Resumo
Introdução
Internações por transtornos mentais e comportamentais não são ocorrências raras em adolescentes. Estima-se que aproximadamente 30% dos adolescentes brasileiros sejam acometidos por transtornos mentais.
Objetivo
Analisar a evolução das internações por transtornos mentais e comportamentais em adolescentes brasileiros de 2008 a 2017.
Método
Estudo ecológico de séries temporais utilizando dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde e do IBGE. As variáveis utilizadas foram regiões de residência, sexo, faixa etária e grupos de diagnósticos. A tendência do coeficiente de internação foi analisada através da regressão de Prais-Winsten utilizando o Stata 14.0.
Resultados
Houve 152.465 internações no período; o coeficiente de internação hospitalar reduziu na região Nordeste de 27,75 a 23,16 por 100 mil habitantes (Coef = -0,0070; -1,6%), aumentou de 13,70 a 21,61 por 100 mil habitantes no Norte (Coef = 0,0192; 4,5%) e nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste houve tendência estável. Verificou-se tendência crescente de internações entre as mulheres (Coef = 0,0136; 3,2%), e por transtornos do humor [afetivos] (0,0266; 6,33%) e outros transtornos mentais e comportamentais (0,0295; 7,03%).
Conclusão
Estudos epidemiológicos como este ajudam a fornecer informações úteis para o planejamento de serviços de prevenção e tratamento primário, secundário e terciário voltados à saúde mental, especialmente entre crianças e adolescentes.
Palavras-chave:
estudos de séries temporais; adolescente; transtornos mentais; hospitalização
Abstract
Background
Hospitalizations for mental and behavioral disorders are not rare occurrences in adolescents. It is estimated that approximately 30% of Brazilian adolescents are affected by mental disorders.
Objective
To analyze the evolution of hospitalizations for mental and behavioral disorders in Brazilian adolescents from 2008 to 2017.
Method
Ecological study of time series using data from the hospital information system collected of the Unified Health System (SUS) and IBGE was carried out. The variables used were regions of residence, gender, age group, and groups of diagnoses. The trend of the hospitalization coefficient was analyzed using the Prais-Winsten regression, by Stata 14.0.
Results
There were 152,465 hospitalizations in the period; the hospitalization coefficient decreased in the Northeast region from 27.75 to 23.16 per 100 thousand inhabitants (Coef. = -0.0070; -1.6%), increased from 13.70 to 21.61 per 100 thousand inhabitants in the North (Coef. = 0.0192; 4.5%) and in the South, Southeast and Midwest regions, had a stable trend. There was an increasing trend of hospitalizations among women (Coef. = 0.0136; 3.2%) and concerning affective mood disorders (0.0266; 6.33%), besides other mental and behavioral disorders (0.00295; 7.0 3%).
Conclusion
Epidemiological studies such as this service provide useful information for planning primary, secondary and tertiary prevention, and treatment services aimed at mental health, especially among children and adolescents.
Keywords:
time series studies; adolescent; mental disorders; hospitalization
INTRODUÇÃO
A adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta, marcado por impulsos no desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social. Inicia-se com as mudanças corporais da puberdade e termina quando o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente sua independência econômica, além da integração em seu grupo social11 Tanner JM. Growth at adolescence. 2. ed. Oxford: Blackwell; 1962.. Os limites cronológicos da adolescência são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre 10 e 19 anos22 Eisenstein E. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolesc Saúde. 2005;2(2):6-7..
Pelas inúmeras confluências e fragilidades psicossociais que cercam a fase da adolescência, fatores relacionados à saúde mental sobressaem-se nas análises desse período da vida33 Avanci JQ, Assis SG, Oliveira RVC, Ferreira RM, Pesce RP. Fatores associados aos problemas de saúde mental em adolescentes. Psic, Teor Pesq. 2007;23(3):287-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722007000300007.
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.
