Acessibilidade / Reportar erro

Injeção intramuscular de lidocaína e plasticidade cortical

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A manipulação da atividade neuronal periférica pode alterar a excitabilidade do córtex motor primário; entretanto, não se sabe se esse fenômeno ocorre após a injeção intramuscular de lidocaína. Investigaram-se alterações eletrofisiológicas através de estimulação magnética transcraniana após injeção de lidocaína (0,5mL, 2%) no músculo primeiro interósseo dorsal da mão dominante de indivíduos saudáveis.

MÉTODOS:

Estudo paralelo, exploratório, duplo-cego, realizado em laboratório. Vinte e oito voluntários saudáveis (idade média: 29,6 anos, 15 mulheres). Foram avaliados através de estimulação magnética transcraniana no limiar motor de repouso, potencial evocado motor, facilitação intracortical e inibição intracortical. A injeção de lidocaína (grupo LID) foi comparada com agulhamento a seco (grupo DRY), injeção de solução salina (grupo SAL) e nenhuma intervenção (grupo CTL). Os participantes foram distribuídos randomicamente em cada grupo. Força muscular e medidas de excitabilidade periférica (reobase e cronaxia) foram também estudadas. As avaliações ocorreram em quatro momentos: imediatamente antes e após a intervenção e 30 e 60 minutos após a intervenção.

RESULTADOS:

Foi utilizado modelo linear generalizado para identificar as diferenças entre os grupos LID, DRY, SAL e CTL. Os resultados mostraram que o potencial evocado motor foi modificado no grupo LID (p<0,005).

CONCLUSÃO:

Em indivíduos saudáveis, a injeção de lidocaína intramuscular pode alterar o potencial evocado motor.

Descritores:
Anestesia; Anestesia local; Dor; Estimulação magnética transcraniana

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The manipulation of peripheral neuronal activity can alter the excitability of the primary motor cortex; however, it is not known whether this occurs after intramuscular injections of lidocaine. Therefore, the investigation focused on neurophysiological changes, assessed with transcranial magnetic stimulation, after lidocaine (0.5mL, 2%) injection in the first dorsal interosseous muscle of the dominant hand of healthy individuals.

METHODS:

Exploratory, double-blind, parallel laboratory study. Twenty-eight healthy subjects (mean age: 29.6 years, 15 women). Measurements with transcranial magnetic stimulation included resting motor threshold, motor evoked potential, intracortical facilitation, and short intracortical inhibition. Lidocaine injection (LID group) was compared to dry needling (DRY group), saline injection (SAL group), and no intervention (CTL group). Participants were randomly placed in each group. Muscle strength and measures of peripheral excitability (rheobase and chronaxie) were also evaluated to detect whether the interventions generated changes in the peripheral neuromuscular excitability. Evaluations were performed over four time points: immediately before and after intervention and 30 and 60 minutes after intervention.

RESULTS:

A generalized linear model was used to identify differences between the LID, DRY, and SAL groups and the CTL group. The results showed that motor evoked potentials were modified in the LID group (p<0.005).

CONCLUSION:

The injection of lidocaine into the first dorsal interosseous muscle in the dominant hand of healthy adults alters motor evoked potentials.

Keywords:
Anesthesia; Local anesthesia; Pain; Transcranial magnetic stimulation.

