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Prevalência e fatores associados à cárie dentária e ataque elevado de cárie em adolescentes da região nordeste do Brasil

prevalence and factors associated with dental caries and the high attack of caries in adolescents of the northeast region of Brazil

Resumo

Introdução:

Apesar da constatação da diminuição da prevalência da cárie dentária no mundo, ela ainda é considerada um problema de saúde pública.

Objetivo:

Analisar a prevalência de cárie e do ataque elevado de cárie em adolescentes de 15 a 19 anos na região Nordeste do Brasil.

Método:

Foram utilizados dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal de 2010. Foram analisadas duas variáveis dependentes — prevalência e ataque elevado de cárie — e três dimensões independentes — sociodemográficas, clínicas e de acesso. Modelos de regressão logística simples e múltiplos foram utilizados para a estimativa do Odds Ratio, como medida de efeito, com nível de significância de 5%, conforme o modelo hierárquico de análise.

Resultados:

Na análise simples, a idade apresentou associação estatisticamente significante apenas com o ataque elevado de cárie, e renda com a prevalência de cárie. Todas as variáveis clínicas e de acesso apresentaram associação para ambos os desfechos. Na análise múltipla, a renda e variáveis de acesso apresentaram associação com ambos os desfechos.

Conclusão:

A cárie permanece como um problema bucal com forte associação com aspectos relacionados ao acesso aos serviços de odontologia.

Palavras chave:
cárie dentária; epidemiologia; saúde do adolescente

Abstract

Introduction:

Despite the decreased prevalence of dental caries worldwide, it is still considered a public health problem.

Objective:

to analyze the prevalence of caries and the high attack of caries in adolescents aged 15 to 19 years of the Northeast region of Brazil.

Method:

Data from the National Oral Health Survey 2010 were used. Two dependent variables—prevalence and high attack of caries—and three independent dimensions—sociodemographic, clinical, and access—were analyzed. Simple and multiple logistic regression models were used to estimate Odds Ratios as the effect measure, with a significance level of 5% following a hierarchical analysis model.

Results:

In the simple analysis, age showed a significant association only with the high attack of caries and income with the prevalence of caries. All the clinical and access variables showed a significant statistical association for both outcomes. In the multiple analysis, income and all the access variables showed a significant association for both outcomes.

Conclusion:

Caries remain an oral problem having a strong association with aspects related to access to dentistry services.

Keywords:
dental caries; epidemiology; adolescent health

INTRODUÇÃO

O elevado índice de cárie dentária, especialmente em crianças e adolescentes, é uma realidade global reconhecida há vários anos. No Brasil, uma pesquisa nacional realizada pelo Ministério da Saúde em 1986 revelou que o número médio de dentes cariados, perdidos ou obturados/restaurados (índice CPO-D) era de de 12,7 dentes para adolescentes na faixa etária de 15 a 19 anos11. Brasil. Ministério da Saúde. Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal. Brasil: zona urbana 1986. Brasília: Ministério da Saúde; 1988.. Em um estudo subsequente realizado em São Paulo em 2002, com adolescentes da mesma faixa etária, foram encontrados uma prevalência de cárie de 90,4% e um índice CPO-D de 6,4422. Gushi LL, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, Sousa MLR. Cárie dentária em adolescentes de 15 a 19 anos de idade no estado de São Paulo, Brasil, 2002. Cad Saúde Pública. 2005;21(5):1383-91. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000500010
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. Pesquisas mais recentes mostram que esses índices têm diminuindo ao longo do tempo.

A pesquisa nacional SB Brasil, realizada em 2003 pelo Ministério da Saúde, revelou um índice CPO-D de 6,2 para adolescentes de 15 a 19 anos. Os valores foram mais altos nas regiões Nordeste e Centro-oeste e mais baixos nas regiões Sudeste e Sul33. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003 – Condições de Saúde Bucal da População Brasileira 2002-2003. Resultados principais 2003 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde; 2003 [acessado em 5 jan. 2013]. Disponível em: http://www.cfo.org.br/download/pdf/relatório_sb_brasil2003.pdf
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. Em 2010, para a mesma faixa etária, esse índice diminuiu para 4,25, embora as desigualdades regionais44. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal. Resultados principais 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. persistissem.