Nas últimas décadas, houve aumento da frequência de utilização dos serviços hospitalares por adolescentes. Esse fato tem sido relacionado a diferentes fatores, como aumento da prevalência dos problemas de saúde mental nessa faixa etária e dificuldade de acesso aos serviços de base comunitária44 Chun TH, Duffy SJ, Linakis JG. Emergency department screening for adolescent mental health disorders: the who, what, when, where, why and how it could and should be done. Clin Pediatr Emerg Med. 2013;14(1):3-11. http://dx.doi.org/10.1016/j.cpem.2013.01.003. PMid:23682241.
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,55 Vandenbroeck P, Dechenne R, Becher K, Eyssen M, Van den Heede K. Recommendations for the organization of mental health services for children and adolescents in Belgium: use of the soft systems methodology. Health Policy. 2014;114(2-3):263-8. http://dx.doi.org/10.1016/j.healthpol.2013.07.009. PMid:23932415.
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,66 Martins MMM, Souza J, Silva AA. Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica. Acta Paul Enferm. 2015;28(1):13-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500004.
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Segundo a 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), transtorno indica “um conjunto reconhecível de sintomas ou comportamentos clinicamente associados a sofrimento e interferência com as funções pessoais”77 Santos VC, Anjos KF, Boery RNSO, Moreira RM, Cruz DP, Boery EN, et al. Internação e mortalidade hospitalar de idosos por transtornos mentais e comportamentais no Brasil, 2008-2014. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(1):39-49. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742017000100005. PMid:28226007.
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:40.
A principal causa dos atendimentos aos adolescentes é o comportamento agressivo, que consiste em um sinal pouco específico, presente praticamente em todos os diagnósticos psiquiátricos66 Martins MMM, Souza J, Silva AA. Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica. Acta Paul Enferm. 2015;28(1):13-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500004.
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,88 Scivoletto S, Boarati MA, Turkiewicz G. Emergências psiquiátricas na infância e adolescência. Braz J Psychiatry. 2010;32(Supl 2):S112-20. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462010000600008.
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. O abuso ou intoxicação por substâncias tem sido destacado como importante preditor para utilização dos serviços de saúde nessa população66 Martins MMM, Souza J, Silva AA. Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica. Acta Paul Enferm. 2015;28(1):13-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500004.
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.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2011 a prevalência dos transtornos mentais na população mundial encontrava-se em torno de 10% ao considerar episódios durante todo o curso da vida66 Martins MMM, Souza J, Silva AA. Crianças e adolescentes usuários de substâncias no serviço de emergência psiquiátrica. Acta Paul Enferm. 2015;28(1):13-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500004.
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. Segundo outro estudo realizado em dois hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) de São Paulo-SP, em 2011 os transtornos mentais e comportamentais totalizavam 40,3% das internações99 Alves IAL, Lira PO, Reppetto MA, Hupsel ZN. Idosos em um hospital universitário e em um hospital geriátrico. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2011;56(1):7-11..
Na população infantojuvenil, têm sido encontradas altas taxas de prevalência de transtornos mentais e comportamentais. No Brasil, estudos demonstram prevalência de 30% de transtornos mentais em adolescentes1010 Lopes CS, Abreu GA, Santos DF, Menezes PR, Carvalho KMB, Cunha CF, et al. ERICA: prevalence of common mental disorders in Brazilian adolescents. Rev Saúde Pública. 2016;50(Supl 1):1s-9. http://dx.doi.org/10.1590/s01518-8787.2016050006690. PMid:26910549.
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. Entre os agravos mais frequentes estão os transtornos de ansiedade, depressão, transtornos de conduta e o uso de substâncias psicoativas. Em geral, os transtornos mentais devem ser tratados ambulatoriamente por serviços especializados, porém quadros agudos demandam internação hospitalar, a exemplo da intoxicação por uso abusivo de substâncias psicoativas1111 Bertelli EVM, Oliveira RR, Santos MLA, Souza EM, Fernandes CAM, Higarashi IH. Série temporal das internações de adolescentes por transtornos mentais e comportamentais. Rev Bras Enferm. 2019;72(6):1741-8. PMid:31644758..