INTRODUÇÃO

Embora consistentemente demonstrado após lesões neurais11 Badawy RAB, Loetscher T, Macdonell RAL, Brodtmann A. Cortical excitability and neurology: insights into the pathophysiology. Funct Neurol. 2013;27(3):131-45., há evidências adicionais de que os distúrbios musculoesqueléticos, especialmente nos membros superiores, são acompanhados por estados neurofisiológicos aberrantes dentro do córtex cerebral22 Fernández-de-las-Peñas C, Galán-del-Río F, Fernández-Carnero J, Pesquera J, Arendt-Nielsen L, Svensson P. Bilateral widespread mechanical pain sensitivity in women with myofascial temporomandibular disorder: evidence of impairment in central nociceptive processing. J Pain. 2009;10(11):1170-8.. Não está claro se esta condição alterada pode retornar ao normal em resposta a intervenções que visam a dor muculoesquelética33 Caumo W, Deitos A, Carvalho S, Leite J, Carvalho F, Dussán-Sarria JA, et al. Motor cortex excitability and BDNF levels in chronic musculoskeletal pain according to structural pathology. Front Hum Neurosci. 2016;10:357. e diminuem as entradas anormais no sistema nervoso central (SNC). No entanto, essas intervenções também mudam as entradas para o SNC por meio da promoção da anestesia e do aumento da receptividade local para controlar a dor. Terapias invasivas como o agulhamento a seco e injeção de anestésicos locais em pontos-gatilho e bandas de tensão nos músculos de indivíduos com dor miofascial são amplamente utilizadas44 Choi YH, Jung SJ, Lee CH, Lee SU. Additional effects of transcranial direct-current stimulation and trigger-point injection for treatment of myofascial pain syndrome: a pilot study with randomized, single-blinded trial. J Altern Complement Med N Y N. 2014;20(9):698-704. para o tratamento de distúrbios musculoesqueléticos e neurológicos55 Schwenkreis P, Scherens A, Rönnau A-K, Höffken O, Tegenthoff M, Maier C. Cortical disinhibition occurs in chronic neuropathic, but not in chronic nociceptive pain. BMC Neurosci. 2010;11:73.. É possível que estes procedimentos possam atuar através da reversão ou prevenção de alterações mal adaptadas no cérebro, como a sensibilização central66 Nitsche MA, Monte-Silva K, Kuo MF, Paulus W. Dopaminergic impact on cortical excitability in humans. Rev Neurosci. 2010;21(4):289-98., embora existam poucos estudos sobre os mecanismos reais destas terapias77 Nystrom NA, Freeman MD. Central sensitization is modulated following trigger point anesthetization in patients with chronic pain from whiplash trauma. a double-blind, placebo-controlled, crossover study. Pain Med. 2018;19(1):124-9..

Estudos anteriores em humanos saudáveis usaram bloqueios nervosos anestésicos88 Murphy B, Taylor HH, Wilson S, Knight J, Mathers K, Schug S. Changes in median nerve somatosensory transmission and motor output following transient deafferentation of the radial nerve in humans. Clin Neurophysiol. 2003;114(8):1477-88.,99 Weiss T, Miltner WHR, Liepert J, Meissner W, Taub E. Rapid functional plasticity in the primary somatomotor cortex and perceptual changes after nerve block. Eur J Neurosci. 2004;20(12):3413-23., anestesia cutânea1010 Sehle A, Büsching I, Vogt E, Liepert J. Temporary deafferentation evoked by cutaneous anesthesia: behavioral and electrophysiological findings in healthy subjects. J Neural Transm (Vienna). 2016;123(5):473-80.,1111 Cohen LG, Brasil-Neto JP, Pascual-Leone A, Hallett M. Plasticity of cortical motor output organization following deafferentation, cerebral lesions, and skill acquisition. Adv Neurol. 1993;63:187-200. ou bloqueios nervosos isquêmicos1212 Chen R, Tam A, Bütefisch C, Corwell B, Ziemann U, Rothwell JC, et al. Intracortical inhibition and facilitation in different representations of the human motor cortex. J Neurophysiol. 1998;80(6):2870-81.,1313 Ziemann U, Hallett M, Cohen LG. Mechanisms of deafferentation-induced plasticity in human motor cortex. J Neurosci. 1998;18(17):7000-7. do membro superior para investigar mudanças na excitabilidade do córtex motor primário (M1). Isto é de especial interesse, pois as mudanças na excitabilidade do M1 acontecem em paralelo com o córtex somatossensorial primário (S1), ativado durante manipulações periféricas sensoriais1414 Schabrun SM, Ridding MC, Galea MP, Hodges PW, Chipchase LS. Primary sensory and motor cortex excitability are co-modulated in response to peripheral electrical nerve stimulation. PloS One. 2012;7(12):e51298.. Após a redução da entrada sensorial no SNC a partir de uma região específica do corpo, as regiões adjacentes cujo suprimento sensorial está funcionando normalmente geram respostas evocadas em grande medida no S1. Assim, as áreas correspondentes de desaferentação parecem ser reorganizadas direcionadas por expansões colaterais1515 Merzenich MM, Nelson RJ, Stryker MP, Cynader MS, Schoppmann A, Zook JM. Somatosensory cortical map changes following digit amputation in adult monkeys. J Comp Neurol. 1984;224(4):591-605. devido à desinibição ou mudanças na eficácia sináptica das conexões córtico corticais. Propõe-se que estas desinibições de projeções neuronais anteriormente silenciosas sejam mediadas por vias GABAérgicas e dopaminérgicas1313 Ziemann U, Hallett M, Cohen LG. Mechanisms of deafferentation-induced plasticity in human motor cortex. J Neurosci. 1998;18(17):7000-7.,1414 Schabrun SM, Ridding MC, Galea MP, Hodges PW, Chipchase LS. Primary sensory and motor cortex excitability are co-modulated in response to peripheral electrical nerve stimulation. PloS One. 2012;7(12):e51298.. Consistentemente, a excitabilidade aumenta nos músculos proximais ao bloqueio nervoso e diminui na área anestesiada, sugerindo a ocorrência de fenômenos não periféricos associados a intervenções periféricas1515 Merzenich MM, Nelson RJ, Stryker MP, Cynader MS, Schoppmann A, Zook JM. Somatosensory cortical map changes following digit amputation in adult monkeys. J Comp Neurol. 1984;224(4):591-605.,1616 Kothari M, Baad-Hansen L, Svensson P. Bilateral sensory deprivation of trigeminal afferent fibers on corticomotor control of human tongue musculature: a preliminary study. J Oral Rehabil. 2016;43(9):656-61..

