..

O objetivo foi avaliar o conhecimento e uso das PICS em pacientes com DOF e conhecer o perfil sociodemográfico dos pacientes que utilizam essas terapias.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo descritivo, analítico e quantitativo, do tipo exploratório transversal. Amostra por conveniência, em que foram convidados para pesquisa todos os novos pacientes do Serviço de Dor Orofacial da Clínica de Dor do Hospital das Clínicas e da clínica da disciplina de Dor Orofacial da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Do total de 88 pacientes que compareceram nos serviços no período de coleta de dados, foram incluídos na pesquisa 66 (75%) que preencheram os critérios de elegibilidade a seguir: estar em tratamento em um dos serviços especializados descritos, possuir idade mínima de 18 anos e ser capaz de entender adequadamente as instruções durante a aplicação do questionário. O critério de exclusão foi a recusa em participar voluntariamente e/ou assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta de dados foi realizada mediante aplicação de um questionário adaptado1818 Gonçalo CS, Mialhe FL, Vilalba JP, Barros NF. O ensino das práticas alternativas e complementares na graduação em Odontologia. In: Barros NF, Siegel P, Otani MAP, editors. O ensino das práticas integrativas e complementares: experiências e percepções. 1a ed. São Paulo: Hucitec; 2011. 153-66p., com questões sobre aspectos sociodemográficos, características da dor e tratamentos realizados, além de perguntas sobre uso, conhecimento e interesse pelas PICS. O período de coleta de dados foi de agosto de 2018 a julho de 2019. Previamente ao início da coleta de dados, foi realizado um estudo piloto com 6 pacientes, correspondente a 10% da amostra, para treinamento dos pesquisadores para entrevista.

Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE 89495618.7.0000.5149).

Análise estatística

Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva. A associação dos aspectos sociodemográficos e clínicos com o uso das PICS foi avaliada por meio do teste Qui-quadrado, nível de significância de 5%. Uso do Software IBM® SPSS® Statistics 23.0.

RESULTADOS

A maioria era do sexo feminino (56; 84,8%), com 9 ou mais anos de estudo (52; 78,8%), religião declarada (55; 83,3%), residência em Belo Horizonte (44, 66,7%) e com renda familiar de 1 a 4,9 salários mínimos (48, 72,7%). Quanto ao estado civil, 30 pacientes (45,4%) eram solteiros e 30 (45,4%) eram casados, sendo o restante (6; 9,1%) viúvo, divorciado ou em união estável. A média de idade dos participantes foi de 42±17 anos.

Vinte e sete (40,9%) pacientes apresentavam DOF como único local de dor, sendo a face e a articulação temporomandibular (ATM) as regiões mais citadas. A duração da dor foi de 68,4±80,4 meses e, para o alívio dos sintomas, 17 (25,8%) pacientes relataram utilizar fármacos, 12 (18,2%) terapias não farmacológicas e 28 (42,4%) a associação de fármacos e tratamentos não farmacológicos. Dos 66 (100%) participantes, 40 (60,6%) relataram utilizar terapias não farmacológicas, sendo a fisioterapia (13,6%), as PICS (10,6%) e atividades físicas (9,1%) as mais relatadas. Apenas 9 (13,6%) participantes não utilizaram tratamentos para alívio da dor.

No que diz respeito ao conhecimento, uso e interesse em relação às PICS, 64 (97%) pacientes relataram que tinham conhecimento prévio, 39 (59%) faziam uso e 64 (97%) gostariam de ter acesso às PICS (Tabela 1). A acupuntura foi a prática mais conhecida (89,4%), a fitoterapia a mais usada (n=19; 28,8%). O maior interesse dos pacientes também foi pela acupuntura (74,2%).

Tabela 1
Conhecimento, uso e interesse referente às PICS pelos pacientes atendidos nos serviços de dor orofacial

As fontes de conhecimento sobre PICS mais citadas pelos participantes foram amigos (40,6%), jornal/televisão/rádio (34,4%) e família (34,4%). A tabela 2 detalha as motivações para utilização das PICS pelos 39 (100%) pacientes que relataram fazer uso delas e o alívio da dor foi o motivo mais citado (n=14; 35,9%).

