RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Muito pouco se conhece sobre a epidemiologia da dor crônica no Brasil; principalmente, tratando-se de pesquisas de prevalência de dores múltiplas. Conhecer sobre a prevalência da dor crônica na população brasileira é um passo importante no sentido de revelar a abrangência e magnitude de seus efeitos, proporcionando um direcionamento para as estratégias preventivas e de intervenção, principalmente políticas públicas. O objetivo deste estudo foi revisar descritivamente as publicações realizadas no Brasil para estimar a prevalência de dor crônica na população brasileira.
CONTEÚDO: A busca se deu na base de dados indexadas do Portal de Periódicos da CAPES com os Descritores em Ciências da Saúde: “Prevalência» e «Dor crônica» retornou, após a triagem, um total de 10 artigos. A prevalência de dor crônica dos trabalhos variou de 29,3 a 73,3%, tendo afetado mais mulheres que homens e o local mais prevalente foi a região dorsal/lombar. A grande parte dos estudos encontrou uma percentagem maior que a estimada na população mundial, no entanto não se pode afirmar que a prevalência de dor crônica da população brasileira seja de fato maior, uma vez que os valores das pesquisas refletem apenas dados regionais.
CONCLUSÃO: Os estudos encontrados demonstraram um recente interesse sobre a epidemiologia da dor crônica no país, todos da última década; porém, não permitem uma estimativa precisa, sendo necessário mais estudos para se obter uma prevalência representativa da população do Brasil.
Descritores: Dor crônica; Prevalência; Revisão
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Very little is known about the epidemiology of chronic pain in Brazil; especially in the case of multiple pain prevalence surveys. Knowing about the prevalence of chronic pain in the Brazilian population is an important step in revealing the scope and magnitude of its effects, providing a guide to preventive and intervention strategies, mainly public policies. The objective is to review descriptively the publications made in Brazil to estimate the prevalence of chronic pain in the Brazilian population.
CONTENTS: The search in the indexed database of the Portal of Periodicals of CAPES with the Descriptors in Health Sciences: “Prevalence” and “Chronic Pain” returned, after the screening, a total of 10 articles. The prevalence of chronic pain varied from 29.3 to 73.3%, affecting more women than men and the most prevalent site was the dorsal/lumbar region. Most of the studies showed percentage higher than the estimated for the world population. However, we cannot say that the prevalence of chronic pain in the Brazilian population is higher since the values of the surveys reflect only regional data.
CONCLUSION: The studies found in this review showed a recent interest in the epidemiology of chronic pain in the country, all in the last decade. However, they do not allow an accurate estimate, and more studies are needed to obtain a representative prevalence of the Brazilian population.
Keywords: Chronic Pain; Prevalence; Review
INTRODUÇÃO
A dor é uma condição de difícil compreensão e multifatorial, definida pela International Association for the Study of Pain (IASP) como uma “experiência sensorial e emocional desagradável associada a uma lesão real ou descrita em tais termos”1. Quando aguda, possui um valor biológico importante de preservação da integridade do indivíduo, pois é um sintoma que alerta para ocorrências de lesões no corpo; já a dor crônica não possui essa característica2. Por causar absenteísmo, incapacidade temporária ou permanente, morbidade e elevados custos ao sistema de saúde, a dor tem sido considerada um problema de saúde pública3.
A IASP esclarece que o melhor ponto de partida na diferenciação entre dor crônica e aguda são três meses de ocorrência do agravo, mas para fins de pesquisa sugere um período de seis meses4. Estima-se que a prevalência de dor crônica no mundo esteja em torno de 10,1 a 55,5%, com uma média de 35,5%5. No Brasil, embora não haja muitos estudos epidemiológicos, algumas pesquisas confirmam incidência semelhante à estimada pela IASP6. Na Espanha, uma pesquisa por telefone em 5.000 casas encontrou prevalência de dor crônica de 23,4% da população geral7. Na Noruega, 24,4% de 4.000 noruegueses entrevistados responderam que tinham dor crônica, sendo que 65% destes indicaram que experimentavam a dor há mais de 5 anos8.
Muito pouco se conhece sobre a epidemiologia da dor crônica no Brasil, principalmente se tratando de pesquisas de prevalência de dores múltiplas. Estudos como esses, que avaliam a dor em vários locais do corpo, são importantes por contribuírem para a identificação de suscetibilidade à dor, poderem demonstrar a ocorrência de dores associadas, permitirem uma visão mais ampla do fenômeno na população e fornecerem subsídios para o planejamento de ações preventivas e organização dos serviços de saúde9. Estudos de prevalência de dores específicas, ligadas à clínica, são importantes para fornecer novas tecnologias no manuseio e avaliação da dor, mas não demonstram representatividade da população por apresentarem características que inviabilizam a generalização. Pesquisas na população geral são muito valiosas, no entanto há falta de publicações que retratem a população brasileira9.
Conhecer sobre a prevalência da dor crônica na população brasileira é um passo importante no sentido de revelar a abrangência e magnitude de seus efeitos, proporcionando um direcionamento para as estratégias preventivas e de intervenção, principalmente políticas públicas.
O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão descritiva das publicações realizadas no Brasil para estimar a prevalência de dor crônica na população Brasileira.
