Resumo
Introdução
Na Atenção Primária à Saúde são comuns os relatos de pacientes que apresentam queixas difusas, que indicam sofrimento psíquico, mas estes frequentemente não encontram o tratamento adequado pela dificuldade por parte dos agentes de saúde em reconhecerem e lidarem com as dimensões de sofrimento que não estão classificadas na nosografia psiquiátrica.
Objetivo
O objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão integrativa sobre transtorno mental comum em populações inscritas e acompanhadas por serviços da Atenção Primária à Saúde no Brasil.
Método
Revisão Integrativa a partir de buscas de artigos publicados nas bases de dados BVS, Scielo, PubMed/Medline e Scopus, entre os anos de 1997 e 2018.
Resultados
As publicações revisadas apresentaram prevalências de transtorno mental comum que variaram de 20,5% a 64% em populações inscritas e acompanhadas por serviços da Atenção Primária à Saúde. Todos os estudos evidenciaram a associação de transtorno mental comum às situações de vulnerabilidades psicossociais. Os principais fatores associados foram: ser mulher, possuir baixa renda e ter menor nível educacional.
Conclusão
Os estudos analisados apontam para a importância de investimento em políticas públicas com vistas a diminuir as desigualdades sociais, além de destacarem a necessidade do investimento em estratégias de prevenção e cuidados de TMC.
Palavras-chave:
transtorno mental comum; Atenção Primária à Saúde; revisão integrativa
Abstract
Backround
Patients attending Primary Health Care in Brazil frequently report diffuse complaints indicating mental suffering. However, it’s common that they do not find adequate treatment due to the difficulty of health agents recognizing and dealing with the dimensions of suffering that are not classified in psychiatric nosography.
Objective
The objective of the present study was to make an integrative review of Common Mental Disorders in populations registered and monitored by Primary Health Care services in Brazil.
Method
Search of articles published in the BVS, Scielo, PubMed/Medline and Scopus databases from 1997 to 2018.
Results
The reviewed publications showed a prevalence of Common Mental Disorders ranging from 20.5% to 64% in populations attending primary health care services. All the studies showed an association between the Common Mental Disorders and situations of psychosocial vulnerability. The main associated factors were: being a woman, having a low income, and having a lower level of education.
Conclusion
The studies point out the importance of investing in public policies to reduce social inequalities. Furthermore, they emphasize the importance of investing in strategies for the prevention and care of Common Mental Disorders among populations attending primary health care in Brazil.
Keywords:
common mental disorders; Primary Health Care; integrative review
INTRODUÇÃO
Nas equipes que compõem os serviços da Atenção Primária à Saúde (APS) são comuns os relatos de agentes de saúde (agentes comunitários de saúde, enfermeiros, psicólogos, técnicos de enfermagem, médicos etc.) sobre usuários que apresentam queixas, que indicam formas de sofrimento psíquico, mas que não estão classificados pelos manuais, como o DSM V (Diagnostic and Estatistical Manual of Mental Disorders, five edition) e a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão), como transtornos mentais. São pessoas que relatam estarem insones, estressadas, ansiosas, tristes, com dores de cabeça, dentre outros.
Esses usuários apresentam o que Goldberg e Huxley11 Goldberg D, Huxley P. Common mental disorders: a bio-social model. 2. ed. Tavistock: Routledge; 1993. classificaram como transtorno mental comum (TMC) que, segundo apontam, são comumente encontrados na população e indicam uma condição de sofrimento psíquico, mas, como dito, tais condições nem sempre se associam a um diagnóstico psiquiátrico descrito nos manuais.
Faz-se importante dizer que, embora muitos autores não utilizem o termo transtorno mental comum em suas pesquisas, tal como descrito por Goldberg e Huxley11 Goldberg D, Huxley P. Common mental disorders: a bio-social model. 2. ed. Tavistock: Routledge; 1993., é possível notar que estão igualmente tratando de sintomas difusos, que se traduzem em uma dimensão de sofrimento psíquico. Daí o uso de termos como: perturbação afetivo-emocional; sofrimento psíquico difuso; sofrimento emocional; transtornos psicológicos; transtorno psiquiátrico comum; depressão e ansiedade subliminar; sofrimento emocional inespecífico; morbidade psiquiátrica menor22 Gonçalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Avaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cad Saude Publica. 2008;24(2):380-90. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000200017. PMid:18278285.
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3 Schneider A, Hilbert B, Hörlein E, Wagenpfeil S, Linde K. The effect of mental comorbidity on service delivery planning in primary care: an analysis with particular reference to patients who request referral without prior assessment. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(39):653-9. PMid:24163707.
4 Bener A, Al-Kazaz M, Ftouni D, Al-Harthy M, Dafeeah E. Diagnostic overlap of depressive, anxiety, stress and somatoform disorders in primary care. Asia-Pac Psychiatry. 2013;5(1):E29-38. http://dx.doi.org/10.1111/j.1758-5872.2012.00215.x. PMid:23857793.
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5 Albuquerque FP, Barros CR, Schraiber LB. Violência e sofrimento mental em homens na Atenção Primária à Saúde. Rev Saude Publica. 2013;47(3):531-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004324. PMid:24346566.
