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Intervenções musicais e musicoterapia no tratamento da dor: revisão de literatura

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A musicoterapia é uma abordagem que promove efeitos positivos sobre a cognição, os aspectos emocionais, psíquicos e sociais, favorecendo a qualidade de vida. Também ajuda a controlar sintomas psíquicos e físicos, como ansiedade, depressão e dor, além de promover o relaxamento e o prazer, bem como fortalecimento das relações interpessoais. A influência da música na dor ainda é tema com resultados pouco esclarecedores na literatura. O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos das intervenções musicais e da musicoterapia no tratamento da dor aguda ou crônica.

CONTEÚDO:

Foi realizada revisão da literatura dos últimos 10 anos nas bases de dados LILACS e Scielo entre agosto e setembro de 2020, a qual incluiu artigos de revisão da literatura ou revisão sistemática.

CONCLUSÃO:

A música pode minimizar a dor, porém, os resultados mostram que há controvérsia nos trabalhos analisados sobre o papel analgésico da música sobre a dor. Há controvérsia sobre os efeitos da musicoterapia ou de intervenções musicais sobre a dor, bem como sobre seus efeitos adversos. Isso pode estar relacionado aos métodos e seus resultados com baixa evidência científica.

Descritores:
Analgesia; Dor; Música; Musicoterapia; Terapêutica; Terapias complementares

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Music therapy is an approach that promotes positive effects on cognitive, emotional, psychological and social aspects, favoring quality of life. It also helps to control psychological and physical symptoms, such as anxiety, depression, and pain, as well as promoting relaxation, pleasure, and the strengthening of interpersonal relationships. The influence of music on pain is still a topic with little clarifying results in the literature. The aim of this study was to investigate the effects of musical interventions and music therapy in the treatment of acute or chronic pain.

CONTENTS:

Literature review of the last 10 years was carried out in the LILACS and Scielo databases between August and September 2020, which included articles of literature review or systematic review.

CONCLUSION:

Music can reduce pain, however, the results show that there is controversy in the studies analyzed on the analgesic role of music on pain. There is controversy about the effects of music therapy or musical interventions on pain, as well as its adverse or side effects. This may be related to the methods and their results with low scientific evidence.

Keywords:
Analgesia; Complementary therapies; Pain; Music; Music therapy; Therapeutics

INTRODUÇÃO

A musicoterapia é uma estratégia complementar valiosa que exerce influência sobre aspectos neurocognitivos, emocionais, psíquicos e sociais, o que representa impacto positivo na qualidade de vida11. Albuquerque MCS, Nascimento LO, Lyra ST, Trezza MCSF, Brêda MZ. Os efeitos da música em idosos com doença de Alzheimer de uma instituição de longa permanência. Rev Eletrônica Enferm. 2012;14(2):404-13.. Também ajuda a controlar sintomas psíquicos e físicos, como ansiedade, depressão e dor, além de promover o relaxamento e o prazer, bem como fortalecimento das relações interpessoais22. Caires JS, Andrade TA, Amaral JB, Calasans MTA, Rocha MDS. A utilização das terapias complementares nos cuidados paliativos: benefícios e finalidades. Cogitare Enferm. 2014;19(3):514-20.. A musicoterapia favorece a construção de um ambiente humanizado na assistência à saúde33. Mozer NMS, Oliveira SG, Portella MR. Musicoterapia e exercícios terapêuticos na qualidade de vida de idosos institucionalizados. Estud Interdiscip Envelhec. 2011;16(2):229-44..

Os resultados das pesquisas que investigam a influência da música no fenômeno doloroso são controversos. Os estudos científicos são escassos, o que mostra a importância de se realizar pesquisas com métodos de alta evidência científica44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201..

Até o momento, pouco se sabe sobre os efeitos da música enquanto terapêutica para tratamento de dor. Nesse sentido, esta pesquisa se preocupou em investigar a seguinte pergunta de pesquisa: a aplicação terapêutica de música ou elementos musicais, na modalidade audição, é capaz de amenizar ou modular os fenômenos dolorosos?

Em revisão de literatura, foi observado que a prevalência de dor crônica na população brasileira varia entre 29,3 e 73,3%55. Vasconcelos FH, Araújo GC. Prevalência de dor crônica no Brasil: estudo descritivo. BrJP. 2018;1(2):176-9., ou seja, um grave problema de saúde pública. A dor crônica prejudica a funcionalidade, pode levar à depressão e ao suicídio66. Fishbain DA. The association of chronic pain and suicide. Semin Clin Neuropsychiatry. 1999;4(3):221-7.. Portanto, conhecer melhor o uso de técnicas não invasivas, de baixo custo e amplamente disponíveis, como a musicoterapia, pode ter um impacto extremamente relevante à saúde pública.