Embora haja muitos dados sobre as consequências centrais da privação anestésica de entradas sensoriais para o SNC, o efeito da privação sensorial usando a injeção anestésica intramuscular local nas vias córtico motoras ainda não foi descrito. Esta intervenção é de grande utilidade para o tratamento da dor muscular e miofascial; portanto, é importante compreender os mecanismos dos bloqueios anestésicos musculares sobre a excitabilidade/plasticidade do M1.

Assim, o objetivo deste estudo preliminar foi avaliar se a injeção de lidocaína no músculo primeiro interósseo dorsal (PID) de indivíduos saudáveis pode afetar as funções da via córtico motora avaliadas pela estimulação magnética transcraniana (EMT) de pulso único e de pulso pareado.

MÉTODOS

Trinta e dois voluntários saudáveis foram incluídos no estudo e recrutados na população local. Outros critérios de inclusão foram adultos, com idade entre 18 e 60 anos, que desejavam participar do estudo a partir do contato pessoal e sem contraindicações para realizar EMT (presença de metais no crânio ou dispositivos implantados, histórico de epilepsia, gravidez) ou uso de fármacos recreativos e psicotrópicos, anticonvulsivos, antidepressivos ou antipsicóticos. Os participantes que não foram capazes de compreender o conteúdo das ferramentas de avaliação utilizadas, com histórico de doenças com possíveis fatores de confusão, fibromialgia e outras dores crônicas, com histórico de alergias ou falta de sensibilidade a anestésicos locais, coagulopatias e uso de anticoagulantes, ou infecção no local da injeção foram excluídos. Os participantes que não tinham dados eletrofisiológicos suficientes para análise após a coleta de dados, com perdas de mais de 25% dos dados foram excluídos.

Procedimento experimental

Este estudo randomizado, paralelo e controlado por placebo foi realizado no Laboratório de Eletroestimulação Funcional da Universidade Federal da Bahia. Os indivíduos foram avaliados com EMT em quatro momentos: antes do tratamento (linha de base), imediatamente após o tratamento e 30 min e 60 min após o tratamento. O tratamento atribuído a cada indivíduo foi determinado a partir de uma randomização prévia e mantido em envelopes selados. Os participantes saudáveis receberam uma injeção de lidocaína (0,5mL, 2%) no PID da mão dominante (grupo LID) para explorar as mudanças na excitabilidade córtico motora e córticocortical deste músculo e músculos adjacentes. Três outros grupos de voluntários saudáveis também foram formados: injeção salina (0,5mL, 0,9%) (grupo SAL), agulhamento a seco (grupo DRY), e nenhuma intervenção (grupo CTL). Os procedimentos de injeção foram realizados por um anestesiologista experiente usando técnicas estéreis e agulha de 29G (12,7mm). Os investigadores que realizaram as tarefas comportamentais e a avaliação da EMT foram cegos para a alocação do tratamento.