Outrossim, a partir da década de 197022. Gushi LL, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, Sousa MLR. Cárie dentária em adolescentes de 15 a 19 anos de idade no estado de São Paulo, Brasil, 2002. Cad Saúde Pública. 2005;21(5):1383-91. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000500010
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,55. Gushi LL, Rihs LB, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, et al. Cárie dentária e necessidades de tratamento em adolescentes do estado de São Paulo, 1998 e 2002. Rev Saúde Pública. 2008;42(3):480-6. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000015
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observou-se uma expressiva redução na prevalência da cárie dentária na maioria dos países desenvolvidos, o que também foi constatado no Brasil por meio de estudos epidemiológicos realizados em 198611. Brasil. Ministério da Saúde. Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal. Brasil: zona urbana 1986. Brasília: Ministério da Saúde; 1988. e 199666. Brasil. Ministério da Saúde. Área Técnica de Saúde Bucal. Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal: Cárie Dental, Capitais. Brasil: Ministério da Saúde; 1996.. Em uma pesquisa realizada em Indaiatuba, São Paulo, observou-se uma tendência de declínio de aproximadamente 54% na experiência de cárie entre 1992 e 200477. Rihs LB, Sousa MLR Cypriano S, Abdalla NM. Desigualdade na distribuição de cárie dentária em adolescentes de Indaiatuba (SP), 2004. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(4):2173-80. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000400031
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. Do mesmo modo, em um estudo também realizado nesse estado, verificou-se uma redução de cerca de 32% no índice CPO-D55. Gushi LL, Rihs LB, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, et al. Cárie dentária e necessidades de tratamento em adolescentes do estado de São Paulo, 1998 e 2002. Rev Saúde Pública. 2008;42(3):480-6. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000015
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em adolescentes na faixa etária de 12 a 18 anos.

A despeito dos avanços, a cárie continua sendo um problema de saúde pública, apontada como principal causa de perda dentária. Peres et al.88. Peres SHCS, Carvalho FS, Carvalho CP, Bastos JRM, Lauris JRP. Polarização da cárie dentária em adolescentes na região sudoeste do Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Colet. 2008;13(Supl. 2):2155-62. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000900020
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apontam que, apesar dos esforços, a cárie dentária ainda é considerada uma endemia mundial, principalmente entre crianças e adolescentes, mesmo com o declínio observado nos últimos anos. Portanto, são necessárias medidas individuais e coletivas, bem como estratégias preventivas para controlá-la e tornar suas sequelas cada vez menos severas88. Peres SHCS, Carvalho FS, Carvalho CP, Bastos JRM, Lauris JRP. Polarização da cárie dentária em adolescentes na região sudoeste do Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Colet. 2008;13(Supl. 2):2155-62. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000900020
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. Outro estudo realizado em Manaus demonstrou que 88% dos ingressantes no serviço militar, com idades entre 17 e 19 anos, apresentavam experiência de cárie, com um índice CPO-D de 5,1699. Viana ARP, Parente RCP, Borras MR, Rebelo MAB. Prevalência de cárie e condições socioeconômicas em jovens alistandos de Manaus, Amazônia, Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):680-7. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2009000400017
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. De acordo com outra pesquisa realizada em 2002 no estado de São Paulo, que abrangeu 35 municípios e examinou 16.708 adolescentes de 15 a 19 anos, foi encontrada uma prevalência de cárie de 90,4% e um índice CPO-D de 6,4422. Gushi LL, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, Sousa MLR. Cárie dentária em adolescentes de 15 a 19 anos de idade no estado de São Paulo, Brasil, 2002. Cad Saúde Pública. 2005;21(5):1383-91. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000500010
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.

Dado o impacto das perdas dentárias na qualidade de vida dos indivíduos, é fundamental compreender o perfil dessa doença para que medidas de prevenção e controle possam ser planejadas de forma mais eficaz.