Neste sentido, o objetivo deste estudo foi investigar os efeitos das intervenções musicais e da musicoterapia no tratamento da dor aguda ou crônica, por meio de uma pesquisa bibliográfica de base latino-americana, haja vista a carência de informações científicas sobre o tema musicoterapia e dor. Pelo exposto, pretendeu-se desenvolver uma pesquisa de revisão de literatura.

CONTEÚDO

Para esta revisão da literatura, foi realizado levantamento bibliográfico na base de dados LILACS e Scielo entre agosto e setembro de 2020 com os termos music therapy e pain. Critérios de inclusão: artigos de revisão da literatura ou revisão sistemática, publicados em língua portuguesa, espanhola e inglesa, que apresentavam a versão completa, livre acesso, on-line e os que ainda estavam em vias de publicação (Epub ahead of print), publicados há, no máximo, 10 anos. Critérios de exclusão: qualquer inadequação aos objetivos deste estudo e suas palavras-chaves, após leitura de título e resumo.

Os resultados estão dispostos na figura 1 e tabela 1.

Figura 1.
Fluxo de pesquisa nas bases de dados LILACS* e Scielo**
Tabela 1.
Distribuição dos artigos de revisão da literatura selecionados na base LILACS

Os artigos científicos selecionados serão discutidos com demais trabalhos na literatura.

BENEFÍCIOS GERAIS DA MÚSICA

A musicoterapia é uma abordagem que parece ter impacto positivo em diversos sintomas e necessidades, melhorando a qualidade de vida dos indivíduos em cuidados paliativos1010. Schmid W, Rosland JH, von Hofacker S,Hunskår I, Bruvik F. Patient’s and health care provider’s perspectives on music therapy in palliative care - an integrative review. BMC Palliat Care. 2018;17(1):32.. Há evidências de resultados positivos da música na redução da dor. Os benefícios do uso da música em serviços de saúde foram observados na diminuição da ansiedade, melhora no aleitamento materno, no trabalho de parto, melhor enfrentamento e suporte familiar, facilitação da expressão não verbal, baixo custo e diminuição de comportamentos psicopatológicos44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201..

A música é capaz de interferir positivamente nos sinais vitais e na percepção de dor de pacientes internados, com redução da dor e diminuição da pressão arterial e frequência respiratória. Trata-se de uma terapia de baixo custo, eficaz, agradável e atingível a todos, inclusive aos funcionários e acompanhantes1111. Teixeira MMR, Paula JM, Vidal LM; Porto JAS, Barros Júnior RJM, Vidal CEL. Efeitos da música no pós-operatório de pacientes hospitalizados. Rev Méd Minas Gerais. 2018;28(8):e1929..

A intervenção com musicoterapia constitui-se opção efetiva no tratamento e prevenção de sintomas depressivos e na melhora da qualidade de vida1212. Hagemann PMS, Martin LC, Neme CMB. O efeito da musicoterapia na qualidade de vida e nos sintomas de depressão de pacientes em hemodiálise. J Bras Nefrol. 2019;41(1):74-82..

