Metanálise sobre características de carcaça e carne de novilhos confinados de diferentes origens genéticas no Brasil

Resumo

O objetivo do presente estudo foi avaliar as características da carcaça e da carne de novilhos confinados no Brasil de acordo com o grupo genético por meio de uma revisão sistemática e meta-análise. Foi realizada busca eletrônica de artigos nas bases de dados Scielo e Google Acadêmico e os dados foram agrupados de acordo com a predominância genética. Os resultados foram testados quanto à heterogeneidade e submetidos ao teste de normalidade e teste F e as médias comparadas pelo teste de Tukey. Novilhos predominantemente britânicos foram terminados em idade mais jovem, necessitaram de tempos de confinamento mais longos e apresentaram menores pesos de carcaça quente e menores áreas de olho de lombo no abate. Os percentuais de carcaça muscular foram maiores nos novilhos Continentais e Sintéticos em relação aos Britânicos e Zebu, enquanto os percentuais de gordura foram maiores nos Britânicos e Zebu em comparação aos continentais e sintéticos. O marmoreio da carne foi maior nos novilhos britânicos, continentais e mestiços em relação aos novilhos sintéticos e zebuínos. A origem do novilho britânico permite menor idade de abate, embora leve à redução do peso da carcaça quente, enquanto a predominância genética do zebu pode produzir carcaças com alto percentual de gordura.

Palavras-chave:
britânico; continental; gordura subcutânea

Abstract

The aim of the present study was to assess the carcass and meat characteristics of feedlot steers in Brazil according to genetic group through a systematic review and meta-analysis. An electronic article search was conducted at the Scielo and Google Scholar databases and data were grouped according to genetic predominance. The results were tested for heterogeneity and submitted to a normality test and F test and the means were compared by the Tukey test. Predominantly British steers were finished at a younger age, required longer confinement times and displayed lower hot carcass weights and smaller loin eye areas at slaughter. Muscle carcass percentages were higher in Continental and Synthetic steers compared to British and Zebu steers, while fat percentages were higher in British and Zebu steers compared to continental and synthetic breeds. Meat marbling was higher in British, continental and crossbreed steers compared to synthetic and zebu steers. A British steer origin allows for decreased slaughter age, although leading to reduced hot carcass weight, while a genetic Zebu predominance can produce high fat percentage carcasses.

Keywords
british; continental; subcutaneous fat.

1. Introdução

As preocupações mundiais com a segurança alimentar tem aumentado à medida que os prognósticos de crescimento populacional e de consumo têm mostrado que a demanda mundial por alimentos será significativamente maior nas próximas décadas (¹). Nessa perspectiva, o Brasil é apontado como um dos principais responsáveis pela produção mundial de carne bovina nos próximos anos (²), com a responsabilidade de incrementar a produção de forma sustentável (³).

Devido a ampla diversidade de ambientes de produção e sistemas de manejo no Brasil, a qualidade da carne bovina no país tende a ser altamente variável, o que dificulta a sistematização de alguns efeitos, como o genético (⁴). Mesmo que nas últimas décadas as pesquisas têm se empenhado em quantificar os efeitos genéticos sobre as características da carcaça e carne, foram poucos estudos que conseguiram comparar mais de dois predomínios genéticos de bovinos (britânicos, continentais, zebuínos e suas cruzas), em uma mesma pesquisa. Essa dificuldade se dá por esse tipo de estudo exigir um número elevado de animais a fim de assegurar os pressupostos estatísticos. Uma alternativa a isso é a adoção de procedimentos meta-analíticos, que podem ser utilizados com análise conjunta de trabalhos, por meio de sistematização dos resultados de múltiplos estudos, permitindo aumentar a precisão, reduzir custos e tempo de pesquisa e aumentar os graus de liberdade na análise (⁵, ⁶, ⁷).

Grande parte dos bovinos abatidos no Brasil são de origem Bos indicus (mais de 80%), dada a sua tolerância ao clima tropical e alta resistência a ectoparasitas (⁸). Apesar de suas vantagens para produção em ambientes tropicais, em sistemas intensivos como o confinamento, tem-se aumentado a procura por animais com algum grau de sangue europeu, seja para formação de genótipos definidos, ou em cruzamentos para exploração da heterose ou formação de raças sintéticos, em virtude do tensionamento do mercado por características de carcaças e carnes de qualidade superior (⁹). Portanto, características de interesse da indústria de carne bovina, como as quantitativas da carcaça e sua composição física, são economicamente importantes, pois afetam o rendimento dos cortes e a percepção do consumidor final em relação à qualidade da carne e vem sendo amplamente avaliada em função de efeitos genéticos (¹⁰).