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6 Ozcakir A, Dogan FO, Cakir YT, Bayram N, Bilgel N. Subjective well-being among primary health care patients. PLoS One. 2014;9(12):e114496. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0114496. PMid:25486293.
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-77 Portugal FB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ, Gask LB, Bower P, et al. Psychiatric morbidity and quality of life of primary care attenders in two cities in Brazil. J Bras Psiquiatr. 2014;63(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000004.
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.
Pesquisas quantitativas avaliando TMC em populações atendidas pela APS, principalmente em comunidades expostas às situações de vulnerabilidades sociais, são de grande relevância, pois abordam a temática colocando em relevo a importância de inclusão do tema para o planejamento em saúde. Os TMC têm impacto na saúde da população, afeta as relações interpessoais e pode gerar incapacidades para o trabalho e, se não detectados e devidamente cuidados, há o risco da ocorrência de agravos à saúde88 Bandeira M, Freitas LC, Carvalho JGT Fo. Avaliação da ocorrência de transtornos mentais comuns em usuários do Programa de Saúde da Família. J Bras Psiquiatr. 2007;56(1):41-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852007000100010.
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. Daí a relevância da revisão dos estudos já realizados no Brasil, pois, a partir dos achados nas pesquisas, pode-se pensar em estratégias de planejamento em saúde mental na APS, além do uso destes como referências para futuras pesquisas.
Dada a complexidade do tema, demonstra-se a importância de desenvolver uma revisão integrativa dos estudos que investigaram TMC em populações assistidas por serviços da APS.
Segundo Mendes et al.99 Mendes KS, Silveira RC, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018.
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, a revisão integrativa é um método de pesquisa que permite a procura, a avaliação crítica e a síntese das evidências disponíveis sobre o tema investigado, em que o seu produto final, o estado atual do conhecimento acerca do tema estudado, permite a implementação de intervenções efetivas nos cuidados de saúde, a redução de custos e a identificação de lacunas que orientam para o desenvolvimento de novos estudos. As autoras referem ainda que o sumário dos resultados de pesquisas relevantes facilita a incorporação de evidências, ou seja, agiliza a transferência de conhecimento novo para a prática99 Mendes KS, Silveira RC, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018.
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.
Cabe ressaltar que não foi encontrada, nas principais bases de dados em saúde, alguma publicação no formato de revisão integrativa que reúna as pesquisas quantitativas sobre TMC na APS, com a finalidade de comparar e analisar os diferentes estudos publicados em periódicos nacionais e internacionais.
Portanto, o presente artigo tem como objetivo investigar os estudos científicos quantitativos sobre TMC em populações inscritas e acompanhadas por serviços da APS no Brasil, publicados em revistas indexadas em bases de dados para, além de caracterizar os diferentes estudos, fazer uma análise crítica das disparidades, bem como dos pontos em comum encontrados.
MÉTODO
Utilizando a estratégia PICOS, que, segundo os autores1010 Santos CMC, Pimenta CAM, Nobre MRC. A estratégia PICO para a construção da pergunta de pesquisa e busca de evidências. Rev Lat Am Enfermagem. 2007;15(3):508-11. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692007000300023. PMid:17653438.
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,1111 Galvão TF, Pereira MG. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiol Serv Saude. 2014;23(1):183-4. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000100018.
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, contribui para o aprimoramento da pergunta de pesquisa e representa um acrônimo para Paciente ou População, Intervenção, Comparação, Outcomes (Desfecho) e Study (Tipos de estudos), foi possível a elaboração da pergunta norteadora: Qual a prevalência de TMC em populações inscritas e acompanhadas por serviços da APS no Brasil?
Para o desenvolvimento deste estudo optou-se por uma revisão integrativa, que consiste em fazer ampla análise da literatura com padrões de rigor metodológico. Esse tipo de estudo reúne e sintetiza resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, de forma que o leitor consiga identificar as características dos estudos incluídos na revisão99 Mendes KS, Silveira RC, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018.
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. A revisão integrativa é um dos métodos de pesquisa utilizados na prática baseada em evidências. Tal método, dentre outros objetivos, se apresenta como uma ferramenta que permite a incorporação das evidências na prática clínica.
Neste estudo utilizou-se a metodologia de revisão integrativa proposta por Cooper1212 Cooper H. Scientific guidelines for conducting integrative literature reviews. In: Annual Meeting of the American Educational Research Association; 1982 mar 19-23; Nova York, Estados Unidos. Washington: American Educational Research Association; 1982. p. 1-22.. Segundo o autor, a revisão integrativa desenvolve-se em cinco etapas: formulação do problema, coleta de dados, avaliação dos dados, análise e interpretação dos dados e apresentação dos resultados.
Estratégias de busca
As etapas de busca, seleção dos artigos e extração dos dados foi realizada de forma independente pelo autor principal do artigo e por um segundo revisor.
As bases de dados selecionadas para a pesquisa dos artigos foram: BVS, Scielo, PubMed/Medline e Scopus, entre os anos de 1997 e 2018. São bases de dados que utilizam vocabulários controlados (DeCS/MeSH), para a indexação dos periódicos, e incluem publicações nacionais e internacionais nas áreas médica, biomédica, enfermagem, psicologia, nutrição, saúde pública, odontologia etc.