CONTEÚDO
Foram incluídos todos os artigos indexados escritos em qualquer idioma, que reportavam dados sobre prevalência de dor crônica na população brasileira em geral ou em classes específicas desta, como estudantes, trabalhadores, idosos etc., independentemente do conceito de dor crônica estabelecido no estudo, da idade ou sexo, dos instrumentos de coletas de dados e da data de publicação. Foram excluídos trabalhos duplicados publicados em periódicos diferentes.
Foram consultadas as bases de dados indexadas do Portal de Periódicos da CAPES utilizando-se os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “Prevalência” e “dor crônica” no mês de outubro de 2016. Os artigos foram selecionados com base na leitura do título ou do resumo. Os potencialmente elegíveis foram lidos na íntegra.
A busca encontrou um total de 91 artigos. Destes, após a triagem, foram incluídos 11 estudos. Foi excluído um artigo por apresentar a mesma publicação em duas revistas diferentes, totalizando uma amostra de 10 trabalhos9-18. A população total dos estudos selecionados foi de 8.508 indivíduos, dos quais as amostras variaram de 6015 e 2.29712 participantes.
As variáveis de interesse são primeiro autor, ano de publicação, tipo de estudo, instrumento de coleta, tamanho da amostra, população, idade, sexo, conceito de dor crônica, percentual de prevalência e local de dor de maior prevalência, foram transferidas por um dos autores para uma planilha eletrônica do Microsoft Word® (Tabela 1). Não foi possível realizar meta-análise devido à heterogeneidade dos trabalhos. Os dados de interesse foram trabalhados por meio de estatística descritiva.
A partir dos estudos elegíveis, observou-se que a prevalência de dor crônica é uma preocupação recente pois as publicações referem-se ao período de 2006 a 2015. A idade média da população dos artigos variou entre 21,111 e 77,6 anos15, cinco deles foram realizados somente com idosos10,15-18, quatro com adultos que incluíram também pessoas idosas9,12-14 e um com indivíduos mais jovens, estudantes de Enfermagem11. Nenhum abrangeu crianças. O fato da população de quase todas os trabalhos incluírem ou possuírem idosos nas populações das pesquisas retornou valores de prevalência relativamente altos, pois a ocorrência da dor aumenta com o aumento da idade19.
Os presentes resultados demonstraram heterogeneidade nos métodos, tipos de população estudada e resultados, impedindo qualquer agrupamento significativo dos dados. A preferência por classes ligadas a projetos ou instituições pode ter ocorrido pela facilidade na obtenção dessas amostras.
O método de pesquisa utilizado por todos foi o transversal. A coleta de dados da maioria dos trabalhos foi realizada por inquérito nas casas dos indivíduos, somente 4 foram realizados em instituições9,11,13,15. O resultado mais interessante que pode ser observado nesta revisão é que a prevalência de dor crônica foi significativa em todos os estudos, a menor foi em Florianópolis (Santa Catarina) de 29,3%18 e a maior em Jequié (Bahia) de 73,3%15. Apesar da maioria das pesquisas9,10-16 encontrarem uma porcentagem maior que a estimada pela população mundial5, não se pode afirmar que a prevalência de dor crônica da população brasileira seja maior, uma vez que os valores refletem apenas dados regionais. Uma revisão da literatura sobre a prevalência de dor crônica na Holanda encontrou uma variação de prevalência entre 2 e 40% da população20, divergente dos valores encontrados neste trabalho. No Reino Unido 46,5% da população geral do país também vive com dor crônica21.
A definição de dor crônica como variável independente não foi apresentada em 2 trabalhos13,15, nos outros a definição foi equivalente a preconizada pela IASP4. O local mais prevalente de dor crônica foi a região dorsal/lombar10,12,14,15,17, seguido da cabeça9,11,14, apenas um dos estudos informou a localização da dor somente por sexo14, um estudo não apresentou os locais de dor18. Em uma pesquisa realizada com amostra representativa nos Estados Unidos22 mostrou que o local mais prevalente de dor também foi as costas (10,1%), seguido de pernas/pés (7,1%), braços/mãos (4,1%) e cabeça (3,5%).
Todos os estudos incluíram homens e mulheres. O sexo feminino foi mais presente na maioria das amostras9,12,14,16-18, em apenas dois o sexo masculino prevaleceu10,13, um não apresentou a quantidade da amostra distribuída por sexo11 e uma das amostras trouxe representação igualitária entre os pares15. Os que tiveram maior número de homens na amostra obtiveram maior prevalência de dor crônica no sexo masculino e os que apresentaram maior número de mulheres, uma prevalência maior no sexo feminino. Somente um dos trabalhos não apresentou a prevalência por sexo17. Portanto, a prevalência da dor crônica dos trabalhos foi maior em mulheres que em homens. Essa prevalência pelo sexo feminino também é demonstrada em outros trabalhos7,8,22-27.
CONCLUSÃO
Os estudos encontrados demonstraram um recente interesse sobre a epidemiologia da dor crônica no país, todos da última década, porém ainda há a necessidade de mais estudos para se obter uma prevalência representativa da população do Brasil. Não foi possível afirmar que a prevalência de dor crônica na população brasileira esteja no intervalo encontrado nos estudos, tendo em vista a heterogeneidade e regionalidade dos trabalhos.
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Fontes de fomento: não há.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2018
Histórico
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Recebido
14 Ago 2017 -
Aceito
29 Mar 2018