Open-access Avaliação de parâmetros ambientais em uma microrregião no sul do estado do Amazonas e suas relações com estresse térmico de bovinos leiteiros

Resumo

O conforto térmico ambiental proporciona uma maior eficiência na exploração da pecuária leiteira, pois as respostas do animal ao ambiente são determinantes no sucesso da atividade. O objetivo deste trabalho foi avaliar o estresse térmico em vacas leiteiras no município de Humaitá, localizado no sul do estado do Amazonas (AM), Brasil. Foram utilizados dados de temperatura do ar (TA) e umidade relativa do ar (UR) para cálculo do Índice de Temperatura e Umidade (ITU) na estação seca (agosto de 2020) e na estação chuvosa (janeiro de 2021). Para o mês de agosto os dados foram coletados na estação meteorológica automática pertencente ao Instituto Nacional de Meteorologia. Em janeiro os dados foram coletados com o Termo-higrômetro (Hobo®, modelo U23-001) instalado na Fazenda Nossa Senhora Aparecida. As médias horárias e mensais dos dados foram feitas e, posteriormente, plotados gráficos boxplots. Os dados coletados para os meses do estudo apresentaram a TAe UR para o mês de agosto 0,65ºC e 0,64% abaixo da Normal Climatológica Provisória (NCP), respectivamente. Por outro lado, janeiro apresentou 0,77ºC e 3,61% acima da NCP, respectivamente. Os ITUs variaram entre 56,25 (confortável) e 84,68 (emergência), em agosto e de 74,15 (confortável) a 84,07 (emergência) em janeiro. O máximo ITU foi observado em agosto, bem como a maior amplitude. Baseados nos resultados encontrados pode-se aferir que o estresse térmico em vacas leiteiras no município de Humaitá-AM apresenta estado de alerta, mesmo para animais de raças cruzadas. Assim, sugere-se o uso de sombreamento nas pastagens para minimizar o efeito do estresse térmico no desempenho produtivo destes animais.

Palavras-chave: Bovinocultura; Estresse Animal; Produção leiteira.

Abstract

Environmental thermal comfort provides higher efficiency in the exploitation of dairy farming, as the responses of animals to the environment are decisive in the activity’s success. This study aimed to evaluate heat stress in dairy cows in the municipality of Humaitá, located in the south of theAmazonas State (AM), Brazil.Air temperature (TA) and relative humidity (RH) data were used to calculate the temperature humidity index (THI) in the dry (August 2020) and rainy seasons (January 2021). The August data were collected at the automatic weather station belonging to the National Institute of Meteorology. The January data were collected by a Hobo® U23-001 thermo-hygrometer installed at Fazenda Nossa Senhora Aparecida. The hourly and monthly means of the data were calculated and, subsequently, boxplots were plotted. TA and RH were 0.65 °C and 0.64% below the provisional climatological normal (PCN), respectively, for August, while January presented 0.77 °C and 3.61% above the PCN, respectively. THI values ranged from 56.25 (comfortable) to 84.68 (emergency) in August and 74.15 (comfortable) to 84.07 (emergency) in January. The maximum THI was observed in August, as well as the largest range. The results allow inferring that heat stress in dairy cows in the municipality of Humaitá-AM presents a state of alert even for cross-breed animals. Thus, the use of shading in pastures is suggested to minimize the effect of heat stress on the productive performance of the animals.

Keywords: Cattle farming; animal stress; dairy production.

Introdução

A bovinocultura leiteira brasileira possui um importante papel na agricultura familiar, com mais de 1,3 milhão de propriedades rurais distribuídas por todo o território nacional, dos quais umas são menos tecnificadas, porém, com um grande potencial de crescimento econômico(1). Este potencial vem atraindo a atenção de muitos pesquisadores, quando se discute técnicas para elevar a produção animal, considerando não só o animal, mas também o ambiente em que ele vive, por meio de alternativas para o melhor rendimento animal(2). Ao se propor maior eficiência na exploração pecuária, a interação animal-ambiente não pode ser tratada como desconexa, já que os estímulos do animal às particularidades de cada região implicarão diretamente no êxito da atividade (3, 4).