A polarização da cárie, que se refere à concentração da maior parte da doença e da necessidade de tratamento em uma pequena parcela da população, deve ser considerada na análise da prevalência e no planejamento dessas intervenções. Um estudo realizado com adolescentes em São Paulo constatou que a distribuição da cárie está se afastando gradativamente de uma distribuição uniforme, evidenciando níveis crescentes de desigualdade. Observa-se, portanto, que a situação continua grave nas classes menos favorecidas. Identificar esses grupos, que apresentam altos índices de cárie dentária, é crucial para o manejo adequado e para a adoção de medidas e estratégias preventivas eficazes77. Rihs LB, Sousa MLR Cypriano S, Abdalla NM. Desigualdade na distribuição de cárie dentária em adolescentes de Indaiatuba (SP), 2004. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(4):2173-80. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000400031
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. Essa conjuntura também foi observada em uma pesquisa realizada em Florianópolis, que revelou diferenças estatisticamente significativas na prevalência e severidade de cárie (CPO-D). Os piores índices foram encontrados nos grupos de menor escolaridade e renda, sugerindo que essas populações devem ser prioridade nas intervenções preventivas e assistenciais1010. Gonçalves ER, Peres MA, Marcenes W. Cárie dentária e condições sócio- econômicas: um estudo transversal com jovens de 18 anos de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública. 2002;18(3):699-706. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000300013
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. Outra circunstância considerável é a elevada concentração da doença em cidades do interior1111. Abreu MHNG, pordeus IA, Modena CM. Cárie dentária entre escolares do meio rural de Itaúna (MG), Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2004;16(5):334-44.,1212. Tuon ACLF, Lacerda JT, Traebert J. Prevalência de cárie em escolares da zona rural de Jacinto Machado, SC, Brasil. Pesq Bras Odontoped Clin Integr. 2007;7(3):277-84., onde, na maioria das vezes, o poder aquisitivo é mais baixo e a assistência à saúde é mais precária.

Tanto o estudo SB Brasil de 200333. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003 – Condições de Saúde Bucal da População Brasileira 2002-2003. Resultados principais 2003 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde; 2003 [acessado em 5 jan. 2013]. Disponível em: http://www.cfo.org.br/download/pdf/relatório_sb_brasil2003.pdf
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quanto o de 201044. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal. Resultados principais 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. apontaram a manutenção de uma grande discrepância no valor do índice CPO-D entre as regiões geográficas do país. Em 2010, para a faixa etária de 12 anos, essa disparidade atingiu 84% quando comparada entre as regiões com os valores extremos: Norte (3,16) e Sudeste (1,72)44. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal. Resultados principais 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011..

Outro fator intrigante é o significativo aumento do índice CPO-D ao comparar seus valores entre a infância e a adolescência. No projeto SB Brasil 201044. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal. Resultados principais 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011., observou-se que o CPO-D entre 15 e 19 anos (4,25) é mais do que o dobro da média encontrada para a faixa etária de 12 anos (2,07). Resultados de outros estudos também constataram aumento progressivo da cárie dentária entre os 12 e os 15 anos de idade33. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003 – Condições de Saúde Bucal da População Brasileira 2002-2003. Resultados principais 2003 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde; 2003 [acessado em 5 jan. 2013]. Disponível em: http://www.cfo.org.br/download/pdf/relatório_sb_brasil2003.pdf
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,1313. Cangussu MCT, Castellanos RA, Pinheiro MF, Albuquerque SR, Pinho C. Cárie dentária em escolares de 12 e 15 anos de escolas públicas e privadas de Salvador, Bahia, Brasil, em 2001. Pesqui Odontol Bras. 2002;16(4):379-84. https://doi.org/10.1590/S1517-74912002000400017
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,1414. Moreira PVL, Rosenblatt A, Passos IA. Prevalência de cárie em adolescentes de escolas públicas e privadas na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2007:12(5):1229-36. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000500020
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,1515. Roncalli AG, Côrtes MIS, Peres KG. Perfis epidemiológicos de saúde bucal no Brasil e os modelos de vigilância. Cad Saúde Pública. 2012;28(Supl.):s58-s68. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012001300007
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,1616. Noro LRA, Roncalli AG, Júnior FIRM, Lima KC. Incidência de cárie dentária em adolescentes em município do Nordeste brasileiro, 2006. Cad Saúde Pública. 2009;25(4):783-90. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000400009
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. Esses dados são relevantes e devem ser estudados e considerados no processo de planejamento de medidas preventivas. Moreira et al.1414. Moreira PVL, Rosenblatt A, Passos IA. Prevalência de cárie em adolescentes de escolas públicas e privadas na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2007:12(5):1229-36. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000500020
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indicam que esse cenário merece consideração especial, visto que esse aumento ocorre tanto na média de dentes cariados quanto na média de dentes obturados, demonstrando a necessidade de desenvolvimento de programas preventivos de saúde bucal para adolescência1414. Moreira PVL, Rosenblatt A, Passos IA. Prevalência de cárie em adolescentes de escolas públicas e privadas na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2007:12(5):1229-36. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000500020
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. Uma hipótese para explicar essa questão pode ser elaborada com base no maior tempo de exposição da dentição na cavidade bucal, combinado com a falta de programas preventivos direcionados para essa faixa etária, como a aplicação tópica de flúor nas escolas.

