Resumo
Introdução Acidentes de trânsito envolvendo motocicletas representam um grave problema social, econômico e de saúde no Brasil.
Objetivo Analisar a distribuição espacial e os fatores associados aos acidentes de trânsito urbanos atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em Arapiraca, Alagoas, em 2018.
Método Estudo ecológico incluindo vítimas de acidente de trânsito urbano ocorridos em Arapiraca, AL, em 2018. As variáveis sociodemográficas e clínicas foram obtidas das fichas de atendimento do SAMU. Foram calculadas as taxas de incidência (TI) por 10 mil habitantes. As unidades espaciais adotadas foram os bairros. As estatísticas de Moran global e local foram utilizadas na análise.
Resultados Foram registradas 1.296 vítimas, com maior taxa de incidência no sexo masculino (TI 79,62/10 mil habitantes) e faixa etária 20-29 anos (TI 106,52/10 mil habitantes). As ocorrências envolvendo motocicletas corresponderam a 85,3%. O horário com maior frequência de acidentes foi entre 18h00min e 20h59min (RR 6,48; IC 95%: 6,48-10,36) e o dia, sábado (RR 1,62; IC 95%: 1,46-1,78). A análise espacial identificou áreas prioritárias nas rodovias (n = 172; 13,27%) e concentração em cinco bairros (n = 433; 33,41%).
Conclusão A distribuição espacial foi heterogênea e os fatores associados foram sexo masculino, idade jovem, envolvendo motocicletas, horário noturno e no sábado.
Palavras-chave: acidentes de trânsito; transportes; serviços médicos de urgência; análise espacial; epidemiologia; estudos ecológicos
Abstract
Background Motorcycle traffic accidents represent a serious social, economic, and health problem in Brazil.Parte superior do formulário.
Objective To analyze the spatial distribution and factors associated with urban traffic accidents attended by the emergency mobile care service (SAMU) in Arapiraca, Alagoas, in 2018.
Method Ecological study including victims of urban traffic accidents that occurred in Arapiraca, Alagoas, in 2018. The sociodemographic and clinical variables were obtained from the SAMU care records. Incidence rates (IT) per 10,000 inhabitants were calculated. The spatial units adopted were the neighborhoods. Global and local Moran statistics were used in the analysis.
Results 1,296 victims were registered, with a higher incidence rate in males (TI 79.62) and in the age group 20-29 years (TI 106.52). The occurrences involving motorcycles corresponded to 85.3%. The time with the highest accident rate was between 18h00min and 20h59min (RR 6.48; 95% CI: 6.48-10.36) and the day was Saturday (RR 1.62; 95% CI: 1.46-1, 78). The spatial analysis identified priority areas on the highways (n = 172; 13.27%) and concentration in five neighborhoods (n = 433; 33.41%).
Conclusion The spatial distribution was heterogeneous, and the associated factors were male gender, young age, involving motorcycles, time between 18:00 and 20:59 on Saturdays.
Keywords: traffic accidents; transportation; emergency medical services; spatial analysis; epidemiology; ecological studies
INTRODUÇÃO
Os acidentes de trânsito representam um sério problema de saúde pública em razão do aumento de seus registros, da mortalidade e das consequências sociais, que repercutem por toda a sociedade1. No mundo são registradas mais de um milhão de mortes no trânsito a cada ano2, e mais de 90% desses óbitos ocorrem em países de baixa e média renda3. Estima-se que em 2020 o número de mortes no trânsito atinja aproximadamente 2 milhões de pessoas no mundo2.
O Brasil registrou em 2019 32.879 óbitos por acidentes de transporte (15,64 óbitos/100 mil habitantes)4. Em Alagoas, nesse mesmo ano, ocorreram 613 óbitos (18,36/100 mil habitantes) e, desses, 156 (67,31/100 mil) ocorreram no município de Arapiraca, cenário deste estudo5. O principal hospital de referência da região realizou, em 2019, 54.171 atendimentos de pacientes envolvidos nesse tipo de acidente6.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), criado no âmbito da Política Nacional de Atenção às Urgências, lançada em 2003, tem como objetivo o reordenamento da atenção em situações de urgência e emergência em todo o país. Nas ocorrências de trânsito, o SAMU é o principal responsável pelo atendimento pré-hospitalar e transporte dos indivíduos acidentados para as unidades de assistência, com referências a priori definidas7.