Medições eletrofisiológicas

A excitabilidade do M1 foi avaliada usando a EMT (BIStim, Magstim, Reino Unido). Após a limpeza da pele com álcool e uma solução abrasiva (NUPREP, Weaver and company, EUA), eletrodos autoadesivos de eletromiografia (EMG) Ag/AgCl (Miotec, Brasil) foram posicionados sobre o músculo PID da mão dominante. Os participantes foram sentados confortavelmente em uma cadeira e mantidos acordados durante todo o protocolo de avaliação. Um boné de poliéster pré-marcado com uma grade de 1x1cm orientada no plano cartesiano foi colocado na cabeça do participante e serviu como referência para a EMT. A EMT foi aplicada por meio de uma bobina em figura de oito (diâmetro 70mm). Pulsos monofásicos randomizados e pareados foram administrados a cada 6 segundos, enquanto a atividade EMG foi amplificada e convertida em um sinal digital (1401 e 1902, CED, Reino Unido) e monitorada em tempo real por meio do software Signal (CED, Reino Unido). O ponto quente foi identificado, e o limiar do motor de repouso (LMR) foi estimado como a menor intensidade de EMT capaz de gerar um potencial evocado motor (PEM) com uma amplitude de pico a pico de 50 µV usando a EMT o programa da Ferramenta de Avaliação do Limiar do Motor (www.clinicalresearcher.org). O PEM, a inibição intracortical curta (IICC) e a facilitação intracortical (FIC) foram estimados usando pulsos únicos a 120% do LMR para estimar o PEM e os pulsos pareados de 80% e 120% do LMR para estimar a IICC (intervalo de 2 ms) e a FIC (intervalo de 15 ms). Vinte pulsos aleatórios foram aplicados para cada medição, resultando em 60 pulsos para cada ponto de tempo de avaliação. Como as avaliações foram realizadas na linha de base, imediatamente após a intervenção e 30 e 60 minutos após a intervenção, cada participante recebeu 240 pulsos até o final do experimento. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade da Bahia (CAE 51500615.6.0000.5662) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Análise estatística

A estimativa do tamanho da amostra foi realizada considerando um tamanho de efeito de 30% para bloqueio anestésico no PEM, valor alfa de 5% (p<0,05), potência de 80%, quatro grupos (LID, SAL, DRY, CTL), quatro momentos de avaliação, correção entre medidas repetidas de 0,5, e correção para não esfericidade de 1 para análise de variância de medidas repetidas. Os dados contínuos foram apresentados como médias e desvio padrão e os dados categóricos foram representados por frequências absolutas e relativas. Modelos lineares mistos foram usados para identificar diferenças entre os grupos LID, DRY e SAL e o grupo CTL. As diferenças de médias para cada resultado em cada momento de avaliação foram comparadas entre os grupos. Valores de base para os resultados foram colocados no modelo como covariáveis. Quando necessário, comparações post-hoc foram feitas usando o ajuste Bonferroni para comparações múltiplas. Todos os dados foram analisados utilizando o IBM SPSS Software v.20 para Windows. O nível de significância foi de 5% (p≤0,05).

RESULTADOS

Dados de 28 participantes, idade média de 29,6 anos, 15 mulheres, foram coletados para análise do PEM, IICC e FIC. Os dados de quatro participantes, devido à perda de mais de 25% das medidas eletrofisiológicas, foram excluídos. Os valores de LMR variaram entre 40 e 60 (50 ± 10%) de saída máxima do estimulador magnético para o PID.

O comportamento do PEM, IICC e FIC para o PID foi avaliado nos quatro pontos de avaliação (Figuras 1, 2, e 3). Os testes t pareados confirmaram que não houve diferenças entre sessões na análise de IICC e FIC para PID entre os grupos. No grupo LID, houve variação intragrupo do PEM imediatamente após a injeção em relação aos 30 e 60 minutos seguintes. A injeção de lidocaína foi associada a uma diminuição significativa no valor do PEM a partir da linha de base imediatamente após o procedimento e 30 minutos após o procedimento (p<0,005). Na comparação entre os grupos, o grupo LID e o grupo DRY foram diferentes 30 minutos após cada intervenção (p<0,005). O grupo LID também foi diferente do grupo CTL imediatamente após a injeção e do grupo SAL ao final dos 60 minutos (p<0,05).

