Prevalência da disfunção temporomandibular em atletas: revisão integrativa

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A disfunção temporomandibular é considerada um conjunto de alterações que acometem os músculos mastigatórios, articulação temporomandibular e estruturas adjacentes, os quais podem impactar negativamente na qualidade de vida dos seus portadores. Um grupo populacional no qual a prevalência de disfunção temporomandibular tem aumentado nos últimos anos é o de atletas. Assim, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão integrativa da literatura a fim de verificar a prevalência das disfunções temporomandibulares em atletas, bem como os fatores relacionados a sua predisposição.

CONTEÚDO:

As buscas foram realizadas nas bases de dados Medline, LILACS e Scielo, utilizando os descritores “temporomandibular joint”, “athletic injuries” e “temporomandibular disease”. Os critérios de inclusão foram pesquisas oriundas de dados primários com qualquer delineamento; tendo como público-alvo os atletas e que abordassem a presença de disfunção temporomandibular articular ou muscular. Foram selecionados 10 estudos que foram incluídos nesta revisão. Os resultados obtidos com as análises dos artigos evidenciaram que atletas estão sujeitos às disfunções temporomandibulares não somente pelas lesões sofridas durante as competições, mas também por fatores associados ao estresse e ao uso de dispositivos específicos da prática desportiva.

CONCLUSÃO:

A ocorrência de disfunções temporomandibulares é comum entre atletas, mas elas podem ser evitadas com a utilização de medidas preventivas e tratamentos conservadores. O acompanhamento odontológico é fundamental para prevenir ou tratar a disfunção temporomandibular.

Descritores:
Atletas; Bruxismo; Saúde bucal; Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Temporomandibular disorder is considered to be a set of clinical manifestations that affect the masticatory muscles, the temporomandibular joint and adjacent structures, whose signs and symptoms can negatively impact the quality of life of their patients. A population group in which the prevalence of temporomandibular disorder has increased in recent years is that of athletes. The aim of the present study was to conduct an integrative literature review to verify the prevalence of temporomandibular disorders in athletes, as well as factors related to their predisposition.

CONTENTS:

The searches were performed in the Medline, LILACS and Scielo databases, using the descriptors “temporomandibular joint”, “athletic injuries” and “temporomandibular disease”. Inclusion criteria were researches derived from primary data regardless of design, which was the target audience of athletes and that addressed the presence of temporomandibular joint or muscle dysfunction. Ten studies were selected and included in the review. The results obtained with the analysis of these articles showed that athletes are subject to temporomandibular disorders not only due to injuries suffered during competitions, but also due to factors associated with stress and the use of specific devices for sports practice.

CONCLUSION:

The occurrence of temporomandibular disorders is common among athletes, but can be avoided with the use of preventive measures and conservative treatments. Dental monitoring is essential for these professionals to perform well, preventing the occurrence of temporomandibular disorders or treating them when they occur.

Keywords:
Athletes; Bruxism; Oral health; Temporomandibular joint dysfunction syndrome

INTRODUÇÃO

Com a crescente necessidade de se atingir patamares cada vez mais elevados de desempenho físico durante os torneios esportivos exigem-se dos atletas treinamentos cada vez mais intensos que os preparem para competir sem riscos ou diminuição do seu rendimento físico¹. Nesse contexto, as condições de saúde bucal têm ganhado notável relevância nos últimos anos.

Problemas craniofaciais tais como a respiração bucal, desordens da articulação temporomandibular (ATM), doença periodontal, má oclusão e perdas dentárias podem influenciar na tríade guia do atleta: alimentação, treinamento e repouso. O desequilíbrio nesses três itens pode repercutir em baixo rendimento ou até mesmo no afastamento do atleta dos treinamentos e competições¹.

Disfunção temporomandibular (DTM) é um termo genérico que inclui inúmeros problemas clínicos que afetam os músculos da mastigação, a ATM e as estruturas associadas. Esse conjunto de alterações tem etiologia multifatorial e pode provocar dor pré-auricular e nos músculos envolvidos com a mastigação, limitações ou desvios durante o movimento mandibular, ruídos durante a mastigação, edema articular, bem como a combinação desses^2-4. A prevalência de DTM na população adulta é cerca de 10 a 15% e 4 a 7% em adolescentes^5,6. Dados mais atuais de um serviço de controle de dor orofacial mostraram que 84% dos pacientes relataram a presença de tensão na região temporomandibular e 48% apresentam dor diariamente nessa região⁷.