EFEITOS POSITIVOS VERSUS NEGATIVOS DA MÚSICA

Há controvérsia sobre o fato de haver efeitos adversos ou contraindicação da musicoterapia ou de intervenções musicais. Um estudo afirma que a música é um bom recurso na redução da ansiedade pré-operatória, não havendo efeitos adversos, e deveria tornar-se uma rotina na busca de uma prática mais humanizada na área da saúde1313. Pinto Junior FEL, DLM Ferraz, Cunha EQ, Santos IRM, Batista MC. Influência da música na dor e na ansiedade decorrentes de cirurgia em pacientes com câncer de mama. Rev Bras Cancerol. 2012;58(2):135-41.,44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201.. Outro estudo aponta que a música pode ora ter um efeito calmante, ora ter um efeito mobilizador das emoções humanas mais intensas1414. Salazar Ríos Y, Villamizar Ramírez KE, Machado Mosquera JC. La música como expresión terapéutica en la elaboración del duelo, con base en el personaje de Julie Vignon en la película “Tres colores: azul”. Poiésis. 2018;(34):23-40.. Outros pesquisadores afirmam que a intervenção musical não apresenta contraindicações ou efeitos colaterais. A natureza dos efeitos da música parece ser benéfica para maioria das pessoas, pois proporciona sensação de bem-estar, relaxamento, distração, recordações agradáveis e conforto1111. Teixeira MMR, Paula JM, Vidal LM; Porto JAS, Barros Júnior RJM, Vidal CEL. Efeitos da música no pós-operatório de pacientes hospitalizados. Rev Méd Minas Gerais. 2018;28(8):e1929.. Porém, particularmente em idosos, algumas manifestações podem interromper o processo terapêutico durante a aplicação da música, como cansaço, fome ou sonolência11. Albuquerque MCS, Nascimento LO, Lyra ST, Trezza MCSF, Brêda MZ. Os efeitos da música em idosos com doença de Alzheimer de uma instituição de longa permanência. Rev Eletrônica Enferm. 2012;14(2):404-13.. O terapeuta pode usar recursos que despertem o interesse do paciente, como elemento coadjuvante no processo terapêutico1414. Salazar Ríos Y, Villamizar Ramírez KE, Machado Mosquera JC. La música como expresión terapéutica en la elaboración del duelo, con base en el personaje de Julie Vignon en la película “Tres colores: azul”. Poiésis. 2018;(34):23-40.. A música pode resgatar memórias e experiências vividas, evocar diversos sentimentos e favorecer a comunicação não verbal. Ela permite proporcionar um ambiente saudável para o cliente e favorecer a relação profissional-cliente11. Albuquerque MCS, Nascimento LO, Lyra ST, Trezza MCSF, Brêda MZ. Os efeitos da música em idosos com doença de Alzheimer de uma instituição de longa permanência. Rev Eletrônica Enferm. 2012;14(2):404-13.. Já em animais submetidos a cirurgias, o Prelúdio em Mi menor, opus 28, número 4, de Frédéric Chopin, resultou em diminuição da dor pós-operatória, obtenção de níveis normais de frequências cardíaca e respiratória, bem como de consumo de alimentos e manutenção do peso1515. Hurtado EA, López Rauschenberg MK, Arteaga Chávez F, Muñoz Ordóñez MP. ¿La musicoterapia contribuye a la recuperación posquirúrgica en perras sometidas a ovariosalpingohisterectomía? Rev Med Vet. 2018;(37):49-55..

DESAFIOS METODOLÓGICOS EM MÚSICA E DOR

As pesquisas sobre tratamentos não farmacológicos devem ser aprofundadas, com melhor delineamento metodológico para aumentar o nível de evidência dos estudos1616. Alfonso Cuellar JJ, Ramos Martínez DF, Ochoa López Y. Manejo del dolor por medio de tratamientos no farmacológicos en unidad de cuidados intensivos. Rev Colomb Rehabil. 2018;17(2):127-35.. A heterogeneidade dos estudos dificulta a aplicação da terapia musical, apesar de haver evidência de seus benefícios1717. Santos TRMS, Cavalcante TB; Silva Junior JF. Terapia musical em pacientes com distúrbios da consciência: uma revisão integrativa. Cad Bras Ter Ocup. 2019;27(4):873-84.. Os resultados positivos alcançados em diversas pesquisas mostram a importância de se ampliar a investigação científica, com maior número de participantes e maior tempo destinado às intervenções musicoterapêuticas, bem como a inclusão de grupo controle1212. Hagemann PMS, Martin LC, Neme CMB. O efeito da musicoterapia na qualidade de vida e nos sintomas de depressão de pacientes em hemodiálise. J Bras Nefrol. 2019;41(1):74-82.. Resultados com insuficiência estatística podem comprometer a análise e a conclusão sobre os efeitos da música na saúde humana77. Liberato SMD, Souza AJG, Costa IKF, Torres GV, Vitor AF, Lira ALBC. A enfermagem no manejo da dor em pessoas com úlcera venosa: revisão integrativa. Rev Pesqui. 2016;8(2):4109-20.. Os estudos são escassos e as pesquisas em idosos são ainda mais raras, sendo importante realizar estudos com métodos de alta evidência científica44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201..

