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Características sociodemográficas e anos potenciais de vida perdidos por acidentes com motocicleta no Brasil em 2019

Sociodemographic characteristics and potential years of life lost because of motorcycle accidents in Brazil in 2019

Resumo

Introdução:

Os acidentes por transporte terrestre estão entre as dez principais causas de morte no mundo, principalmente entre os jovens. Essas mortes refletem um importante impacto socioeconômico e precisam ser mensurados. Um dos recursos é o indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP).

Objetivo:

Descrever aspectos sociodemográficos e estimar os APVPs devido a acidentes por motocicletas no Brasil.

Método:

Estudo descritivo de dados secundários oficiais, incluindo óbitos por acidentes com motocicletas em 2019. O indicador APVP e a taxa APVP foram calculados por sexo, faixa etária e regiões geográficas.

Resultados:

Em 2019, ocorreram 11.182 óbitos por acidentes com motocicleta, envolvendo principalmente homens, solteiros, pardos, de 20 a 39 anos e ensino médio completo, os quais sucederam-se principalmente no Nordeste. A taxa de APVP foi de 194,6 anos perdidos/100.000 habitantes e as taxas de mortalidade variaram de 3,4 a 8,4 mortes/100.000 habitantes. A proporção de fatalidades foi oito vezes maior em homens que em mulheres.

Conclusões:

Os achados deste estudo reforçam que esses acidentes são um problema considerável, com impacto socioeconômico prevenível e, com ações intersetoriais e medidas de fácil execução e baixo custo.

Palavras-chave:
acidentes de trânsito; mortalidade; anos potenciais de vida perdidos; motocicletas

Abstract

Introduction:

Road traffic accidents are among the ten leading causes of death worldwide, especially among young people. These deaths have an important socio-economic impact and need to be measured. One resource is the Potential Years of Life Lost (PYLL) indicator.

Objective:

To describe sociodemographic aspects and estimate the PYLL due to motorcycle accidents in Brazil.

Method:

Descriptive study of official secondary data, including deaths from motorcycle accidents in 2019. PYLL indicator and PYLL rate were calculated by sex, age group and regions.

Results:

In 2019, there were 11,182 deaths from motorcycle accidents, involving mainly men, singles, browns, aged 20 to 39 and having completed high school, mainly in the Northeast. The PYLL rate was 194.6 years lost/100,000 inhabitants, and the mortality rates ranged from 3.4 to 8.4 deaths/100,000 inhabitants. The proportion of fatalities was eight times higher in men than in women.

Conclusions:

The findings of this study reinforce that these accidents are an important problem with a preventable socioeconomic impact by promoting intersectoral actions and measures that are easy to perform and low cost.

Keywords:
traffic accidents; mortality; potential years of life lost; motorcycles

INTRODUÇÃO

Os acidentes por transporte terrestre (ATT) estão entre as dez principais causas de morte no mundo, não obstante atinge os países de forma desigual. Nações em desenvolvimento apresentam um número anual de mortes por acidentes de trânsito maior em comparação àqueles mais desenvolvidos11. Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortalidade e anos potenciais de vida perdidos por acidentes de transporte no Brasil, 2013. Rev Saúde Pública. 2016;50:59. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006465
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Nota-se, portanto, que o aumento dos ATT acompanha o processo de desenvolvimento e a maior circulação de pessoas e mercadorias22. Cardoso S, Gaertner MHCN, Haritsch L, Henning E, Kropiwiec MV, Franco SC. Perfil e evolução da mortalidade por causas externas em Joinville (SC), 2003 a 2016. Cad Saúde Coletiva. 2020;28(2):189-200. https://doi.org/10.1590/1414-462X202028020115
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

Esses acidentes de trânsito estão inclusos na categoria das causas externas, que são lesões ou quaisquer outros agravos à saúde - intencionais ou não - de início súbito e como consequência imediata de violência ou outra causa exógena33. Oliveira NLB, Sousa RMC. Diagnóstico de lesões e qualidade de vida de motociclistas, vítimas de acidentes de trânsito. Rev Latino-Am Enfermagem. 2003;11(6):749-56. https://doi.org/10.1590/S0104-11692003000600008
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Geralmente, as vítimas são prioritariamente jovens, economicamente ativos e do sexo masculino22. Cardoso S, Gaertner MHCN, Haritsch L, Henning E, Kropiwiec MV, Franco SC. Perfil e evolução da mortalidade por causas externas em Joinville (SC), 2003 a 2016. Cad Saúde Coletiva. 2020;28(2):189-200. https://doi.org/10.1590/1414-462X202028020115
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,44. Rodrigues EKB, Arruda SG. Mortalidade por causas externas na região norte do Espírito Santo, 2010 a 2018. Rev Artigos.Com. 2020;20:e4258..