Em relação aos atletas, a prevalência de DTM pode variar de acordo com o tipo de esporte praticado e a intensidade e frequência dos treinos⁸. Autores⁹ demonstraram que alterações na posição da ATM podem modificar a sincronização dos músculos da cabeça e da mandíbula com os músculos de outros locais do corpo desencadeando alterações posturais, no equilíbrio corporal e desempenho físico.

Especificamente em relação às modalidades esportivas, sugere-se que os praticantes de boxe, por ser um esporte de alto nível de esforço físico e psicológico, são mais propensos a desenvolver DTM devido aos inúmeros traumatismos na região da face¹⁰. Outros estudos relatam que, durante a prática de esportes radicais, há mais risco para o estabelecimento de alterações na ATM^11,12.

Além disso, evidenciou-se em outro estudo que a postura dos atletas de softbol pode influenciar no crescimento da incidência da DTM devido ao aumento na atividade elétrica do masseter, principal músculo envolvido no processo de elevação mandibular¹³. Alguns autores indicam a presença de limitação da abertura da boca e dor à palpação nos músculos levantadores da mandíbula em competidores adolescentes, os quais podem influenciar no seu desempenho esportivo¹⁴. A prevalência de DTM em mergulhadores está próxima de 20% devido ao barotrauma¹⁵.

Partindo da premissa de que a DTM está presente em considerável parcela da população, que atletas são considerados um grupo populacional exposto a fatores de risco para DTM e que não foi encontrado na literatura, até o presente momento, nenhum estudo que sintetize as evidências relacionadas ao tema, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão integrativa para verificar a prevalência das DTM em atletas, assim como os fatores relacionados à sua predisposição.

CONTEÚDO

Foi realizada revisão integrativa com o objetivo de identificar os trabalhos existentes na literatura científica nacional e internacional sobre a temática “disfunção temporomandibular em atletas”. Sem filtros para determinar período de tempo, foram feitas buscas nas bases de dados Pubmed, LILACS e Scielo, durante os meses de agosto e setembro de 2019. Para a estratégia de busca, foram utilizados, em inglês, os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “temporomandibular dysfunction”, “athletic injuries” e “temporomandibular joint”.

Os títulos e resumos dos artigos encontrados foram lidos por dois pesquisadores de forma independente. Os critérios de inclusão foram pesquisas oriundas de dados primários, com qualquer delineamento, tendo como público alvo atletas e que abordassem a presença de DTM articular ou muscular (Figura 1). Os critérios de exclusão foram revisões de literatura e a presença de comorbidades associadas à DTM. Ao final da categorização e análise dos estudos, foi realizada a interpretação dos resultados, cuja síntese apresenta-se na tabela 1.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos estudos

Tabela 1
Relação dos estudos, segundo autores/país/ano, metodologia/amostra, resultados e conclusão