Muito embora a música pareça reduzir a dor44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201., a demonstração deste benefício foi pouco clara nos estudos apresentados. Trabalhos com métodos de baixa evidência científica dificultam a obtenção de resultados confiáveis sobre o uso da música e a redução da dor77. Liberato SMD, Souza AJG, Costa IKF, Torres GV, Vitor AF, Lira ALBC. A enfermagem no manejo da dor em pessoas com úlcera venosa: revisão integrativa. Rev Pesqui. 2016;8(2):4109-20.. Em artigo que analisou as terapias não farmacológicas, a musicoterapia foi uma categoria inserida em “outros métodos”, junto com reflexologia, aromaterapia e técnicas respiratórias88. Mascarenhas VH, Lima TR, Silva FM, Negreiros FS, Santos JD, Moura MA, et al. Evidências científicas sobre métodos não farmacológicos para alívio a dor do parto. Acta Paul Enferm. 2019;32(3):350-7.. Incluir música com outros métodos talvez não seja adequado do ponto de vista metodológico, uma vez que cada tipo de intervenção é diferente e pode agir nos circuitos neuronais de maneira diversa e, portanto, trazer resultados particulares.

MÚSICA APLICADA A CRIANÇAS

A musicoterapia pode diminuir o nível de intensidade de dor pós-operatória em crianças submetidas a cirurgias1818. Ortiz Monroy BY, Velásquez Carranza D. Efectos de la musicoterapia en el nivel de intensidad del dolor postquirúrgico en pacientes pediátricos en un hospital de EsSALUD. Rev Enferm Hered. 2016;9(1):17-22.. A musicoterapia aplicada a crianças sob tratamento odontológico pode reduzir a ansiedade por duas razões: ao ouvir, a criança fecha os olhos para se concentrar no som, e o próprio som da música vai eliminar os ruídos desagradáveis dos instrumentos e equipamentos odontológicos. Associado a isso, há também o efeito relaxante da música. Alguns pesquisadores definem musicoterapia como um tipo de técnica de sugestão que incentiva a fantasia e o relaxamento através da música, particularmente em crianças. A escolha do áudio deve estar adequada à idade da criança99. Quiroz Torres J, Melgar Hermoza RA. Manejo de conducta no convencional en niños: hipnosis, musicoterapia, distracción audiovisual y aromaterapia: revisión sistemática. Rev Estomatol Hered. 2012;22(2):129-36.,1919. Marwah N; Prabhakar AR, Raju O. Music distraction – its efficacy in management of anxious pediatric dental patients. J Indian Soc Pedod Prev Dent. 2005;23(4):168-70.. Qualquer técnica não farmacológica para manejo comportamental da criança, incluindo musicoterapia, deve ser aplicada de acordo com o tipo de tratamento e estado mental e/ou físico99. Quiroz Torres J, Melgar Hermoza RA. Manejo de conducta no convencional en niños: hipnosis, musicoterapia, distracción audiovisual y aromaterapia: revisión sistemática. Rev Estomatol Hered. 2012;22(2):129-36..

MÚSICA APLICADA A IDOSOS

Em idosos com Alzheimer, a música pode ser percebida como um instrumento de grande valor no resgate de memórias das experiências vividas. O resgate de memórias recentes justifica a influência da música, uma vez que nesta doença há perda de memória recente logo em seu estágio inicial. A evocação de sentimentos como felicidade e saudade, expressos através dos sorrisos, aplausos e do choro também pode ser notada. Portanto, a contribuição para a comunicação não verbal é muito importante. A música pode ser uma nova forma de cuidar diferente da convencional. A música, proporcionando um ambiente saudável, valoriza o idoso e fortalece sua interação com o profissional da saúde11. Albuquerque MCS, Nascimento LO, Lyra ST, Trezza MCSF, Brêda MZ. Os efeitos da música em idosos com doença de Alzheimer de uma instituição de longa permanência. Rev Eletrônica Enferm. 2012;14(2):404-13..