Considerando questões como a prevalência da cárie em adolescentes, sua distribuição desigual e a escassez de estudos sobre essa faixa etária, este estudo teve como objetivo verificar a prevalência de cárie e o ataque elevado de cárie em adolescentes na região Nordeste do Brasil, bem como identificar os fatores associados.

METODOLOGIA

O estudo utilizou uma amostra de adolescentes com idades entre 15 e 19 anos, residentes nos municípios da Região Nordeste do Brasil (incluindo capitais e municípios do interior), que participaram da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal — SB Brasil 2010, realizada pelo Ministério da Saúde/Coordenação Nacional de Saúde Bucal. O objetivo da pesquisa foi descrever as condições de saúde bucal da população brasileira residente nas capitais de cada estado, no Distrito Federal e nas cinco regiões do país44. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal. Resultados principais 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011..

Um total de 37.519 indivíduos foram examinados, dos quais 10.390 eram residentes da região Nordeste, incluindo 1.438 na faixa etária entre 15 e 19 anos44. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal. Resultados principais 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.. O plano amostral abrangeu domínios referentes às capitais e aos municípios do interior1717. Roncalli AG, Silva NN, Nascimento AC, Freitas CHSM, Casotti E, Peres KG, et al. Aspectos metodológicos do Projeto SBBrasil 2010 de interesse para inquéritos nacionais de saúde. Cad Saúde Pública. 2012;28(Suppl.):40-57. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012001300006
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. Foram realizados exames bucais para avaliar a prevalência e a gravidade dos principais agravos, além da aplicação de questionários para coleta de dados sobre condição socioeconômica, utilização de serviços odontológicos e percepção sobre saúde. A técnica de calibração adotada foi a do consenso, tomando como referência o modelo proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O coeficiente kappa ponderado foi calculado para cada examinador, grupo etário e agravo estudado, com um limite mínimo aceitável de 0,651717. Roncalli AG, Silva NN, Nascimento AC, Freitas CHSM, Casotti E, Peres KG, et al. Aspectos metodológicos do Projeto SBBrasil 2010 de interesse para inquéritos nacionais de saúde. Cad Saúde Pública. 2012;28(Suppl.):40-57. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012001300006
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.

As variáveis dependentes foram a prevalência de cárie dentária, considerando o índice CPO-D≥1, e o ataque elevado de cárie, definido como CPO-D≥4. As variáveis independentes analisadas foram organizadas considerando três aspectos: varáveis sociodemográficas (sexo, idade, cor da pele, escolaridade e número de pessoas por cômodo); variáveis clínicas (sangramento gengival, prevalência de cálculo periodontal, dor na boca/dentes nos últimos seis meses e índice Oral Impacts on Daily Performances-OIDP); e variáveis de acesso a serviços odontológicos (frequência, local e motivo da última consulta odontológica). O índice “OIDP” mensura a intensidade com a qual os aspectos bucais interferem nas atividades cotidianas. Esse indicador é composto por nove itens, entretanto, para esta análise, considerou-se que a saúde bucal interfere nas atividades cotidianas daqueles que responderam positivamente a pelo menos uma das nove questões do questionário. A Figura 1 ilustra o modelo hierárquico com as variáveis dependentes e independentes estudadas.

Figura 1
Modelo hierarquizado de análise: variáveis dependentes e independentes

Inicialmente, foi realizada uma análise descritiva da distribuição das variáveis independentes em relação às variáveis dependentes. Em seguida, utilizou-se o teste de Rao-Scott1818. Rao JNK., Scott AJ. On Chi-squared tests for multiway contingency tables with cell proportions estimated from survey data. Ann Statist. 1984;12(1):46-60. https://doi.org/10.1214/aos/1176346391
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para avaliar a associação entre essas variáveis.

