Resumo
Introdução: Práticas Integrativas e Complementares em Saúde ampliam o cuidado em saúde.
Objetivo: avaliar a satisfação dos usuários atendidos na Atenção Básica e a oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde no Sistema Único de Saúde.
Método: Foram utilizadas questões do 3° ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica do qual participaram 140.121 usuários de 36.808 equipes de saúde. A variável desfecho foi mensurada por meio da questão "Na sua opinião, o cuidado que o(a) senhor(a) recebe da equipe de saúde é:".
Resultados: Apresentaram menor chance de satisfação os usuários que moravam mais distantes das Unidades de Saúde; cujo horário de funcionamento não atendia suas necessidades ou atendiam às vezes; com os profissionais que quase nunca/nunca perguntavam sobre outras questões da sua vida; que se sentiam algumas vezes ou não se sentiam respeitados pelos profissionais; que acreditavam que a forma como foram acolhidos foi regular, ruim ou muito ruim; em locais cujas equipes não participaram de ações de educação permanente e que não ofereciam Práticas Integrativas e Complementares em Saúde.
Conclusão: o oferecimento de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde foi um fator que contribuiu favoravelmente para a satisfação dos usuários atendidos na atenção básica.
Palavras-chave: terapias complementares; satisfação do paciente; atenção primária à saúde
Abstract
Background: Integrative and complementary health practices expand health care.
Objective: to evaluate the satisfaction of users assisted in primary health care and the influence of the offer of integrative and complementary health practices by the Unified Health System.
Method: Questions from the 3rd cycle of the Program for Improving Access and Quality of Primary Care were used. The users who participated totaled 140.121, from 36,808 health'eams. The outcome variable was measured using the question: "In your opinion, the care you receive from the health team is:".
Results: Users who showed less satisfaction lived further away from the Health Units; were served by units whose opening hours did not meet their needs or did so only sometimes; or had professionals who almost never/never asked about other issues in their life; who sometimes felt respected by professionals or who did not feel respected; who believed that the way they were received was regular, bad or very bad; in places where teams did not participate in permanent education actions or which did not offer integrative and complementary health practices.
Conclusion: The offering of integrative and complementary health practices was a factor which contributed favorably to the satisfaction of the users assisted in primary care.
Keywords: complementary therapies; patient satisfaction; primary health care
INTRODUÇÃO
As terapias holísticas ampliam a forma de abordar o cuidado em saúde1. Em sua perspectiva, o ser humano é cuidado de forma individual e integral, por meios terapêuticos simples, mais econômicos e menos dependentes de altas tecnologias biomédicas2,3. Esse conjunto de práticas que utilizam recursos naturais interpretam o processo de saúde e doença como fruto da interação dinâmica entre as dimensões física, psicossocial e espiritual do indivíduo e suas relações com o meio4. Essas terapias, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são nomeadas Medicinas Tradicionais e Complementares, e o descritor utilizado internacionalmente é Terapias Complementares (TCs).
A OMS fomenta o uso dessas práticas em todo o mundo, devido ao seu potencial em promover cuidados em saúde centrados no indivíduo e bem-estar5. Esse modelo ampliado de cuidado em saúde preenche algumas lacunas do modelo biomédico estritamente curativista6. Assim, as TCs têm se tornado cada vez mais presentes em pesquisas e condutas profissionais7 em diversos países, tais como Austrália, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Suíça, Taiwan, Estados Unidos da América e Reino Unido8.
O Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil reconhece e regulamenta um conjunto de práticas que abrange Racionalidades Médicas e recursos terapêuticos, denominadas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS)9. Desde 2006, as PICS foram inseridas no sistema público de saúde do país, a partir do documento fundante da inserção dessas práticas, a Portaria Ministerial n.º 971/06, intitulada Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)10. Atualmente, essa política contempla 29 PICS previstas para o SUS10-12. De acordo com dados do Ministério da Saúde do Brasil, em 2019, a PNPIC efetivou-se cerca de 90% na Atenção Primária à Saúde (APS)13.
A APS é um modelo de atenção em saúde pública empregado em muitos países14. Compreende a porta de entrada ao sistema de saúde e é responsável pela organização do cuidado à saúde dos indivíduos, das suas famílias e da população ao longo do tempo15. Em 2011, o Ministério da Saúde do Brasil criou o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB)16, o qual teve como objetivo avaliar a qualidade dos serviços prestados para a população e estimular sua orientação de acordo com as necessidades e satisfação dos usuários16,17. Portanto, é um programa gerencial, com o objetivo de auxiliar no planejamento das ações das equipes de saúde18. Desde sua criação, foram realizados três ciclos de avaliação, em 2011-2012, 2013-2014 e 2017-201819.