Em idosos institucionalizados, observou-se que a musicoterapia contribuiu de forma positiva na qualidade de vida, o que permitiu um resgate dos aspectos lúdico, emocional, espiritual e de sensibilidade, prática esta que favorece dignidade de vida e humanização33. Mozer NMS, Oliveira SG, Portella MR. Musicoterapia e exercícios terapêuticos na qualidade de vida de idosos institucionalizados. Estud Interdiscip Envelhec. 2011;16(2):229-44.,44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201.. Em idosos com demência, a musicoterapia mostrou melhora na ansiedade, na apatia e na agitação. A melhora cognitiva é controversa. A música interfere na atenção do indivíduo à sua dor, modulando a percepção do estímulo doloroso, conforme a teoria do portão da dor. A musicoterapia é relevante para melhorar a qualidade de vida de pessoas com demência. Essas pessoas enfrentam todos os dias a difícil convivência com sua sintomatologia e com as diversas consequências negativas que atingem a esfera social, logo, o surgimento de uma opção terapêutica promissora livre de efeitos adversos pode representar uma esperança para essas pessoas enfrentarem de uma forma mais amena as dificuldades de sua doença2020. Oliveira, AT, Rosa AAS, Braun AM, Micco DK, Erthal IN, Pecoits RV, et al. A música no controle de sintomas relacionados à demência em idosos. Acta Méd (Porto Alegre). 2018;39(1):185-98..

MÚSICA EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA

As terapias não farmacológicas devem ser implementadas no tratamento multiprofissional do paciente em UTI, favorecendo o processo de reabilitação de uma perspectiva diferente. A terapia farmacológica para o controle da dor deve ser repensada sob diferentes pontos de vista, um deles inclui os efeitos adversos dos fármacos em pacientes incapazes de expressar sua dor de forma clara, gerando alterações em nível sistêmico por sua dosagem1616. Alfonso Cuellar JJ, Ramos Martínez DF, Ochoa López Y. Manejo del dolor por medio de tratamientos no farmacológicos en unidad de cuidados intensivos. Rev Colomb Rehabil. 2018;17(2):127-35.. Assim, a terapia musical no tratamento e avaliação de pessoas em coma e em estados minimamente conscientes constitui uma prática mais humanizada no ambiente hospitalar44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201. e mostra alguma evidência de bons resultados, embora o tema mereça maior investigação1717. Santos TRMS, Cavalcante TB; Silva Junior JF. Terapia musical em pacientes com distúrbios da consciência: uma revisão integrativa. Cad Bras Ter Ocup. 2019;27(4):873-84.. A inclusão deste tema na educação profissional permite humanizar os serviços de saúde, reduzir os tempos e doses de sedação e incentivar as equipes a aplicarem métodos de cuidados alternativos que possibilitem o cuidado integral2121. Park JM, Kim, JH. Assessment and treatment of pain in adult intensive care unit patients. Korean J Crit Care Med. 2014;29(3):147-59..

AUDIÇÃO MUSICAL: TIPOS MUSICAIS

Sobre os efeitos da música sacra, observou-se que não houve diferença estatisticamente significativa no bem-estar espiritual entre os grupos experimentais e o grupo controle. Entretanto, há tendência de melhora dos níveis de bem-estar espiritual de familiares em luto2222. Silva VAD, Silva RCF, Cabau NCF, Leão ER, Silva MJP. Effects of sacred music on the spiritual well-being of bereaved relatives: a randomized clinical trial. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03259.. Sons de piano e ondas da praia são reproduzidas para acalmar as parturientes, considerando o medo e a ansiedade como partes da dor. Músicas culturalmente animadas e religiosas se mostraram benéficas para uma população turca88. Mascarenhas VH, Lima TR, Silva FM, Negreiros FS, Santos JD, Moura MA, et al. Evidências científicas sobre métodos não farmacológicos para alívio a dor do parto. Acta Paul Enferm. 2019;32(3):350-7.. A preferência auditiva musical do paciente parece ser relevante na terapêutica77. Liberato SMD, Souza AJG, Costa IKF, Torres GV, Vitor AF, Lira ALBC. A enfermagem no manejo da dor em pessoas com úlcera venosa: revisão integrativa. Rev Pesqui. 2016;8(2):4109-20.. A intervenção combinada de Redução do Estresse baseada em Atenção Plena (mindfulness) e musicoterapia foi útil na redução da dor, ansiedade e distúrbios do sono em pacientes com osteossarcoma. Essas descobertas fornecem evidências de que essa combinação pode ser uma eficaz intervenção não farmacológica para auxiliar no atendimento clínico no futuro2323. Liu H, Gao X, Hou Y. Effects of mindfulness-based stress reduction combined with music therapy on pain, anxiety, and sleep quality in patients with osteosarcoma. Braz J Psychiatry. 2019;41(6):540-5..