Tabela 2
Motivações pelos quais os pacientes atendidos nos serviços de dor orofacial utilizam as PICS

Na tabela 3 estão apresentadas as justificativas relatadas pelos 64 (97%) participantes que gostariam que as PICS fossem ofertadas nos serviços públicos de saúde.

Tabela 3
Justificativas dos pacientes atendidos nos serviços de dor orofacial para o oferecimento de PICS para tratamento da dor

Ao avaliar as características sociodemográficas entre os pacientes que relataram usar PICS, a maioria era do sexo feminino, com diferença estatisticamente significativa (p=0,012). A maioria dos pacientes que usaram as PICS possuíam mais de 8 anos de estudo, não tinham religião declarada, eram solteiros/viúvos/divorciados, residiam na capital e possuíam renda maior do que 2 salários mínimos. Contudo, não foi observada diferença estatisticamente significativa entre essas variáveis (p>0,05).

DISCUSSÃO

Esta pesquisa evidenciou a alta prevalência de conhecimento e uso das PICS pelos pacientes com DOF, demonstrando a relevância da integração das PICS ao tratamento tradicional da dor na Odontologia e a necessidade de estudos futuros nessa área. Destaca-se também o interesse dos pacientes pela oferta das PICS nos serviços públicos de saúde, especialmente devido à maior facilidade de acesso e à melhora na qualidade de vida, condições relevantes no contexto da satisfação do usuário e do conceito ampliado de saúde.

Quanto ao perfil sociodemográfico, a amostra estudada coincide com o perfil de indivíduos com DOF a nível mundial. Mulheres jovens são mais acometidas por DOF, sobretudo DTM66 Silva LB, Lima IC, Bastos RA. Terapias complementares e integrativas: conhecimento e utilizações pelos docentes do curso de enfermagem de uma instituição pública. Rev Saúde Col UEFS. 2015;5(1):40-5.,1919 Poveda Roda R, Bagan JV, Días Fernández JM, Hernández Bazán S, Jiménez Soriano Y. Review of temporomandibular joint pathology. Part I: classification, epidemiology and risk factors. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2007;12(4):E292-8.,2020 Tosato JP, Caria PHF. Prevalência de DTM em diferentes faixas etárias. RGO. 2006;54(3):211-24., possivelmente devido à ação do hormônio estrógeno1919 Poveda Roda R, Bagan JV, Días Fernández JM, Hernández Bazán S, Jiménez Soriano Y. Review of temporomandibular joint pathology. Part I: classification, epidemiology and risk factors. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2007;12(4):E292-8.,2020 Tosato JP, Caria PHF. Prevalência de DTM em diferentes faixas etárias. RGO. 2006;54(3):211-24.. Além disso, as mulheres têm maior probabilidade de buscar tratamentos preventivos e complementares para DOF1515 Zhang Y, Leach MJ, Hall H, Sundberg T, Ward L, Sibbritt D, et al. Differences between male and female consumers of complementary and alternative medicine in a National US Population: a secondary analysis of 2012 NIHS Data. Evid Based Complement Alternat Med. 2015;2015:413173..

Observou-se que a maioria dos pacientes com DOF utiliza a PICS concomitantes ao tratamento farmacológico, com o objetivo de aprimorar o alívio da dor, promover bem-estar físico e emocional e diminuir ansiedade e estresse. Esses dados reforçam que pacientes com DOF, em geral, parecem não estar satisfeitos com o atendimento baseado no modelo biomédico e procuram outros métodos de tratamento22 Gureje O, Von Korff M, Simon GE, Gater R. Persistent pain and well-being: a World Health Organization Study in Primary Care. JAMA. 1998;280(2):147-51.. Tendo em vista a importância da compreensão do perfil multifatorial e do modelo biopsicossocial da DC, há necessidade da interação multiprofissional no diagnóstico e tratamento da dor com o objetivo de proporcionar um atendimento integral aos pacientes2222 Donnarumma MDC, Muzilli CA, Ferreira C, Nemr K. Disfunções temporomandibulares: sinais, sintomas e abordagem multidisciplinar. Rev CEFAC. 2010;12(5):788-94.

