As definições e conceitos estabelecidos há mais de quatro décadas sobre o fenômeno doloroso não valorizaram e até mesmo negligenciaram populações vulneráveis, como as crianças e adolescentes11 Stevens B. Revisions to the IASP definition of pain—What does this mean for children? Paediatr Neonatal Pain. 2021;2021;3(3):101-5.. O acesso ao tratamento da dor é, há mais de uma década, considerado um direito humano fundamental22 Cousins MJ, Lynch ME. The Declaration Montreal: access to pain management is a fundamental human right. Pain. 2011;152(12):2673-4. mormente quando o objeto de preocupação é a população infantil, reconhecidamente dependente de cuidados de adultos33 Agno S. Managing pain in children: barriers to effective care. 2022.. A não implementação da prevenção e o tratamento da dor em crianças é considerada inadmissível e sinonímia de baixo padrão de atendimento44 Friedrichsdorf SJ, Goubert L. Pediatric pain treatment and prevention for hospitalized children. Pain Rep. 2019;19;5(1):e804.. No entanto, apesar do contexto teórico favorável, infelizmente, na prática, a dor na criança e no adolescente é ainda subtratada e não valorizada.
Na última semana de agosto deste ano de 2022, a Sociedade Brasileira Para o Estudo da Dor (SBED) foi signatária, com os demais capítulos da Associação Internacional Para o Estudo da Dor (IASP – International Association for the Study of Pain) da região latino-americana, do documento que rapidamente se convencionou designar como a “Declaração de Lima”.
A SBED se fez representar por diversos associados no XIV Congresso Latino-Americano de Dor (FEDELAT), no XVIII Encontro Ibero-Americano de Dor e XIX Congresso Peruano de Dor, nos dias 22 a 24 de agosto de 2022.
A assinatura solidária da declaração não poderia ser diferente para a SBED e seu atual presidente, uma vez que o lema fundamental que a alicerça é o caráter irrenunciável de assumir o dever de todos quanto à garantia da atenção às crianças e jovens com dor e suas famílias.
Durante a solenidade de assinatura o presidente da SBED proferiu a frase: “Não sabemos a razão de continuar ainda ser tão difícil fazer garantir uma ideia tão fácil e de tão claro consenso como a defendida pela Declaração de Lima”.
A declaração pode ser resumida em 10 itens que aqui são expostos:
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A dor deve ser conceituada como uma doença transversal e não como um mero sintoma associado a outro distúrbio, particularmente no caso da dor crônica.
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A dor é uma experiência de cunho biopsicossocial e, por sua complexidade, requer atenção interdisciplinar e multiprofissional, não apenas médica.
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As crianças e os jovens com dor têm o direito de ter a sua dor reconhecida e não ser estigmatizados por isso.
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O tratamento da dor é um direito inalienável. As crianças e os jovens com dor têm o direito de receber o melhor tratamento possível realizado por profissionais especializados. Não facilitar o acesso ao tratamento da dor para crianças e adolescentes causa sofrimento adicional desnecessário, além de ser discriminatório e eticamente condenável.
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Para que isso seja possível, é necessário que a dor da criança seja valorizada e que todos os agentes envolvidos na facilitação do seu tratamento se sintam obrigados a realizar as ações que visam a sua viabilização.
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Considerando o alcance dos limites legais de sua competência e autoridade, seria obrigação dos governos nacionais: (a) elaborar leis e planos que promovam programas educacionais voltados aos profissionais de saúde que incluam, entre outros aspectos, o manejo da dor; (b) facilitar o acesso dos jovens com dor ao melhor tratamento possível; (c) realizar programas de conscientização e educação da população sobre a dor na infância e seu tratamento; e, (d) fornecer recursos para financiar adequadamente a pesquisa sobre a dor na infância.
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Considerando o alcance dos limites legais de sua competência e autoridade, seria obrigação das instituições de saúde viabilizar sistemas que promovam o acesso ao melhor tratamento possível para os jovens com dor.
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Considerando as exigências legais e éticas do exercício profissional e os recursos disponíveis, seria obrigação dos profissionais de saúde administrar o melhor tratamento com base no conhecimento disponível.
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Considerando o alcance dos limites legais de sua competência e autoridade, seria obrigação das sociedades científicas e profissionais garantir que seus congressos e demais eventos incluam conteúdo específico sobre dor na criança e no adolescente para facilitar a formação e atualização de conhecimentos de pesquisadores e clínicos dedicados ao estudo e tratamento da dor nessa população.
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O testemunho e as opiniões das crianças e adolescentes com dor e suas famílias possuem valor extraordinário, constituindo-se em ferramenta fundamental para avançar. Suas posições devem ser ouvidas e incorporadas na elaboração de leis, programas de treinamento, campanhas de conscientização, promoção de pesquisas e planejamento de conferências científicas. Nada do que se propõe a avançar deve ser feito às escondidas ou sem a colaboração de quem vivencia o problema em primeira pessoa.
REFERENCES
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1Stevens B. Revisions to the IASP definition of pain—What does this mean for children? Paediatr Neonatal Pain. 2021;2021;3(3):101-5.
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2Cousins MJ, Lynch ME. The Declaration Montreal: access to pain management is a fundamental human right. Pain. 2011;152(12):2673-4.
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3Agno S. Managing pain in children: barriers to effective care. 2022.
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4Friedrichsdorf SJ, Goubert L. Pediatric pain treatment and prevention for hospitalized children. Pain Rep. 2019;19;5(1):e804.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
21 Nov 2022 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2022