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Prevalência de dor musculoesquelética nos segmentos corporais em atletas de Judô e Jiu-jitsu

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Persiste uma lacuna notável na compreensão da prevalência da dor e das lesões musculoesqueléticas nos esportes de combate. Este estudo oferece uma exploração abrangente das regiões anatômicas mais afetadas. Tal investigação é fundamental para refinar estratégias clínicas envolvendo medidas preventivas e intervenções fisioterapêuticas.

MÉTODOS:

Estudo observacional transversal. Foram incluídos indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos, praticantes de modalidades esportivas de combate, de ambos os sexos e capazes de responder ao questionário. Os dados foram analisados por estatística descritiva e o teste Qui-quadrado.

RESULTADOS:

A amostra final foi composta por 71 atletas. Das atletas do sexo feminino, 12,65% praticavam Judô e 21,51% praticavam Jiu-jitsu, enquanto 26,58% do sexo masculino praticavam Judô e 39,24% Jiu-jitsu. A média de idade foi de 31,14±11,75 anos, e índice de massa corporal de 27,69 kg/ m2 (±5,31). O tempo médio de prática foi de 8±10,59 anos. As regiões mais afetadas pela dor nos últimos 12 meses foram coluna lombar (90%), joelhos (90%) e punhos/mãos (60%). O Judô feminino apresentou índice significativo de dor nos últimos 12 meses em membros superiores, sendo o pescoço identificado como o maior responsável pela limitação das atividades. Nos últimos 7 dias, colunas torácica e lombar foram mais significativas. No Jiu-jitsu feminino, em 12 meses e 7 dias, tornozelo/pé foram mais afetados quando comparado ao masculino, e os joelhos foram os maiores responsáveis pela limitação das atividades.

CONCLUSÃO:

Uma descrição abrangente das principais regiões afetadas por dor e lesões musculoesqueléticas é de fundamental importância no desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento fisioterapêutico.

Descritores
Artes marciais; Dor; Lesões em atletas

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

A notable gap persists in understanding the prevalence of pain and musculoskeletal injuries in combat sports. This study offers a comprehensive exploration of the most affected anatomical regions. Such an investigation is pivotal for refining clinical strategies involving preventive measures and physiotherapeutic interventions.

METHODS:

This is a cross-sectional observational study. Individuals aged 18 years or over, combat sport modalities practitioners, of both genders, and capable of answering the questionnaire were included. Data were analyzed using descriptive statistics and the Chi-square test.

RESULTS:

The final sample consisted of 71 athletes. Female athletes practiced 12.65% Judo and 21.51% practiced Jiu-jitsu, while 26.58% of male athletes practiced Judo and 39.24% Jiu-jitsu. The mean age was 31.14±11.75 years, and body mass index of 27.69 kg/m2 (±5.31). The average time of practice was 8±10.59 years. The regions most affected by pain in the last 12 months were the lumbar spine (90%), knees (90%) and wrists/ hands (60%). Female Judo presented a significant index of pain in the last 12 months in the upper limbs, and the neck was the region identified as most responsible for limiting activities. In the last 7 days, the thoracic and lumbar spine regions were more significant. In female Jiu-jitsu, in the 12-month and 7-day analyses, the ankle/foot were the most affected regions when compared to the male gender, and the knees were identified as most responsible for limiting activities.

CONCLUSION:

A comprehensive description of the main regions affected by musculoskeletal disorders and pain is of fundamental importance for the development of prevention and physiotherapeutic treatment strategies.

Keywords
Athletic injuries; Martial arts; Pain

DESTAQUES

Os resultados deste estudo permitem uma melhor compreensão da prevalência de dor e lesões musculoesqueléticas em esportes de combate.

O estudo apresenta as regiões anatômicas mais afetadas, além das especificidades relaciona-das ao sexo e ao tipo de modalidade.

A conclusão auxilia na tomada de decisões clínicas, permitindo o desenvolvimento de estratégias mais adequadas envolvendo medidas preventivas e intervenções de fisioterapia.

INTRODUÇÃO

A definição clássica de esportes de combate geralmente se baseia no contato individual entre oponentes e envolve conjuntos distintos de regras, com características individuais e específicas de cada modalidade. Esses conjuntos variam significativamente entre as diferentes modalidades de combate, englobando técnicas de ataque, como socos e chutes, técnicas de luta, como travamentos articulares, imobilização e estrangulamento em esportes de combate, e a fusão desses elementos em esportes de estilo misto, como o Mixed Martial Arts (MMA), que incorpora ambas as características11 Barley OR, Harms CA. Profiling combat sports athletes: competitive history and outcomes according to sports type and current level of competition. Sports Med Open. 2021;7(1):1-12..