Autores/País	Metodologia/amostra	Resultados/conclusão
Hobson16 Escócia	Estudo transversal, descritivo. Amostra: 74 mergulhadores (62 homens e 12 mulheres). Objetivo: Verificar o impacto do uso da máscara de mergulho em relação aos sinais e sintomas da DTM em mergulhadores	Os resultados indicaram que o uso da máscara de mergulho pode contribuir, negativamente, nos casos de DTM. O desconforto durante o uso da máscara foi considerado preditor para presença de alteração muscular.
Persson e Kiliaridis17 Suécia	Estudo transversal, descritivo. Amostra: 26 lutadores e 26 não lutadores (controle) do sexo masculino. Objetivo: examinar a prevalência de problemas dentários, DTM e cárie dentária.	Os lutadores apresentaram alterações dentárias mais graves e frequentes, localizadas em sua maioria, na região anterior da maxila quando comparados aos controles. Não foram identificadas diferenças estatísticas na prevalência de cárie ou DTM entre os grupos.
Aldridge e Fenlon18 Reino Unido	Estudo transversal, descritivo. Amostra: 63 mergulhadores (42 homens e 21 mulheres). Objetivo: Investigar a prevalência de DTM.	A prevalência de DTM entre os mergulhadores foi de 47,6%. Quando analisados separadamente os valores de DTM de água quente e água fria, a prevalência de DTM é maior nesse último.
Jagger et al.19 Reino Unido	Estudo transversal, descritivo. Amostra: 200 mergulhadores. Objetivo: avaliar as complicações orais associadas com o mergulho tais como a DTM e fraturas dentárias.	A prevalência de dor orofacial foi de 44%, demonstrando ser alteração comum em mergulhadores.
Weiler et al.20 Brasil	Estudo transversal, descritivo. Amostra: 46 jogadores de basquete, adolescentes do sexo masculino e 41 adolescentes não atletas pertencentes ao grupo controle. Objetivo: Comparar a prevalência de sinais e sintomas de DTM, bem como examinar a associação entre sinais e sintomas de DTM em diferentes estágios de Tanner.	Não houve diferença significativa entre atletas e não atletas em relação aos sinais ou sintomas de DTM. Ao comparar os adolescentes que apresentaram pelo menos um sintoma da DTM nos diferentes subgrupos de estágios de Tanner, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes.
Weiler et al.21 Brasil	Estudo transversal, descritivo. Amostra: 89 jogadores de basquete adolescentes do sexo feminino e 72 adolescentes não atletas (controle). Objetivo: Comparar a prevalência de sinais e sintomas de DTM, bem como examinar a associação entre sinais e sintomas de DTM nessa população em diferentes estágios de Tanner.	Não houve diferença significativa entre atletas e não atletas em relação à presença de DTM. Ao comparar os adolescentes que apresentaram sintomas de DTM entre os diferentes subgrupos dos estágios de Tanner, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes.
Mendoza-Puente et al.22 Espanha	Estudo de caso controle. Amostra: 18 boxeadores e 20 jogadores de handball. Objetivo: avaliar diferenças na incidência de cefaleia, mecanosenssibilidade do nervo trigêmeo e DTM entre atletas de diferentes modalidades.	A comparação entre os grupos encontrou diferenças significativas em todas as medidas de desfecho (p<0,05) relativas à região da face, com piores resultados no grupo de boxeadores.
Lobbezoo et al.23 Holanda	Estudo transversal, descritivo. Amostra: 536 mergulhadores sem sinais ou sintomas de DTM antes do início da prática do mergulho. Objetivo: determinar preditores para o desenvolvimento de queixas de DTM em mergulhadores.	44,1% dos mergulhadores relataram dor associada à DTM. Apertamento e mordedura, bem como uma posição mais baixa da máscara de mergulho são preditores para a presença de dor nessa população. Mergulhar em água fria mostrou-se ser um fator de proteção para dor na ATM.
Bonotto et al.24 Brasil	Estudo transversal, descritivo. Amostra: profissionais praticantes de karatê (grupo I; n = 24), praticantes amadores de karatê (grupo II; n = 17), lutadores de artes marciais mistas de alto desempenho (grupo III; n = 13), e não atletas (grupo IV; n = 28). Objetivo: investigar a prevalência de DTM em atletas de alto desempenho e compará-la com a prevalência em atletas amadores e não atletas.	A prevalência de DTM nos grupos I (54,2%; p=0,003) e III (61,5%; p=0,002) foi significativamente maior que no grupo IV (14,3%). A prevalência no grupo II foi semelhante ao grupo IV, (p>0,05). Diagnóstico de deslocamento do disco foi identificado com maior frequência nos grupos I (45,8%; p=0,013) e III (38,5%; p=0,012) do que no grupo IV (7,1%). A dor crônica associada à DTM foi de baixa intensidade e não incapacitante em todos os grupos.
Bonotto et al.25 Brasil	Estudo transversal, descritivo. Amostra: 30 jogadores de rugby (grupo I) e 28 não atletas (grupo II). Objetivo: determinar a prevalência de DTM em jogadores de rugby.	A prevalência de DTM foi maior no grupo I (53,3%) quando comparada ao grupo II (14,3%), assim como a dor miofascial (40% e 7,1%, respectivamente). Diagnóstico de deslocamento do disco e apertamento dentário também foram superiores no grupo I em relação ao grupo II.

Dentre as principais causas para a exclusão dos artigos, estão a presença de estudos de revisão (9), estudos que não avaliavam a prevalência da DTM (30), estudos cujos resultados não se enquadravam dentro da pergunta de pesquisa do presente estudo (36).