Foram utilizados para pesquisa nas bases de dados a palavra-chave transtorno mental comum (common mental disorders / transtorno mentales comunes) juntamente com os seguintes descritores: Atenção Primaria à Saúde (Primary Health Care / Atención Primaria de Salud); Prevalência (Prevalence / Prevalencia).
Cabe ressaltar que “transtorno mental comum” não está compreendido como um descritor em Ciência de Saúde (DeCS) e que não foi encontrado um sinônimo para o termo na busca por descritores equivalentes nas bases de dados, logo o termo “transtorno mental comum” foi utilizado como palavra-chave, que, somado aos descritores “Atenção Primária à Saúde” e “Prevalência”, com o operador boleano “AND”, compuseram as chaves de busca utilizadas para a pesquisa bibliográfica nas bases de dados.
Foram encontradas 207 publicações em português inglês e espanhol – o artigo mais antigo foi publicado no ano de 1997 e os mais recentes em 2018. Optou-se, portanto, por incluir todos os resultados encontrados com os descritores pesquisados, o que possibilitou uma revisão dos trabalhos publicados nos últimos 20 anos. Foram identificados mais sete artigos sobre a temática, por busca manual nas referências dos artigos revisados, dos quais três foram incorporados na revisão integrativa.
Critérios de inclusão e exclusão dos estudos
Para selecionar os artigos incluídos na revisão, foram definidos os seguintes critérios de inclusão: pesquisas realizadas com desenho de estudo epidemiológico observacional (transversal, caso-controle e coorte); estudos que utilizaram instrumentos validados no Brasil para avaliar o transtorno mental comum; estudos realizados com pessoas assistidas pela Atenção Primária à Saúde no Brasil.
Quanto aos critérios de exclusão dos artigos: foram excluídos os estudos que avaliaram somente idosos (acima de 65 anos); que incluíram pessoas menores de 18 anos; estudos que avaliaram grupos de risco específicos como, por exemplo, usuários de drogas e/ou soropositivos; estudos de validação de instrumentos; leis e protocolos; dissertações; monografias; teses e artigos duplicados (que apareceram mais de uma vez, como resultado das chaves de busca nas bases de dados). Importante dizer que a exclusão de estudos que avaliaram somente pessoas acima de 65 anos e que incluíram pessoas com menos de 18 se deu porque tais estudos consideraram especificidades próprias às faixas etárias, como possíveis processos demenciais e déficits cognitivos, no caso dos idosos.
Extração dos dados
Para essa revisão integrativa foi elaborado um instrumento de coleta de dados digitado em Excel 2010, visando extrair as seguintes informações: título do periódico, autores, país/ano de publicação, local de realização do estudo, tipo de estudo, tamanho da amostra, instrumentos utilizados, objetivos do estudo, variáveis associadas, resultados, recomendações dos estudos e prevalências encontradas.
RESULTADOS
Resultado de busca e seleção
Na Figura 1 é apresentado o fluxograma do processo de seleção dos artigos. Do total de estudos identificados (N = 214), 155 foram descartados por duplicidade e por não atenderem estritamente à temática estudada. Do total de artigos triados (N = 59), 49 foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão da pesquisa, a saber: 28 pesquisas avaliaram transtorno mental comum associado ao exercício de uma profissão na área da saúde; cinco sem a versão completa disponível (sem acesso livre); quatro pesquisas eram de validação de instrumentos; quatro eram de grupos de risco específicos; quatro realizados com indivíduos com menos de 18 anos de idade; três foram realizados fora da APS; um estudo não utilizou instrumento validado para avaliar TMC. Com isso, dez artigos foram analisados na presente revisão.
Fluxograma para o resultado das buscas nas fontes de informações, seleção e inclusão dos artigos na revisão integrativa
Características e objetivos dos estudos
Como se pode verificar no Quadro 1, dois estudos são multicêntricos e foram realizados em estados distintos [05 e 06], quatro foram realizados em cidades do estado do Rio de Janeiro [02, 03, 05 e 06], três em cidades do estado de Minas Gerais [04, 07 e 10], três em cidades do estado de São Paulo [05, 06 e 09], um em duas cidades do Estado de Pernambuco [01] e um em uma cidade da região Centro-Oeste do Brasil [08].
Há um predomínio de estudos realizados na região Sudeste do país, com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo. Analisando o Programa de Saúde da Família em sua amplitude, que abarca todo o território nacional, tal constatação permite ressaltar a importância do desenvolvimento de mais pesquisas quantitativas, que devem ser realizadas em outras regiões do país, na tentativa de expandir as informações sobre TMC e fatores associados.
Relativamente aos autores dos artigos, verificamos que são provenientes de três áreas profissionais: psicologia, medicina e enfermagem. O que não quer dizer que somente essas categorias profissionais encontrem como uma realidade, no cotidiano de suas práticas na APS, a demanda de cuidados de pacientes apresentando sintomas de TMC.
Relativamente aos títulos dos artigos, apenas um deles [05] não apresentou o termo “transtorno mental comum” para tratar do objeto de estudo, utilizou o termo “morbidade psiquiátrica”. Embora tal estudo não tenha utilizado o termo TMC em seu título, ainda assim investigou a prevalência de TMC e fatores associados. Tal fato se deve ao uso de diferentes designações utilizadas para definir transtorno mental comum, pois, como já mencionado, alguns autores utilizam outros termos, mas que têm equivalência com a definição de TMC descrita por Goldberg e Huxley11 Goldberg D, Huxley P. Common mental disorders: a bio-social model. 2. ed. Tavistock: Routledge; 1993..