A obtenção da pontuação máxima durante uma luta depende das regras de cada modalidade. Essas regras podem incluir finalizações resultantes do aprisionamento do oponente no tatame, da execução de chaves de articulação ou estrangulamento, da indução de inconsciência ou da aplicação de golpes como chutes e socos. A pontuação também pode resultar da avaliação cumulativa de pontos, das decisões dos juízes e árbitros e da intervenção oficial para determinar a capacidade do lutador de continuar ou não22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123..

Os esportes de combate são caracterizados por movimentos repetidos, contato físico e uso de várias técnicas, abrangendo projeções, imobilização, chutes, socos, agarramento e bloqueios de articulações, visando principalmente os braços e as pernas33 Turnagöl HH, Koşar ŞN, Güzel Y, Aktitiz S, Atakan MM. Nutritional considerations for injury prevention and recovery in combat sports. Nutrients 2022;14(1):53..

O Judô, criado no século XIX no Japão pelo professor Jigoro Kano, incorpora valores educacionais e princípios fundamentais. Classificado como uma modalidade esportiva, as competições de Judô são separadas por categorias de peso, idade e faixas (graduação)44 Kowalczyk M, Zgorzalewicz-Stachowiak M, Błach W, Kostrzewa M. Principles of training as an organised form of physical activity for children. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(4):1929..

O Jiu-jitsu, conhecido como Jiu-Jitsu brasileiro e representado pela International Brazilian Jiu-Jitsu Federation (IBJJF - Federação Internacional de Jiu-jitsu Brasileiro), também teve origem no Japão. Na época feudal, englobava chutes, golpes, estrangulamento, torções, imobilização e arremessos. No século XVI, começou a ser praticado de forma sistemática. Semelhante ao Judô, ele é organizado em categorias de peso, idade e nível (graduação)55 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in Jiu-Jitsu athletes. Acta Ortop Bras. 2021;29(1):49-53..

A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) define a dor como “uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”. A dor, uma experiência subjetiva influenciada por vários fatores, incluindo aspectos biológicos, psicológicos e sociais, é um desafio comum enfrentado por atletas em diferentes níveis de desempenho66 Christopher S, Tadlock BA, Veroneau BJ, Harnish C, Perera NKP, Knab AM, Vallabhajosula S, Bullock GS. Epidemiological profile of pain and non-steroid anti-inflammatory drug use in collegiate athletes in the United States. BMC Musculoskelet Disord. 2020;21(1):561..

A classificação da dor é fundamental para entender o seu impacto na capacidade dos atletas de se envolverem em atividades rotineiras. A intensidade da dor, geralmente medida por meio da escala analógica visual (EAV), que varia de zero (“sem dor”) a 10 (“dor insuportável”), fornece informações valiosas sobre a experiência do atleta77 Santos Silva Lopes J, Monteiro de Magalhães Neto A, Oliveira Gonçalves LC, Lourenço Alves PR, Castilho de Almeida A, Marlise Balbinotti Andrade C. Kinetics of muscle damage biomarkers at moments subsequent to a fight in Brazilian Jiu-Jitsu practice by disabled athletes. Front Physiol. 2019;10:1055..

Uma lacuna essencial persiste na literatura existente sobre a incidência e prevalência de dor e lesões musculoesqueléticas em esportes de combate. O objetivo do presente estudo foi abordar essa lacuna, fornecendo uma descrição abrangente das regiões mais afetadas. Essa abordagem é fundamental para aprimorar o raciocínio clínico voltado para essa população, principalmente para a formulação de estratégias preventivas e tratamentos de fisioterapia.

MÉTODOS

Este estudo observacional de corte transversal foi realizado entre março e julho de 2021, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) (CAAE 37942620.0.0000.5116). A amostra do estudo consistiu em indivíduos de ambos os sexos envolvidos em esportes de combate. Para garantir uma apresentação precisa e abrangente, a subdivisão e a descrição dos tópicos abaixo estão alinhadas com os itens descritos na lista de verificação do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)88 von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) Statement: guidelines for reporting observational studies. Int J Surg. 2014;12(12):1495-9..