Considerando a importância da temática e a escassez de estudos com enfoque nesse grupo populacional, este trabalho teve como objetivo analisar a tendência das internações hospitalares por transtornos mentais e comportamentais em adolescentes brasileiros no período de 2008 a 2017.
MÉTODO
Trata-se de um estudo ecológico de séries temporais, tendo sido analisada a tendência da taxa de internação hospitalar por transtornos mentais e comportamentais em adolescentes, por macrorregião de residência (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), sexo (masculino ou feminino), faixa etária (10 a 14 e 15 a 19 anos) e grupos de diagnósticos, no período de 2008 a 2017.
A coleta de dados foi realizada através dos sistemas de informações do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) utilizando o número de internação do Sistema de Internações Hospitalares (SIH), o número de adolescentes residentes (10 a 19 anos) originário do Censo do ano 2010 para o período 2008 a 2010 e as estimativas intercensitárias para os demais anos disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) é uma importante ferramenta de análise epidemiológica sobre hospitalizações. Embora restrito aos serviços que oferecem assistência pública, esse sistema fornece dados que, gradativamente utilizados, subsidiam análises que extrapolam o âmbito dos custos financeiros e possibilitam conhecer o comportamento epidemiológico das internações hospitalares1212 Mascarenhas MDM, Barros MBA. Evolução das internações hospitalares por causas externas no serviço público, 2002-2011. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(1):19-29. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000100003.
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,1313 Tomimatsu MFAI, Andrade SM, Soares DA, Mathias TAF, Sapata MPM, Soares DFPP, et al. Qualidade da informação sobre causas externas no Sistema de Informações Hospitalares. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):413-20. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000300004. PMid:19347175.
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A partir do formulário de autorização de internação hospitalar (AIH), o SIH/SUS disponibiliza dados demográficos e clínicos capazes de descrever a morbidade hospitalar no âmbito dos serviços próprios e conveniados ao SUS. Estima-se que a cobertura do sistema atinja 70 a 80% das internações hospitalares no Brasil, com variações entre as macrorregiões e estados, em função da população usuária de planos de saúde privados1414 Melione LPR, Mello-Jorge MHP. Gastos do Sistema Único de Saúde com internações por causas externas em São José dos Campos, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(8):1814-24. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800010. PMid:18709222.
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.
Os transtornos mentais e comportamentais foram agrupados em: demência (F00-F03), transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool (F10), transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de outras substâncias psicoativas (F11-19), esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes (F20-F29), transtornos do humor (afetivos) (F30-F39),transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes (F40-F48), retardo mental (F70-F79) e outros transtornos mentais e comportamentais (F04-F09, F50-F69, F80-F99), conforme o capítulo V da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Para o cálculo do coeficiente de internação, utilizou-se como numerador o número de internações hospitalares em adolescentes por transtornos mentais e comportamentais pago pelo SUS, e no denominador, a população de adolescentes residente no mesmo local e período considerado, multiplicada por 100 mil.
A análise de tendência temporal foi realizada por meio do método de Prais-Winsten para regressão linear generalizada, no qual as variáveis independentes (X) foram os anos da série histórica (2008 a 2017), e as variáveis dependentes (Y) foram os logaritmos das taxas de internação por macrorregião de residência, sexo, faixa etária e o logaritmo do número das internações por grupo de diagnóstico. Essa transformação logarítmica de base 10 das variáveis dependentes (Y) favorece a diminuição da heterogeneidade da variância dos resíduos da análise de regressão linear e colabora para a apuração da tendência1515 Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(3):565-76. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000300024.
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,1616 Schneider PB, Freitas BHBM. Tendência da hanseníase em menores de 15 anos no Brasil, 2001-2016. Cad Saúde Pública. 2018;34(3):e00101817. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00101817. PMid:29538501.
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.
Esse modelo de regressão é indicado para corrigir a autocorrelação serial em séries temporais, definida pela dependência de uma medida seriada com seus próprios valores em momentos anteriores e verificada pelo teste de Durbin-Watson1313 Tomimatsu MFAI, Andrade SM, Soares DA, Mathias TAF, Sapata MPM, Soares DFPP, et al. Qualidade da informação sobre causas externas no Sistema de Informações Hospitalares. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):413-20. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000300004. PMid:19347175.