Por exemplo, a correta identificação dos fatores ambientais que influenciam na vida produtiva do animal, como o estresse imposto pelas alterações climáticas intersazonais, permite ajustes nas práticas de manejo e nos sistemas de produção, oferecendo sustentabilidade e viabilidade econômica(3). Desta forma, conhecer a dinâmica das variáveis climáticas, sua interação com os animais e as respostas comportamentais, fisiológicas e produtivas, são preponderantes na adequação do sistema de produção aos objetivos da atividade(3). Neste sentido, a seleção de raças mais produtivas e sistemas de produção adequados a cada região e clima, respectivamente, com a preocupação do bem-estar dos animais, é fundamental.

O bem-estar pode ser definido como “O estado de um indivíduo em relação às suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente...”(5). Com isso, as principais ferramentas das quais o animal dispõe para contornar inadequações em seu meio ambiente são as alterações no caráter fisiológico ou comportamental, devido, por exemplo, ao estresse térmico. Conforme Roth(6), quando um animal se encontra em estresse, são necessários ajustes extremos em sua fisiologia e comportamento para adaptação às adversidades ambientais e de manejo. O estresse ocasionado por elevadas temperaturas influencia diretamente a produção de leite, sendo um dos problemas mais graves nos rebanhos leiteiros nas regiões tropicais (7). Nessas regiões, observa-se um problema de adaptação das raças de clima temperado, que são mais susceptíveis a problemas fisiológicos e comportamentais causados pelo estresse térmico, já as raças zebuínas são mais adaptadas às regiões tropicais e, portanto, mais rústicas e resistentes em relação às raças europeias. Segundo Melo(8) Os Animais Bos taurus indicus são mais tolerantes do que animais Bos taurus taurus, em virtude da maior capacidade de transpiração e menor taxa metabólica.

De acordo com Batista(9), esta adaptabilidade dos animais de origem zebuína ao clima tropical está relacionada à menor produção de calor metabólico, associada a melhor capacidade de termólise, uma vez que as raças zebuínas apresentam um grande número de glândulas sudoríparas, o que aumenta a facilidade de perder calor e por isso são mais tolerantes a elevadas temperaturas do que as raças taurinas. Nascimento(10) afirma que para as raças leiteiras, a zona de conforto ideal representa uma variação de temperatura ambiente de 10 a 20 °C, na qual a temperatura do corpo é constante e a homeotermia é mantida por trocas térmicas. Essa redução da ingesta energética leva os animais a um período de balanço energético negativo, explicando parcialmente a significativa perda de peso corporal e redução na produção quando as vacas são submetidas ao estresse térmico. O estresse provoca uma série de desequilíbrios fisiológicos que, por sua vez, causam um aumento nas exigências nutricionais de energia líquida para mantença, reduzindo a energia disponível para os processos produtivos (11).

Conforme Coller(12), os mecanismos comportamentais e fisiológicos apresentados pelos animais no estresse por calor são: prostração, busca por sombra, redução da ingestão de alimentos, aumento da ingestão de água, aumento da frequência cardíaca e respiratória, sudorese, vasodilatação periférica e aumento da produção de saliva, e busca da zona de conforto ideal. Para medir e avaliar esses efeitos provocados pelo calor foram desenvolvidos vários índices com o objetivo de expressar o conforto do animal em relação ao ambiente. O índice mais utilizado é o de temperatura e umidade (ITU), que combina os efeitos da TA e da umidade relativa do ar (UR) sobre o desempenho de bovinos, originalmente desenvolvido por Thom(13). Baseado no índice de Thom(13), Rosanova(14) realizou seu trabalho em Araguaina-TO para determinação do ITU adotando a mesma metodologia que considera: até 74 ITU confortável, entre 75 e 78 como alerta aos produtores, de 79 a 83 significa perigo e ITU acima de 84 caracteriza emergência(14) .