O Brasil ocupou a quinta posição no ranking mundial de ATT no ano de 201655. Barroso Junior GT, Bertho ACS, Veiga AC. A letalidade dos acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras em 2016. Rev Bras Estud Popul. 2019;36:1-22. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0074
https://doi.org/https://doi.org/10.20947...
e, desde a década de 1980, estes representam a segunda causa de mortes no país66. Santos AMR, Moura MEB, Nunes BMVT, Leal CFS, Teles JBM. Perfil das vítimas de trauma por acidente de moto atendidas em um serviço público de emergência. Cad Saúde Pública. 2008;24(8):1927-38. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800021
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Entre 1990 e 2015, o número de óbitos por ATT aumentou 12,3%, sendo que os acidentes envolvendo motocicletas contribuíram com um aumento de 126,5% nesse índice e de 49,9% na taxa de mortalidade77. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello-Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. The Lancet. 2011;(special number):75-89.. Ademais, há evidências de que o crescimento nessa taxa ocorre entre usuários de motocicletas em detrimento a outros meios de transportes terrestres11. Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortalidade e anos potenciais de vida perdidos por acidentes de transporte no Brasil, 2013. Rev Saúde Pública. 2016;50:59. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006465
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,77. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello-Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. The Lancet. 2011;(special number):75-89.,88. Souza MFM, Malta DC, Conceição GMS, Silva MMA, Gazal-Carvalho C, Morais Neto OL. Análise descritiva e de tendência de acidentes de transporte terrestre para políticas sociais no Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2007;16(1):33-44. https://doi.org/10.5123/S1679-49742007000100004
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
.

Dentre os fatores que tornam a motocicleta um meio de transporte cada vez mais utilizado, a crescente dificuldade de mobilidade urbana e rural, aliada à baixa cobertura e qualidade do transporte de massas no País, torna esse veículo um ágil meio de locomoção99. Martins ET, Boing AF, Peres MA. Mortalidade por acidentes de motocicleta no Brasil: análise de tendência temporal, 1996-2009. Rev Saúde Pública. 2013;47(5):931-41. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004227
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. A ascensão dos acidentes por motocicleta resulta desse contexto, que inclui o custo de aquisição mais baixo do veículo, além do aumento da aceitação e aprovação pela população, especialmente entre os jovens33. Oliveira NLB, Sousa RMC. Diagnóstico de lesões e qualidade de vida de motociclistas, vítimas de acidentes de trânsito. Rev Latino-Am Enfermagem. 2003;11(6):749-56. https://doi.org/10.1590/S0104-11692003000600008
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. Essa mortalidade crescente deve ser entendida como um problema relevante no Brasil da mesma forma que o impacto econômico e de saúde em decorrência das internações e assistência aos acidentados. Neste sentido, há a demanda de informações de qualidade para compreender o cenário e, consequentemente, para planejar possíveis soluções1010. Pinheiro PC, Queiroz BL. Análise espacial da mortalidade por acidentes de motocicleta nos municípios do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(2):683-92. https://doi.org/10.1590/1413-81232020252.14472018
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

Os Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) são um parâmetro utilizado para evidenciar a mortalidade prematura em uma sociedade. Além de observar a frequência com que os óbitos ocorrem, permite ponderar as mortes potencialmente evitáveis ocorridas em idades mais jovens e incluir os encargos sociais e econômicos que as mortes prematuras impõem à coletividade1111. Medronho RA, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL. Epidemiologia. 2a ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2008.,1212. Samohyl M, Argalasova L, Hirosova K, Jurkovicova J. Long-term trends of potential years of life lost due to main causes of death in the Slovak population, 2004-2013. Cad Saude Publica. 2020;36(4):e000052218. https://doi.org/10.1590/0102-311X00052218
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. Outrossim, essa medida dimensiona o tempo que uma pessoa deixou de viver no momento de sua morte, usando como referência a expectativa de vida dela ao nascer. A mensuração baseia-se no critério de transcendência - expressão social atribuída ao problema em questão1111. Medronho RA, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL. Epidemiologia. 2a ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2008. -, que é um indicador apontado como alternativa para comparar diferenças no padrão de mortalidade1313. Reichenheim ME, Werneck GL. Anos potenciais de vida perdidos no Rio de Janeiro, 1990. As mortes violentas em questão. Cad Saúde Pública. 1994;10(suppl 1):S188-98. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1994000500014
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,1414. Peixoto HCG, Souza ML. Anos potenciais de vida perdidos e os padrões de mortalidade por sexo em Santa Catarina, 1995. Inf Epidemiol Sus. 1999;8(2):47-52. https://doi.org/10.5123/S0104-16731999000200006
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
.