O objetivo deste trabalho é avaliar por meio de revisão sistemática e meta-análise, características da carcaça e carne de novilhos de diferentes predomínios genéticos confinados no Brasil. Nossa hipótese é que mesmo em sistemas de terminação semelhantes, tanto no uso do confinamento quanto nos abates programados para atender o mercado consumidor, ainda é possível identificar diferenças nas características da carcaça e carne de novilhos terminados no Brasil, em virtude dos predomínios genéticos.

2. Material e métodos

2.1 Revisão sistemática

Entre junho e dezembro de 2019, dois revisores independentes selecionaram artigos relacionados a carcaça e carne de novilhos terminados em confinamento, por meio de busca eletrônica na base de dados Scielo e Google Acadêmicos.

O critério de escolha da pergunta utilizada na busca dos artigos foi decomposto seguindo a ferramenta PICO (¹¹), que representa um acrônimo para Paciente, Intervenção, Comparação e “Outcomes” (desfecho). Na plataforma eletrônica Google Acadêmicos foi estabelecido critério de pesquisar por páginas em português, sem restrição de ano. Na plataforma eletrônica Scielo não houve restrição de idioma ou de ano. Com ambas as plataformas foram utilizados os quatro componentes da estratégia PICO e a construção das palavras-chaves utilizada nesta pesquisa (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição da estratégia PICO e elaboração das palavras-chaves

Acrônimo	Definição	Protocolo de busca	Estratégia de busca
P	Paciente ou problema	Bovinos de corte	beef cattle
I	Intervenção	Diferentes condições sexuais e diferentes categorias	steers OR cattle OR steers young
C	Controle ou comparação	Que fossem terminados em confinamento	confined steers OR fi- nished in confinement
O	Desfecho (“outcomes”)	Características quantitativas e qualitativas da carcaça e carne	carcass weight OR carcass yield OR tenderness of the meat OR muscle yield

Ao final do processo de busca foram encontrados 380 artigos, 193 obtidos da plataforma Google Acadêmico e 187 obtidos da plataforma Scielo. Na etapa seguinte, os títulos dos artigos foram lidos, sendo eliminados os artigos duplos. Cada artigo teve seu resumo copiado para formulários eletrônicos do Google Forms para avaliação às cegas. Foram elaborados 10 formulários eletrônicos e salvos na pasta virtual do Google Drive.

2.2 Triagem e seleção dos artigos

Na etapa de triagem, 10 avaliadores foram escolhidos e orientados a acessarem o endereço eletrônico do Google Drive que continha os 10 formulários eletrônicos, um específico para cada revisor de acordo com a ordem de acesso ao endereço eletrônico. Cada resumo apareceria em 2 formulários distintos e os avaliadores teriam que classificar os artigos entre “apto” e “não-apto” para entrar na base de dados. Os artigos “aptos” teriam que: (1) ser oriundos de pesquisas primárias (trabalho de campo); (2) terem abordado as características de carcaça e carne de novilhos confinados; (3) deveriam ter sido desenvolvidos no Brasil; (4) deveriam informar a raça ou o predomínio genético dos animais. Caso um dos critérios supramencionados não fosse atendido, o artigo era classificado no “não-apto”.

2.3 Base de dados

Após a etapa de triagem, restaram 76 artigos que foram avaliados na íntegra para construção da base de dados. A base de dados foi elaborada em planilha do Excel, em que cada tratamento dos artigos foi considerado uma unidade amostral (uma linha) na base de dados. Para cada unidade amostral, foram retiradas informações do material e métodos e resultados e discussão do respectivo tratamento. Na sequência, os dados foram classificados em função do predomínio genético dos novilhos, sendo eles: Britânicos; Continentais; Zebuínos; Sintéticos ou Cruzados. Foram analisadas 13 (treze) variáveis: idade na terminação; período de terminação; peso corporal ao abate; peso de carcaça quente; rendimento de carcaça quente; área de olho-de-lombo; espessura de gordura subcutânea; percentual de músculo; percentual de osso; percentual de gordura; coloração da carne; marmoreio da carne e força de cisalhamento da carne.