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,1515 Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(3):565-76. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000300024.
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A estimação quantitativa da tendência foi calculada pela equação: APC (annual percent change (tendência ou mudança percentual anual) = [-1 + 10b1] * 100%; e seu respectivo intervalo de confiança (IC95%) pela expressão = [-1 + 10b1mín.] * 100%; [-1 + 10b1máx.] * 100%1515 Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(3):565-76. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000300024.
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,1717 Cunha AP, Cruz MM, Torres RMC, Cunha AP, Cruz MM, Torres RMC. Tendência da mortalidade por aids segundo características sociodemográficas no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre: 2000-2011. Epidemiol Serv Saude. 2016;25(3):477-86. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000300004. PMid:27869919.
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.
As tendências foram interpretadas como crescentes, decrescentes ou estáveis quando a taxa de variação foi positiva, negativa ou quando não existiu diferença significativa, respectivamente.
As análises foram feitas utilizando o software estatístico Stata 14.0, considerando-se um nível de confiança de 95%, e os resultados, apresentados através de tabelas e gráficos.
Foram empregados exclusivamente dados secundários e agregados, de domínio público e livre acesso, de modo que o estudo foi dispensado de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 20121818 Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União, Brasília, 13 de junho de 2013; Seção 1. p. 59-62..
RESULTADOS
No período de 2008 a 2017, houve 152.465 internações por transtornos mentais e comportamentais em adolescentes registradas no SIH/SUS, no Brasil. Verificou-se um aumento na taxa de internações de 41,69/100 mil hab. para 47,84/100 mil hab (Figura 1 e Tabela 1).
Série histórica das taxas de internação por transtornos mentais e comportamentais* em adolescentes por região. Brasil, 2008-2017. *por 100 mil habitantes
Evolução da taxa de internação por 100.000 habitantes e tendência das taxas de internação por transtornos mentais e comportamentais em adolescentes segundo região, sexo e faixa etária. Brasil, 2008-2017
Observaram-se maiores taxas de internações na região Sul, variando de 89,86/100 mil hab. para 139,5/100 mil hab. no período estudado. A região Norte apresentou tendência crescente nas taxas de internação (Coef = 0,0192; 4,5%; IC 95%: 1,88%-7,81%), Nordeste decrescente (Coef = -0,0070; -1,6%; IC95%: -2,90%- -0,24%), e as regiões Centro-Oeste (Coef = -0,0129; -2,9%; IC95%: -5,99%-0,23%), Sudeste (Coef = 0,0042; 0,98%; IC95%: -1,63%-2,66%) e Sul (Coef = 0,0149; 3,5%; IC95%: -0,33%-7,48%) mantiveram taxas estáveis (Tabela 1).
As taxas de internação de mulheres apresentaram tendência crescente (Coef = 0,0136; 3,2%; IC95%: 0,35%-6,12%), variando de 27,06/100 mil hab. para 38,08/100 mil hab., enquanto entre os homens foi estável (Coef = 0,0005; 0,11%; IC95%: -2,44%-2,73%) (Tabela 1 e Figura 2). Para todas as faixas etárias analisadas, as evoluções da tendência das taxas de internação foram estáveis, apesar de serem maiores na faixa de 15 a 19 anos (Tabela 1), variando de 74,07/100 mil hab. a 77,03/100 mil hab.