Assim, este trabalho teve como objetivo analisar a temperatura e umidade do ar e determinar o ITU para avaliar a existência de estresse térmico em vacas leiteiras no município de Humaitá, localizado no sul do estado do Amazonas (AM), Brasil.

Material e métodos

Área de estudo

O estudo foi conduzido no município de Humaitá, situado ao sul do Estado do Amazonas, às margens do Rio Madeira (Figura 1), Brasil. Limita-se com os municípios de Tapauá e Canutama ao Oeste, Manicoré ao Norte, Leste e Oeste, e o estado de Rondônia ao Sul(15). O município está cerca de 680 km da cidade de Manaus (AM) e 200 km da cidade de Porto Velho (RO). Possui uma população estimada de 53.383 habitantes e área territorial de 33.111 km2(15).

Figura 1
Mapa do município de Humaitá, localizado na microrregião do sul do estado do Amazonas, e representação dos pontos de coleta de dados, demonstrados pelas cores vermelha e amarela.

O clima de Humaitá, conforme proposto por Köppen(16) é B4 W A’ a’, ou seja, úmido, com índice de umidade que varia entre 80 e 100 mm, com moderada deficiência hídrica no inverno austral e evapotranspiração potencial anual (ETP) de 1140 mm, além de possuir dois períodos sazonais distintos: um período seco (junho a agosto) e um chuvoso (outubro e abril), típico do clima Amazônico(17). No período seco, os totais pluviométricos mensais variam de 0 a 100 mm, enquanto no chuvoso atingem próximo dos 326 mm(18). Conforme Pedreira Junior(18), os meses de maio e setembro representam as transições entre período chuvoso e o seco e do seco para o chuvoso, respectivamente.

Análise e processamento dos dados

Os dados de temperatura do ar (TA) e da umidade relativa do ar (UR) foram obtidos na base de dados da Estação Meteorológica Automática (EMA) do Instituto Nacional de Meteorologia - INMET(19), localizada no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Amazonas - IFAM (07º32”45,36” S, 63º4’14,20” W) para o mês de agosto de 2020. Para o mês de janeiro de 2021 os dados foram coletados com o auxílio de um Termo higrômetro (Hobo®, modelo U23-001), instalado na propriedade rural Fazenda Nossa senhora Aparecida na vicinal do Alto Crato (07º 48’39,99” S, 63º05’34,67 W). Ressalta-se que o sensor Hobo foi previamente calibrado junto aos sensores da estação meteorológica do INMET, através do método de comparação pelo período de 7 dias consecutivos. A frequência de leitura dos dados se deu a cada 15 minutos e, posteriormente, foram obtidas em planilhas eletrônicas as médias horárias.

Determinação e análise exploratória do índice de temperatura e umidade - ITU

O Índice de Temperatura e Umidade (ITU) foi calculado utilizando o modelo desenvolvido por Thom (13) (1959) e corroborado por (20) (Equação 1).

ITU=(0,8TA+(UR100)(TA14,4)+46,4)

A categorização do ITU, conforme (20), admite quatro categorias (Tabela 1).

Tabela 1
Categorização do Índice de Temperatura e Umidade (ITU) e nível de variação de conforto.

A dispersão da média horária mensal do ITU foi apresentada em diagramas de caixa (boxplot) elaborados no software livre R, versão 3.6.1 com interface R-Studio(21). O boxplot permite uma análise exploratória da posição, dispersão, simetria, e valores discrepantes (outliers) da distribuição dos ITUs e, portanto, fornece um meio complementar para descrever a dinâmica dos dados.