O SAMU Arapiraca iniciou suas atividades em setembro de 2006, para ser responsável pelo atendimento da segunda macrorregião de saúde do estado. São 19 bases (das 35 do estado de Alagoas) para o atendimento de 46 municípios e uma população de 1,1 milhão de habitantes8.
Dada a relevância, a temática tem sido objeto de estudo em diferentes localidades do país, sobretudo com o auxílio de ferramentas de análise espacial1,9. A identificação dos fatores associados e dos locais nos quais os acidentes ocorrem pode contribuir para o desenvolvimento de ações em três campos: segurança viária do município, definição de mecanismos que potencializem a ação do SAMU e preparo da rede de assistência hospitalar para o atendimento aos acidentados6-8. Este trabalho objetivou analisar a distribuição espacial e os fatores associados aos acidentes de trânsito urbanos atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência em Arapiraca, Alagoas, em 2018.
MATERIAL E MÉTODO
Delineamento
Trata-se de um estudo ecológico envolvendo acidentes de transportes terrestres ocorridos na zona urbana do município de Arapiraca, Alagoas, atendidos pelo SAMU. As unidades de análise foram os bairros, tendo em vista a necessidade de identificação das áreas críticas para os acidentes.
Foram incluídos no estudo todos os acidentes de trânsito ocorridos na área urbana do município entre 1o de janeiro e 31 dezembro de 2018 atendidos pelo SAMU. Como critérios de exclusão, foram consideradas ocorrências que inviabilizassem a coleta de dados, por diferentes razões (falta de informações sobre as características da ocorrência e sua localização geográfica, além de letras incompreensíveis).
Cenário de estudo
Arapiraca está localizada na região agreste do estado de Alagoas, Nordeste brasileiro. É o segundo maior município de Alagoas, com uma população estimada de 230.417 habitantes (2018), extensão territorial de 345,655 km2 e densidade populacional de 600,83 hab/km2 10. O município apresenta localização geográfica central no estado, sendo cruzado por três importantes rodovias estaduais: AL 220, AL 115 e AL 11010. No estado, o município foi escolhido para o estudo pela sua relevância econômica para o agreste alagoano e por apresentar a maior taxa de mortalidade no trânsito, segundo dados de 201410-11. Para fins deste estudo, foi analisada apenas a área urbana do município, composta por 38 bairros (Figura 1).
Mapa de localização da área de estudo: (A) Brasil; (B) Alagoas; (C) Município de Arapiraca; (D) Área urbana do município (2019)
Fonte dos dados
Os dados foram coletados na sede do SAMU Arapiraca, a partir da ficha de atendimento dos pacientes. Além disso, os locais com maior concentração de ocorrências nas rodovias foram visitados pelos pesquisadores para a coleta das coordenadas geográficas (latitude e longitude) e registro fotográfico. Os dados foram armazenados em planilhas eletrônicas para posterior tratamento estatístico.
Variáveis
Foram analisadas as seguintes variáveis epidemiológicas:
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Características das vítimas: sexo (masculino e feminino) e faixa etária (<15, 15 a 19, 20 a 29, 30 a 39, 40 a 49, 50 a 59 e 60 ou mais anos);
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Natureza do acidente: colisão motocicleta vs. outros, colisão carro vs. outros, colisão bicicleta vs. caminhão, atropelamento (carro ou motocicleta), abalroamento de objeto fixo, capotamento, queda de motocicleta e queda de bicicleta;
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Tipo de recurso deslocado: motolância, unidade de suporte básico – USB, unidade de suporte avançado – USA;
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Destino da vítima (atendimento no local, hospital geral do estado, hospital regional de Arapiraca, hospital de emergência Dr. Daniel Houly, não transportado, recusou atendimento);
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Características temporais: mês (janeiro a dezembro), dia da semana (domingo a sábado), horário (zero a 24 horas);
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Características espaciais: bairro e rodovia da ocorrência.
Além dessas variáveis, foram calculadas as taxas de incidência segundo característica epidemiológica e bairro, obedecendo-se à seguinte Equação 1:
Os dados populacionais necessários para esse cálculo foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10.
Processamento dos dados
Para o controle do viés de informação, a coleta de dados foi realizada por dois pesquisadores em sistema de dupla checagem. Em cada turno de coleta, uma mesma ficha era digitada duas vezes em planilhas distintas. Ao final do respectivo turno, essas planilhas eram conferidas e as inconsistências identificadas eram corrigidas. Para o controle do viés de seleção, por sua vez, os endereços foram conferidos inicialmente pelos pesquisadores responsáveis pela coleta e, posteriormente, pelo coordenador da pesquisa, responsável pelas análises estatísticas.