Cenário e participantes

Os participantes foram selecionados por meio da técnica de amostragem por conveniência, em que indivíduos prontamente disponíveis foram incluídos como participantes do estudo. A participação foi voluntária, condicionada à aceitação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e os dados foram coletados por meio de um questionário eletrônico on-line. Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados: indivíduos com 18 anos ou mais, praticantes ativos de esportes de combate, de ambos os sexos, recreativos e profissionais, com um mínimo de três sessões de treinamento por semana e capazes de preencher o questionário eletrônico on-line. Foram excluídos os indivíduos que não participavam regularmente de sessões de treinamento, resultando em uma amostra final de 71 dos 110 praticantes iniciais.

Variáveis e coleta de dados

A coleta de dados foi realizada on-line usando o Google Forms. Depois de entrar em contato com as federações, os participantes receberam um link de acesso por e-mail. A etapa inicial envolveu a obtenção do TCLE. Em seguida, os participantes forneceram informações sobre variáveis sociodemográficas e antropométricas, incluindo sexo, idade, altura (cm), peso (kg) e o esporte de combate específico praticado. O Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ), previamente validado99 Mesquita CC, Ribeiro JC, Moreira P. Portuguese version of the standardized Nordic musculoskeletal questionnaire: cross cultural and reliability. J Public Health (Bangkok) 2010;18(5):461-6., foi então aplicado para coletar dados sobre a região e a intensidade da dor. O NMQ exibe uma imagem da figura humana, dividida em nove regiões anatômicas: pescoço, ombros, parte superior e inferior das costas, cotovelos, punhos/mãos, quadris/coxas, joelhos e tornozelos/pés. A ferramenta foi projetada para avaliar a prevalência de dor musculoesquelética em qualquer uma dessas nove áreas anatômicas, restrições na realização de atividades regulares e a necessidade de buscar orientação de um profissional de saúde.

Viés do estudo

Uma limitação notável é a restrição inerente aos estudos transversais, que fornecem uma imagem instantânea das características em um único ponto no tempo. Essa limitação levanta preocupações sobre a representatividade das características observadas, pois elas podem não capturar a natureza dinâmica das experiências dos participantes ao longo do tempo. No contexto deste estudo, em que a incidência de dor é avaliada entre participantes do sexo masculino e feminino com níveis variados de graduação, como sessões de treinamento por semana, a dependência de um único momento no tempo pode introduzir um viés na prevalência da dor.

Análise estatística

Estatística descritiva, incluindo média, desvio padrão e frequência absoluta e relativa, foi empregada para análise de dados, oferecendo uma análise visual e preliminar. A normalidade dos dados foi avaliada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste não paramétrico do Qui-quadrado (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123.) foi aplicado para comparar a localização dos sintomas no NMQ, com um nível de significância estabelecido em p<0,05. O software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 23.0 foi utilizado ao longo de todo o estudo.

RESULTADOS

O estudo abrangeu 71 atletas separados por sexo e modalidades de esporte de combate. A tabela 1 mostra os resultados referentes às variáveis sociodemográficas e antropométricas.

Tabela 1
Caracterização da amostra (n=79)

De acordo com o NMQ, as regiões que mais apresentaram sintomas nos últimos 12 meses foram a lombar (90%), os joelhos (90%) e os punhos/mãos (60%), por outro lado, a região torácica (30%) e os quadris/coxas (30%) apresentaram menos sintomas. De acordo com a comparação entre os sexos no Judô, no que se refere à dor ou desconforto nos últimos 12 meses, o teste Qui-quadrado verificou que o Judô feminino apresentou maior índice na região do cotovelo (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123. = 4,49; p=0,03) e na região do punho/mão (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123. = 4,03; p=0,04). Em relação às limitações das atividades normais devido a qualquer um desses problemas nos últimos 12 meses, os resultados mostraram que a região anatômica do pescoço (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123. = 4,51; p=0,03) foi a mais afetada na modalidade de Judô no sexo feminino, conforme apresentado na tabela 2.

Tabela 2
Dor ou desconforto e limitação de atividades nos últimos 12 meses em atletas de Judô do sexo masculino e feminino

Nos últimos 7 dias, os sintomas de dor ou desconforto foram maiores nas regiões torácica (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123. = 4,49; p=0,03) e lombar (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123. = 12,51; p=0,00) na amostra masculina e feminina de Judô, respectivamente. Os resultados estão apresentados na tabela 3.