Tendo em vista esse panorama, a prevenção das mortes prematuras constitui-se como algo inadiável e, os APVP auxiliam a subsidiar estratégias mais efetivas de controle. Este indicador, aplicado à realidade dos acidentes com motocicleta, poderá contribuir para o desenvolvimento de ações com vistas à prevenção dos agravos e à promoção da saúde1515. Garcia LAA, Camargo FC, Pereira GA, Ferreira LA, Iwamoto HH, Santos AS, et al. Anos potenciais de vida perdidos e tendência de mortalidade na população adulta em um município do Triângulo Mineiro, 1996-2013. Medicina (Ribeirão Preto). 2017;50(4):216-26. https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v50i4p216-226
https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
. Assim, este estudo objetivou estimar os APVP devido a acidentes com motocicletas no Brasil no ano de 2019.

MÉTODOS

Para a elaboração deste trabalho, utilizou-se o método descritivo com dados secundários referentes às mortes devido a acidentes por motocicleta ocorridos no Brasil no ano de 2019. Esses dados foram obtidos com base no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, disponibilizado através do website do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)1616. Brasil. Arquivos de dados [Internet]. DATASUS 2021 [citado 2021 Mar 20]. Disponível em: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901&item=1&acao=26&pad=31655
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
. Inicialmente, todos os óbitos por acidentes com esse veículo no Brasil foram descritos e as taxas de mortalidade bruta e padronizada foram calculadas para a população geral, por sexo e por região.

Posteriormente, os óbitos de indivíduos menores de um ano e maiores de setenta anos foram excluídos e, após essa etapa, os APVP foram estimados seguindo o método proposto por Romeder e McWhinnie1717. Romeder JM, McWhinnie JR. Potential years of life lost between ages 1 and 70: an indicator of premature mortality for health planning. Int J Epidemiol. 1977;6(2):143-51. https://doi.org/10.1093/ije/6.2.143
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. Este utiliza como limite inferior a idade de um ano e como limite superior a idade de 70 anos, como pode ser visto na seguinte fórmula:

A P V P = i = 1 69 a i d i = i = 1 69 70 - i - 0,5 d i

Onde “a i ” é o número de anos para completar 70 anos, quando a morte ocorre entre as idades de “i e i + 1 anos”, “d i ” é o número de óbitos ocorridos entre as idades de “i e i + 1 anos”; “0,5” é o fator de correção quando se arbitra que todas as mortes ocorreram no meio do ano.

Para possibilitar uma identificação melhor da mortalidade prematura, o limite superior de idade foi fixado em 70 anos, excluindo o número de mortes por causas naturais1111. Medronho RA, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL. Epidemiologia. 2a ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2008.,1717. Romeder JM, McWhinnie JR. Potential years of life lost between ages 1 and 70: an indicator of premature mortality for health planning. Int J Epidemiol. 1977;6(2):143-51. https://doi.org/10.1093/ije/6.2.143
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,1818. Perea LME, Boing AC, Peres MA, Boing AF. Potential years of life lost due to oropharyngeal cancer in Brazil: 1979 to 2013. Rev Saude Publica. 2019;53:67. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2019053001054
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.

As taxas de APVP foram calculadas pela divisão dos APVP em cada faixa etária pela população correspondente, multiplicado por 100 mil habitantes, segundo sexo, faixa etária e região. Sendo que, o quantitativo populacional empregado para o cálculo das taxas (de mortalidade e de APVP) foi obtido pela contagem intercensitária realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2019, disponível no site do Datasus1616. Brasil. Arquivos de dados [Internet]. DATASUS 2021 [citado 2021 Mar 20]. Disponível em: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901&item=1&acao=26&pad=31655
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
.

Em relação à montagem dos bancos de dados e análises descritivas, foi utilizado como programa estatístico o software livre “R”1919. R Core Team. R: A language and environment for statistical computing [Internet]. Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2017 [citado 2021 Mar. 12]. Disponível em: Disponível em: https://www.cranr-project.org/
https://www.cranr-project.org/...
.

Ademais, é importante salientar que esta pesquisa dispensa avaliação ética segundo a Resolução no 510 do Conselho Nacional de Saúde, por se tratar de estudo que utiliza banco de dados não identificados e de acesso público.

RESULTADOS

No ano de 2019, foram contabilizados 11.182 óbitos por acidentes com motocicleta que ocorreram em todo o país, com predomínio de vítimas do sexo masculino, na faixa de 20 a 39 anos, solteiro, com escolaridade do ensino médio completo e de cor parda. Todas as regiões geográficas repercutiram este padrão, exceto na questão de escolaridade das vítimas nordestinas - com maior frequência em indivíduos com o Ensino Fundamental II - e na questão da cor da pele na Região Sul e Sudeste, com predomínio entre brancos. A proporção de pardos acidentados no Brasil foi de 58,8%, um dado próximo ao valor encontrado apenas na Região Centro-Oeste (62,6%). Quanto às regiões Nordeste e Norte, foram observadas proporções superiores à verificada no país (Tabela 1).