A satisfação do usuário é um indicador importante de estrutura, processo e resultados dos atendimentos prestados20. Ela é influenciada pela empatia, escuta, confiança e pelo cuidado na relação paciente-profissional20. A participação popular democratiza as decisões em saúde e torna o usuário corresponsável no processo de produção do cuidado em saúde, auxiliando na melhoria da qualidade e resolubilidade dos serviços prestados21.
O objetivo desse artigo foi avaliar a satisfação dos usuários atendidos na Atenção Básica e a oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde no SUS.
MATERIAIS E MÉTODO
O presente estudo possui delineamento transversal, no qual foram utilizados dados secundários do 3° ciclo do PMAQ-AB (2017-2018), de acesso público e disponível no site do Ministério da Saúde. De acordo com a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), por se tratar de informações de acesso público, cujo banco de dados possui informações agregadas sem identificação individual dos participantes, não é necessário a submissão a um Comitê de Ética em Pesquisa. A etapa formal de adesão ao Programa ocorreu mediante a contratualização de compromissos e indicadores firmados entre as Equipes de Atenção Básica (EAB) com os gestores municipais e o Ministério da Saúde22. Todas as 40.973 EAB do Brasil foram convidadas a participar de forma voluntária e, em média, 94,81% aderiram ao programa23.
O 3° ciclo do instrumento de avaliação externa para as EAB foi organizado em seis módulos, conforme o método de coleta das informações. Para este estudo, foram selecionadas as perguntas de dois módulos:
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Módulo II – Entrevista com o profissional da Equipe de Atenção Básica e verificação de documentos na Unidade Básica de Saúde;
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Módulo III – Entrevista com o Usuário na Unidade Básica de Saúde (Pesquisa de Satisfação do Usuário da Atenção Básica no Brasil)22.
A variável desfecho da presente pesquisa foi a satisfação com o cuidado recebido na atenção básica, a qual foi obtida por meio da questão do PMAQ-AB: "Na sua opinião, o cuidado que o(a) senhor(a) recebe da equipe de saúde é:". As respostas foram dicotomizadas em: muito bom/bom e regular/ruim/muito ruim.
Foram testadas as associações entre a satisfação do cuidado, com as variáveis independentes, separadas em dois níveis: nível individual e nível equipe. No nível individual, foram selecionadas perguntas do módulo III do PMAQ-AB referentes à identificação socioeconômica do usuário, ao acesso à unidade de saúde, à qualidade das consultas e ao vínculo com a equipe na perspectiva do usuário. As opções de respostas foram categorizadas, conforme apresentado no Quadro 1.
No nível equipe, foram selecionadas perguntas do módulo II do PMAQ-AB referentes à oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde pela Unidade de Saúde, conforme apresentado no Quadro 2. As opções de respostas foram sim e não.
Análise estatística
As análises foram realizadas com auxílio dos programas R e The Statistical Analysis System (SAS)24,25. Inicialmente foram realizadas análises descritivas dos dados com frequências e porcentagens. A seguir, foram estimados modelos de regressão logística simples analisando a associação entre cada variável independente e o desfecho (satisfação do usuário pela Atenção Básica). As variáveis com p<0,20 nas análises de regressão simples foram estudadas em um modelo de regressão logística múltipla multinível. O primeiro modelo foi construído com as variáveis do nível individual que apresentaram p<0,05 após os ajustes para as demais variáveis do mesmo nível. Na sequência foram incluídas as variáveis do nível das equipes, permanecendo no modelo final aquelas com p<0,05 após os ajustes para as variáveis do mesmo nível e do nível de indivíduos. A partir dos modelos de regressão, foram estimados os odds ratio brutos e ajustados com os intervalos de 95% de confiança. Em todas as análises foi considerado o nível de significância de 5%. O ajuste do modelo foi avaliado pelo Quasi- likelihood under the Independence Model Criterion (QICu).