Série histórica das taxas de internação por transtornos mentais e comportamentais* em adolescentes segundo sexo. Brasil, 2008-2017. *por 100 mil habitantes
Observou-se decréscimo no número de internações por demência (Coef = -0,0269; -6,01%; IC95%: -9,81%- -2,06%) e acréscimo nos números por transtornos do humor [afetivos] (Coef = 0,0266; 6,33%; IC95%: 4,62%-8,07%) e por outros transtornos mentais e comportamentais (Coef = 0,0295; 7,03%; IC95%: 3,72%-10,45%). Houve estabilização nas taxas de internações por transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool (Coef = -0,0113; -2,57%; IC95%: 7,03%-2,10%), transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de outras substâncias psicoativas (Coef = -0,0108; -2,45%; IC95%: -8,33%-3,82%), esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes (Coef = -0,0031; -0,72%; IC95%: -1,70%-0,28%), transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes (Coef = 0,0156; 3,66%; IC95%: -1,70%-9,32%) e retardo mental (Coef = 0,0076; 1,77%; IC95%: -5,69%-9,83%) (Tabela 2).
Evolução e tendência do número de internações por transtornos mentais e comportamentais segundo grupos de diagnóstico. Brasil, 2008-2017
DISCUSSÃO
Foram registradas 152.465 internações por transtornos mentais e comportamentais em adolescentes nos anos de 2008 a 2017 no Brasil. O sexo feminino apresentou tendência crescente (27 a 38), porém os adolescentes do sexo masculino apresentaram-se estáveis; no entanto, a taxa é maior que a feminina.
Observa-se que a prevalência de transtornos mentais comuns é de 38,4% 10 em adolescentes do sexo feminino, tornando-se ainda mais frequente com a proximidade da vida adulta. As mulheres, desde muito jovens, estão expostas a fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, podendo-se destacar a alta incidência de depressão e de transtorno de humor bipolar nessa população1919 Bragé ÉG, Ribeiro LS, Rocha DG, Ramos DB, Vrech LR, Lacchini AJB. Perfil de internações psiquiátricas femininas: uma análise crítica. J Bras Psiquiatr. 2020;69(3):165-70. http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000275.
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Os problemas de saúde mental em crianças e adolescentes podem se relacionar a diversos fatores, como problemas genéticos, violências, perdas de pessoas significativas, adversidades crônicas e eventos estressantes agudos, problemas no desenvolvimento, adoção, abrigamento, transtornos cerebrais como epilepsia, além de aspectos culturais e sociais que impactam de forma significativa no desenvolvimento infantil2020 Rutter M, Taylor E. Child and adolescent psychiatry. Oxford: Blackwell Publishing; 2002.,2121 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF. Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Cien Saúde Colet. 2009;14(2):349-61. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000200002. PMid:19197408.
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Estudos epidemiológicos populacionais internacionais mostram enorme oscilação na prevalência estimada de transtornos psiquiátricos na infância e adolescência, entre 1-51%2121 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF. Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Cien Saúde Colet. 2009;14(2):349-61. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000200002. PMid:19197408.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009...
. Revisão da literatura sobre estudos publicados na América Latina e Caribe nos anos de 1980 a 1999 evidenciou prevalência desses problemas entre 15-21%2222 Duarte C, Hoven C, Berganza C, Bordin I, Bird H, Miranda CT. Child mental health in Latin America: present and future epidemiologic research. Int J Psychiatry Med. 2003;33(3):203-22. http://dx.doi.org/10.2190/4WJB-BW16-2TGE-565W. PMid:15089004.
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,2323 Bordin IA, Paula CS, Nascimento R, Duarte CS. Severe physical punishment and mental health problems in an economically disadvantaged population of children and adolescents. Braz J Psychiatry. 2006;28(4):290-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462006000400008. PMid:17242808.
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. As diferentes classificações diagnósticas e metodologias utilizadas podem explicar essa variação, juntamente com possíveis diferenças sociais e culturais existentes nas regiões e países2121 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF. Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Cien Saúde Colet. 2009;14(2):349-61. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000200002. PMid:19197408.