Verifica-se que a maioria dos estudos [01, 02, 04, 05, 06, 07, 08 e 09] teve como objetivo investigar os TMC e fatores psicossociais associados. Os estudos [01, 03 e 10] que não apresentaram como proposta explicita, em seus objetivos, a investigação da associação de variáveis psicossociais relacionadas ao TMC, ainda assim o fizeram no desenvolvimento das pesquisas realizadas.
O estudo [03] teve como objetivo traçar o perfil nosológico dos pacientes que apresentaram sintomas de TMC. Os estudos [09 e 10], além de evidenciarem a prevalência de TMC e os fatores associados, verificaram a relação destes com o uso de fármacos nas amostras pesquisadas.
Apenas o estudo [01] verificou a relação entre TMC e apoio social na população atendida pela APS. Este estudo mostrou-se importante por apontar o apoio social como mecanismo de enfrentamento aos TMC, servindo este de estratégia a ser investida para o cuidado de pessoas em sofrimento psíquico na APS.
Ainda sobre a relação entre as variáveis TMC e os determinantes psicossociais, a baixa renda aparece como fator associado ao TMC em todas as pesquisas revisadas.
Metodologias dos estudos
Conforme apresentado no Quadro 2, a análise dos artigos que compõem esta revisão possibilitou constatar que todas as pesquisas foram realizadas com desenho de estudo epidemiológico observacional seccional.
Quanto ao número de participantes nos estudos, a maior amostra foi encontrada no estudo multicêntrico [06], com um total de 1.857 participantes, sendo a menor no estudo [09], com 106 participantes.
Quanto ao local de realização dos estudos, foi critério de inclusão para esta revisão integrativa que todos os estudos fossem realizados em populações inscritas e assistidas pela APS. Faz-se importante salientar que, embora todos os estudos apresentados tenham atendido a este critério de inclusão, cada região apresenta características próprias de organização da rede de cuidados em saúde, o que inclui a organização dos fluxos de atendimentos, monitoramento da população atendida e verificação de resultados das políticas públicas vigentes.
Sobre as formas de coletas de dados, na maioria dos estudos os instrumentos foram administrados aos participantes quando eles estavam nas unidades de saúde para exames de rotina e/ou para consultas regulares com especialistas. Das dez pesquisas revisadas, sete [02, 03, 05, 06, 08, 09 e 10] entrevistaram pessoas nas unidades de saúde participantes das pesquisas e três [01, 04 e 07] o fizeram nos domicílios de pacientes assistidos pela APS.
Importante observar que os três estudos [01, 04 e 07] foram realizados em cidades do interior e que há menor circulação de pessoas nos serviços da APS, o que explica a escolha pela realização das pesquisas nos domicílios dos participantes, fato que não se repetiu em nenhuma das pesquisas realizadas nas grandes cidades.
Deve-se considerar que, em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, é frequente que as unidades de saúde que compõem a APS estejam localizadas em áreas de exposição à violência, principalmente no que diz respeito aos conflitos armados entre facções criminosas por disputa de território para o tráfico de drogas. Sendo então a violência um importante fator a ser considerado como variável associada à prevalência de TMC.
Sobre os instrumentos utilizados para a coleta de dados, além dos formulários de triagem e questionários sociodemográficos encontrados nas pesquisas, constatou-se a utilização de nove escalas. Dessas, três foram utilizadas com o objetivo de investigar TMC, são elas: General Health Questionnaire (GHQ-12), utilizada em quatro pesquisas [02, 03, 05 e 06], Self Report Questionnaire (SRQ-20), utilizada em cinco pesquisas [01, 07, 08, 09 e 10], e Escala de Saúde Geral de Goldberg (QSG), utilizada em apenas uma pesquisa [04].
Fatores associados, resultados e recomendações dos estudos
Quanto aos fatores psicossociais associados ao TMC em populações atendidas na APS, conforme apresentado no Quadro 3, foram observados os seguintes aspectos como mais frequentes: ter baixa renda (até um salário mínimo) [01, 02, 03, 05, 06, 07, 08 e 09], ser mulher [01, 02, 03, 05, 06, 07 e 08] e ter baixa escolaridade (analfabeto ou ter cursado até o 7º ano do ensino fundamental) [01, 02, 03, 05 e 06]. Rede de apoio social foi inversamente associada ao TMC. Foi constatada alta frequência do uso de psicotrópicos, principalmente antidepressivos e ansiolíticos [9 e 10].
A maior prevalência de TMC foi de 64%, encontrada em um estudo multicêntrico [06], já a menor prevalência, de 20,5%, foi encontrada em estudo [05], realizado por Portugal et al.2121 Portugal FB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ, Fortes SLCL. Qualidade de vida em pacientes da atenção primária do Rio de Janeiro e São Paulo, Brasil: associações com eventos de vida produtores de estresse e saúde mental. Cien Saude Colet. 2016;21(2):497-508. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.20032015. PMid:26910157.
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. Os estudos [03 e 06] examinaram a ocorrência de comorbidade nas populações pesquisadas.