Posteriormente, foram realizadas análises de regressão logística simples e múltipla, seguindo a hierarquia das variáveis apresentadas na Figura 1. A medida de efeito utilizada foi o Odds Ratio (OR), com seus respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC95%).

Dentro de cada nível hierárquico, as variáveis com p<0,25 foram testadas em modelos múltiplos. Ao final da análise múltipla, as variáveis com p<0,05 foram mantidas no modelo final de cada nível e consideradas fatores de ajuste para os blocos subsequentes.

As análises foram realizadas com o auxílio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences versão 13 (SPSS 13), considerando o desenho complexo da amostra. Esse ajuste foi necessário porque a amostra do Projeto SB Brasil 2010 foi por conglomerados e estimativas que não levam em consideração a organização por cluster da amostra, e tendem à superestimação e perda da precisão as estimativas1919. Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Auto-avaliação de saúde bucal em idosos: análise com base em modelo multidimensional. Cad Saúde Pública. 2009;25(2):421-35. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000200021
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.

O Projeto SB Brasil 2010 foi aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa sob o registro n° 15.498, em 7 de janeiro de 2010. A participação dos sujeitos foi voluntária, e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos participantes e/ou seus responsáveis.

RESULTADOS

Conforme demonstrado na Tabela 1, este estudo revelou a prevalência de cárie e de ataque elevado de cárie, assim como os respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC95%), de acordo com as variáveis independentes.

Tabela 1
Prevalência de cárie e de ataque elevado de cárie segundo as variáveis independentes em adolescentes de 15 a 19 anos. Nordeste, Brasil, 2013

Considerando a análise bivariada (Tabela 2), observou-se que, entre as variáveis da dimensão sociodemográfica, um menor número de bens estava associado com uma maior prevalência de cárie e ataque elevado de cárie. A prevalência de cárie foi maior entre pessoas consideradas de baixa renda (OR=2,12; IC95% 1,35–3,31) em comparação com aquelas de renda mais elevada. Variáveis como sexo, cor da pele, escolaridade e pessoas por cômodo não apresentaram associações estatisticamente significantes, nem com a prevalência de cárie, nem com o ataque elevado de cárie. Em relação à faixa etária, observou-se que uma idade mais avançada estava associada com uma maior chance de ataque elevado de cárie (OR=1,59, IC95% 1,13–2,24).

Tabela 2
Modelo simples de regressão logística. Nordeste. 2013

Examinando as variáveis da dimensão clínica (sangramento, dor, presença de cálculo e relato de que a saúde bucal interfere nas atividades do cotidiano — OIDP≥1), todas apresentaram associação estatisticamente significante com uma maior prevalência de cárie e ataque elevado de cárie. Por exemplo, o sangramento gengival está associado com maior prevalência de cárie (OR=1,59, IC95% 1,05–2,41) e com ataque elevado de cárie (OR=1,59, IC95% 1,13–2,33). Dentre essas dimensões, a dor nos dentes ou boca ocorrida nos últimos seis meses é particularmente relevante, visto que esteve associada com 4,5 vezes mais chance de ocorrência de cárie (OR=4,58, IC95% 2,47–8,50; e com cerca de 3 vezes mais chance de ataque elevado de cárie (OR=3,39, IC95% 2,48–4,64).

No que se refere às variáveis do fator de acesso aos serviços odontológicos, todas apresentaram associação tanto com a prevalência de cárie quanto com o ataque elevado de cárie. As pessoas que foram ao dentista há menos de um ano tiveram o dobro de chance de prevalência de cárie (OR=2,02, IC95% 1,29–3,15) e 2,5 vezes mais chance de ataque elevado de cárie (OR=2,58, IC95% 1,50–4,42) em comparação com aquelas que não foram ao dentista há três anos ou mais.

Em relação ao local da consulta, aqueles que utilizaram serviços privados ou planos de saúde manifestaram menor chance tanto de prevalência de cárie quanto de ataque elevado de cárie em comparação com aqueles que realizaram consultas no serviço público.

Quanto aos motivos da última consulta odontológica, a procura por atendimento devido a dor ou extração mostrou maior chance tanto de prevalência de cárie quanto de ataque elevado de cárie em comparação com aqueles que procuraram o dentista para realizar uma revisão/prevenção ou para outros tratamentos.