Resultados e discussão

Temperatura do ar e umidade relativa do ar

A temperatura do ar para o mês de agosto apresentou a média de 26,56ºC, ficando abaixo da normal climatológica provisória da temperatura do ar (NCPTA) = 27,21 ± 12,26 para o mesmo período, enquanto para janeiro apresentou a média de 26,7ºC, apresentando-se mais quente que a NCPTA = 25,93 ± 12,61 para o mesmo período do estudo. A UR apresentou para o mês de agosto a média de 69,06%, ficando abaixo da normal climatológica provisória da UR NCPUR = 69,7 ± 7,72 para o mesmo período, e subsequentemente com a média mensal de 88,6% para janeiro de 2021, ficando acima da NCPUR = 84,99 ± 5,62 para o mesmo período (Figura 2 AB).

Figura 2
Valores médios da temperatura do ar (Tº) e Umidade Relativa do Ar (UR) mensal, no período de agosto de 2020 (A) e janeiro de 2021 (B) na cidade de Humaitá, localizada no estado do Amazonas.

De acordo Martins(17) para Humaitá, a Normal Climatológica Provisória da Temperatura do Ar NCPTA = 27,21 ± 12,26 (agosto), NCPTA = 25,93 ± 12,61 (janeiro), e a normal climatológica provisória da Umidade Relativa do Ar NCPUR = 69,7 ± 7,72 (agosto), NCPUR = 84,99 ± 5,62 (janeiro). Assim, a TA para o mês de agosto de 2020 apresentou 0,65ºC, abaixo da NCPTA e configurando-se um mês mais frio. Por outro lado, janeiro apresentou 0,77ºC acima da NCPTA, apresentando-se mais quente para o período do estudo. Já em termos da UR, o mês de agosto de 2020 apresentou 0,64% abaixo da NCPUR, configurando um comportamento de menor umidade, enquanto que janeiro apresentou 3,61 acima da NCPUR. Podemos verificar que mesmo janeiro estando dentro do período chuvoso na região Amazônica, o mesmo apresentou, conforme esperado, a média da UR maior que agosto, porém, a TA não apresentou diferença significativa entre os 2 meses, conforme figura 2 (A e B).

Índice de temperatura e umidade (ITU)

No mês de agosto de 2020 o ITU observado entre 0h às 7 h apresentaram as maiores variações interquartis. Entretanto nesta faixa temporal apenas a 0 h observou-se que 25% da amostra admite ITU maior ou igual a 74, nas horas seguintes deste intervalo, isto ocorre em menos de 25% das observações (Figura 3). Observa-se o ITU menor ou igual a 74, portanto, ficando confortável para os animais neste período.

Figura 3
Variabilidade horária mensal do Índice de Temperatura e Umidade (ITU) em Humaitá, no estado do Amazonas, em de agosto de 2020.

Ainda na Figura 4, verifica-se que no período compreendido entre as 8h e às 19h apresentaram as maiores variações do ITU. Entretanto, nesta faixa temporal apenas as 8h observa-se que 50% da amostra admite ITU menor igual a 74; porém, nas horas seguintes deste intervalo, ocorre em mais de 75% da amostra superior a 74, portanto, em zona de alerta a perigo. No intervalo das 19h às 23 h observa-se que mais de 50% da amostra apresenta ITU menor ou igual 74, enquanto, que entre as 8h e às 19h a TA apresenta-se a mais elevada do dia e, consequentemente, uma diminuição UR (figura 2), o que nos indica uma possibilidade da elevação do ITU nesse período das 8h às 20h, causando um desconforto maior aos animais. Enquanto no período noturno das 0h até 7h acontece o inverso, há uma diminuição na temperatura e aumento da Umidade relativa do ar, o que deixa o ITU a nível confortável aos animais.

Figura 4
Variabilidade horária mensal do Índice de Temperatura e Umidade (ITU) em Humaitá, no estado do Amazonas, em janeiro de 2021.

Na faixa temporal de 0h às 7h não há preocupações em relação ao conforto térmico animal, porém, o restante do dia deve ser visto pelos produtores com cuidado e providências devem ser tomadas quanto a fornecer uma área de sombreamento, mesmo que artificial, a curto prazo, e um sombreamento natural a longo prazo, para evitar possíveis perdas na produção leiteira em decorrência desse desconforto.