Figura 1
Amplitudes dos potenciais evocados motores no músculo primeiro interósseo dorsal na linha de base; imediatamente após a injeção de lidocaína, agulhamento a seco, injeção salina e nenhum procedimento (grupo de controle); e 30 min e 60 min após as intervenções

Figura 2
Amplitudes da facilitação intracortical no músculo primeiro interósseo dorsal na linha de base; imediatamente após a injeção de lidocaína, agulhamento a seco, injeção salina e nenhum procedimento (grupo de controle); e 30 min e 60 min após as intervenções

Figura 3
Amplitudes dos potenciais evocados motores na inibição intracortical curta na linha de base; imediatamente após a injeção de lidocaína, agulhamento a seco, injeção salina e nenhum procedimento (grupo de controle); e 30 min e 60 min após as intervenções

As curvas estímulo-resposta dos grupos LID e DRY mostram diminuição significativa na intensidade do estímulo desde a linha de base até as avaliações de 30 e 60 minutos (p<0,05).

As curvas estímulo-resposta dos grupos LID e DRY mostram uma diminuição significativa na intensidade do estímulo desde a linha de base até o acompanhamento de 30 e 60 minutos (p<0,05).

Os grupos LID e DRY demonstraram diminuição no valor do PEM imediatamente após a intervenção (com uma diminuição maior no grupo LID), com um aumento nos valores do PEM acima da linha de base em 30 min após a intervenção, para uma posterior diminuição no PEM, retornando a valores discretamente maiores do que os da linha de base (p<0,05).

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo investigar os efeitos da injeção de lidocaína sobre a excitabilidade do M1 de participantes saudáveis avaliados através da EMT. Para garantir que os possíveis efeitos não fossem relacionados à inserção da agulha ou volume anestésico, a injeção de lidocaína foi comparada a agulhamento a seco, injeção de solução fisiológica e nenhuma intervenção. Os resultados demonstraram que a injeção de lidocaína sobre os músculos PID e PEM no M1 contralateral não alterou a inibição intracortical ou a facilitação no M1. No entanto, as intervenções pareceram influenciar levemente na FIC e IICC, embora não estatisticamente significativa.

Estudos experimentais têm demonstrado consistentemente a existência de alterações na excitabilidade cortical após intervenções periféricas, com mudanças observadas na organização do M1 das representações musculares proximais a uma região anestesiada no membro superior99 Weiss T, Miltner WHR, Liepert J, Meissner W, Taub E. Rapid functional plasticity in the primary somatomotor cortex and perceptual changes after nerve block. Eur J Neurosci. 2004;20(12):3413-23.,1111 Cohen LG, Brasil-Neto JP, Pascual-Leone A, Hallett M. Plasticity of cortical motor output organization following deafferentation, cerebral lesions, and skill acquisition. Adv Neurol. 1993;63:187-200.,1717 Nordmark PF, Ljungberg C, Johansson RS. Structural changes in hand related cortical areas after median nerve injury and repair. Sci Rep. 2018;8(1):4485.

18 Maioli C, Falciati L, Marangon M, Perini S, Losio A. Short- and long-term modulation of upper limb motor-evoked potentials induced by acupuncture. Eur J Neurosci. 2006;23(7):1931-8.

19 Bjorkman A, Rosen B, Lundborg G. Acute improvement of hand sensibility after selective ipsilateral cutaneous forearm anaesthesia. Eur J Neurosci. 2004;20(10):2733-6.