RESULTADOS
O banco de dados foi constituído por respostas de 140.444 usuários e das 36.806 equipes de atenção básica desses entrevistados, nas quais 13.673 Unidades de Saúde participantes estavam localizadas na região Nordeste, representando 33,37% das 40.973 EAB do Brasil; 12.213 na região Sudeste, sendo 29,80% das EAB totais; 5.364 na região Sul (13,09%); 2.932 na região Norte (7,15%); e 2.624na região Centro-Oeste, 6,40%. Dentre os usuários, 323 (0,23%) não responderam à pergunta sobre satisfação com o cuidado recebido e foram excluídos das análises.
Na Tabela 1 são apresentadas as respostas das questões direcionadas às equipes. Observou-se que 89% das equipes participaram, no último ano, de ações de educação permanente organizadas pela Gestão Municipal. Além disso, 31,7% das equipes ofereceram Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS); 18,6% ofereceram aos usuários atividades de educação em saúde relativas ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos; e 11,6% abordaram o uso de recursos terapêuticos não medicamentosos, como águas termais, práticas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e práticas da medicina antroposófica. Observou-se também que, para 22,5% das equipes, a gestão ofereceu alguma/algum atividade/curso de educação permanente em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. Em 27,5% das equipes, os profissionais tiveram o apoio da gestão para realizar as PICS, enquanto 20,1% das equipes utilizaram algum protocolo de acolhimento à demanda espontânea ou linha de cuidado que inclua PICS.
Na Tabela 2 são apresentados os resultados das análises bivariadas associando o nível individual e o nível equipe à satisfação. Observa-se que 78,4% da amostra era do sexo feminino, sendo 62,6% casado ou em união estável. Observa-se ainda que 13,4% da amostra avaliou a satisfação com o cuidado como regular, ruim ou muito ruim. Ainda nessa tabela, pode-se notar que 60,1% da amostra levou até 10 minutos da sua casa até a Unidade de Saúde/Posto de Saúde e que para 84,6% o horário de funcionamento da Unidade atendeu às suas necessidades. Ainda, 96% dos entrevistados realizaram consulta na Unidade de Saúde nos últimos 12 meses. Para 70,9% dos usuários, os profissionais de saúde perguntaram sobre outras questões da vida, além das queixas sobre a saúde, e 95% se sentiram respeitados pelos profissionais em relação aos seus hábitos culturais, costumes e suas religiões. Também destaca-se que 85,3% responderam que a forma como é acolhido ao procurar o serviço é muito boa ou boa.
Análises individuais da satisfação dos usuários com o cuidado em função das variáveis individuais e da equipe de atenção básica (n=140.121). Brasil, 2018
Na Tabela 3 são apresentados os resultados das análises múltiplas. O coeficiente de correlação intraclasse foi de 0,1206, ou seja, a variabilidade entre as equipes representou 12% da variabilidade total, o restante é devido a variabilidade entre os usuários. Apresentaram maior chance de ter menor satisfação com o cuidado os usuários de menor renda (OR=1,25; IC95% 1,19–1,31), que moravam mais distantes da Unidade de Saúde (OR=1,18; IC95% 1,12–1,23 para 11 a 30 minutos e OR=1,38; IC95% 1,27–1,51 para mais de 30 minutos), cujo horário de funcionamento da Unidade não atenderam às suas necessidades (OR=2,78; IC95% 2,56–3,01) ou atenderam apenas às vezes (OR=2,53; 2,38–2,69), que não realizaram consulta nos últimos 12 meses (OR=1,31; IC95% 1,17–1,46), que responderam que os profissionais quase nunca ou nunca perguntam sobres outras questões da sua vida (OR=2,29; IC95% 2,19–2,40), que só se sentiram algumas vezes respeitados pelos profissionais em relação aos seus hábitos culturais, costumes, religião (OR=2,12; IC95% 1,92–2,34) ou que não se sentiram respeitados (OR=3,59; 2,98–4,32), que acreditaram que a forma como foram acolhidos foi regular, ruim ou muito ruim (OR=15,94. IC95% 15,20–16,72). Além disso, apresentaram maior chance de menor satisfação os usuários de equipes que não participaram de ações de educação permanente organizadas pela Gestão Municipal (OR=1,09; IC95% 1,02–1,18) e de equipes que não ofereceram PICS (OR=1,08; IC95% 1,03–1,14).