De acordo com a análise múltipla (Tabela 3), entre as variáveis da dimensão sociodemográfica, menor renda e menor número de bens materiais estiveram associados a uma maior prevalência de cárie e a um ataque elevado de cárie. Além disso, a idade mais avançada esteve diretamente relacionada com ataque elevado de cárie. Quando consideradas as variáveis clínicas, a dor e o “OIDP”, que indica que a saúde bucal interfere nas atividades cotidianas, estão ligados à maior prevalência de cárie e ataque elevado de cárie. Quando se refere à dimensão do acesso aos serviços odontológicos, todas as variáveis apresentaram associação estatisticamente significante tanto com a prevalência de cárie quanto com o ataque elevado de cárie.

Tabela 3
Modelo múltiplo de regressão logística. Nordeste. Brasil, 2013

DISCUSSÃO

Este estudo encontra respaldo nos estudos de Peres et al.88. Peres SHCS, Carvalho FS, Carvalho CP, Bastos JRM, Lauris JRP. Polarização da cárie dentária em adolescentes na região sudoeste do Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Colet. 2008;13(Supl. 2):2155-62. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000900020
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e Santos et al.2020. Santos NCN, Alves TDB, Freitas VS, Jamelli SR, Sarinho ESC. A saúde bucal de adolescentes: aspectos de higiene, de cárie dentária e doença periodontal nas cidades de Recife, Pernambuco e Feira de Santana, Bahia. Ciênc Saúde Colet. 2007;12(5):1155-66. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000500012
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, que não observaram diferenças estatisticamente significantes no índice CPO-D e na prevalência de cárie em relação ao sexo. No entanto, Moreira et al.1414. Moreira PVL, Rosenblatt A, Passos IA. Prevalência de cárie em adolescentes de escolas públicas e privadas na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2007:12(5):1229-36. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000500020
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encontraram resultados diferentes para a mesma variável, com valores mais elevados do índice CPO-D no sexo feminino. Lopes e Bastos2121. Lopes ES, Bastos JRM. Odontologia preventiva e social. Bauru: Faculdade de Odontologia de Bauru; 1988. sugerem que uma possível explicação para esse fenômeno é a erupção precoce dos dentes entre mulheres.

Em relação à idade, a presente pesquisa encontrou associação relevante entre idade mais avançada e o ataque elevado de cárie, o que corrobora o resultado encontrado por Moreira et al.1414. Moreira PVL, Rosenblatt A, Passos IA. Prevalência de cárie em adolescentes de escolas públicas e privadas na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2007:12(5):1229-36. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000500020
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em estudo realizado na cidade de João Pessoa, com escolas públicas e privadas. Neste trabalho, foi demonstrado que os valores médios do número de dentes obturados e do CPO-D aumentaram progressivamente com a elevação da idade, tanto em indivíduos de escolas públicas quanto privadas. É importante destacar que resultados semelhantes também foram encontrados em outros estudos1313. Cangussu MCT, Castellanos RA, Pinheiro MF, Albuquerque SR, Pinho C. Cárie dentária em escolares de 12 e 15 anos de escolas públicas e privadas de Salvador, Bahia, Brasil, em 2001. Pesqui Odontol Bras. 2002;16(4):379-84. https://doi.org/10.1590/S1517-74912002000400017
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,1616. Noro LRA, Roncalli AG, Júnior FIRM, Lima KC. Incidência de cárie dentária em adolescentes em município do Nordeste brasileiro, 2006. Cad Saúde Pública. 2009;25(4):783-90. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000400009
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200900...
.

Em relação à cor da pele, não foi encontrada associação significativa com nenhum dos desfechos avaliados. Esse resultado vai de encontro ao estudo de Gushi et al.22. Gushi LL, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, Sousa MLR. Cárie dentária em adolescentes de 15 a 19 anos de idade no estado de São Paulo, Brasil, 2002. Cad Saúde Pública. 2005;21(5):1383-91. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000500010
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, que observaram diferenças entre os componentes do índice CPO-D: o grupo dos não-brancos apresentou uma maior porcentagem de dentes cariados e perdidos, enquanto o grupo de brancos teve uma maior porcentagem de dentes obturados.

