Caro editor,
Foi um prazer ler um estudo publicado no Brazilian Journal of Pain11 Bellelis P, Giacometti CF. Utilização da cannabis medicinal no tratamento da endometriose. BrJP. 2023;6(Suppl 2):S95-6., e parabenizo os autores por seus excelentes esforços em um artigo conciso. De todo modo, gostaria de compartilhar mais algumas informações sobre o assunto como contribuição para a literatura. Um estudo recente foi realizado em australianas com endometriose com o objetivo de identificar os custos, os modos de administração, a composição do produto e a eficácia relatada pelos mesmos para quem tem acesso à cannabis medicinal em uma pesquisa on-line com 192 respostas válidas recebidas.
O custo foi uma barreira importante para o acesso, exigindo a redução da dosagem (76,1%) e/ou o consumo de cannabis ilícita (42,9%), apesar da prescrição médica. A maioria (77%) dos consumidores usava dois ou mais produtos de cannabis, sendo que os produtos de óleo e flores com predominância de delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) foram prescritos com mais frequência. Outro achado interessante dessa pesquisa foi o relato de melhora em cinco sintomas que incluem sono, náusea, ansiedade ou depressão, dor pélvica crônica e dismenorreia, com frequências que variaram de 38,7% a 68,9%22 Proudfoot A, Duffy S, Sinclair J, Abbott J, Armour M. A survey of cost, access and outcomes for cannabinoid-based medicinal product use by Australians with endometriosis. Aust N Z J Obstet Gynaecol. 2024;28..
Dois outros estudos investigaram o uso de cannabis em mulheres australianas e neozelandesas (NZ) com endometriose33 Sinclair J, Toufaili Y, Gock S, Pegorer AG, Wattle J, Franke M, Alzwayid MAKM, Abbott J, Pate DW, Sarris J, Armour M. Cannabis Use for Endometriosis: Clinical and Legal Challenges in Australia and New Zealand. Cannabis Cannabinoid Res. 2022;7(4):464-72.,44 Sinclair J, Abbott J, Mikocka-Walus A, Ng CHM, Sarris J, Evans S, Armour M. “A glimmer of hope” - Perceptions, barriers, and drivers for medicinal cannabis use amongst Australian and New Zealand people with endometriosis. Reprod Fertil. 2023;4(4):e230049.. A primeira pesquisa mostrou que de 237 entrevistadas que relataram o uso de cannabis com diagnóstico médico de endometriose, 186 (72,0%) das australianas e 51 (88,2%) das neozelandesas relataram a autoadministração ilícita de cannabis. Apenas 23,1% das entrevistadas australianas e 5,9% das entrevistadas da Nova Zelândia acessaram a substância por meio de prescrição médica, sendo que 4,8% das australianas e nenhuma entrevistada da Nova Zelândia relataram autoadministrar a cannabis legalmente. Essa pesquisa mostra resultados positivos ao usar a cannabis para o tratamento da endometriose, demonstrando um potencial terapêutico para a cannabis medicinal, mas revela um achado preocupante que é o uso sem supervisão médica33 Sinclair J, Toufaili Y, Gock S, Pegorer AG, Wattle J, Franke M, Alzwayid MAKM, Abbott J, Pate DW, Sarris J, Armour M. Cannabis Use for Endometriosis: Clinical and Legal Challenges in Australia and New Zealand. Cannabis Cannabinoid Res. 2022;7(4):464-72..
O segundo foi um estudo qualitativo, por meio de grupos de discussão on-line entre 37 australianas e neozelandesas com diagnóstico médico de endometriose, que relatou que as barreiras para a adoção da cannabis medicinal identificadas nessa coorte incluíam os altos custos dos produtos legais de cannabis, a falta de clareza e justiça nas atuais leis de teste de drogas nas estradas e nas políticas de teste de drogas no local de trabalho, a preocupação com o impacto do estigma que afeta os domínios da vida familiar, social e no local de trabalho, e o julgamento subsequente e a falta de educação/envolvimento de seus provedores médicos em relação ao uso de cannabis.
Os autores11 Bellelis P, Giacometti CF. Utilização da cannabis medicinal no tratamento da endometriose. BrJP. 2023;6(Suppl 2):S95-6. também reforçam que os ensaios clínicos são urgentemente necessários44 Sinclair J, Abbott J, Mikocka-Walus A, Ng CHM, Sarris J, Evans S, Armour M. “A glimmer of hope” - Perceptions, barriers, and drivers for medicinal cannabis use amongst Australian and New Zealand people with endometriosis. Reprod Fertil. 2023;4(4):e230049..
Outro estudo qualitativo relatou que 15 dos 30 participantes estavam interessados em pesquisas sobre a cannabis medicinal para o tratamento da dor da endometriose. No entanto, houve preocupações quanto ao uso da cannabis devido a questões de legalidade, o que poderia resultar na “perda de empregos”. A segurança em relação aos “efeitos da cannabis no cérebro em desenvolvimento”, seus “efeitos psicoativos” e os “efeitos de longo prazo” potenciais também foram levantados, destacando a necessidade de a pesquisa ir além da eficácia do alívio da dor e explorar questões de cannabis medicinal e segurança de longo prazo.
Em conclusão, indivíduos com endometriose estavam abertas a participar de pesquisas que consideravam alinhadas com suas necessidades, com um foco significativo em ferramentas de diagnóstico e alívio dos sintomas. Pesquisas futuras devem ter como objetivo possibilitar o manejo da endometriose que atenda às necessidades das pacientes e se concentre no bem-estar da pessoa como um todo55 Giese N, Gilbert E, Hawkey A, Armour M. Unmet needs of Australians in endometriosis research: a qualitative study of research priorities, drivers, and barriers to participation in people with endometriosis. Medicina (Kaunas). 2023;59(9):1655.. Os resultados apresentados anteriormente, juntamente com os descritos pelos autores11 Bellelis P, Giacometti CF. Utilização da cannabis medicinal no tratamento da endometriose. BrJP. 2023;6(Suppl 2):S95-6., reforçam a necessidade de pesquisas mais robustas nessa área, que ainda é muito incipiente.
Conflito de interesses: não há - Fontes de fomento: não há.
REFERENCES
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1Bellelis P, Giacometti CF. Utilização da cannabis medicinal no tratamento da endometriose. BrJP. 2023;6(Suppl 2):S95-6.
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2Proudfoot A, Duffy S, Sinclair J, Abbott J, Armour M. A survey of cost, access and outcomes for cannabinoid-based medicinal product use by Australians with endometriosis. Aust N Z J Obstet Gynaecol. 2024;28.
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3Sinclair J, Toufaili Y, Gock S, Pegorer AG, Wattle J, Franke M, Alzwayid MAKM, Abbott J, Pate DW, Sarris J, Armour M. Cannabis Use for Endometriosis: Clinical and Legal Challenges in Australia and New Zealand. Cannabis Cannabinoid Res. 2022;7(4):464-72.
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4Sinclair J, Abbott J, Mikocka-Walus A, Ng CHM, Sarris J, Evans S, Armour M. “A glimmer of hope” - Perceptions, barriers, and drivers for medicinal cannabis use amongst Australian and New Zealand people with endometriosis. Reprod Fertil. 2023;4(4):e230049.
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5Giese N, Gilbert E, Hawkey A, Armour M. Unmet needs of Australians in endometriosis research: a qualitative study of research priorities, drivers, and barriers to participation in people with endometriosis. Medicina (Kaunas). 2023;59(9):1655.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Jul 2024 -
Data do Fascículo
2024