O tratamento estatístico foi realizado em três etapas. Na etapa I procedeu-se à análise descritiva das variáveis epidemiológicas (frequência absoluta, relativa e taxa de incidência).
Na etapa II estimou-se o risco relativo (RR) de ocorrência dos acidentes segundo mês do ano, dia da semana e horário da ocorrência. Considerou-se como valor de referência a menor taxa de incidência observada: mês de fevereiro, dia da semana sexta-feira e horário de 03h00min às 05h59min. Para essa finalidade, adotou-se o modelo de regressão de Poisson, com intervalo de confiança de 95% e significância de 5%.
Na etapa III procedeu-se à análise espacial, tendo como unidades de análise os bairros da área urbana e as frações das rodovias que margeiam ou cruzam o município. Foram construídos mapas com a identificação das áreas críticas nas rodovias e com a distribuição absoluta do total de atendimentos, taxa de incidência e risco relativo. Para o cálculo do risco relativo adotou-se a taxa incidência municipal como referência.
Análise espacial dos dados
A estatística de Moran global (cálculo do índice e teste de pseudossignificância) foi aplicada para avaliar a existência de dependência espacial das taxas. O Índice de Moran varia entre -1 e +1, em que valores próximos a zero indicam a ausência de dependência espacial (sem correlação espacial), valores positivos sugere correlação positiva e valores negativos sugerem correlação negativa12. Como não houve dependência espacial (I = 0,002; p = 0,59), não foi conduzida a estatística local de Moran.
Para as análises, foram utilizados os softwares Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0 (IBM Corporation, USA), Terra View 4.2.2 (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, São José dos Campos, SP, Brasil) e QGis 2.14.11 (Open Source Geospatial Foundation – OSGeo, Beaverton, OR, USA).
Aspectos éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas: certificado de apresentação para apreciação ética (CAAE) nº 09805819.3.0000.5013 e parecer de aprovação nº 3.263.822, de 13 de abril de 2019.
RESULTADOS
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Arapiraca realizou 1.621 atendimentos relacionados a acidentes de trânsito entre janeiro e dezembro de 2018. Após a exclusão das ocorrências registradas fora da zona urbana (n = 256) e das fichas incompletas/ilegíveis (n = 69), restaram 1.296 acidentes.
A taxa de incidência de acidentes de trânsito foi de 56,20 ocorrências para cada 10 mil habitantes. Observou-se predomínio do sexo masculino (n = 893; 68,9%; TI 79,62), 2,33 vezes maior do que do sexo feminino. Um terço dos indivíduos tinha entre 20 e 29 anos (n = 432; 33,3%), com uma taxa de incidência 106,52/10 mil. As colisões envolvendo motocicletas corresponderam a 54,1% dos acidentes, seguida por quedas de moto (n = 404; 31,2%). Em 90,12% (n = 1.168) das ocorrências foi deslocada uma unidade de suporte básico e o destino da vítima, em 83,8% (1.086) dos casos, foi o Hospital de Emergência Dr. Daniel Houly (Tabela 1).
Caracterização das vítimas de acidentes de trânsito urbanos atendidas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência na cidade do Arapiraca, Alagoas, Brasil (janeiro a dezembro de 2018)
O mês de agosto concentrou o maior número (n = 163; 12,58%) das ocorrências (TI 7,07), com cerca de duas vezes mais risco (RR 2,81; IC 95% 2,35-2,78) em comparação com o mês de referência (fevereiro). O sábado foi o dia com maior número de ocorrências (n = 254; 19,60%), maior taxa de incidência (TI 11,02) e maior risco relativo (RR 1,62; IC 95% 1,46-1,78). O horário mais crítico foi entre 18h00min e 20h59min, com 276 (21,30%) ocorrências (TI 11,98; RR 8,52; IC 95% 6,48-10,56) (Tabela 2).
Distribuição dos acidentes de trânsito urbanos atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, segundo mês, dia da semana e horário da ocorrência na cidade de Arapiraca, Alagoas, Brasil (janeiro a dezembro de 2018)
As rodovias estaduais que cruzam o município (AL 220, AL 115 e AL 110) concentraram o maior número (n = 172; 13,27%) dos acidentes, distribuídos em nove pontos críticos. A AL 220 foi responsável por mais da metade (n = 90; 52,33%) dessas ocorrências, distribuídas em cinco locais críticos, numa extensão de 6 km. O ponto situado na AL 110-Boa Vista foi o que concentrou o maior número de ocorrências isoladamente (n = 57; 33,13%) (Figura 2).