Tabela 1.
Características sociodemográficas de mortes por motocicletas, Brasil, 2019

O Nordeste foi o local mais acometido por acidentes por motocicletas obtendo 38,9% das mortes, seguido do Centro-Oeste (24,8%), Sul (14,3%), Sudeste (11,6%) e Norte (10,4%) (dados não tabulados).

Para a população geral, as taxas brutas de mortalidade variaram de 3,4 a 8,4 mortes por 100 mil habitantes de acordo com a região geográfica, enquanto a taxa nacional obtida foi de 5,7 mortes por 100 mil habitantes. Cabe destacar que, após a padronização (que utilizou a população brasileira de 2019 como população padrão em seu cálculo), as Regiões Sudeste e Nordeste tiveram uma leve diminuição da taxa, enquanto o Norte teve um leve aumento. Para o sexo masculino, as taxas brutas variaram de 6,1 a 14,7 mortes por 100 mil habitantes e a Região Norte teve maior alteração de taxa, provavelmente ocasionada por uma população predominantemente mais jovem. Para o sexo feminino, as taxas brutas de mortalidade variaram de 0,7 a 2,0 mortes por 100 mil habitantes, com pouca variação mediante as taxas padronizadas. Do total de mortes ocorridas no ano de 2019, 10.944 foram consideradas mortes prematuras (97,9%), variando de 95,9% a 100% de acordo com o sexo e a Região (Tabela 2).

Tabela 2.
Taxas de mortalidade bruta e padronizadas e percentual de mortes prematuras por região, considerando o sexo, dos acidentes de motocicleta no Brasil, 2019

DISCUSSÃO

Os resultados observados apontam que os acidentes por motocicleta acometeram o perfil clássico de pessoas que faleceram de causas externas - ou seja, mortes por causas não naturais: homens adultos jovens pardos em idade economicamente ativa. Esses óbitos atingiram oito vezes mais os homens em comparação às mulheres e a região brasileira de maior mortalidade por acidente com motocicleta foi a Nordeste. Nesse estudo, as taxas brutas de mortalidade variaram de 3,4 a 8,4 mortes por 100 mil habitantes e, as mortes prematuras totalizaram uma perda potencial de dias vividos de 140.093.935 dias apenas para o ano de 2019.

Os acidentes por motocicletas vêm aumentando no Brasil principalmente devido a sua utilização como instrumento de trabalho como, por exemplo, na entrega de mercadorias, medicamentos, alimentos ou documentos, e até mesmo no transporte de passageiros. Esse crescimento ocorre por esse veículo ser uma opção que oferece renda aos indivíduos, bem como por ser um meio de transporte mais econômico tanto na aquisição quanto no consumo de combustível e manutenção, quando comparado a outros veículos automotores. Além desses fatores, a motocicleta também proporciona facilidades durante o tráfego e o estacionamento. Logo, tais condições podem aumentar a probabilidade de acidentes e gerar um impacto socioeconômico sobre a sociedade2020. Silva MGC. Anos potenciais de vida perdidos por causas evitáveis, segundo sexo, em Fortaleza, em 1996-1998. Epidemiol Serv Saúde. 2003;12(2):99-110. https://doi.org/10.5123/S1679-49742003000200005
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
,2121. Fernandes FECV, Melo RA, Lemos RS, Xavier SB, Santos JMA, Arruda RG, et al. Years of potential life lost due to motorcycle accidents. Int Arch Med. 2017;10(153):1-9. https://doi.org/10.3823/2423
https://doi.org/https://doi.org/10.3823/...
.

Estudos apontam que acidentes de trânsito possuem três causadores básicos: o fator humano, o veículo e as condições rodoviárias, sendo que o primeiro é responsável por cerca de 95% dos mesmos. O fator humano é complexo de ser analisado devido às disparidades em termos de suas características físicas e comportamentais, como sexo, idade, interesses e motivações para o comportamento de pilotagem, que criam níveis diferentes de riscos para as pessoas2222. Olson PL, Dewar RE. Human factors in traffic safety. Tucson: Lawyers & Judges; 2002.,2323. Evans L. Human behavior and traffic safety. New York: Springer; 2012.,2424. Uttra S, Laddawan N, Ratanavaraha V, Jomnonkwao S. Explaining sex differences in motorcyclist riding behavior: an application of multi-group structural equation modeling. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(23):8797. https://doi.org/10.3390/ijerph17238797
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. Dentre outros fatores elencados como de risco para a ocorrência de acidentes, podemos destacar: áreas com sinalização deficiente, problemas com manutenção de veículos ou rodovias, falta de educação de segurança de tráfego e carência em um melhor controle de tráfego policial2121. Fernandes FECV, Melo RA, Lemos RS, Xavier SB, Santos JMA, Arruda RG, et al. Years of potential life lost due to motorcycle accidents. Int Arch Med. 2017;10(153):1-9. https://doi.org/10.3823/2423
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.