Sobre as associações mais frequentes encontradas nas amostras das pesquisas tratadas nesta revisão integrativa, o estudo [02], que investigou a presença de grupos de risco para sofrimento psíquico na Estratégia de Saúde da Família e recomenda intervenções alternativas que auxiliem estes pacientes, pode servir como analisador dos muitos estudos observados.
Nesta pesquisa [02], os autores demonstraram que os TMC foram associados às mulheres (OR = 2,90; IC95% 1,82-4,32), menores de 45 anos (OR = 1,43; IC95% 1,02-2,01), com renda familiar mensal per capita inferior a US$ 40,00 (OR = 1,68; IC95% 1,20-2,39) e sem companheiro (OR = 1,71; IC95% 1,22-2,39)1414 Fortes S, Lopes CS, Villano LA, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462011000200010. PMid:21829908.
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. Ainda no estudo, o analfabetismo foi associado a TMC entre pacientes que não eram extremamente pobres.
Redes de apoio social, como muitas vezes ir à igreja (OR = 0,62; IC 95% 0,43-0,89), participar de atividades artísticas e esportivas (OR = 0,42; IC95% 0,26-0,70) e ter pelo menos quatro familiares ou amigos de confiança (OR = 0,53; IC95% 0,31-0,91), foram inversamente associadas aos TMC1414 Fortes S, Lopes CS, Villano LA, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462011000200010. PMid:21829908.
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.
Na pesquisa [09], realizada com 106 pacientes atendidos em Unidade Básica de Saúde (UBS) do interior paulista, Gomes et al.1919 Gomes VF, Miguel TL, Miasso AI. Transtornos mentais comuns: perfil sociodemográfico e farmacoterapêutico. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(6):1203-11. http://dx.doi.org/10.1590/0104-1169.2990.2355.
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concluíram que metade dos pacientes entrevistados (50%) apresentou resultado positivo para TMC e que, entre as prescrições de psicofármacos, 90,9% dos antidepressivos e 83,3% dos ansiolíticos foram para pacientes positivos para TMC1919 Gomes VF, Miguel TL, Miasso AI. Transtornos mentais comuns: perfil sociodemográfico e farmacoterapêutico. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(6):1203-11. http://dx.doi.org/10.1590/0104-1169.2990.2355.
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.
Já o estudo [10] que teve o objetivo de estimar a prevalência de TMC e o uso de psicofármacos em mulheres atendidas na rede básica de saúde, revelou a prevalência de 41,7% de TMC na amostra estudada. Os autores evidenciaram, também, que um elevado percentual de mulheres sem indícios de transtornos mentais estava fazendo uso de medicamentos psiquiátricos (38,8%) e, por outro lado, houve a verificação de que mais da metade das mulheres que referiram sintomas psíquicos (58%) não estava em uso de psicofármacos2020 Vidal CEL, Yañez BFP, Chaves CVS, Yañez CFP, Michalaros IA, Almeida LAS. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos em mulheres. Cad Saude Colet. 2013;21(4):457-64. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-462X2013000400015.
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.
Algumas recomendações dos estudos estão relacionadas com as implicações dos resultados para a prática de cuidado dirigida à pessoa com TMC assistida pela APS [01, 02, 05, 06, 07, 09 e 10], outras com as implicações dos resultados obtidos para futuras investigações sobre TMC em populações assistidas pela APS [04 e 07]. Já outras recomendações, encontradas nos estudos [03, 05, 06, 08 e 09], estão relacionadas a propostas de investimentos em políticas públicas que contemplem maiores investimentos e mudanças de paradigmas nos serviços de APS, com a finalidade de melhorar a identificação dos TMC, bem como o tratamento desses, que inclui propostas preventivas de ações psicossociais.
DISCUSSÃO
Os estudos analisados apresentaram prevalências que variaram entre 20,5%77 Portugal FB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ, Gask LB, Bower P, et al. Psychiatric morbidity and quality of life of primary care attenders in two cities in Brazil. J Bras Psiquiatr. 2014;63(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000004.
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e 64%1616 Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00158412. PMid:24714951.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00158...
. Tal variação pode ser explicada pelas características próprias de cada população pertencente às pesquisas revisadas, o que inclui fatores socioeconômico-culturais locais, além da variação de instrumentos utilizados, amostras e estratégias de coletas de dados, que diferem entre os estudos. As prevalências encontradas nas pesquisas nacionais estão em consonância com estudos que avaliaram transtornos mentais em populações assistidas na atenção primária em outros países, como Portugal2222 Apóstolo JLA, Figueiredo MH, Mendes AC, Rodrigues MA. Depressão, ansiedade e estresse em usuários de cuidados primários de saúde. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;12(2):1-6., Suíça2323 Wiegner L, Hange D, Björkelund C, Ahlborg G Jr. Prevalence of perceived stress and associations to symptoms of exhaustion, depression and anxietyin a working age population seeking primary care - an observational study. BMC Fam Pract. 2015;16(1):38. http://dx.doi.org/10.1186/s12875-015-0252-7. PMid:25880219.
http://dx.doi.org/10.1186/s12875-015-025...