2.4 Análises estatísticas

Os dados foram analisados com auxílio do programa SAS 9.2. A consistência dos resultados entre os experimentos foi quantificada por meio das medidas de heterogeneidade do teste Qui-quadrado (Q) e estatística I² (¹²), que quantifica o impacto da heterogeneidade na meta-análise, com um critério independente do número de estudos e do efeito métrico de cada tratamento (¹³). A estatística I² é dada por:

$$I^2(\mathrm{\%})=\left(\frac{Q-(k-1)}{Q}\right)\times 100$$

Em que: Q é a estatística de heterogeneidade χ2 e k é o número de ensaios.

Para identificação dos artigos que causavam maior heterocedasticidade, foi utilizada a estatística rstudent, como critério de exclusão de publicações que apresentavam excesso de observações com valores acima de 2 e abaixo de -2. Os artigos também foram analisados quanto à similaridade metodológica, sendo necessária a utilização da mesma metodologia para análise da carne, conforme a descrita por Pacheco (¹⁴). Após esses procedimentos, foram removidas da análise 22 publicações, restando 52 artigos que compuseram a matriz de dados.

Os dados foram testados quanto à normalidade, através do teste KolmogorovSmirnov e de homogeneidade das variâncias pelos testes de Levene’s e Brow-Forsythe. O procedimento de modelos mistos pelo comando PROC MIXED, foi utilizado nas variáveis com distribuição normal, devido à natureza das medidas repetidas dos dados, sequencialmente no tempo (artigos). Sendo elas submetidas à análise de variância com aplicação do teste F e as médias significativas foram comparadas com o teste de Tukey com nível de significância de 5%. As variáveis período de terminação, peso corporal de abate, percentual de músculo, percentual de osso e força de cisalhamento, não atenderam os pressupostos de normalidade e homogeneidade dos resíduos e foram analisadas pelo procedimento GLIMMIX do SAS 9.2, através do comando PROC GLIMMIX. O GLIMMIX ajusta modelos estatísticos a dados com correlações ou variabilidade inconstante e onde a resposta não é necessariamente normalmente distribuída (¹⁵).

O modelo matemático utilizado para a análise de variância é descrito a seguir:

$$Y_{ij\mathrm{d}\mathrm{m}}=\mu +n_1+{\text{Predomínio}}_1+{\text{Sexo}}_{\mathrm{k}}+{\text{Concentrado}}_1+{\text{Objeto}}_{\mathrm{m}}+e_{i\mathrm{j}\mathrm{d}\mathrm{m}}$$

Considerando: Y_ijklm, as variáveis dependentes; µ, a média de toda as observações; n_i, efeito do número amostral do artigo; Predomínio_j, efeito do predomínio genético; Concentrado_l, efeito do percentual de concentrado da dieta; Sexo_k, efeito da condição sexual; Objeto_m, efeito do objeto de estudo; e_ijklm, erro aleatório associado a cada observação, NID (0, σ2).

3. Resultados

Os novilhos terminados em confinamentos brasileiros demonstram diferenças na idade de abate e período de terminação, sem diferir no peso corporal ao abate, em função do predomínio genético (Tabela 2). Novilhos britânicos são abatidos com idade semelhante aos continentais e inferior aos de origem zebuína, sintética e cruzado. A redução da idade de abate dos britânicos, implicou em maior período de confinamento do que os de origem continental, zebuínos e sintéticos. Os novilhos de predomínio sintético demandaram menor tempo de confinamento do que os cruzados. O peso de abate não sofreu influência do predomínio genético nas pesquisas brasileiras.

Tabela 2
Idade, peso inicial e final de novilhos confinados em função do grupo genético

	Idade, meses	Período de terminação, dias	Peso ao abate, kg
Britânico	15.4 ± 1.2b	165.1 ± 11.5a	396.8 ± 22.5
Continental	18.8 ± 1.2ab	122.4 ± 10.1bc	444.3 ± 14.4
Zebuíno	21.1 ± 1.0a	128.2 ± 6.5bc	451.2 ± 10.6
Sintético	20.1 ± 1.2a	117.4 ± 5.6c	458.3 ± 17.5
Cruzado	20.1 ± 0.8a	141.4 ± 5.1ab	444.9 ± 10.6
P valor	0.0036	0.0013	0.1525

As características quantitativas relacionadas ao abate e resfriamento das carcaças dos animais avaliados no presente estudo diferiram entre os grupos de predomínios genéticos (Tabela 3). O peso de carcaça quente foi inferior nos novilhos de origem britânica, quando comparados aos novilhos zebuínos, sintéticos e cruzados, não diferindo dos novilhos com predomínio continental. O rendimento de carcaça quente foi similar entre os britânicos, continentais, zebuínos, sintéticos e cruzados. Nas avaliações quantitativas do músculo longissimus dorsi, a área de olho-de-lombo das carcaças de novilhos de origem continental, zebuína, sintética e cruzados foram semelhantes entre si e superiores aos de origem britânica. Na espessura de gordura subcutânea não foi identificada influência do predomínio genético.