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Estudo de análise transversal com 483.281 internações em hospitais gerais e infantis em menores de 21 anos com diagnóstico comportamental primário ou secundário apresentou uma taxa de internação de 5,5 por 1.000 crianças na população dos EUA, tendo um diagnóstico comportamental primário de 2,9 dos internados. Diagnósticos primários comuns incluem depressão (34%), transtorno de humor (31%), psicótico (9%) e uso de substâncias (7%). Os diagnósticos comportamentais secundários mais comuns foram depressão (26%), transtorno de déficit de atenção (26%) e transtornos por uso de substâncias (22%)2424 Egorova NN, Pincus HA, Shemesh E, Kleinman LC. Behavioral health diagnoses among children and adolescents hospitalized in the United States: observations and implications. Psychiatr Serv. 2018;69(8):910-8. http://dx.doi.org/10.1176/appi.ps.201700389. PMid:29852825.
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Na infância, em geral, os problemas de saúde mental são mais frequentes em meninos do que em meninas (2:1), mas a partir dos 13 anos de idade as taxas de prevalência são maiores para meninas. No entanto, existem diferenças de gênero entre vários transtornos. Por exemplo, os meninos adolescentes sofrem com mais frequência de transtornos de uso de substâncias, enquanto as do sexo feminino são mais afetadas por transtornos alimentares e transtornos depressivos2525 Ihle W, Esser G. Epidemiologie psychischer störungen im kindes- und jugendalter: prävalenz, verlauf, komorbidität und geschlechtsunterschiede. Psychol Rundsch. 2002;53(4):159-69. http://dx.doi.org/10.1026//0033-3042.53.4.159.
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. Neste estudo, apesar de verificar maiores taxas entre os meninos, a tendência apresentou-se crescente entre as meninas.
Em estudo nos serviços especializados de saúde mental na Dinamarca, as crianças e adolescentes de 6 a 16 anos do sexo masculino atendidas nesses serviços foram as que apresentaram transtornos de neurodesenvolvimento e de conduta como o principal diagnóstico, especialmente em crianças e adolescentes do sexo masculino, enquanto afetivos, alimentares, neuróticos, relacionados ao estresse e transtornos de adaptação foram mais comuns em meninas2626 Castagnini AC, Foldager L, Caffo E, Thomsen PH. Early-adult outcome of child and adolescent mental disorders as evidenced by a national-based case register survey. Eur Psychiatry. 2016;38:45-50. http://dx.doi.org/10.1016/j.eurpsy.2016.04.005. PMid:27657665.
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Estudo realizado nos Estados Unidos no período de 2000-2006 destaca que transtornos de humor são uma das principais razões para a hospitalização durante o desenvolvimento, especialmente na adolescência, corroborando os dados deste estudo, quando se observa uma tendência crescente nos transtornos de humor [afetivo]. Entretanto, o estudo realizado em 2000-2006 apresentou uma diminuição do diagnóstico de distúrbios por depressão, enquanto os diagnósticos por distúrbios bipolares aumentaram. Destaca ainda que as taxas de hospitalização variaram amplamente por região do país, também observado neste estudo com o crescimento na região Norte2727 Lasky T, Krieger A, Elixhauser A, Vitiello B. Children’s hospitalizations with a mood disorder diagnosis in general hospitals in the United States 2000-2006. Child Adolesc Psychiatry Ment Health. 2011;5(1):27. http://dx.doi.org/10.1186/1753-2000-5-27. PMid:21819623.
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Em estudo de revisão avaliando a prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes, incluindo estudos epidemiológicos de 1970 a 2000, os mais frequentes são transtornos de ansiedade (até 31,9%), transtornos de comportamento (16,3-19,1%), transtornos por uso de substâncias (8,3-11,4%), transtornos emocionais (3,7-14,3%), transtornos hipercinéticos (2,2-8,6%) e transtornos dissociais agressivos (2,1-7,6%)2828 Fuchs M, Bosch A, Hausmann A, Steiner H. The child is father of the man—review of literature on epidemiology in child and adolescent psychiatry. Z Kinder Jugendpsychiatr Psychother. 2013;41(1):45-55. http://dx.doi.org/10.1024/1422-4917/a000209. PMid:23258437.