23 Venancio RA, Camparis CM. Estudo da relação entre fatores psicossociais e desordens temporomandibulares. Rev Bras Odontol. 2002;59(3):152-4.
-2424 Oliveira NCM, Machado NA de G, Siqueira AFC, Simamoto-Junior PC, Silva MR, Fernandes-Neto AJ. Programa de acolhimento, tratamento e controle de pacientes com disfunção temporomandibular e dor orofacial: experiência de seis anos. Revista Em Extensão. 2012;11(1):36-43.. Dentro dessa perspectiva, o uso de terapias não farmacológicas, dentre elas as PICS, em associação aos métodos tradicionais de tratamento, contribui para a abordagem biopsicossocial da dor, permite tratamento personalizado e holístico ao paciente, além de promover vínculo terapêutico entre profissional e paciente, com claras repercussões no alívio da dor e na melhoria da qualidade de vida2525 Dacal MPO, Silva IS. Impactos das práticas integrativas e complementares na saúde de pacientes crônicos. Saúde Debate. 2018;42(118):724-35.. Ainda, a adoção de terapêuticas complementares favorece a diminuição do uso de fármacos e a prevenção de agravos à saúde2626 Mendes DS, Moraes FS, Lima GO, Silva PR, Cunha TA, Crossetti MGO, et al. Benefícios das Práticas Integrativas e Complementares no cuidado de enfermagem. J Health NPEPS. 2019;4(1):302-18..

Nesse sentido, estudos relatam que o uso das PICS está associado principalmente ao acesso, conhecimento prévio e benefícios resultantes da sua associação com o tratamento convencional1313 Armstrong AR, Thiébaut SP, Brown LJ, Nepal B. Australian adults use complementary and alternative medicine in the treatment of chronic illness: a national study. Aust N Z J Public Health. 2011;35(4):384-90.,1515 Zhang Y, Leach MJ, Hall H, Sundberg T, Ward L, Sibbritt D, et al. Differences between male and female consumers of complementary and alternative medicine in a National US Population: a secondary analysis of 2012 NIHS Data. Evid Based Complement Alternat Med. 2015;2015:413173.. Ademais, indivíduos com dores crônicas buscam conhecer e utilizar tratamentos complementares para melhorar a sua condição de saúde1414 Murthy V, Sibbritt D, Broom A, Kirby E, Frawley J, Refshauge KM, et al. Back pain sufferers' attitudes toward consultations with CAM practitioners and self- prescribed CAM products: a study of a nationally representative sample of 1310 Australian women aged 60-65 years. Complement Ther Med. 2015;23(6):782-8.. Dentro desse contexto, os resultados desta pesquisa revelam que os participantes possuem conhecimento prévio e interesse, mas a utilização foi limitada provavelmente pela dificuldade de acesso às PICS, seja no sistema público de saúde, seja no privado.

O uso das PICS está prioritariamente relacionado ao alívio da dor nos pacientes com DOF, como acontece em outras condições de DC22 Gureje O, Von Korff M, Simon GE, Gater R. Persistent pain and well-being: a World Health Organization Study in Primary Care. JAMA. 1998;280(2):147-51.,55 Edwards RR, Dworkin RH, Sullivan MD, Turk DC, Wasan AD. The role of psychosocial processes in the development and maintenance of chronic pain. J Pain. 2016;17(9 Suppl):T70-92.. No entanto, também há como motivação a promoção do bem-estar e o controle de ansiedade e estresse, o que repercute positivamente na qualidade de vida2525 Dacal MPO, Silva IS. Impactos das práticas integrativas e complementares na saúde de pacientes crônicos. Saúde Debate. 2018;42(118):724-35.. De maneira semelhante, o interesse pela oferta das PICS ocorre, principalmente, em função dos potenciais benefícios à saúde e da possibilidade de acesso pela população em geral, o que pode trazer inúmeros benefícios à saúde e à qualidade de vida2727 Otani MAP, Barros NF. A medicina Integrativa e a construção de um novo modelo de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(3):1801-11.,2828 Cazarin G, Martins JG, de Sousa MM, Barcellos APM. Monitoramento das Práticas Integrativas e Complementares em Minas Gerais: a utilização de um instrumento de apoio aos sistemas de informação. J Manag Prim Health Care. 2017;8(2):278-89..