Localização espacial dos acidentes de trânsito urbanos atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência ocorridos nas rodovias que cruzam a cidade de Arapiraca, Alagoas, Brasil (janeiro a dezembro de 2018)
Cinco bairros somaram 33,41% das ocorrências (Centro, Brasília, Ouro Preto, Olho D’Água dos Cazuzinhas e Primavera), sendo as primeiras posições ocupadas por Centro (TI 408,16; RR 7,26), Ouro Preto (TI 173,61; RR 3,09) e Jardim Tropical (TI 171,22; RR 3,04). Dezesseis bairros apresentaram risco relativo superior a um, considerando como referência a taxa municipal (Figura 3).
Número de ocorrências (A), taxa de incidência (B) e risco relativo (C) dos acidentes de trânsito urbanos atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência segundo bairros na cidade de Arapiraca, Alagoas, Brasil (janeiro a dezembro de 2018)
DISCUSSÃO
As análises dos fatores associados aos acidentes de trânsito atendidos pelo SAMU em Arapiraca, AL, em 2018, evidenciaram predomínio do sexo masculino, indivíduos jovens, a motocicleta como principal veículo envolvido no acidente e maior risco no mês de agosto, no dia sábado e no horário 18h00min a 20h59min, com distribuição espacial heterogênea e áreas críticas nas rodovias que cruzam o município.
O predomínio de adultos jovens (20-29 anos) do sexo masculino assemelha-se ao observado na região metropolitana do Rio Grande do Norte (80,8% homens e 63,2% na faixa etária 18-35 anos)10, em Recife, Pernambuco (76,8% homens e 31,5% na faixa de 20 a 29 anos)1 e em municípios interioranos, como Guanambi, Bahia (74,1% eram homens e 36,2% na faixa de 20 a 29 anos)11.
A motocicleta foi o veículo predominante nas ocorrências, o que se deve ao expressivo aumento da frota de motocicletas no município, que corresponde a 137,95 motocicletas/mil habitantes13, à ineficiência dos transportes públicos e aumento do poder aquisitivo dos indivíduos3, que levaram à substituição do transporte público pela motocicleta, tornando a moto o meio de transporte mais popular do Brasil14 e o mais utilizado por homens14. Cerca de 85,0% das compras desses veículos têm como adquirentes homens com idade inferior a 40 anos15.
A motocicleta tem sido o veículo mais associado aos acidentes de trânsito tanto em grandes municípios, como Olinda, Pernambuco (57,4% dos acidentes)16, Recife, Pernambuco (61,6%)1, e João Pessoa, Paraíba (66,0%)17, quanto em localidades mais afastadas dos grandes centros urbanos, como Guanambi, Bahia (72% dos acidentes)11, e Sobral, Ceará (86,0% dos acidentes)18. Nesse caso, o problema parece ser mais grave no interior, sobretudo em razão da falta de fiscalização e da correta aplicação da legislação de trânsito19,20.
Embora o número de ocorrências seja elevado, o deslocamento de uma unidade de suporte básico (USB) indica a menor gravidade dos eventos. Esse tem sido o cenário observado em outros estados do Nordeste, como Pernambuco (89,2% de USB)1 e Paraíba (98,6% de USB)17. Mesmo assim, mais de dois terços das vítimas necessitaram de atendimento especializado, no caso de Arapiraca, no hospital de emergência Dr. Daniel Houly.
O mês que apresentou maior número de acidentes foi agosto e o menor, fevereiro. Esses resultados diferem dos encontrados em Olinda, Pernambuco, cujo mês mais crítico foi fevereiro, justificado pelo aumento da circulação de pessoas pelos eventos carnavalescos16. Na região metropolitana do Rio Grande do Norte, o mês de janeiro foi o mais crítico10, justificado por ser o período de férias. Em municípios de menor porte, como Guanambi, Bahia, o mês de dezembro foi considerado como o de maior risco11, sugerindo que as festas natalinas e de réveillon influenciariam no aumento das ocorrências, assim como o maior número de pessoas em período de férias.