,2424 Herzig L, Mühlemann N, Burnand B, Favrat B, Haftgoli N, Verdon F, et al. Development of mental disorders one year after exposure to psychosocial stressors: a cohort study in primary care patients with a physical complaint. BMC Psychiatry. 2012;12(1):120. http://dx.doi.org/10.1186/1471-244X-12-120. PMid:22906197.
http://dx.doi.org/10.1186/1471-244X-12-1...
, Catar44 Bener A, Al-Kazaz M, Ftouni D, Al-Harthy M, Dafeeah E. Diagnostic overlap of depressive, anxiety, stress and somatoform disorders in primary care. Asia-Pac Psychiatry. 2013;5(1):E29-38. http://dx.doi.org/10.1111/j.1758-5872.2012.00215.x. PMid:23857793.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1758-5872.20...
, Alemanha33 Schneider A, Hilbert B, Hörlein E, Wagenpfeil S, Linde K. The effect of mental comorbidity on service delivery planning in primary care: an analysis with particular reference to patients who request referral without prior assessment. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(39):653-9. PMid:24163707. e Turquia2525 Ozcakir A, Dogan FO, Cakir YT, Bayram N, Bilgel N. Subjective well-being among Primary Health Care patients. PLoS One. 2014;9(12):e114496. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0114496. PMid:25486293.
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.
O estudo realizado em Portugal por Apóstolo et al.2222 Apóstolo JLA, Figueiredo MH, Mendes AC, Rodrigues MA. Depressão, ansiedade e estresse em usuários de cuidados primários de saúde. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;12(2):1-6. aponta que 40,5%, 43,4% e 45% da amostra pesquisada, respectivamente, apresentou algum grau de depressão, ansiedade e estresse, e que ainda foram identificados níveis graves e muito graves de ansiedade em 28,8% dos indivíduos, de estresse em 22,3% e de depressão em 12,4%. A pesquisa realizada na Suíça por Wiegner et al.2323 Wiegner L, Hange D, Björkelund C, Ahlborg G Jr. Prevalence of perceived stress and associations to symptoms of exhaustion, depression and anxietyin a working age population seeking primary care - an observational study. BMC Fam Pract. 2015;16(1):38. http://dx.doi.org/10.1186/s12875-015-0252-7. PMid:25880219.
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encontrou prevalência de 41% de estresse percebido, destes 57% apresentaram sintomas de burnout, 35%, sintomas de depressão e 71% apresentaram sintomas de ansiedade.
Sobre as comorbidades encontradas nos estudos revisados, notou-se que essas são variadas e compreendem desde queixas somáticas e inespecíficas até sintomas de depressão e ansiedade77 Portugal FB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ, Gask LB, Bower P, et al. Psychiatric morbidity and quality of life of primary care attenders in two cities in Brazil. J Bras Psiquiatr. 2014;63(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000004.
http://dx.doi.org/10.1590/0047-208500000...
,1414 Fortes S, Lopes CS, Villano LA, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462011000200010. PMid:21829908.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462011...
,1717 Moreira JK, Bandeira M, Cardoso CS, Scalon JD. Prevalência de transtornos mentais comuns e fatores associados em uma população assistida por equipes do Programa Saúde da Família. J Bras Psiquiatr. 2011;60(3):221-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852011000300012.
http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852011...
,2626 Bandeira M, Freitas LC, Carvalho JGT Fo. Avaliação da ocorrência de transtornos mentais comuns em usuários do Programa de Saúde da Família. J Bras Psiquiatr. 2007;56(1):41-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852007000100010.
http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852007...
. Um estudo realizado no Catar em 201244 Bener A, Al-Kazaz M, Ftouni D, Al-Harthy M, Dafeeah E. Diagnostic overlap of depressive, anxiety, stress and somatoform disorders in primary care. Asia-Pac Psychiatry. 2013;5(1):E29-38. http://dx.doi.org/10.1111/j.1758-5872.2012.00215.x. PMid:23857793.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1758-5872.20...
demonstrou o quão frequente é possível encontrar pacientes apresentando sintomas pertencentes a mais de uma classificação diagnóstica, tornando difícil a definição nosológica e, consequentemente, dificultando o início e manutenção do tratamento adequado. Nesse estudo, Bener et al.44 Bener A, Al-Kazaz M, Ftouni D, Al-Harthy M, Dafeeah E. Diagnostic overlap of depressive, anxiety, stress and somatoform disorders in primary care. Asia-Pac Psychiatry. 2013;5(1):E29-38. http://dx.doi.org/10.1111/j.1758-5872.2012.00215.x. PMid:23857793.
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apresentam a sobreposição de ansiedade, depressão, somatização e estresse nos pacientes estudados. Da amostra de 419 pacientes, 9,3% apresentavam comorbidade dos quatro diagnósticos investigados.
O estudo realizado na Alemanha por Schneider et al.33 Schneider A, Hilbert B, Hörlein E, Wagenpfeil S, Linde K. The effect of mental comorbidity on service delivery planning in primary care: an analysis with particular reference to patients who request referral without prior assessment. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(39):653-9. PMid:24163707. constatou que 35,3% da amostra apresentou sintomas de depressão, 34,5%, de ansiedade e 34,6% apresentou sintomas somatoformes associados a problemas crônicos de saúde, como doenças malignas e cardiopatias. Como apresentado por Maragno et al.2727 Maragno L, Goldbaum M, Gianini RJ, Novaes HM, César CL. Prevalência de transtornos mentais comuns em populações atendidas pelo Programa Saúde da Família (QUALIS) no município de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1639-48. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006000800012. PMid:16832535.