O resultado do presente estudo está de acordo com Noro et al.1616. Noro LRA, Roncalli AG, Júnior FIRM, Lima KC. Incidência de cárie dentária em adolescentes em município do Nordeste brasileiro, 2006. Cad Saúde Pública. 2009;25(4):783-90. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000400009
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, que também não encontraram associação estatisticamente significante entre o número de pessoas por cômodo e a incidência de cárie dentária.

Quanto à variável renda, observou-se que as pessoas com menor condição econômica possuem uma chance maior de apresentar prevalência de cárie. Essa constatação está de acordo com os resultados encontrados por Gonçalves et al.1010. Gonçalves ER, Peres MA, Marcenes W. Cárie dentária e condições sócio- econômicas: um estudo transversal com jovens de 18 anos de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública. 2002;18(3):699-706. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000300013
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, que indicam que os maiores índices de dentes cariados foram encontrados nos grupos de menor renda, revelando uma associação entre condições de saúde bucal e desigualdades sociais. Na Pesquisa Nacional SB-Brasil 2010, foram observadas diferenças significantes quanto aos valores do CPO-D entre as regiões brasileiras: o Sul e o Sudeste apresentaram os menores índices e também têm as melhores condições sócioeconômicas44. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal. Resultados principais 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011..

O presente estudo também constatou que indivíduos com maior número de bens materiais tiveram menor chance de prevalência de cárie e de ataque elevado de cárie dentária. Em pesquisa realizada no município de Maringá, estado do Paraná, foram identificadas diferenças estatisticamente significantes na prevalência e na severidade de cárie (CPO-D), com os piores indicadores observados nos grupos de baixa renda e de baixo poder aquisitivo2222. Amaral MA, Nakama L, Conrado CA, Matsuo T. Cárie dentária em homens jovens: prevalência, severidade e fatores associados. Braz Oral Res. 2005;19(4):249-55. https://doi.org/10.1590/S1806-83242005000400003
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. Esse cenário evidencia a influência da pobreza sobre as condições de saúde bucal dos indivíduos.

Apesar de não ter sido encontrada uma associação estatisticamente significativa entre escolaridade e presença de cárie, Viana et al.99. Viana ARP, Parente RCP, Borras MR, Rebelo MAB. Prevalência de cárie e condições socioeconômicas em jovens alistandos de Manaus, Amazônia, Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):680-7. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2009000400017
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observaram que indivíduos com ensino fundamental incompleto e renda familiar inferior a cinco salários-mínimos apresentaram as piores condições em relação à cárie dentária. Esses achados corroboram os resultados de Gonçalves et al.1010. Gonçalves ER, Peres MA, Marcenes W. Cárie dentária e condições sócio- econômicas: um estudo transversal com jovens de 18 anos de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública. 2002;18(3):699-706. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000300013
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, que mostraram uma concentração da doença não tratada em grupos de renda baixa e menor escolaridade.

Todas as variáveis clínicas estudadas apresentaram conexão estatisticamente significativa com maior prevalência de cárie e ataque elevado de cárie. O estudo de Noro et al.1616. Noro LRA, Roncalli AG, Júnior FIRM, Lima KC. Incidência de cárie dentária em adolescentes em município do Nordeste brasileiro, 2006. Cad Saúde Pública. 2009;25(4):783-90. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000400009
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relata que crianças com dor de dente tiveram uma incidência maior de cárie em comparação com aquelas que procuraram atendimento odontológico por outros motivos. Esse resultado torna-se ainda mais relevante à luz dos dados da Pesquisa Nacional, SB Brasil 2003, que indicou que quase um terço dos adolescentes relataram a dor como motivo para a ida ao dentista33. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003 – Condições de Saúde Bucal da População Brasileira 2002-2003. Resultados principais 2003 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde; 2003 [acessado em 5 jan. 2013]. Disponível em: http://www.cfo.org.br/download/pdf/relatório_sb_brasil2003.pdf
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.

Dentre as dimensões relacionadas ao acesso odontológico, como o local da consulta, Tuon et al.1212. Tuon ACLF, Lacerda JT, Traebert J. Prevalência de cárie em escolares da zona rural de Jacinto Machado, SC, Brasil. Pesq Bras Odontoped Clin Integr. 2007;7(3):277-84. encontraram resultados semelhantes aos do presente estudo. Esses autores identificaram que os alunos que acessaram serviços odontológicos por meio de uma unidade pública de saúde apresentaram um maior número de dentes cariados em comparação com aqueles que buscaram atendimento em outros locais.