Tabela 3
Características quantitativas e qualitativas da carcaça de novilhos confinados em função do grupo genético

	PCQ, kg	RCQ, %	AOL, cm2	EGS, mm
Britânico	213.4 ± 11.8b	54.1 ± 1,2	56.6 ± 3.6b	4.8 ± 0.6
Continental	232.6 ± 18.3ab	53.1 ± 1.8	68.1 ± 4.8a	4.5 ± 0.9
Zebuíno	253.1 ± 7.3a	56.1 ± 0.5	64.3 ± 1.9a	5.1 ± 0.4
Sintético	251.3 ± 8.9a	55.0 ± 0.9	70.9 ± 2.6a	4.3 ± 0.5
Cruzado	250.9 ± 5.6a	56.0 ± 0.6	66.4 ± 1.6a	4.3 ± 0.3
P valor	0.0174	0.2324	0.0116	0.2600

PCQ = Peso de carcaça quente; RCQ = Rendimento de carcaça quente; AOL = Área de olho-de-lombo; EGS = Espessura de gordura subcutânea

O percentual de músculo e gordura na carcaça sofreu efeito dos predomínios genéticos (Tabela 4). O predomínio continental e sintético conferem maior percentagem de músculo na carcaça do que o predomínio britânico, zebuíno e cruzado. Sendo esses últimos semelhantes entre si. O percentual de gordura foi maior nos predomínios britânico e zebuíno em relação aos continentais e sintéticos. Novilhos cruzados não diferem no percentual de gordura em relação aos demais grupos analisados. O percentual de osso não sofreu efeito dos predomínios genéticos.

Tabela 4
Composição física da carcaça de novilhos confinados em função do grupo genético

	Músculo, %	Gordura, %	Osso, %
Britânico	61.5 ± 0.9b	23.1 ± 1.0a	15.1 ± 0.3
Continental	66.9 ± 1.5a	19.5 ± 1.4b	14.9 ± 0.4
Zebuíno	61.5 ± 1.3b	24.4 ± 1.2a	15.8 ± 0.4
Sintético	68.4 ± 2.5a	16.9 ± 2.4b	15.3 ± 0.7
Cruzado	63.6 ± 0.7b	22.1 ± 0.8ab	15.0 ± 0.2
P valor	0.0024	0.0104	0.2127

A coloração e a força de cisalhamento da carne não sofreram influência dos predomínios genéticos (Tabela 5). O marmoreio da carne em animais de predomínios genéticos britânicos, continentais e cruzados não diferem entre si, mas foram superiores aos animais de origem zebuína e sintético.

Tabela 5
Características da carne de novilhos confinados em função do grupo genético

	Coloração, pontos	Marmoreio, pontos	Força de cisalhamento, kgf/cm3
Britânico	3.69 ± 0.18	6.37 ± 0.50a	5.62 ± 0.40
Continental	3.85 ± 0.18	6.57 ± 0.65a	4.79 ± 0.68
Zebuíno	3.49 ± 0.26	4.70 ± 0.73b	5.49 ± 0.51
Sintético	4.35 ± 0.61	3.02 ± 0.98b	4.53 ± 0.25
Cruzado	3.93 ± 0.09	6.20 ± 0.36a	5.84 ± 0.33
P valor	0.3777	0.0148	0.2712

4. Discussão

A precocidade das raças europeias, principalmente nos animais de raças definidas britânicas, em relação a genótipos que possuem sangue zebuíno pode ser observada na idade ao abate e no peso de carcaça quente desta metanálise. O predomínio britânico conferiu redução na idade de abate em relação aos zebuínos, sintéticos e cruzados, sem diferir aos continentais. Porém demandaram maior tempo em confinamento do que os continentais, zebuínos e sintéticos, o que é explicada pela baixa idade que os britânicos são confinados no Brasil. Fernandes (¹⁶), relatam que a precocidade é uma das características mais desejadas comercialmente, pois está inversamente correlacionada com a maciez da carne. Segundo os autores, esse fato influencia a indústria frigorífica e as associações de criadores de gado a incentivarem os produtores a sacrificar os animais quando jovens, com prêmios e bônus aos criadores que produzem animais precoces. Mazzucco (¹⁷), explicam que é característico em raças britânicas, o menor tamanho adulto, a maturação mais precoce e a produção de carcaças mais leves, porém com mais gordura e menor percentagem de massa muscular magra do que raças continentais e suas cruzas. Owens (¹⁸) define a maturidade fisiológica como o peso em que a massa protéica corporal atinge o seu máximo, situação a qual o acréscimo de proteína declina a praticamente zero, o que tem sido verificado quando os animais apresentam em torno de 36% de gordura no peso de corpo vazio.