APLICABILIDADE DA MÚSICA NO CONTEXTO CLÍNICO

À luz da base de evidências atual e da relação risco-benefício favorável da musicoterapia, as diretrizes de prática clínica recomendam a consideração da musicoterapia para o tratamento da dor - nível de evidência C2424. Lyman GH, Bohlke K, Cohen L. Integrative therapies during and after breast cancer treatment: ASCO endorsement of the SIO clinical practice guideline. J Clin Oncol 2018;36:2647-55.,2525. Greenlee H, DuPont-Reyes MJ, Balneaves LG, Carlson LE, Cohen MR, Deng G, et al. Clinical practice guidelines on the evidence-based use of integrative therapies during and after breast cancer treatment. CA Cancer J Clin. 2017;67(3):194-232.,2626. Greenlee H, Balneaves LG, Carlson LE, Cohen M, Deng G, Hershman D, et al. Clinical practice guidelines on the use of integrative therapies as supportive care in patients treated for breast cancer. J Natl Cancer Inst Monogr. 2014(50):346-58. Erratum in: J Natl Cancer Inst Monogr. 2015(51):98.. A implementação de terapêuticas não farmacológicas, incluindo musicoterapia, embora não constituam a estratégia essencial para o controle da dor, podem ser consideradas coadjuvantes na assistência do paciente.

Sugere-se a implementação de estratégias educacionais com profissionais de saúde, aumentando sua aplicabilidade. Da mesma forma, é importante estabelecer grupos interdisciplinares que gerem propostas de intervenção para o manejo das condições dolorosas, com base em evidências e que promovam a implementação de estratégias não farmacológicas que contribuam para o bem-estar do paciente1616. Alfonso Cuellar JJ, Ramos Martínez DF, Ochoa López Y. Manejo del dolor por medio de tratamientos no farmacológicos en unidad de cuidados intensivos. Rev Colomb Rehabil. 2018;17(2):127-35..

É importante ampliar o uso da música em serviços de saúde, em razão de seus benefícios e pelo baixo custo44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201.. Apesar da extrema importância identificada no uso das terapias complementares, essas modalidades terapêuticas ainda são pouco inseridas no contexto da assistência prestada ao paciente sob cuidados paliativos nas instituições brasileiras de saúde22. Caires JS, Andrade TA, Amaral JB, Calasans MTA, Rocha MDS. A utilização das terapias complementares nos cuidados paliativos: benefícios e finalidades. Cogitare Enferm. 2014;19(3):514-20.. As terapias complementares, incluindo a musicoterapia, a qual mostra-se benéfica para a redução da ansiedade, devem ser incorporadas em atividades educativas na atenção básica, a fim de tornar a assistência à saúde mais humanizada44. Santee KM, Oliveira TS, Santos TR, Lima MRG, Fernandes CNS, Pilger C. O uso da música nos serviços de saúde: uma revisão integrativa. J Nurs Health. 2019;9(2):e199201.,88. Mascarenhas VH, Lima TR, Silva FM, Negreiros FS, Santos JD, Moura MA, et al. Evidências científicas sobre métodos não farmacológicos para alívio a dor do parto. Acta Paul Enferm. 2019;32(3):350-7..

CONCLUSÃO

A música, utilizada como estratégia terapêutica na modalidade audição, pode promover o alívio da dor, embora as evidências científicas sejam fracas. Há controvérsia sobre os efeitos positivos ou negativos da musicoterapia ou de intervenções musicais no tratamento da dor, apesar de haver evidências de benefícios psíquicos e humanísticos. A escassez de trabalhos na literatura, de acordo com as bases pesquisadas, e o emprego de métodos heterogêneos, ou de menor poder de evidência científica, dificultam a compreensão sobre os resultados e, portanto, sobre estes efeitos na dor, o que representa uma limitação deste estudo. Não há clareza de informações sobre protocolos clínicos de aplicação da música, o que dificulta qualquer comparação entre os estudos e, portanto, este tema merece melhor investigação.

Embora não haja consenso, a observação dos trabalhos mostra que a música ou estímulos sonoros com elementos musicais, melodia, ritmo e harmonia aplicados por profissionais treinados ou não para fins terapêuticos, pode ser entendida, simplesmente, como intervenção/procedimento musical em saúde, intervenção/procedimento baseado em música ou mesmo music medicine, uma vez que a execução destes estímulos é aleatória ou genérica. A musicoterapia deve ser realizada por profissional treinado utilizando os elementos musicais de forma individualizada ao paciente, envolvendo uma relação terapêutica, exigindo avaliação, diagnóstico e proposta de tratamento específico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2021
  • Aceito
    15 Jul 2021
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