Sob a perspectiva comportamental supracitada, o sexo do indivíduo tem sido apontado como um fator chave que afeta as condutas ao pilotar2424. Uttra S, Laddawan N, Ratanavaraha V, Jomnonkwao S. Explaining sex differences in motorcyclist riding behavior: an application of multi-group structural equation modeling. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(23):8797. https://doi.org/10.3390/ijerph17238797
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
. Os resultados do presente estudo reforçam que as principais vítimas de acidentes com motocicleta são adultos jovens do sexo masculino, assim como em outros trabalhos55. Barroso Junior GT, Bertho ACS, Veiga AC. A letalidade dos acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras em 2016. Rev Bras Estud Popul. 2019;36:1-22. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0074
https://doi.org/https://doi.org/10.20947...
,66. Santos AMR, Moura MEB, Nunes BMVT, Leal CFS, Teles JBM. Perfil das vítimas de trauma por acidente de moto atendidas em um serviço público de emergência. Cad Saúde Pública. 2008;24(8):1927-38. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800021
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,2121. Fernandes FECV, Melo RA, Lemos RS, Xavier SB, Santos JMA, Arruda RG, et al. Years of potential life lost due to motorcycle accidents. Int Arch Med. 2017;10(153):1-9. https://doi.org/10.3823/2423
https://doi.org/https://doi.org/10.3823/...
,2525. Pavanitto DR, Menezes RAM, Nascimento LFC. Accidents involving motorcycles and potential years of life lost. An ecological and exploratory study. Sao Paulo Med J. 2018;136(1):4-9. https://doi.org/10.1590/1516-3180.2017.0098070817
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,2626. Monteiro CSG, Almeida AC, Bonfim CV, Furtado BMASM. Características de acidentes e padrões de lesões em motociclistas hospitalizados: estudo retrospectivo de emergência. Acta Paul Enferm. 2020;33:1-8. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0115
https://doi.org/https://doi.org/10.37689...
,2727. Legay LF, Santos SA, Lovisi GM, Aguiar JS, Borges JC, Mesquita RM, et al. Acidentes de transporte envolvendo motocicletas: perfil epidemiológico das vítimas de três capitais de estados brasileiros, 2007. Epidemiol Serv Saúde. 2012;21(2):283-92. https://doi.org/10.5123/S1679-49742012000200011
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e, que tanto a mortalidade como os APVP reforçaram o impacto maior entre os homens. Apesar desses resultados, cabe frisar um dado até então inédito: as mulheres em suas faixas etárias mais baixas tiveram maior perda de APVP, ou seja, mulheres mais jovens tiveram uma maior taxa de mortalidade que homens mais jovens. E que, à medida que a idade aumenta, a disparidade entre os sexos cresce. Salienta-se, também, que esses dados necessitam ser melhor investigados.

Essencialmente, acidentes de trânsito com mortalidade tendem a acometer mais os indivíduos jovens2828. Barros AJD, Amaral RL, Oliveira MSB, Lima SC, Gonçalves EV. Acidentes de trânsito com vítimas: sub-registro, caracterização e letalidade. Cad Saúde Pública. 2003;19(4):979-86. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000400021
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do sexo masculino, esse fato, identificado no estudo, está provavelmente associado a comportamentos sociais e culturais, que podem implicar em condutas perigosas. Como exemplo, podem ser consideradas: não usar capacete ao dirigir motocicletas, pilotar sob efeito de substâncias, comportamento emotivos e agressivos no trânsito, habilidade e experiência na pilotagem, não cumprir as leis de trânsito e falhar no controle de alta velocidade2222. Olson PL, Dewar RE. Human factors in traffic safety. Tucson: Lawyers & Judges; 2002.,2929. Chumpawadee U, Homchampa P, Thongkrajai P, Suwanimitr A, Chadbunchachai W. Factors related to motorcycle accident risk behavior among university students in Northeastern Thailand. Southeast Asian J Trop Med Public Health. 2015;46(4):805-21. PMID: 26867401.. Esses dados conduzem a uma reflexão sobre padrões socioculturais em relação a questões de gênero, que geram altas taxas de morbimortalidade em adultos jovens do sexo masculino, no auge de suas capacidades, acarretando prejuízos econômicos consideráveis à nação66. Santos AMR, Moura MEB, Nunes BMVT, Leal CFS, Teles JBM. Perfil das vítimas de trauma por acidente de moto atendidas em um serviço público de emergência. Cad Saúde Pública. 2008;24(8):1927-38. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800021
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

No que se refere ao estado civil, observou-se que os solteiros são o maior grupo de risco. Infere-se que estes estão mais predispostos a práticas arriscadas, considerando o fato de ainda não possuírem família constituída e um projeto de vida bem estabelecido, sendo assim, estão mais propensos a se envolverem em situações de risco3030. Campos MP, Ferreira AM, Bolina CC, Marques Neto C, Costa GD, Mendes RAS, et al. Relação entre alcoolemia e mortes por acidente de trânsito no município de Barbacena - MG de 2009 a 2014. Rev Med Minas Gerais. 2016;26(Supl 5):S128-S133..