Arapiraca é um município com pouca tradição na comemoração de festejos como carnaval e festividades juninas. No ano de 2018, por exemplo, o período carnavalesco ocorreu na segunda semana de fevereiro e tanto durante essa semana quanto durante todo o mês registraram-se os indicadores mais baixos de acidentes. Por situar-se a aproximadamente 100 km do litoral, é comum o deslocamento de importante contingente populacional para essa área em períodos de férias e em feriados. Ao longo de nossa investigação não encontramos eventos que possam justificar o maior risco de ocorrências no mês de agosto, sendo uma recomendação para estudos futuros sobre o tema.
O horário crítico (18h00min – 20h59min) verificado neste estudo assemelhou-se ao observado em Recife1 e Olinda16, Pernambuco, e em Aracaju, Sergipe16,21. Esse horário coincide com o pico de trânsito em razão do retorno de trabalhadores e escolares para suas residências. Há também que se pontuar o maior cansaço após o dia de atividades, podendo gerar estresse físico e mental e, dessa forma, repercutir na suscetibilidade a acidentes16. A luminosidade das vias também pode ser um elemento influenciador dos indicadores, quando somada aos demais fatores já mencionados1,16,21.
O dia da semana com maior incidência em nosso estudo (sábado) difere do observado em outros estudos, nos quais o domingo aparece como o mais crítico11,16,17,21. Nos finais de semana, a cultura da população jovem, que consome bebidas alcoólicas em bares e festividades pode justificar o achado21. Em contrapartida, a sexta apareceu como o dia com menor registro, diferente do estudo realizado em Recife, no qual a sexta apresentou o maior risco relativo dentre os dias da semana1. Acreditamos que esse cenário seja resultado do perfil comercial do município e de seu papel na dinâmica econômica regional, na qual o sábado é o dia de maior circulação de mercadorias e fluxo populacional. A importância do sábado pode ser capaz de justificar a maior ocorrência de acidentes nesse dia, após o turno de trabalho, e a menor ocorrência no dia anterior (sexta-feira).
Além disso, o centro de Arapiraca foi o bairro com maior número de ocorrências, sinalizando a influência do fluxo de pessoas e veículos no risco de acidentes, assim como se observa em outros estudos1,18. Em João Pessoa, Paraíba, o risco relativo da ocorrência de acidentes de trânsito é dez vezes maior no centro quando comparado com o risco do município na sua totalidade17. O centro de Arapiraca concentra grande número de pontos comerciais, clínicas, hospitais, postos de combustíveis, agências bancárias e instituições de ensino que atraem grande fluxo populacional. Embora as vias possuam sinalização, persiste um trânsito bastante conturbado, com elevado número de motocicletas, pedestres e veículos, que frequentemente são flagrados parando para embarque e desembarque de pessoas, interferindo assim na circulação pelas vias. Em algumas ruas é possível observar a calçada tomada por ambulantes e feirantes, o que obriga o pedestre a andar pela via, tornando-se uma vítima em potencial.
Esses dados dão indícios de que a educação no trânsito, os hábitos culturais e a organização do tráfego podem influenciar na ocorrência de acidentes. Além disso, por Arapiraca ser o principal município do interior do estado, muitos habitantes de municípios adjacentes se deslocam para trabalhar, estudar e realizar compras no município, elevando a circulação de pessoas, principalmente na região do centro comercial. Adicionalmente, estudos17,22 demonstram que os bairros com maiores indicadores de acidentes são aqueles que apresentam maior desenvolvimento urbano, características semelhantes ao centro de Arapiraca. Em Ananindeua, Pará, por exemplo, 44,1% das ocorrências concentraram-se no centro do município22.
Além da região central, é necessário destacar a importância das rodovias e entroncamentos na ocorrência dos acidentes. A rodovia AL 220, na qual estão cinco pontos críticos, desde o início de 2018 tem sofrido com a falta de iluminação pública em razão de problemas na rede elétrica. Associadas a isso, as más condições das vias, a sinalização precária e a ausência de redutores eletrônicos de velocidade podem ter contribuído para o elevado número de acidentes observado, corroborando a literatura23. Deve-se também frisar que os cinco pontos críticos situados na referida rodovia se encontram dispostos em uma “reta”, o que pode gerar uma falsa sensação de segurança, estimulando os condutores a imprimir maior velocidade nesse trecho24.
Os cruzamentos foram locais nos quais também foi observado elevado número de ocorrências. Alto fluxo de veículos, ausência de semáforos, visibilidade difícil e falta de atenção são alguns fatores que contribuem para a ocorrência de acidentes23,25. Nesse sentido, a adequada sinalização torna-se elemento fundamental para a redução de acidentes, além de garantir mais segurança para a travessia dos pedestres. Em investigação realizada em Campo Grande, MS, sobre a percepção de segurança e mobilidade no trânsito, a população apontou a qualidade de iluminação pública, sinalização e fiscalização como critérios relacionados à ocorrência de acidentes, sendo o mau comportamento do condutor, o desrespeito às leis de trânsito e a falta de atenção as principais causas para os eventos26.