Análises múltiplas da satisfação dos usuários com o cuidado em função das variáveis individuais e da equipe de atenção básica (n=140.121). Brasil, 2018
DISCUSSÃO
O presente estudo verificou se a oferta de PICS influencia a satisfação dos usuários atendidos na Atenção Básica. Dentre os achados, observou-se que usuários de equipes que não oferecem PICS têm 8% mais chance de estar menos satisfeitos com o cuidado. Ao nosso conhecimento, esse é o primeiro estudo realizado no país que testou essa associação.
Uma das hipóteses para esse achado é a satisfação dos usuários ser maior em tratamentos que utilizam PICS quando comparado aos tratamentos convencionais. Estudos realizados na atenção primária suíça comprovaram essa hipótese26-28. Michlig et al.26 mostraram, em seus achados, diferença estatisticamente significativa para completa satisfação em pacientes tratados com acupuntura (49,6%) quando comparados aos pacientes de tratamentos convencionais (43,4%). Para tratamento de doenças musculoesqueléticas, Mermond et al.27 observaram que pacientes tratados com Terapia Neural estavam mais satisfeitos (41,3%) do que os pacientes tratados pela medicina convencional (29,5%). Além disso, neste estudo, os autores analisaram a qualidade da interação entre médico e paciente. Dentre os resultados encontrados, pacientes atendidos por essa PICS mostraram maior satisfação nas seguintes variáveis: relação e comunicação, atendimento médico, informação e suporte, continuidade e cooperação, disponibilidade de instalações e acessibilidade. Busato e Kunzi28 verificaram que as chances de completa satisfação pelo cuidado recebido foram 12% maiores em indivíduos tratados por práticas tradicionais, complementares e integrativas, quando comparado ao tratamento convencional.
No Brasil, em estudo realizado em Florianópolis-SC, metade dos usuários participantes declarou preferência por iniciar o tratamento utilizando terapias complementares e posteriormente, caso necessário, utilizar medicamentos convencionais em Equipes de Saúde da Família (ESF)29. Tais resultados, além de ressaltar o interesse dos usuários pelas PICS, promovem a reflexão sobre a importância da oferta na APS, com facilidade de diálogo entre os profissionais da equipe e definição da melhor estratégia de cuidado a oferecer ao usuário para, consequentemente, gerar melhor satisfação com o cuidado prestado.
A menor satisfação com o cuidado em usuários de equipes que não oferecem PICS pode ser explicada devido à crise do modelo biomédico mecanicista, curativista, centrado somente aos sintomas e, portanto, desumanizado30. Já os atendimentos baseados nas PICS, por serem centrados no indivíduo, analisam aspectos subjetivos e psicossociais, o que melhora o diálogo e a escuta entre os profissionais e usuários e contribui para melhor percepção das condições crônicas de saúde29.
Ademais, um estudo realizado na Coréia do Sul demonstrou que pacientes insatisfeitos com os tratamentos convencionais possuem mais chances de procurarem tratamentos com PICS31. Além disso, os autores verificaram que o principal fator de insatisfação dos indivíduos com os tratamentos convencionais foi o tempo de consulta médica31. Complementando esse achado, em uma revisão de literatura que examinou as razões dos pacientes para procurarem tratamentos com PICS, os autores constataram que variáveis relacionadas à satisfação com o cuidado prestado foram um fator importante para a escolha32. Os usuários alegaram que essas práticas melhoram seu bem-estar e seu estado de saúde, além de serem mais seguras, baratas e de fácil uso32. Esses fatores também contribuem para a alta satisfação ao serviço prestado8.
Além disso, no presente estudo, apresentaram mais chance de ter menor satisfação com o cuidado prestado na atenção básica os usuários que responderam que os profissionais quase nunca ou nunca perguntavam sobre outras questões da sua vida; que só se sentiam algumas vezes respeitados pelos profissionais em relação aos seus hábitos culturais, costumes, sua religião, ou que não se sentiam respeitados; e principalmente, que acreditavam que a forma como foram acolhidos foi regular, ruim ou muito ruim. Todas essas questões estão, segundo o manual PMAQ-AB, associadas à qualidade da consulta, ao acolhimento e ao vínculo entre profissional e indivíduo13.
O acolhimento foi a variável com maior chance de estar associada à satisfação do usuário na atenção básica. Acolher, além de resolução eficaz das demandas e dos problemas de saúde, significa, principalmente, escuta qualificada, construção de vínculo, valorização das queixas e identificação de necessidades do usuário33. Esses aspectos, segundo Gomide et al.33, melhoram a qualidade do atendimento e a satisfação do usuário com o atendimento recebido.