Quanto à escolaridade, este estudo evidenciou predomínio de acidentes entre aqueles com Ensino Médio completo, como em estudos realizados em Caicó (RN)3131. Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalência e fatores associados a acidentes de trânsito com mototaxistas. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
e Feira de Santana (BA)3232. Amorim CR, Araújo EM, Araújo TM, Oliveira NF. Occupational accidents among mototaxi drivers. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(1):25-37. https://doi.org/10.1590/s1415-790x2012000100003
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Na maior parte das investigações, as vítimas possuem nível elementar de formação ou baixa escolaridade3333. Gazal-Carvalho C, Carlini-Cotrim B, Silva OA, Sauaia N. Prevalência de alcoolemia em vítimas de causas externas admitidas em centro urbano de atenção ao trauma. Rev Saúde Pública. 2002;36(1):47-54. https://doi.org/10.1590/S0034-89102002000100008
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,3434. Arellano N, Mello MJ, Clark MA. The role of motorcycle taxi drivers in the pre-hospital care of road traffic injury victims in rural Dominican Republic. Inj Prev. 2010;16(4):272-4. https://doi.org/10.1136/ip.2009.025627
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
,3535. Silva MB, Oliveira MB, Fontana RT. Atividade do mototaxista: riscos e fragilidades autorreferidos. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1048-55. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000600010
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. No estudo feito em Caicó3131. Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalência e fatores associados a acidentes de trânsito com mototaxistas. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, município do interior do Rio Grande do Norte, a hipótese foi de que, devido o menor desenvolvimento socioeconômico das cidades e o afastamento de grandes centros urbanos, provavelmente há menos oportunidades de empregos para profissionais com maior nível de escolaridade.

Por sua vez, um estudo realizado no Piauí66. Santos AMR, Moura MEB, Nunes BMVT, Leal CFS, Teles JBM. Perfil das vítimas de trauma por acidente de moto atendidas em um serviço público de emergência. Cad Saúde Pública. 2008;24(8):1927-38. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800021
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
levantou a hipótese de que os acidentes predominam entre indivíduos com baixa escolaridade, muitas vezes por questões relativas a suas ocupações/empregos. Esse trabalho relata ainda que as motocicletas estão sendo mais utilizadas nas propriedades rurais em substituição ao uso de animais como meio de locomoção e como força de tração para veículos. Outra hipótese é de que os motoristas podem não ter passado pelo treinamento apropriado e de que as motos não são licenciadas adequadamente, nem submetidas a qualquer tipo de controle dos órgãos oficiais66. Santos AMR, Moura MEB, Nunes BMVT, Leal CFS, Teles JBM. Perfil das vítimas de trauma por acidente de moto atendidas em um serviço público de emergência. Cad Saúde Pública. 2008;24(8):1927-38. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800021
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.

Em relação à cor da pele, neste estudo, a maioria dos óbitos foram na raça/cor parda, em concordância à uma pesquisa realizada no ano de 2013, que constatou que mais da metade das pessoas que faleceram em decorrência de ATT eram da raça/cor preta ou parda11. Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortalidade e anos potenciais de vida perdidos por acidentes de transporte no Brasil, 2013. Rev Saúde Pública. 2016;50:59. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006465
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. Essa informação sinaliza para as desigualdades sócio-raciais na mortalidade por causas externas dessa população.