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, a comorbidade, assim como a indiferenciação entre alguns dos sintomas, faz do conceito de TMC uma chave para que os estudos epidemiológicos possam capturar a prevalência dessas manifestações de sofrimento na comunidade ou em unidades de APS, sem que necessariamente esse tipo de queixa preencha todos os critérios diagnósticos para os transtornos descritos nos manuais como DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) ou CID-10 (Classificação Internacional de Doenças).
Todos os estudos participantes desta revisão evidenciaram a associação de TMC em populações atendidas na APS quando expostas às situações de vulnerabilidades psicossociais.
Herzig et al.2424 Herzig L, Mühlemann N, Burnand B, Favrat B, Haftgoli N, Verdon F, et al. Development of mental disorders one year after exposure to psychosocial stressors: a cohort study in primary care patients with a physical complaint. BMC Psychiatry. 2012;12(1):120. http://dx.doi.org/10.1186/1471-244X-12-120. PMid:22906197.
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conduziram um estudo na Suíça que explorou a associação entre os primeiros sintomas de transtornos mentais, após exposição a estressores psicossociais, em uma coorte de pacientes da atenção primária, cada um com pelo menos um sintoma físico. O estudo revelou que o risco de sofrer de transtornos mentais (depressão, ansiedade e transtornos somatoformes) em um ano é 2,5 vezes mais provável quando os pacientes de cuidados primários, com queixas somáticas iniciais, foram previamente expostos a estressores psicossociais, como estar preocupado com a saúde, com o peso e aparência; ter pouco desejo sexual; dificuldade com o parceiro; estresse de trabalho; problemas financeiros e não ter ninguém a quem recorrer na presença de um problema2424 Herzig L, Mühlemann N, Burnand B, Favrat B, Haftgoli N, Verdon F, et al. Development of mental disorders one year after exposure to psychosocial stressors: a cohort study in primary care patients with a physical complaint. BMC Psychiatry. 2012;12(1):120. http://dx.doi.org/10.1186/1471-244X-12-120. PMid:22906197.
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.
O estudo realizado na Turquia por Ozcakir et al.2525 Ozcakir A, Dogan FO, Cakir YT, Bayram N, Bilgel N. Subjective well-being among Primary Health Care patients. PLoS One. 2014;9(12):e114496. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0114496. PMid:25486293.
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indicou que pacientes com doenças crônicas e pacientes que sofrerem qualquer tipo de perda (membro da família, dinheiro ou trabalho) devem ser cuidadosamente monitorados pelos médicos da atenção primária, pois, segundo o estudo, esse grupo tem mais chances de desenvolver sintomas de depressão, o que reflete na piora da qualidade de vida dos pacientes.
Segundo Fonseca et al.2828 Fonseca MLG, Guimarães MBL, Vasconcelos EM. Sofrimento difuso e transtornos mentais comuns: uma revisão bibliográfica. Rev APS. 2008;11(3):285-94., trata-se de um consenso na literatura a associação entre TMC e a baixa escolaridade, baixa renda, assim como a maior prevalência dessas manifestações em mulheres em comparação aos homens. Portanto, tais achados apontam para a vulnerabilidade das condições de saúde mental das populações em situação de desvantagem econômica e social.
Segundo Buss e Pellegrini2929 Buss PM, Pellegrini A Fo. A saúde e seus determinantes sociais. Physis. 2007;17(1):77-93. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312007000100006.
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, os determinantes sociais de saúde como os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais influenciam a ocorrência de problemas de saúde mental na população. Whitehead3030 Whitehead M. The concepts and principles of equity in health. Copenhagen: WHO; 1990. expõe, em seu estudo sobre as iniquidades em saúde, que as desigualdades entre grupos populacionais, além de sistemáticas e relevantes, são também evitáveis, injustas e desnecessárias.
O instrumento mais utilizado nas pesquisas revisadas foi o Self Report Questionnaire. Trata-se de uma escala de rastreamento de TMC elaborada por Harding et al.3131 Harding TW, Arango MV, Baltazar J, Climent CE, Ibrahim HH, Ladrido-Ignacio L, et al. Mental disorders in primary health care: a study of their frequency and diagnosis in four developing countries. Psychol Med. 1980;10(2):231-41. http://dx.doi.org/10.1017/S0033291700043993. PMid:7384326.
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e validada para o contexto brasileiro, primeiro por Mari e Williams3232 Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ-20) in primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry. 1986;148(1):23-6. http://dx.doi.org/10.1192/bjp.148.1.23. PMid:3955316.
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e depois por Gonçalves et al.22 Gonçalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Avaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cad Saude Publica. 2008;24(2):380-90. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000200017. PMid:18278285.
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. Os estudos investigados sugerem que quando os sintomas de sofrimento psíquico são identificados e cuidados precocemente, há maiores chances de diminuir o sofrimento e os danos causados por esses nas pessoas atendidas, bem como às pessoas que convivem com o paciente, como apontam Gonçalves et al.1616 Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00158412. PMid:24714951.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00158...
.
Fortes et al.1414 Fortes S, Lopes CS, Villano LA, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462011000200010. PMid:21829908.