Além disso, foi possível observar nos pacientes que fazem uso das PICS um maior nível de escolaridade, reforçando que o acesso ao conhecimento sobre as terapias complementares e seus benefícios é importante para sua utilização1515 Zhang Y, Leach MJ, Hall H, Sundberg T, Ward L, Sibbritt D, et al. Differences between male and female consumers of complementary and alternative medicine in a National US Population: a secondary analysis of 2012 NIHS Data. Evid Based Complement Alternat Med. 2015;2015:413173.. Dentro dessa perspectiva, fica clara a relevância da disseminação do conhecimento na área para a população em geral e, em especial, para as classes de nível socioeconômico mais baixo.

Pesquisas demonstram que o interesse pelo conhecimento e uso das PICS por pacientes e profissionais da saúde tem aumentado consideravelmente, sobretudo em função da promoção do bem-estar físico, emocional e social dos indivíduos1111 Dhanani NM, Caruso TJ, Carinci AJ. Complementary and alternative medicine for pain: an evidence-based review. Curr Pain Headache Rep. 2011;15(1):39-46.,1212 Münstedt K, Harren H, von Georgi R, Hackethal A. Complementary and alternative medicine: comparison of current knowledge, attitudes and interest among German medical students and doctors. Evid Based Complement Alternat Med. 2011;2011:790951.. Contudo, o ensino sobre a aplicabilidade das PICS em cursos de graduação das faculdades e universidades brasileiras e os trabalhos científicos na área é escasso, o que impede a propagação desse conhecimento e a geração de evidências científicas, limitando a difusão e a utilização por equipes de saúde e pacientes66 Silva LB, Lima IC, Bastos RA. Terapias complementares e integrativas: conhecimento e utilizações pelos docentes do curso de enfermagem de uma instituição pública. Rev Saúde Col UEFS. 2015;5(1):40-5.. Por fim, este estudo deixa claro o potencial de utilização das PICS por parte dos pacientes com DOF, o que apresenta particular importância no ensino de graduação em Odontologia, nas políticas públicas de saúde bucal e no manejo da DC na área odontológica.

Com relação às limitações deste estudo, houve dificuldade por parte dos pacientes em reconhecer algumas PICS apenas pelos nomes apresentados e para facilitar o processo, imagens, símbolos e conceitos foram apresentados pelo entrevistador. Há necessidade de validação do instrumento proposto. Dentre os pacientes que não utilizam PICS, a ausência de descrição dos motivos para a não utilização impede inferências sobre suas reais motivações. Ainda, trata-se de amostra de conveniência e estudos com amostragem representativa e com pacientes com outros tipos de DC contribuirão para os avanços científicos na área.

CONCLUSÃO

Pacientes com DOF conhecem e utilizam as PICS para alívio da dor e promoção do bem-estar. Há grande interesse pelas práticas, fato que estimula a inclusão das PICS no tratamento complementar da DOF.

  • Fontes de fomento - não há.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Gustavo Rodrigues Costa Lages e ao Dr. Roberto Brígido de Nazareth Pedras pelo acesso aos pacientes do Serviço de Dor Orofacial da Clínica da Dor do HC/UFMG e à FAO/UFMG pelo acesso aos pacientes da clínica da disciplina Dor Orofacial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2020
  • Aceito
    17 Dez 2020
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