Acidentes de trânsito por motocicletas são notificados em todo o país, mas foi possível perceber que a Região Nordeste, seguida da Centro-Oeste e Sul foram as mais acometidas no ano de 2019. Essa informação corrobora outros estudos realizados no Brasil: em 2011, os estados nordestinos apresentaram as maiores proporções de acidentes envolvendo motociclistas3636. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: acidentes de trânsito e motocicleta. 1a ed. Rio de Janeiro: CEBELA; 2013.; a distribuição espacial das taxas de mortalidade de ocupantes de motocicletas entre 2014 e 2016 evidenciou que os índices mais elevados estavam nos municípios da Região Nordeste, Centro-Oeste e Norte1010. Pinheiro PC, Queiroz BL. Análise espacial da mortalidade por acidentes de motocicleta nos municípios do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(2):683-92. https://doi.org/10.1590/1413-81232020252.14472018
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Algumas questões são elencadas como prováveis causas de maior acometimento no Nordeste: Segundo Barroso Junior et al.55. Barroso Junior GT, Bertho ACS, Veiga AC. A letalidade dos acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras em 2016. Rev Bras Estud Popul. 2019;36:1-22. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0074
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, o volume de motocicletas em circulação cresceu em ritmo acelerado no país, mas no Nordeste a frota quadruplicou entre 2003 e 2014; Segundo Martins et al.99. Martins ET, Boing AF, Peres MA. Mortalidade por acidentes de motocicleta no Brasil: análise de tendência temporal, 1996-2009. Rev Saúde Pública. 2013;47(5):931-41. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004227
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, a explicação pode ter relação com a grande ascensão econômica destas regiões, as quais ampliaram sua participação relativa no PIB do país. O aumento da renda teria sido acompanhado da compra de um primeiro veículo, muitas vezes, uma motocicleta. Para Pavanitto et al.2525. Pavanitto DR, Menezes RAM, Nascimento LFC. Accidents involving motorcycles and potential years of life lost. An ecological and exploratory study. Sao Paulo Med J. 2018;136(1):4-9. https://doi.org/10.1590/1516-3180.2017.0098070817
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esse aumento resultou de ações de marketing promovidas por fabricantes e revendedores, de baixos preços para compra associados à introdução de financiamentos de longo prazo, com planos de parcelamento cujas parcelas mensais são de pequenos valores. Além das razões citadas, ainda há a utilização da motocicleta como ferramenta de trabalho para um gama cada vez maior de profissionais e atividades. Todos esses fatores têm uma parcela de contribuição no aumento do número de acidentes.

Do total de mortes ocorridas no ano de 2019, 10.944 foram mortes prematuras (97,9%), como consequência, foram perdidos 383.819 anos potenciais de vida neste ano, sendo que 88,3% por homens. Ou seja, a mortalidade por acidentes com motocicleta atinge um grande contingente de pessoas na idade produtiva, representando um extremo custo social decorrente de uma causa de óbito que poderia ser prevenida.

Considerando que entre os anos de 1996 e 2009 percebeu-se um incremento anual de 19% na taxa de mortalidade por acidentes por motocicleta no Brasil, este tipo de agravo toma uma dimensão especial de atenção99. Martins ET, Boing AF, Peres MA. Mortalidade por acidentes de motocicleta no Brasil: análise de tendência temporal, 1996-2009. Rev Saúde Pública. 2013;47(5):931-41. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004227
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. Em 2013, ao analisar todos os ATT, evidenciou-se que foram perdidos 1.309.191,5 anos potenciais de vida no Brasil, com taxa de APVP de 694,5 anos perdidos para cada 100 mil habitantes. A proporção de anos perdidos por ATT foi em média 33,8 anos por óbito registrado naquele ano11. Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortalidade e anos potenciais de vida perdidos por acidentes de transporte no Brasil, 2013. Rev Saúde Pública. 2016;50:59. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006465
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.

Também foi observada maior perda de dias de vida entre os homens do que entre as mulheres. Esse dado pode ser explicado pelo fato de que os homens utilizam mais as motocicletas para trabalho, como, por exemplo, no serviço de mototáxi e de delivery3737. Bittar CK, Cliquet A, Costa VSDA, Pacheco ACF, Ricci RL. Epidemiological profile of motorcycle accident victims in university hospital. Acta Ortop Bras. 2020;28(2):97-9. https://doi.org/10.1590/1413-785220202802230035
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. Outra associação para esse dado é que os indivíduos do sexo masculino assumem um maior comportamento de risco e desrespeito às leis de trânsito em comparação às mulheres2424. Uttra S, Laddawan N, Ratanavaraha V, Jomnonkwao S. Explaining sex differences in motorcyclist riding behavior: an application of multi-group structural equation modeling. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(23):8797. https://doi.org/10.3390/ijerph17238797
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
,3737. Bittar CK, Cliquet A, Costa VSDA, Pacheco ACF, Ricci RL. Epidemiological profile of motorcycle accident victims in university hospital. Acta Ortop Bras. 2020;28(2):97-9. https://doi.org/10.1590/1413-785220202802230035
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. Acrescenta-se a essa conjuntura que este resultado está mais relacionado a indivíduos jovens e socioeconomicamente ativos2424. Uttra S, Laddawan N, Ratanavaraha V, Jomnonkwao S. Explaining sex differences in motorcyclist riding behavior: an application of multi-group structural equation modeling. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(23):8797. https://doi.org/10.3390/ijerph17238797
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.