Tabela 3
Qualquer problema nos últimos 7 dias em atletas de Judô dos sexos feminino e masculino

Na comparação entre os sexos no Jiu-jitsu em relação à dor ou desconforto nos últimos 12 meses, o teste do Qui-quadrado verificou que o Jiu-jitsu feminino tem um índice maior na região do tornozelo/pé (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123. = 4,72; p=0,03), conforme apresentado na tabela 4.

Tabela 4
Dor ou desconforto nos últimos 12 meses em atletas de Jiu-jitsu do sexo feminino e masculino

Com relação às limitações das atividades normais devido a qualquer um desses problemas nos últimos 12 meses, observou-se que o segmento do joelho (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123. = 5,13; p=0,02) foi o mais afetado no sexo feminino, conforme apresentado na tabela 5.

Tabela 5
Limitação de atividades nos últimos 12 meses em atletas de Jiu-jitsu do sexo feminino e masculino

Nos últimos 7 dias, os sintomas de dor ou desconforto foram maiores na região do tornozelo/pé (x22 Barley OR, Chapman DW, Abbiss CR. The current state of weight-cutting in combat sports. Sports. 2019;7(5):123. = 6,88; p=0,00 na amostra de Jiu-jitsu) no sexo feminino, conforme apresentado na tabela 6.

Tabela 6
Qualquer problema nos últimos 7 dias em atletas de Jiu-jitsu do sexo feminino e masculino.

DISCUSSÃO

As regiões anatômicas mais frequentemente afetadas por dor ou desconforto entre os atletas foram a coluna lombar (90%), os joelhos (90%) e os punhos/mãos (60%). Os resultados deste estudo revelaram uma maior relevância na população feminina.

Os autores1010 Triki M, Koubaa A, Masmoudi L, Fellmann N, Tabka Z. Prevalence and risk factors of low back pain among undergraduate students of a sports and physical education institute in Tunisia. Libyan J Med. 2015;10(1):26802. investigaram a prevalência de dor lombar em um ambiente escolar, avaliando tanto meninas quanto meninos. O Judô ficou em segundo lugar entre os esportes que contribuem para essa condição. O estudo sugeriu que determinadas técnicas de Judô, como passar a guarda e troca de guarda, poderiam induzir cargas na coluna devido à alternância de movimentos entre flexão e extensão máximas. Para atenuar isso, os autores1111 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: a survey study. Phys Ther Sport. 2019;39:107-13. recomendaram o uso da meia-guarda durante o treinamento para evitar a transferência excessiva de peso para o lutador da guarda, reduzindo, consequentemente, a sobrecarga da coluna lombar1111 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: a survey study. Phys Ther Sport. 2019;39:107-13..

Um estudo realizou uma pesquisa abrangente sobre lesões musculoesqueléticas em vários esportes, incluindo Judô, Jiu-jitsu brasileiro, Kickboxing, MMA e luta livre. Nos esportes de combate, as lesões articulares foram predominantes (76,70%), principalmente na região do joelho1212 Goes RA, Lopes LR, Cossich VRA, de Miranda VAR, Coelho ON, do Carmo Bastos R, Domenis LAM, Guimarães JAM, Grangeiro-Neto JA, Perini JA. Musculoskeletal injuries in athletes from five modalities: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2020;21(1):122.. As técnicas características do Jiu-jitsu brasileiro, que envolvem chaves articulares com alto torque rotacional, foram identificadas como um fator de risco significativo para lesões no joelho. Outro estudo investigou lesões em atletas de Jiu-jitsu brasileiro, Judô e artes marciais mistas. Notavelmente, os atletas de Jiu-jitsu (41%) e Judô (38%) apresentaram lesões significativas nas mãos, principalmente distensões/entorses, enquanto os atletas de MMA tiveram uma frequência maior de fraturas (47%)1313 Stephenson C, Rossheim ME. Brazilian Jiu Jitsu, and Mixed Martial Arts Injuries Presenting to United States Emergency Departments, 2008-2015. J Prim Prev. 2018;39(5):421-35.. A natureza dessas lesões está intimamente ligada às demandas exclusivas de cada esporte de combate, como a mudança de pegada no Judô e no Jiu-jitsu brasileiro.