As semelhanças nos pesos de abate e espessura de gordura subcutânea verificada nos diferentes predomínios genéticos se deve, provavelmente, aos estudos serem realizados com abates programados para atender o mercado consumidor, não sendo explorado todo o potencial de deposição para ganho de peso e gordura dos novilhos, podendo ainda ter influência da idade e do tempo de terminação dos animais. No entanto, ainda que o peso de abate tenha sido semelhante, o peso de carcaça quente foi inferior no predomínio britânico em relação aos demais grupos estudados nesta metanálise, possivelmente como resposta à baixa idade de abate desse grupo. Esse resultado evidencia o paradoxo que muitos sistemas produtivos se deparam, quando buscam maior precocidade nos rebanhos mas comprometem o peso da carcaça. Isso, como resposta às características distintas dos processos de seleção e respectivas aptidões das raças. Uma vez que animais de origem continental foram selecionados buscando ganhos de peso e elevados pesos corporais à maturidade, exigindo assim maior musculatura, enquanto raças britânicas, pela sua maior precocidade, vem sendo submetidas a intenso processo de seleção para redução da idade de abate e qualidade de carne (¹⁹, ²⁰). Essas características também se manifestam nas raças sintéticas e nos genótipos cruzados, sendo amplamente utilizadas de forma complementar nos cruzamentos (²⁰, ²¹).

A menor área do longissimus para os animais com predomínio britânico pode estar associada a sua menor idade de abate. A precocidade dos animais britânicos para deposição de gordura associado a bons níveis nutricionais na fase de terminação permite uma mais rápida deposição de gordura corporal determinando abates a idades mais jovens (²²). Vaz (²³) ao trabalharem com suplementação energética em pastagens cultivadas de inverno e verão, verificaram que o fornecimento de energia na dieta aos animais suplementados determinou diferentes composições de ganho tecidual, havendo correlações entre o nível de energia da dieta e o desenvolvimento muscular e deposição de gordura subcutânea.

Os resultados do nosso trabalho mostram também o potencial de depósito da gordura subcutânea dos bovinos de origem zebuína, quando submetidos a dietas de melhor qualidade ou ainda, em cruzamentos com animais de origem continental, como estratégia para aumento do peso de abate sem comprometimento da gordura de cobertura na carcaça (²⁴). Carcaças com baixa cobertura de gordura subcutânea podem apresentar encurtamento dos músculos na fase de resfriamento da carcaça e comprometimento do amaciamento da carne (²⁵). Pesquisas que envolvem análise molecular em zebuínos para características de carcaça e carne têm crescido na última década (²⁶). Atualmente regiões genômicas nos cromossomos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 10, 13, 14 e 26, que juntos explicam 12,96% da variância genética aditiva total de gordura (espessura de gordura subcutânea), associado à área de olho de lombo e marmoreio são identificados em bovinos Nelore (²⁷). Esses resultados têm permitido avanços expressivos no melhoramento genético para qualidade de carcaça e carne em bovinos zebuínos.

Os maiores percentuais de músculo das carcaças de novilhos de origem continental e sintético em relação aos zebuínos e britânicos refletem a alta capacidade para ganho de peso desses grupos. Essa característica é desejada nos confinamentos devido ao maior potencial de agregação de valor por animal alojado. Por outro lado, animais de maior porte e consequentemente, mais tardios, necessitam maior peso de abate para que tenham gordura de cobertura desejada pelos frigoríficos (²⁸). Essa propensão refletiu no percentual de gordura da carcaça dos novilhos com predominância continental e sintética utilizados nas pesquisas brasileiras, ao qual foi inferior a de animais zebuínos e britânicos. Kause (²⁹) verificaram que bovinos de origem continental, demonstram correlações genéticas negativas entre conformação e deposição de gordura. Pritchard (³⁰) relatam que nos programas de seleção genética que visam aumentos dos pesos das carcaças, principalmente verificados em raças continentais, devido ao aumento da taxa de crescimento, o teor de gordura das carcaças é reduzido.