Após realizados os cálculos, observou-se que foram perdidos 383.819 anos potenciais de vida em 2019, sendo que 88,3% por homens e, que a taxa de APVP foi de 194,6 anos perdidos para cada 100 mil habitantes (Tabela 3). A proporção de anos perdidos por acidentes por motocicleta foi em média de 34,3 anos por óbito registrado em 2019 (dados não tabulados). Dentre os dados evidenciados, foi observada maior perda de anos entre homens e residentes da Região Nordeste. Quanto à proporção de APVP por sexo, é perceptível a expressiva disparidade na distribuição das mortes prematuras entre homens e mulheres. As mortes atingem os homens oito vezes mais do que as mulheres, produzindo uma “razão homem:mulher” (RHM) de APVP de cerca de 7,5:1 e de taxa APVP para 100 mil habitantes de 7,7. No entanto, esta RHM não se distribui uniformemente em todas as fases da vida, visto que no grupo etário mais jovem (de 0 a 4 anos) foi perceptível um APVP maior no sexo feminino, fato repetido quando se analisa a taxa de APVP. No que se refere à RHM, a partir de 5 a 9 anos, houve uma maior perda de anos de vida, seguindo um padrão crescente para as próximas idades. Em comparação com esse padrão, a taxa de APVP começa a crescer apenas na faixa de 10 a 14 anos, apresentando um leve declínio nessa razão no grupo de 40 a 49 anos, tanto ao analisar os APVP quanto as taxas (Tabela 3).

Tabela 3.
Quantidade de taxa de anos potenciais de vida perdidos e taxa de anos potenciais de vida perdidos por grupo etário e região, considerando o sexo e a razão homem:mulher, dos acidentes de motocicleta no Brasil, 2019

A principal limitação do estudo refere-se à qualidade dos dados do SIM, havendo possibilidade de haver sub-registro das informações sobre a causa básica dos óbitos ou elevado percentual de óbitos por intenção determinada, ocasionados pela falta de acurácia na definição de causa de morte, promovendo uma subestimativa dos coeficientes de mortalidade, conforme descrito em outros estudos22. Cardoso S, Gaertner MHCN, Haritsch L, Henning E, Kropiwiec MV, Franco SC. Perfil e evolução da mortalidade por causas externas em Joinville (SC), 2003 a 2016. Cad Saúde Coletiva. 2020;28(2):189-200. https://doi.org/10.1590/1414-462X202028020115
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,1818. Perea LME, Boing AC, Peres MA, Boing AF. Potential years of life lost due to oropharyngeal cancer in Brazil: 1979 to 2013. Rev Saude Publica. 2019;53:67. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2019053001054
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,2121. Fernandes FECV, Melo RA, Lemos RS, Xavier SB, Santos JMA, Arruda RG, et al. Years of potential life lost due to motorcycle accidents. Int Arch Med. 2017;10(153):1-9. https://doi.org/10.3823/2423
https://doi.org/https://doi.org/10.3823/...
.

Devido a dinamicidade dos tempos atuais, faz-se necessário que as pessoas se movimentem cada vez mais rápido e, em cidades que não beneficiam um transporte público rápido, acessível e de qualidade, gera incentivo para o uso de veículos particulares. Somados estes aos motivos citados anteriormente, ao longo deste trabalho, conclui-se que as motocicletas se tornam o transporte mais optado por uma considerável parcela da população. A magnitude do problema ocasionado pela alta incidência de acidentes com motocicletas e pela consequente maior mortalidade - visto a vulnerabilidade do usuário em um meio de alta velocidade -, torna imprescindível o estudo do impacto social e econômico destes agravos à saúde.

Este estudo é um recorte da realidade percebida, que deve direcionar trabalhos mais aprofundados e regionalizados, contudo, evidencia o quão prematuras são as mortes por este tipo de acidente. Esses óbitos se tornam causa que pode ser prevenível por ações intersetoriais da sociedade e por medidas preventivas de fácil execução e baixo custo. Uma maior visibilidade deste problema também pode promover uma mudança efetiva e com impacto real na sociedade. Percebe-se que há um perfil claro dos indivíduos que devem ser objeto das as ações preventivas de acidentes em motocicletas para evitar essas mortes prematuras. Este quadro possivelmente é agravado com a realidade da pandemia pelo COVID-19, com aumento do desemprego e, como consequência, o crescimento do serviço de entregas que utilizam este tipo de meio de transporte.

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  • Como citar:

    Galvão PVM, Mendes MVC, Machado MCFP, Rodrigues PMB, Conrado GAM, Costa PFF. Características sociodemográficas e anos potenciais de vida perdidos por acidentes com motocicleta no Brasil em 2019. Cad Saude Colet. 2024;32(1):e32010235. https://doi.org/10.1590/1414-462X202432010235
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2021
  • Aceito
    24 Out 2021
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