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Nota do fórum de editores de revistas de saúde coletiva – carta de Goiânia

Os periódicos brasileiros da área de saúde coletiva são um patrimônio importante para o campo, tanto na vertente da produção científica quanto na de serviços. Aqueles já incluídos na coleção SciELO produzem fatia relevante do total de artigos, representando 7% do total de artigos publicados e 16% considerando-se apenas as ciências da saúde, nos anos de 2011 a 20131Packer AL. Indicadores de centralidade nacional da pesquisa comunicada pelos periódicos de Saúde Coletiva editados no Brasil. Cien Saude Colet. 2015; 20(7):1983-95. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015207.07122015.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152...
. Ao mesmo tempo, mostram compromisso indissolúvel com o Sistema Único de Saúde (SUS), importante campo de pesquisa e destinatário final de boa parte de seus resultados. É desse ponto de partida que conclamamos a direção da SciELO a continuar o diálogo que começamos sobre os novos critérios para inclusão e permanência na coleção. Embora concordemos e já estejamos em processo de adaptação a alguns dos novos critérios, em especial àqueles ligados a indicadores de processo e de estrutura, como a participação de editores internacionais e a utilização de sistemas eletrônicos de processamento de manuscritos, temos divergências importantes com relação a alguns dos indicadores de resultados, sobretudo aos que estão sendo designados, de forma simplista, como “internacionalização”. Não vamos retomar aqui as extensas críticas de Vessuri e colaboradores2Vessuri H, Guédon J-C, Cetto AM. Excellence or quality? Impact of the current competition regime on science and scientific publishing in Latin America and its implications for development. Curr Sociol. 2013:0011392113512839. a essa lógica; apenas registrar os riscos apontados pelos autores de uma adesão irrefletida a uma lógica de publicação que segue sendo dominada por poderosos interesses econômicos. Tememos pelas repercussões negativas que tal adesão possa ter na vinculação orgânica de nossas publicações com nosso sistema de saúde, seus profissionais e seus usuários. Consideremos, em primeiro lugar, a questão da linguagem. Ainda que reconheçamos a importância da língua inglesa, temos, por um lado, uma base de leitores que não nos permite abrir mão da língua portuguesa; por outro, por opção político-ideológica, desejamos intensificar a cooperação Sul-Sul, o que inclui a ÁfricaLusófona e aponta para o espanhol como uma opção estratégica de língua estrangeira. Note-se que o próprio American Journal of Public Health (AJPH), uma das mais antigas e relevantes publicações da área, tomou a iniciativa de, em conjunto com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), traduzir a cada ano um conjunto de artigos para o espanhol, publicados no boletim da OPAS e consolidados em um suplemento anual do próprio AJPH3Andrus JK, Benjamin GC, Wilson J. Expanding access to Spanish-speaking communities: a critical partnership. Am J Public Health. 2014; 104(Suppl 2):S195-9.. A tradução de artigos para língua estrangeira, independentemente de manter versões multilinguais, representa custos adicionais para revistas, as quais já lutam com dificuldades para manter-se no patamar em que se encontram. Quatro estratégias têm sido adotadas por diversas revistas: a utilização de recursos próprios para financiar a tradução, a cobrança de taxas de publicação, o condicionamento da publicação à apresentação de versão traduzida e a oferta de publicação de versão traduzida, a cargo dos autores. As três últimas implicam no repasse aos autores de parte dos custos de publicação, e a primeira só tem sido disponível para muito poucos. Em um momento em que recursos para a ciência brasileira se tornam escassos, a criação de ônus adicionais para periódicos e/ou autores representa problema adicional, o qual precisa ser mais bem discutido. A criação de ônus para a publicação ou a adoção de medidas que impliquem a redução do parque nacional de revistas científicas qualificadas, em geral e especialmente na saúde coletiva, arrisca agravar as consequências do que Merton4Merton RK. The Matthew effect in science. Science. 1968; 159(3810):56-63. denominou de “efeito Mateus”, isto é, a concentração de cada vez mais prestígio e recursos em poucas instituições, periódicos e pesquisadores. Fiéis ao ideário que identifica nossa própria área, defendemos políticas solidárias e includentes; no caso da publicação científica, isso se traduz na ampliação do nosso ecossistema de publicação, criando mecanismos de apoio que permitam a crescente qualificação de mais revistas segundo os critérios pactuados, com a vantagem de, com isso, criarem-se mais oportunidades de citação de autores nacionais. Com relação a esse último item, entendemos ainda que necessitamos de uma discussão mais aprofundada sobre o significado e aplicações dos indicadores bibliométricos. Consideramos que seria importante a realização de um seminário nacional com a participação de pesquisadores internacionais da área que têm contribuído à discussão para além dos interesses comerciais dos três gigantes – Reed Elsevier, Thomson Reuters e Google –, os quais, no momento, controlam a produção de tais indicadores. Acreditamos ser necessária, por exemplo, a inclusão de outros indicadores de uso – como acessos a artigos –, dada a característica, por diversas vezes reiterada, de termos nos profissionais do SUS uma importante clientela, que enriquece sua prática a partir da leitura de nossos artigos, sem que sejam, na sua maioria, publicadores, não gerando, portanto, citações. Por fim, gostaríamos que fosse incluída na pauta de discussões a questão da integridade na pesquisa, abordada de forma tímida nos novos critérios da coleção SciELO, que se referem apenas à utilização de softwares de detecção de plágio. Iniciamos gestões para tentar uma filiação em bloco ao Committee on Publication Ethics (COPE), com intermediação da Abrasco, passo que consideramos de fundamental importância na qualificação de nossas revistas. Em suma, acreditamos que estamos todos de acordo com a necessidade de valorização e incremento da visibilidade da produção científica nacional, ainda que discordemos de alguns detalhes que gostaríamos que fossem objeto de continuada negociação, pautada pelos nossos objetivos comuns e no respeito mútuo.

Referências

  • 1
    Packer AL. Indicadores de centralidade nacional da pesquisa comunicada pelos periódicos de Saúde Coletiva editados no Brasil. Cien Saude Colet. 2015; 20(7):1983-95. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015207.07122015.
    » http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015207.07122015
  • 2
    Vessuri H, Guédon J-C, Cetto AM. Excellence or quality? Impact of the current competition regime on science and scientific publishing in Latin America and its implications for development. Curr Sociol. 2013:0011392113512839.
  • 3
    Andrus JK, Benjamin GC, Wilson J. Expanding access to Spanish-speaking communities: a critical partnership. Am J Public Health. 2014; 104(Suppl 2):S195-9.
  • 4
    Merton RK. The Matthew effect in science. Science. 1968; 159(3810):56-63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2015
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