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Tratando-se dos casos de internações e a análise temporal estudada, torna-se oportuno enfatizar acontecimentos no ano de 2010 que impactaram o cenário da saúde mental no Brasil: a instauração da Portaria 2.841, de 20 de setembro, que instituiu o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPS AD III) - 24 horas2929 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.841, de 20 de setembro de 2010 (revogada pela PRT GM/MS n. 130 de 26.01.2012). Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas - 24 horas - CAPS AD III. Diário Oficial da União [Internet], Brasília, 21 de setembro de 2010; Seção 1. p. 42 [citado em 2020 Nov 8]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt2841_20_09_2010_comp.html
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. O CAPS AD III é um serviço de atendimento integral que pode dar suporte em regime integral ao indivíduo com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras substâncias. Outra portaria relevante foi a 2.843, de 20 de setembro de 2010, que estabeleceu os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - Modalidade 3 (NASF 3), com prioridade à atenção integral para usuários de crack, álcool e outras drogas em municípios de menor população3030 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.843, de 20 de setembro de 2010 (revogada pela PRT GM n. 2.488 de 21.10.2011). Cria, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - Modalidade 3 - NASF 3, com prioridade para a atenção integral para usuários de crack, álcool e outras drogas. Diário Oficial da União [Internet], Brasília, 21 de setembro de 2010; Seção 1. p. 44 [citado em 2020 Nov 8]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt2843_20_09_2010.html
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. Nesse contexto de ações prioritárias e políticas públicas ambulatoriais em saúde mental, explica-se a estabilidade de internações hospitalares nas regiões brasileiras em decorrência do uso de álcool e drogas psicoativas, por exemplo.
Pode-se justificar também o aumento de grupos diagnósticos e internações hospitalares como resultante do fato da saúde mental como uma prioridade do Ministério da Saúde em 2010. O cuidado direcionado a esses indivíduos, aliado às implementações de políticas de saúde e novas estratégias de assistência, de certa forma teve como consequência o aumento do número de encaminhamentos a internações em rede hospitalar3131 Bertelli EVM, Oliveira RR, Santos MLA, Souza EM, Fernandes CAM, Higarashi IH. Série temporal das internações de adolescentes por transtornos mentais e comportamentais. Rev Bras Enferm. 2019;72(6):1741-8. PMid:31644758..
Uma limitação importante a ser considerada é que o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) é uma ferramenta de análise epidemiológica restrita aos serviços que oferecem assistência pública, o que significa que o quantitativo de internações por transtornos mentais e comportamentais em adolescentes é bem maior ao se somar com as internações em instituições de saúde privadas. Outra limitação a ser enfatizada é a subnotificação desse agravo de saúde, seja pela falta de capacitação ou de expertise na notificação correta nos hospitais ou até mesmo pela resistência da própria família em assumir a condição de saúde de seus entes por preconceito e estigma que ainda existem na sociedade quando se trata de problemas mentais.
As conclusões obtidas sugerem a realização de estudos mais amplos e até mesmo de caráter qualitativo a fim de compreender melhor as causas das internações e desenvolver medidas e programas de promoção e prevenção de saúde a essa população jovem da sociedade.
É importante entender que estudos epidemiológicos são essenciais não apenas para fornecer dados sobre crianças e adolescentes que são afetados por problemas de saúde mental, mas também para fornecer informações sobre a necessidade, disponibilidade e acesso a serviços de saúde mental. Informações sobre prevalência e incidência são úteis para o planejamento de serviços de prevenção e tratamento primário, secundário e terciário3232 Costello EJ, Burns BJ, Angold A, Leaf PJ. How can epidemiology improve mental health services for children and adolescents? J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993;32(6):1106-14. http://dx.doi.org/10.1097/00004583-199311000-00002. PMid:8282654.
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Como citar: Rodrigues LS, Deca Junior A, Lisboa LAS, Castro LCA, Campos MRMV, Costa LC, et al. Internação hospitalar por transtornos mentais e comportamentais em adolescentes no Brasil, 2008-2017. Cad Saúde Colet, 2023; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202331010324
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Trabalho realizado na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) - São Luís (MA), Brasil.
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Fonte de financiamento: nenhuma.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Fev 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
10 Set 2019 -
Aceito
02 Fev 2021