Conforme De Miranda(22) o conforto térmico dos zebuínos varia entre 10ºC e 32ºC, com temperatura crítica máxima de 35ºC e crítica mínima de 0ºC. Contudo de acordo com os mesmos autores, ressalta-se que os animais mestiços têm tolerância ao calor intermediário entre as raças parentais, por exemplo os europeus e os indianos. Alguns autores indicam que a zona de conforto térmico está limitada pela temperatura ambiente mínima de 5ºC e máxima de 31ºC.

No mês de janeiro de 2021 o ITU observado entre 0 e 7 h apresentam as menores variações interquartis. Contudo, nesta faixa temporal apenas entre as 4h e 5h observa-se que 50% da amostra admite ITU menor ou igual a 74, nas horas seguintes deste intervalo, isto ocorre em menos de25% das observações (Figura4), portanto, ficando entredesconfortávelealertaparaos animais.Verifica-seque o período entre 8h e 19h apresentam as maiores variações interquartis. Entretanto nesta faixa temporal observa-se que 75% da amostra apresenta ITU maior ou igual a 75, porém, nesta faixa temporal entre as 12h até as 19h isto ocorre em mais de 100% das observações. Entende-se que deve estar relacionada ao aumento da TA e, consequentemente, uma diminuição da UR, o que eleva o ITU nesse período e causa um desconforto maior aos bovinos leiteiros mesmo de raças cruzadas. Já no período noturno das 0 h até 7 h acontece o inverso: há uma diminuição na TAe aumento da UR, o que deixa o ITU a nível confortável aos animais.

Observou-se que mesmo janeiro estando na estação chuvosa da região, apresentou ITU maior que 75 ao longo dos dias e, portanto, destaca-se como período mais crítico para a bovinocultura leiteira. Esses resultados são corroborados por Rosanova(14) que em seu trabalho na região Norte do Estado de Tocantins encontraram ITU entre 75 e 78, portanto, requerendo soluções imediatas, de caráter técnico, de manejo, de bem-estar e comportamento animal para amenizar o estresse térmico.

Os valores de ITU obtidos para o período de agosto 2020 tiveram uma maior variação entre 56,25 e 84,68 ITU no decorrer do dia, porém, a média mensal de 74,36 do ITU tendo uma grande diferença para janeiro 2021, pois a variação deste período ficou entre 74,15 e 84,07, com média mensal de 78,21, portanto, podemos considerar que agosto foi considerado mais confortável para os bovinos leiteiros que janeiro. Constatou-se que nas áreas do experimento, independente da época ou estação do ano, a existência de ITU acima de 74 é fator comum, e em tais áreas o efeito combinado da T e da UR sobre os animais pode resultar em perdas de produção, havendo assim restrições à exploração da pecuária leiteira, caso providências não sejam tomadas pelos técnicos e produtores. As áreas do estudo apresentaram valores médios de ITU altos, com média de 74,36 para agosto 2020 e 78,21 em janeiro 2021 (Tabela 2). Sendo classificado como ambiente favorável em agosto de 2020, e estressante no período de janeiro 2021, verifica-se que mesmo janeiro sendo um mês chuvoso, porém, com maior umidade eleva o ITU desse período.

Tabela 2
Valores médios do Índice de temperatura e umidade (ITU) mensal, para agosto de 2020 e janeiro de 2021 em Humaitá, no estado do Amazonas

De acordo com Rosanova(14) observa-se que em condições de umidade elevada o ar úmido saturado inibe a evaporação da água através da pele e do trato respiratório, e o ambiente torna-se mais estressante para o animal. Ainda de acordo com os autores esta situação dificulta o trabalho com raças especializadas, normalmente adaptadas a regiões de clima temperado, que apesar de serem mais produtivas, são mais sensíveis a estas condições de estresse térmico.