20 Bradnam L, Shanahan EM, Hendy K, Reed A, Skipworth T, Visser A, et al. Afferent inhibition and cortical silent periods in shoulder primary motor cortex and effect of a suprascapular nerve block in people experiencing chronic shoulder pain. Clin Neurophysiol. 2016;127(1):769-78.
-2121 Badawy RAB, Loetscher T, Macdonell RAL, Brodtmann A. Cortical excitability and neurology: insights into the pathophysiology. Funct Neurol. 2012;27(3):131-45.. Este fenômeno parece estar associado à diminuição da inibição cortical e a um aumento reativo da excitabilidade cortical da representação daqueles músculos que não receberam intervenção. Também foi demonstrado que este aumento da excitabilidade pode estar associado à melhoria da função e discriminação tátil tanto da região proximal à área anestesiada quanto da região contralateral2222 Petoe MA, Jaque FAM, Byblow WD, Stinear CM. Cutaneous anesthesia of the forearm enhances sensorimotor function of the hand. J Neurophysiol. 2013;109(4):1091-6.. Alguns estudos sugerem que a presença de vias sensoriais funcionalmente silenciosas ou inibidas, que podem ser ativadas durante o período de desaferentação efetiva, é um possível mecanismo associado a tais mudanças1515 Merzenich MM, Nelson RJ, Stryker MP, Cynader MS, Schoppmann A, Zook JM. Somatosensory cortical map changes following digit amputation in adult monkeys. J Comp Neurol. 1984;224(4):591-605.,2323 Noda Y, Barr MS, Zomorrodi R, Cash RFH, Farzan F, Rajji TK, et al. Evaluation of short interval cortical inhibition and intracortical facilitation from the dorsolateral prefrontal cortex in patients with schizophrenia. Sci Rep. 2017;7(1):17106.. O efeito da anestesia tópica, bloqueios neurais e bloqueios isquêmicos dos membros superiores tem sido o tema de muitos estudos eletrofisiológicos. Entretanto, este é o primeiro estudo a avaliar o efeito da injeção intramuscular de anestesia por meio da EMT.

A pequena ocorrência de efeitos verificáveis pode ser atribuída a vários fatores. Primeiramente, a diminuição do impulso sensorial não é sempre capaz de causar alterações nos parâmetros eletrofisiológicos em indivíduos saudáveis1010 Sehle A, Büsching I, Vogt E, Liepert J. Temporary deafferentation evoked by cutaneous anesthesia: behavioral and electrophysiological findings in healthy subjects. J Neural Transm (Vienna). 2016;123(5):473-80.,1616 Kothari M, Baad-Hansen L, Svensson P. Bilateral sensory deprivation of trigeminal afferent fibers on corticomotor control of human tongue musculature: a preliminary study. J Oral Rehabil. 2016;43(9):656-61.,2424 Duque J, Vandermeeren Y, Lejeune TM, Thonnard J-L, Smith AM, Olivier E. Paradoxical effect of digital anaesthesia on force and corticospinal excitability. Neuroreport. 2005;16(3):259-62.. Muitos dos estudos anteriores envolveram pacientes diagnosticados com síndrome da dor regional complexa ou estado pós-derrame; como estas populações apresentam uma condição patológica, é possível que a manipulação anestésica periférica possa exercer um efeito diferente daqueles observados em voluntários saudáveis2121 Badawy RAB, Loetscher T, Macdonell RAL, Brodtmann A. Cortical excitability and neurology: insights into the pathophysiology. Funct Neurol. 2012;27(3):131-45.. Isto sugere que indivíduos com disfunção motora anterior e déficits sensoriais têm um potencial maior para responder a este tipo de intervenção.

Estudos prévios avaliaram intervenções que tiveram uma desaferentação completa99 Weiss T, Miltner WHR, Liepert J, Meissner W, Taub E. Rapid functional plasticity in the primary somatomotor cortex and perceptual changes after nerve block. Eur J Neurosci. 2004;20(12):3413-23.,2525 Brasil-Neto JP, Valls-Solé J, Pascual-Leone A, Cammarota A, Amassian VE, Cracco R, et al. Rapid modulation of human cortical motor outputs following ischaemic nerve block. Brain J Neurol. 1993;116( Pt 3):511-25.

26 Björkman A, Weibull A, Rosén B, Svensson J, Lundborg G. Rapid cortical reorganisation and improved sensitivity of the hand following cutaneous anaesthesia of the forearm. Eur J Neurosci. 2009;29(4):837-44.
-2727 Weiss T, Sens E, Teschner U, Meissner W, Preul C, Witte OW, et al. Deafferentation of the affected arm. Stroke. 2011;42(5):1363-70.. É possível que a magnitude dessas intervenções tenha sido um fator chave para causar fenômenos de reorganização rápida em conexões córtico corticais ou tálamocorticais latentes. Como a intervenção visou apenas um pequeno músculo, é razoável aceitar que não foi suficiente para induzir mudanças de excitabilidade do M1.