A similaridade na coloração e força de cisalhamento da carne na presente metanálise pode ser explicada, em partes, pelos estudos selecionados derivarem de sistemas de terminação em confinamento. Esse fato evidencia que quando os animais são submetidos a melhores níveis nutricionais, o efeito genético sobre a qualidade da carne pode ser reduzido e até mesmo, passar sem que seja percebido pelos consumidores. As raças européias, especialmente as que envolvem algum grau de sangue britânico, são mais propensas a apresentarem carnes com maior grau de marmoreio (³¹, ³²). O marmoreio, é apreciado pelos consumidores devido ao efeito sobre a suculência da carne, maciez, palatabilidade e níveis de ácido graxos poliinsaturados, que representam características sensoriais e qualitativas relevantes para os consumidores (³³, ³⁴). A literatura mostra existir pouca diferença no grau de marmoreio entre as raças definidas e suas cruzas, quando de origem Bos taurus taurus (³⁵), diferenças essas que se acentuam quando comparadas entre raças definidas e cruzadas Bos taurus indicus (³⁶), ou entre Bos taurus indicus vs Bos taurus taurus (¹⁷). Ao associar o efeito do grau de marmoreio na maciez e força de cisalhamento da carne em animais de origem Bos taurus indicus e Bos taurus taurus, Wheeler (³⁷) verificou que o aumento do marmoreio em bovinos Zebu era mais importante do que em animais de origem europeia, como estratégia para aumentar a maciez da carne e reduzir a força de cisalhamento.

A maciez, que pode ser avaliada pela força de cisalhamento, é considerada a característica mais importante da qualidade da carne (³⁸) e, constantemente, é estimada de forma indireta pela espessura de gordura subcutânea e a musculosidade (³⁹). No entanto, mesmo havendo diferenças no peso de carcaça quente e espessura de gordura subcutânea, em nossa pesquisa, essas não foram suficientes para imprimir diferenças na força de cisalhamento da carne entre os predomínios genéticos avaliados. O efeito da raça sobre a qualidade da carne é uma abordagem bastante conflituosa na literatura e de múltiplos fatores. A partir de uma revisão de 10 estudos disponíveis sobre a maciez da carne em bovinos, Berry (⁴⁰) verificaram apresentar a maciez avaliada pelo painel de avaliadores uma estimativa de herdabilidade mediana de 0,23; isso, portanto, sugere que, após contabilizar as diferenças nos efeitos ambientais sistemáticos (por exemplo, grupo contemporâneo, gênero, idade), 23% da variabilidade intra-raça restante na maciez foi devido a diferenças genéticas aditivas (⁴¹). Ao comparar genótipos de laticínios e bovinos, Coleman (³⁹) não detectou nenhum efeito da raça na maciez e força de cisalhamento da carne de novilhos, sugerindo que efeitos como idade, grau de acabamento da carcaça e marmoreio da carne podem explicar melhor as variações ou semelhanças qualitativas das características da carne do que variações genéticas. Nassu (⁴²), verificaram ter o grupo genético menor efeito sobre as características sensoriais da carne, do que o efeito combinado entre o sistema de produção, o sexo e o grupo genético. Pacheco et (¹⁴), em metanálise avaliando a maciez da carne de vacas de corte, verificaram que o efeito genético e heterótipo explica 24,79% da variação da maciez, o restante foi explicado por outros fatores, tais como: a idade, o marmoreio, o período de terminação e a própria pesquisa.

5. Conclusão

O predomínio genético britânico confere maior precocidade de abate, mas reduz a produção de carne em equivalente carcaça. Maior musculosidade fruto da seleção nas raças continentais determinam menores teores de gordura na carcaça, assim como nas raças sintéticas. Bovinos zebuínos, quando submetidos a sistemas intensivos de produção como confinamento, podem produzir carcaças de qualidade, mas ainda assim são necessárias ampliação de pesquisas e maior seleção para imprimir grau de marmoreio semelhante aos predomínios genéticos europeus.

Agradecimentos

Ao Instituto Federal Farroupilha Campus Frederico Westphalen, por todos suporte técnico, instalações e infraestrutura e financiamento do projeto (PVC843-2021). Para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelas bolsas à segunda e terceira autoras.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  27 Fev 2024
• Aceito
  14 Maio 2024
• Publicado
  25 Jul 2024