Em agosto os ITU obtidos foram menores, classificados entre 56,25 e 84,68, o estresse climático é atenuado, na maior parte do dia, porém, com ITU superior a 79 no período da tarde. Isso se deve em virtude de agosto estar no período seco da região (verão amazônico). Nessa época são registradas altas temperaturas e baixa umidade relativa do ar. Durante o período seco destaca-se a circulação da baixa troposfera que se move para o norte do cavado equatorial, proporcionando um deslocamento do ramo descendente da célula de Hadley sobre a Amazônia que inibe a formação de nuvens e, consequentemente, de chuvas nessa região(18). Entretanto o escoamento em baixos níveis da atmosfera, oriundo do Oceano Atlântico, favorece o transporte de umidade na região central e sul da Amazônia durante este período, o que garante condições necessárias para convecção local durante a tarde e explica a disparidade em relação aos demais períodos do dia(23).

Neste período ocorre também o estresse nutricional devido à estação seca e à falta de pastagens e alimentação, implicando em uma baixa produtividade e rentabilidade do setor ao longo de todo ano(14). Portanto, esta condição demanda soluções urgentes, de caráter técnico, de manejo, para o bem-estar animal, por exemplo, instalações zootécnicas adaptadas à região e mais adequadas às necessidades comportamentais dos animais conforme(24). Em janeiro os ITUs obtidos tiveram uma amplitude menor pois variaram entre 74,15 e 84,07 no decorrer do dia, porém, com valores acima de 80 ITU a partir das 10h. Verifica-se que esse período está inserido na época chuvosa da região, onde os sistemas de monção da América do Sul, a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), que se estende da Amazônia até o sudeste do país e a Alta da Bolívia, juntos são os responsáveis pelo aumento das chuvas(25).

O sistema meteorológico Alta da Bolívia (AB) é um anticiclone em altos níveis da troposfera. É resultante da convergência do ar mais aquecido e umidade em baixos níveis, juntamente com a divergência do ar que se resfria em altos níveis da atmosfera e varia de forma intrasazonal e interanual(26). Portanto, esse aumento das chuvas e consequentemente aumento da umidade relativa do ar, a qual ficou acima da NCPUR para esse período, consequentemente elevou o ITU ficando entre os níveis de alerta e perigo.

Resultados obtidos por Mirelle(27) em seu trabalho em Babalhe no Ceará, as médias de ITU variaram entre 73,74 e 77,82, respectivamente nos meses de julho e novembro, com relativa estabilidade na maioria dos meses do ano. Em média, de janeiro a abril o ITU esteve na faixa de 76, sendo classificado como ambiente estressante, assim como os encontrados neste estudo. Mesmos resultados encontrados por Franciele no município de Diamante D’Oeste, Estado do Paraná, as médias de ITU do tratamento de pleno sol chegaram a 80, o que indica condição de estresse térmico para os animais, mesmo estando em região mais fria que o estudo apresentado, pois a condição térmica para o ITU variou de (72 a 88).

Conclusão

O estresse térmico em vacas leiteiras no município de Humaitá, localizado no sul do estado do Amazonas, apresenta estado de alerta mesmo para animais de raças cruzadas, devido a inexistência de proteção a radiação solar nas pastagens. Dessa forma, há necessidade de manejos e uso de tecnologias para mitigação desses efeitos climáticos sobre os animais. Assim, sugere-se o uso de sombreamento artificial ou natural nas pastagens para minimizar o efeito do estresse térmico no desempenho produtivo destes animais.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel Superior (CAPES) pelo apoio concedido ao Programa de Pósgraduação em Ciências Ambientais-PPGCA, do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente-IEAA/UFAM e pela concessão financeira do projeto "Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia-PROCAD/CAPES (Edital 21 nº 88881.200610/2018-01)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2022
  • Aceito
    17 Maio 2022
  • Publicado
    13 Jun 2022
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