Este estudo apresentou algumas limitações em potencial. Intervenções dirigidas aos músculos também estimulam as fibras nervosas cutâneas, o que pode ser considerado um importante fator de confusão. Dessa maneira, alguns estudos tentaram realizar uma anestesia tópica na região para minimizar os efeitos cutâneos antes da intervenção no músculo, embora a subtração do estímulo cutâneo não tenha sempre um efeito diferente na intervenção2424 Duque J, Vandermeeren Y, Lejeune TM, Thonnard J-L, Smith AM, Olivier E. Paradoxical effect of digital anaesthesia on force and corticospinal excitability. Neuroreport. 2005;16(3):259-62.. A falta de ultrassonografia para orientar o procedimento e garantir a correta dispersão do volume anestésico no músculo também pode ser considerada como uma limitação2626 Björkman A, Weibull A, Rosén B, Svensson J, Lundborg G. Rapid cortical reorganisation and improved sensitivity of the hand following cutaneous anaesthesia of the forearm. Eur J Neurosci. 2009;29(4):837-44..

Embora já exista um número considerável de artigos publicados explorando os efeitos de intervenções usando anestésicos locais na excitabilidade cortical, o conhecimento sobre este assunto ainda está em desenvolvimento. A maior parte das pesquisas atuais envolve metodologias heterogêneas, o que torna os resultados difíceis de se comparar.

CONCLUSÃO

A injeção de lidocaína no PID altera o PEM, mas não altera a IICC e a FIC deste músculo em uma avaliação verificada pela EMT em indivíduos saudáveis.

  • Julie Azevedo Araújo Valente Análise Estatística, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Visualização
  • Janine Ribeiro Camatti Análise Estatística, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Software, Supervisão, Validação, Visualização
  • Maria José Ramalho Análise Estatística, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia
  • Iasmyn Fernandes Coleta de Dados, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Software, Validação
  • Fuad Ahmad Hazime Coleta de Dados, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Software, Validação
  • Abrahão Fontes Baptista Análise Estatística, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Software, Supervisão, Validação, Visualização