Em termos de experiências de dor específicas nos sexos, as atletas de Judô do sexo feminino apresentaram uma prevalência significativa de dor ou desconforto nos membros superiores nos últimos 12 meses em comparação com seus colegas do sexo masculino, sendo a região do punho/mão (40%) e os cotovelos (20%) particularmente afetados, atribuídos às habilidades manuais envolvidas nas técnicas de Judô1414 Cynarski WJ, Słopecki J, Dziadek B, Böschen P, Piepiora P. Indicators of targeted physical fitness in and Jujutsu-preliminary results of research. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(8):4347.. Essa observação enfatiza a importância de compreender e abordar os padrões de dor específicos de cada sexo nos esportes de combate.

Os resultados do presente estudo destacam a região do pescoço (50%) como a mais restritiva para atividades normais nos últimos 12 dias entre as praticantes de Judô do sexo feminino. Um estudo envolvendo atletas de esportes de combate relatou a dor no pescoço como um dos sintomas mais frequentemente relatados1515 Brown DA, Grant G, Evans K, Leung FT, Hides JA. The association of concussion history and symptom presentation in combat sport athletes. Phys Ther Sport. 2021;48:101-8.. Possíveis explicações para esses achados decorrem do estrangulamento e da imobilização durante as técnicas de solo, frequentemente associadas a projeções contra oponentes que, na tentativa de se esquivar de arremessos, podem executar takedowns incorretamente.

Na modalidade feminina de Judô, nos últimos 7 dias, as regiões lombar (50%) e torácica (20%) da coluna vertebral foram notadamente afetadas. Os autores1616 Hawrylak A, Chromik K, Barczyk-Pawelec K, Demczuk-Włodarczyk E. Assessment of spine mobility and a level of pressure pain threshold in Contestants. Sci Sports. 2019;34(4):274-5. enfatizam a importância da boa mobilidade da coluna vertebral, especialmente em condições de arremesso, como o golpe goshi, que depende do movimento da cintura pélvica1616 Hawrylak A, Chromik K, Barczyk-Pawelec K, Demczuk-Włodarczyk E. Assessment of spine mobility and a level of pressure pain threshold in Contestants. Sci Sports. 2019;34(4):274-5.. O Judô envolve extensivamente a rotação do tronco, um movimento vital em lutas no solo e posições em pé.

Na modalidade de Jiu-jitsu, os resultados do presente estudo indicam que os membros inferiores, especificamente os segmentos tornozelo/pé, apresentaram dor ou desconforto significativo nos últimos 12 meses e nos últimos 7 dias para o sexo feminino. Esse padrão nas regiões distais pode ser explicado pela natureza descalça das competições e dos treinamentos, em que o pé pode ficar preso no quimono do oponente ou no tatame durante uma passagem de guarda1717 McDonald AR, Murdock FA Jr, McDonald JA, Wolf CJ. Prevalence of injuries during Brazilian Jiu-Jitsu training. Sports (Basel). 2017;5(2):39.. A mecânica da técnica de submissão, que aumenta progressivamente o torque rotacional e o braço de alavanca durante o movimento, contribui para o aumento do estresse na hiperextensão do joelho1818 Eustaquio JMJ, Rabelo AL, Debieux P, Kaleka CC, Barbosa O. Knee injuries prevalence In Brazilian Jiu-Jitsu: epidemiological study. Acta Ortop Bras. 2021;29(6):327-30..

A diferença observada na sensibilidade à dor entre os sexos é um achado consistente em vários estudos, atribuído a vários fatores, inclusive influências biológicas, psicológicas e sociais1919 Zhang H, Bi Y, Hou X, Lu X, Tu Y, Hu L. The role of negative emotions in sex differences in pain sensitivity. Neuroimage. 2021;245:118685. geralmente exibindo menor tolerância e menor limiar de dor em resposta a diversos estímulos do que os homens1919 Zhang H, Bi Y, Hou X, Lu X, Tu Y, Hu L. The role of negative emotions in sex differences in pain sensitivity. Neuroimage. 2021;245:118685.. Os resultados do presente estudo destacam a população feminina como particularmente significativa nesse aspecto, possivelmente influenciada pela duração de sua prática, com a maioria sendo iniciante.