Foi observado na rodovia AL 110, no bairro Boa Vista, a colocação de uma lombada recentemente, o que indica uma tentativa de reduzir a velocidade com a qual os veículos transitam na via e, consequentemente, reduzir acidentes. O Ministério da Saúde reuniu em um documento evidências para políticas de saúde no qual elege, por meio de revisões sistemáticas, as estratégias de maior eficiência para reduzir a morbimortalidade por acidentes de trânsito, dentre as quais se destacam: i) fotossensores de semáforos podem reduzir em até 63% o número de acidentes fatais; ii) iluminação das vias permite a detecção de obstáculos e perigos, e dessa forma contribui para o decréscimo nos acidentes; iii) adoção de medidas para redução de velocidade, como lombadas, semáforos e câmeras podem reduzir de 4% a 25% os acidentes em áreas residenciais; iv) utilização de dispositivos de segurança por motociclistas, tais como capacete, que reduz de 63% a 88% o risco de traumatismos cranianos graves; e v) medidas de proteção ao pedestre, como conversão de cruzamentos convencionais em rotatórias, podem reduzir em até 75% os acidentes27,28.
Uma medida que vem surtindo efeitos positivos em Sobral, CE, diz respeito à implantação de faixas para motocicletas, situadas entre a faixa de pedestres e faixa de automóveis, permitindo um melhor distanciamento entre carros e motos, melhorando a segurança no trânsito18. Essa constitui- uma estratégia a ser sugerida aos gestores do setor de trânsito para o município de Arapiraca, dado a elevada frequência de envolvimento de motocicletas em acidentes.
É importante ainda destacar a importância da utilização de ferramentas de análise espacial de dados para a compreensão da dinâmica dos acidentes de trânsito no âmbito municipal. O conhecimento gerado pode ser amplamente utilizado pelos gestores públicos na elaboração de políticas e planos que: i) reduzam as ocorrências dos acidentes; ii) possibilitem um atendimento rápido às vítimas; e iii) ampliem a segurança viária municipal24,28.
Mesmo considerando os cuidados metodológicos adotados neste estudo é necessário destacar a existência de limitações: i) a primeira delas refere-se à não captação de todos os acidentes ocorridos, mas de apenas aqueles nos quais o SAMU foi acionado, o que pode configurar uma subestimativa, no estudo não foram inseridos os atendimentos realizados pelo corpo de bombeiros e nem aqueles cujas vítimas foram socorridas por terceiros; ii) a utilização de dados secundários, cuja precisão tem sido objeto de dúvida; iii) a qualidade dos dados registrados, sobretudo no que diz respeito ao local exato da ocorrência, o que impediu uma análise mais pontual.
A partir dos achados, conclui-se que o perfil das vítimas de maior risco em Arapiraca caracterizou-se como adultos jovens, do sexo masculino e com destaque para o envolvimento de motocicletas. O sábado e o horário noturno apresentaram o maior risco relativo de ocorrências, indicando o período para a intensificação da fiscalização de trânsito e aplicação da legislação.
Por fim, destacamos a necessidade implementar planos voltados para a prevenção e redução dos acidentes de trânsito no município através do investimento em educação e segurança viária voltada para os grupos mais vulneráveis. A heterogeneidade espacial das ocorrências indica os locais para a implantação de mudanças viárias, otimização das fiscalizações e descentralização de bases do SAMU.
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Artigo derivado de monografia de conclusão de curso intitulada “Modelagem dos acidentes de trânsito urbanos atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência em município de médio porte do Nordeste brasileiro”, apresentada por Fernanda Mayara Santana e Etvaldo Rodrigues da Silva junto ao curso de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, em 9 de agosto de 2019.
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Como citar:
Santana FM, Silva ER, Albuquerque DS, Machado MF, Magalhães APN, Souza CDF. Modelagem espacial e fatores associados aos acidentes de trânsito atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Arapiraca, AL: estudo ecológico, 2018. Cad Saúde Colet, 2024;32(4):e32040531. https://doi.org/10.1590/1414-462X202432040531
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Fonte de financiamento:
nenhuma.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Dez 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
21 Nov 2019 -
Aceito
28 Dez 2021