REFERENCES

  • 1
    Badawy RAB, Loetscher T, Macdonell RAL, Brodtmann A. Cortical excitability and neurology: insights into the pathophysiology. Funct Neurol. 2013;27(3):131-45.
  • 2
    Fernández-de-las-Peñas C, Galán-del-Río F, Fernández-Carnero J, Pesquera J, Arendt-Nielsen L, Svensson P. Bilateral widespread mechanical pain sensitivity in women with myofascial temporomandibular disorder: evidence of impairment in central nociceptive processing. J Pain. 2009;10(11):1170-8.
  • 3
    Caumo W, Deitos A, Carvalho S, Leite J, Carvalho F, Dussán-Sarria JA, et al. Motor cortex excitability and BDNF levels in chronic musculoskeletal pain according to structural pathology. Front Hum Neurosci. 2016;10:357.
  • 4
    Choi YH, Jung SJ, Lee CH, Lee SU. Additional effects of transcranial direct-current stimulation and trigger-point injection for treatment of myofascial pain syndrome: a pilot study with randomized, single-blinded trial. J Altern Complement Med N Y N. 2014;20(9):698-704.
  • 5
    Schwenkreis P, Scherens A, Rönnau A-K, Höffken O, Tegenthoff M, Maier C. Cortical disinhibition occurs in chronic neuropathic, but not in chronic nociceptive pain. BMC Neurosci. 2010;11:73.
  • 6
    Nitsche MA, Monte-Silva K, Kuo MF, Paulus W. Dopaminergic impact on cortical excitability in humans. Rev Neurosci. 2010;21(4):289-98.
  • 7
    Nystrom NA, Freeman MD. Central sensitization is modulated following trigger point anesthetization in patients with chronic pain from whiplash trauma. a double-blind, placebo-controlled, crossover study. Pain Med. 2018;19(1):124-9.
  • 8
    Murphy B, Taylor HH, Wilson S, Knight J, Mathers K, Schug S. Changes in median nerve somatosensory transmission and motor output following transient deafferentation of the radial nerve in humans. Clin Neurophysiol. 2003;114(8):1477-88.
  • 9
    Weiss T, Miltner WHR, Liepert J, Meissner W, Taub E. Rapid functional plasticity in the primary somatomotor cortex and perceptual changes after nerve block. Eur J Neurosci. 2004;20(12):3413-23.
  • 10
    Sehle A, Büsching I, Vogt E, Liepert J. Temporary deafferentation evoked by cutaneous anesthesia: behavioral and electrophysiological findings in healthy subjects. J Neural Transm (Vienna). 2016;123(5):473-80.
  • 11
    Cohen LG, Brasil-Neto JP, Pascual-Leone A, Hallett M. Plasticity of cortical motor output organization following deafferentation, cerebral lesions, and skill acquisition. Adv Neurol. 1993;63:187-200.
  • 12
    Chen R, Tam A, Bütefisch C, Corwell B, Ziemann U, Rothwell JC, et al. Intracortical inhibition and facilitation in different representations of the human motor cortex. J Neurophysiol. 1998;80(6):2870-81.
  • 13
    Ziemann U, Hallett M, Cohen LG. Mechanisms of deafferentation-induced plasticity in human motor cortex. J Neurosci. 1998;18(17):7000-7.
  • 14
    Schabrun SM, Ridding MC, Galea MP, Hodges PW, Chipchase LS. Primary sensory and motor cortex excitability are co-modulated in response to peripheral electrical nerve stimulation. PloS One. 2012;7(12):e51298.
  • 15
    Merzenich MM, Nelson RJ, Stryker MP, Cynader MS, Schoppmann A, Zook JM. Somatosensory cortical map changes following digit amputation in adult monkeys. J Comp Neurol. 1984;224(4):591-605.
  • 16
    Kothari M, Baad-Hansen L, Svensson P. Bilateral sensory deprivation of trigeminal afferent fibers on corticomotor control of human tongue musculature: a preliminary study. J Oral Rehabil. 2016;43(9):656-61.
  • 17
    Nordmark PF, Ljungberg C, Johansson RS. Structural changes in hand related cortical areas after median nerve injury and repair. Sci Rep. 2018;8(1):4485.
  • 18
    Maioli C, Falciati L, Marangon M, Perini S, Losio A. Short- and long-term modulation of upper limb motor-evoked potentials induced by acupuncture. Eur J Neurosci. 2006;23(7):1931-8.
  • 19
    Bjorkman A, Rosen B, Lundborg G. Acute improvement of hand sensibility after selective ipsilateral cutaneous forearm anaesthesia. Eur J Neurosci. 2004;20(10):2733-6.
  • 20
    Bradnam L, Shanahan EM, Hendy K, Reed A, Skipworth T, Visser A, et al. Afferent inhibition and cortical silent periods in shoulder primary motor cortex and effect of a suprascapular nerve block in people experiencing chronic shoulder pain. Clin Neurophysiol. 2016;127(1):769-78.
  • 21
    Badawy RAB, Loetscher T, Macdonell RAL, Brodtmann A. Cortical excitability and neurology: insights into the pathophysiology. Funct Neurol. 2012;27(3):131-45.
  • 22
    Petoe MA, Jaque FAM, Byblow WD, Stinear CM. Cutaneous anesthesia of the forearm enhances sensorimotor function of the hand. J Neurophysiol. 2013;109(4):1091-6.
  • 23
    Noda Y, Barr MS, Zomorrodi R, Cash RFH, Farzan F, Rajji TK, et al. Evaluation of short interval cortical inhibition and intracortical facilitation from the dorsolateral prefrontal cortex in patients with schizophrenia. Sci Rep. 2017;7(1):17106.
  • 24
    Duque J, Vandermeeren Y, Lejeune TM, Thonnard J-L, Smith AM, Olivier E. Paradoxical effect of digital anaesthesia on force and corticospinal excitability. Neuroreport. 2005;16(3):259-62.
  • 25
    Brasil-Neto JP, Valls-Solé J, Pascual-Leone A, Cammarota A, Amassian VE, Cracco R, et al. Rapid modulation of human cortical motor outputs following ischaemic nerve block. Brain J Neurol. 1993;116( Pt 3):511-25.
  • 26
    Björkman A, Weibull A, Rosén B, Svensson J, Lundborg G. Rapid cortical reorganisation and improved sensitivity of the hand following cutaneous anaesthesia of the forearm. Eur J Neurosci. 2009;29(4):837-44.
  • 27
    Weiss T, Sens E, Teschner U, Meissner W, Preul C, Witte OW, et al. Deafferentation of the affected arm. Stroke. 2011;42(5):1363-70.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2020
  • Aceito
    17 Abr 2021
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br