No que diz respeito à frequência, verificamos uma maior chance tanto de prevalência de cárie quanto de ataque elevado de cárie entre aqueles que foram ao dentista há menos de um ano, o que também foi observado nos resultados encontrados por Noro et al.1616. Noro LRA, Roncalli AG, Júnior FIRM, Lima KC. Incidência de cárie dentária em adolescentes em município do Nordeste brasileiro, 2006. Cad Saúde Pública. 2009;25(4):783-90. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000400009
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. Por conseguinte, embora a visita regular ao serviço odontológico seja considerada eficiente na prevenção de doenças bucais, na prática, tem servido para que pacientes com maior acúmulo de necessidades resolvam clinicamente estes problemas.

Não podemos ignorar o impacto do aumento no índice CPO-D causado pelos outros componentes, restaurações e extrações, que muitas vezes são realizadas desnecessariamente. Pessoas que visitaram o dentista recentemente podem ter um aumento no índice CPO-D não provocado pela presença de cárie, mas em função de restaurações e extrações realizadas durante essa visita, muitas vezes de forma iatrogênica. Nadanovsky2323. Nadanovsky P. O declínio da cárie. In: Pinto VG, ed. Saúde Bucal Coletiva. São Paulo: Santos; 2000. p. 341-51., em estudo realizado no Rio Grande do Sul, concluiu que o serviço público de odontologia no estado pode ter contribuído para redução do número de cáries não restauradas em jovens de 15 a 19 anos, entre os anos 2000 e 2003. No entanto, não foi possível detectar uma influência desse serviço na experiência total da cárie (CPOD) desses jovens. O autor sugere que, embora o serviço odontológico possa ter um efeito benéfico na prevenção da cárie, ele também pode ter retrocedido esse efeito com a realização de obturações e/ou extrações desnecessárias.

Além da notável relação entre a situação da saúde bucal, o poder aquisitivo e a dor, outra questão importante revelada por este estudo foi a associação entre as três variáveis de acesso aos serviços odontológicos e a prevalência e ataque elevado de cárie. Fatores relacionados ao comportamento individual em relação à saúde, bem como barreiras ao acesso aos serviços odontológicos, influenciam a frequência das consultas realizadas. Iniciativas do poder público para melhorar a qualidade e o acesso ao atendimento odontológico são fundamentais, especialmente considerando que o atendimento privado ou por meio de convênios com planos de saúde está associado a uma menor probabilidade da ocorrência cárie e ataque elevado de cárie. No entanto, é importante levar em consideração a influência das melhores condições sociais e econômicas da maioria dos pacientes que frequentam os serviços privados, o que pode ter contribuído para este resultado de forma residual. Isso ocorre porque as associações observadas nas variáveis da dimensão clínica e de acesso aos serviços odontológicos foram ajustadas pelas variáveis da dimensão sociodemográfica.

CONCLUSÃO

Os resultados apresentados ressaltam a substancial influência da situação socioeconômica dos indivíduos sobre as condições de saúde bucal, bem como os efeitos negativos das condições clínicas precárias e do acesso limitado aos serviços odontológicos na prevalência e no ataque elevado de cárie.

O Nordeste brasileiro, onde este estudo foi realizado, é historicamente uma região com as piores condições de vida e de saúde em comparação com a média nacional, e também carece de respostas adequadas para suas grandes vulnerabilidades sociais. Com base no contexto social e sanitário da região e nos resultados apresentados, este estudo propõe a priorização de políticas públicas capazes de superar as fragilidades assistenciais e os determinantes sociais que perpetuam a atual situação de saúde.

Neste sentido, recomenda-se revisar o processo de trabalho e a estrutura da atenção odontológica no país, investir em educação permanente e engajar os gestores na busca por mudanças significativas nos indicadores e nas condições de vida da população.

  • Este artigo se baseia na Monografia apresentada por Manuella da Fonte Correia da Silva ao Curso de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, para obtenção do título de especialista em saúde coletiva (2013) e orientada pelo autor Prof. Dr. Rafael da Silveira Moreira.

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  • Fonte de financiamento:

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    6 Jun 2018
  • Aceito
    06 Nov 2021
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