O Judô e o Jiu-jitsu compartilham características de combate semelhantes, e a maior incidência de lesões nos membros inferiores nesses esportes pode ser atribuída a essas características comuns. Notavelmente, o Jiu-jitsu envolve predominantemente a luta no solo, utilizando técnicas de finalização como “chaves” que empurram a articulação do oponente até sua amplitude máxima de movimento. Essa ação sobrecarrega os estabilizadores dinâmicos, incluindo estruturas ósseas, tendões, ligamentos e músculos, podendo causar dor e desconforto e, por fim, obrigar o oponente a ceder2020 Petrisor BA, Del Fabbro G, Madden K, Khan M, Joslin J, Bhandari M. Injury in Brazilian Jiu-Jitsu training. Sports Health 2019;11(5):432-9..

Embora o Judô e o Jiu-jitsu se enquadrem na categoria de esportes de combate de luta agarrada, suas respostas fisiológicas e características de luta são diferentes. O Judô se concentra principalmente na luta em pé, com o objetivo de jogar o oponente no chão com as costas, intercalado com breves intervalos de luta no chão em que os competidores se esforçam para conseguir submissões ou imobilizações rápidas2121 Coswig VS, Gentil P, Bueno JCA, Follmer B, Marques VA, Del Vecchio FB. Physical fitness predicts technical-tactical and time-motion profile in simulated and Brazilian Jiu-Jitsu matches. Peer J. 2018;6:e4851..

O contraste observado nos resultados do presente estudo destaca uma maior prevalência de dor ou desconforto musculoesquelético nos membros superiores do Judô (cotovelo, punho/mão), bem como no pescoço, coluna torácica e lombar. Por outro lado, o Jiu-jitsu demonstra uma predominância de problemas musculoesqueléticos nos membros inferiores, incluindo joelho, tornozelo e pé. Essas disparidades podem ser atribuídas à cinemática distinta inerente a cada modalidade. O Judô, com sua ênfase em quedas e manobras em pé, recruta mais movimentos dos membros superiores. Por outro lado, o Jiu-jitsu é caracterizado por técnicas básicas de luta no solo. Tanto o Judô quanto o Jiu-jitsu brasileiro são reconhecidos como esportes fisicamente exigentes.

Compreender as regiões específicas em que os distúrbios musculoesqueléticos são mais prevalentes em um determinado esporte é fundamental para reconhecer os mecanismos de trauma. Consequentemente, isso permite o desenvolvimento de programas de prevenção mais abrangentes e estratégias de reabilitação mais eficientes.

É importante observar que este estudo foi realizado durante a pandemia da COVID-19, um período marcado pela suspensão das atividades de treinamento de muitos atletas. Como uma possível limitação, os indivíduos que praticam um ou mais esportes podem apresentar excesso de treinamento e sobrecarga, o que representa um risco significativo de dor que pode ter origem em outras atividades esportivas. Consequentemente, estudos futuros devem incorporar programas de intervenção durante o calendário de treinamento e competição, avaliando a interação de vários fatores em todo o espectro esportivo.

CONCLUSÃO

Os resultados revelam padrões distintos de prevalência de dor em regiões anatômicas específicas entre as mulheres praticantes de Judô e Jiu-jitsu em comparação com seus colegas homens. Notavelmente, a coluna lombar, os joelhos e os punhos/mãos se mostraram as regiões mais afetadas em ambos os sexos. As participantes do Judô do sexo feminino apresentaram uma prevalência significativa de dor nos membros superiores, especificamente nos cotovelos e punhos/mãos, em comparação com seus colegas do sexo masculino. Além disso, a região do pescoço surgiu como o principal fator que limita as atividades nesse subgrupo. Por outro lado, nas praticantes de Jiu-jitsu do sexo feminino, a região do tornozelo/pé apresentou dor mais intensa em comparação aos homens, e os joelhos foram identificados como a principal fonte de limitações nas atividades.

Essa compreensão diferenciada da distribuição da dor é fundamental para a elaboração de estratégias de prevenção direcionadas e intervenções fisioterapêuticas adaptadas às necessidades específicas dos atletas envolvidos em esportes de combate. Ao caracterizar de forma abrangente as principais regiões afetadas pelas condições musculoesqueléticas, especialmente a dor, é possível contribuir com insights valiosos para os esforços contínuos de otimização do bem-estar e do desempenho dos indivíduos que praticam esses esportes de alta demanda.

  • — Fontes de fomento: não há.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer ao Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio.

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Editado por

Editor associado responsável: Thiago dos Santos Abner https://orcid.org/0000-0001-9653-3116

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2023
  • Aceito
    29 Jan 2024
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