Dessa maneira, as equipes de saúde e seus profissionais devem reforçar a importância da humanização do cuidado17 e fornecer com respeito os cuidados de saúde em suas diferentes dimensões: promoção, prevenção, gerenciamento de cuidados crônicos e educação para autocuidado do paciente34.
Para isso, devido à diversidade cultural entre os indivíduos, os profissionais devem ser capazes de aprender novos valores e desenvolver outras percepções de saúde-doença, se despindo do saber tradicional verticalizado e demais preconceitos para fornecer tratamento de acordo com a realidade do usuário e, assim, garantir a adesão ao tratamento17. Para isso, a educação permanente dos profissionais de saúde torna-se indispensável. O treinamento continuado da equipe pode contribuir para melhorar a satisfação dos indivíduos20, dado que corrobora os achados desta pesquisa, em que há mais chances de insatisfação quando a equipe não participa de ações municipais de educação permanente.
Além disso, nesse estudo apresentaram mais chance de ter menor satisfação os seguintes usuários atendidos na Atenção Básica: de menor renda; que moram mais distantes das Unidades Básicas; cujo horário de funcionamento das Unidades não atenderam às suas necessidades ou atenderam apenas às vezes; que não realizaram consulta nos últimos 12 meses.
O achado deste estudo, ao associar menor renda com menor satisfação do usuário na atenção básica, contradiz os achados de Batbaatar et al.35. Os autores, em uma revisão sistemática com o objetivo de analisar quais os determinantes para a satisfação do usuário, apresentaram que fatores socioeconômicos dos participantes, incluindo renda familiar, afetam a satisfação do usuário. Porém, existem variados achados em relação à forma e intensidade que influenciam esse desfecho. Dessa forma, não há um consenso nos estudos realizados sobre a verdadeira associação de renda com satisfação do usuário. Isso pode ser explicado devido aos diferentes grupos e contextos de saúde analisados, já que a revisão foi feita com estudo de muitos países36.
O estudo de Santos et al.36, realizado em seis unidades de saúde da macrorregião oeste de Minas Gerais, também verificou que são fatores de satisfação do usuário com os serviços a localização da Estratégia da Saúde da Família (ESF) com características físicas que não dificultem o acesso, a pouca distância da ESF até seu domicílio, o curto intervalo de tempo gasto no percurso até à ESF e a possibilidade de não utilizar meio de transporte. Dificuldades no acesso aos serviços prestados reduzem as chances de o usuário apresentar satisfação com os serviços de saúde37.
A insatisfação com os horários das Unidades Básicas de Saúde pode estar associada ao fato de que muitos deles trabalham em horário comercial, dificultando a acessibilidade à Atenção Primária em Saúde, conforme já observado por outros autores17,36. Dessa forma, é necessário que a gestão pense em formas de ampliação do horário de funcionamento para atender às demandas desse público.
A insatisfação com o serviço prestado pode resultar na diminuição do uso regular da Unidade de Saúde pelo usuário, como associado neste estudo ao mostrar que usuários que não realizaram consulta nos últimos 12 meses apresentaram maior chance de menor satisfação com o cuidado. Isso pode dificultar para a ESF cumprir seu objetivo de ser porta de entrada do sistema de saúde de forma resolutiva, regular e filtrar a demanda dos seus usuários e os referenciar para os demais níveis de complexidade38.
As informações deste estudo podem contribuir para o planejamento em ações de saúde e tomadas de decisões de gestores a partir da humanização do cuidado, efetiva implantação da PNPIC e ampliação das PICS ofertadas. Entretanto, encontra-se limitações, por ser baseado em um banco de dados secundários que possui participação voluntária das Unidades de Saúde.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a oferta de PICS influenciou favoravelmente para a satisfação dos usuários atendidos nas Unidades de Atenção Básica de Saúde. Em contrapartida, usuários cujo horário de funcionamento da Unidade de Saúde não atendia suas necessidades; não se sentiam respeitados em relação a hábitos culturais, costumes e religião; e que observavam que os profissionais não perguntavam sobre questões da sua vida apresentaram maior chance de menor satisfação. Além disso, o acolhimento insatisfatório foi a variável com maior chance de estar associada a menor satisfação do usuário.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
14 Jan 2021 -
Aceito
02 Nov 2021