DISCUSSÃO

Os traumas orofaciais e dentários continuam sendo problema comum para àqueles que estão envolvidos em esportes coletivos. Todos apresentam algum risco de lesão orofacial, porém aqueles com maior contato físico estão mais predispostos a tais eventos. Lesões dentárias comuns nos esportes incluem fraturas, intrusão, extrusão, avulsão dentária e luxação da ATM²⁶.

A prevalência de DTM é alta em determinadas práticas esportivas, principalmente naquelas que geram impactos na região da face e da ATM, assim como nas que necessitam do uso de dispositivos que possam alterar a posição funcional do sistema estomatognático^16-26. Portanto, fica evidente a necessidade de um acompanhamento multidisciplinar dos competidores, com a indispensável presença do cirurgião-dentista²⁷.

Atletas do sexo feminino, embora capazes de competir da mesma forma que os do masculino, possuem variações anatômicas e fisiológicas que as colocam frente a um risco maior de lesões²⁸. Alguns dos estudos avaliados relataram maior prevalência de DTM em mulheres, quando comparadas a homens atletas. Essa diferença pode ser também observada em estudos populacionais. A prevalência de DTM foi cinco vezes maior em mulheres quando comparada aos homens segundo estudo que avaliou 748 indivíduos²⁹. Além disso, a presença de dor também foi maior no sexo feminino. Essa diferença pode estar associada à presença de marcantes alterações hormonais nas mulheres²². Outra explicação plausível são as diferenças anatômicas entre os sexos, relacionadas à angulação mandibular e a inserção muscular mastigatória^20,21.

Atenção especial tem sido dada aos mergulhadores, principalmente em relação ao uso da máscara de mergulho. O apertamento e a mordedura, além da posição mais baixa da máscara de mergulho, tem sido relatados como fatores predisponentes para o aparecimento das DTM^18,23. Um estudo³⁰ demonstrou que os sintomas de DTM relacionados ao mergulho incluem dor e fadiga na ATM e músculos da mastigação, crepitação ou estalido da ATM, cefaleia e zumbido.

Outra questão apontada em alguns trabalhos como fator relacionado à DTM em mergulhadores é a temperatura da água. Sabe-se que a água fria possui ação benéfica nos casos de recuperação rápida pós-exercícios, e é muito utilizada na medicina esportiva¹⁹. Todavia, evidências demonstram que a água morna possui um efeito melhor nos casos de DTM, uma vez que o mergulho em água fria pode provocar nível alto de rigidez mandibular, gerando maior atividade da ATM¹⁴. Entretanto, ainda não existe consenso quanto à temperatura da água para a realização de esportes aquáticos e sua influência nos quadros de DTM. Mais estudos sobre esse tema devem ser realizados a fim de elucidar este assunto.

As atividades esportivas, especialmente as competitivas, influenciam de maneira acentuada nas emoções, podendo ser vistas como potentes estressores. A relação estabelecida entre ansiedade ou estresse e DTM pode ser explicada pela elevação da contração dos músculos mastigatórios, iniciando um processo de hiperatividade muscular³¹. Assim, o estabelecimento do diagnóstico e da terapêutica nos períodos iniciais da vida desportiva parece estar indicado, sendo de suma importância o estabelecimento de protocolos individuais para cada atleta no intuito de contribuir para a melhora do seu rendimento.

Quanto ao uso de protetores bucais, estudo³² demonstrou que, em indivíduos com deslocamento anterior do disco, o uso dos dispositivos não está aconselhado devido a piora na relação entre a cabeça da mandíbula e o disco articular.

Os estudos existentes possuem vieses relacionados a forma de diagnosticar a presença da DTM, como é o caso de pesquisas que utilizam a autoavaliação para estabelecer o diagnóstico, o que pode influenciar nos resultados. É necessário, portanto, que estudos de melhor qualidade sejam realizados para que os fatores preditores e protocolos de prevenção e tratamento precoces sejam estabelecidos para evitar o desenvolvimento e agravamento das DTM.

CONCLUSÃO

A ocorrência das DTM é comum entre atletas. Em alguns casos, essas disfunções podem ser evitadas com a adoção de medidas preventivas e tratamentos conservadores, e o acompanhamento odontológico são fundamentais para prevenir ou tratar as DTM.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Mar 2021
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2021

Histórico

• Recebido
  02 Jun 2020
• Aceito
  07 Jan 2021