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indicam que programas de treinamento e educação para profissionais da atenção primária precisam ser introduzidos, juntamente com caminhos estruturados e serviços de apoio de rede social.
Para Gonçalves et al.1616 Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00158412. PMid:24714951.
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, as estratégias de educação devem envolver outras competências além de simplesmente diagnosticar e administrar medicamentos para tratar de TMC. A forte associação de sofrimento psíquico com variáveis psicossociais sugere que intervenções psicossociais podem ajudar no apoio a esses pacientes.
Pesquisas como as realizadas por Gonçalves et al.1616 Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00158412. PMid:24714951.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00158...
, Lucchese et al.1818 Lucchese R, Sousa K, Bonfin SP, Vera I, Santana FR. Prevalência de transtorno mental comum na atenção primária. Acta Paul Enferm. 2014;27(3):200-7. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400035.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-019420140...
, Scheider et al.33 Schneider A, Hilbert B, Hörlein E, Wagenpfeil S, Linde K. The effect of mental comorbidity on service delivery planning in primary care: an analysis with particular reference to patients who request referral without prior assessment. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(39):653-9. PMid:24163707., Fortes et al.1414 Fortes S, Lopes CS, Villano LA, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462011000200010. PMid:21829908.
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e Albuquerque et al.55 Albuquerque FP, Barros CR, Schraiber LB. Violência e sofrimento mental em homens na Atenção Primária à Saúde. Rev Saude Publica. 2013;47(3):531-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004324. PMid:24346566.
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mencionam a eficácia da colaboração de especialistas no cuidado de TMC na APS. No Brasil, o apoio matricial introduziu esse modelo colaborativo, mas, como aponta Fortes et al.1414 Fortes S, Lopes CS, Villano LA, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462011000200010. PMid:21829908.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462011...
, o apoio de especialistas deve ser disponibilizado para todas as equipes de atenção primária, e o cuidado deve ser compartilhado e coordenado por uma gestão adequada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos avaliados constataram forte associação de sintomas que deflagram TMC com determinantes psicossociais. Tais resultados são compatíveis com estudos internacionais sobre o tema. Segundo as publicações revisadas, ter baixa renda (até um salário mínimo), ser mulher e ter baixa escolaridade (desde o analfabetismo até ter cursado o 7º ano do ensino fundamental) são condicionantes sociais que mais se associam ao TMC.
Os estudos apontam para a importância de investimento em políticas públicas com vistas a diminuir as desigualdades sociais, além de destacarem a necessidade do investimento por instâncias governamentais em estratégias de prevenção e cuidados, uma vez identificados os grupos de risco a partir dos principais fatores associados ao TMC nas comunidades e nas populações assistidas pela APS.
Com a utilização da metodologia da revisão integrativa observou-se uma melhor compreensão da prevalência e dos fatores associados aos transtornos mentais comuns na atenção primária de saúde, através da integração e aproximação das fontes dos que compuseram a presente revisão. Observa-se que, com a prática baseada em evidência, os esforços para a resolução dos problemas de saúde podem ser mais bem encaminhados. Entretanto, a revisão integrativa é questionada acerca de problemas metodológicos, como a possibilidade de ocasionar vieses3333 Whittemore R, Knafl K. The integrative review: updated methodology. J Adv Nurs. 2005;52(5):546-53. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2005.03621.x. PMid:16268861.
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.
A presente revisão facilita a incorporação de evidências, servindo como instrumento que possibilita a transferência de conhecimento para a prática de cuidados. Faz-se importante dizer que indicamos o avanço em estudos epidemiológicos para melhor rastreio e compreensão dos determinantes sociais associados à ocorrência de casos de TMC na APS.
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Como citar: Torres Neto F, Lovisi GM, Unger RJG, Lima LA. Transtorno mental comum em populações assistidas pela Atenção Primária à Saúde no Brasil: uma revisão integrativa. Cad Saúde Colet, 2023; 31 (3):e31030119. https://doi.org/10.1590/1414-462X202331030119
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Fonte de financiamento: nenhuma.
REFERÊNCIAS
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1Goldberg D, Huxley P. Common mental disorders: a bio-social model. 2. ed. Tavistock: Routledge; 1993.
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2Gonçalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Avaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cad Saude Publica. 2008;24(2):380-90. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000200017 PMid:18278285.
» http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000200017 -
3Schneider A, Hilbert B, Hörlein E, Wagenpfeil S, Linde K. The effect of mental comorbidity on service delivery planning in primary care: an analysis with particular reference to patients who request referral without prior assessment. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(39):653-9. PMid:24163707.
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4Bener A, Al-Kazaz M, Ftouni D, Al-Harthy M, Dafeeah E. Diagnostic overlap of depressive, anxiety, stress and somatoform disorders in primary care. Asia-Pac Psychiatry. 2013;5(1):E29-38. http://dx.doi.org/10.1111/j.1758-5872.2012.00215.x PMid:23857793.
» http://dx.doi.org/10.1111/j.1758-5872.2012.00215.x -
5Albuquerque FP, Barros CR, Schraiber LB. Violência e sofrimento mental em homens na Atenção Primária à Saúde. Rev Saude Publica. 2013;47(3):531-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004324 PMid:24346566.
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6Ozcakir A, Dogan FO, Cakir YT, Bayram N, Bilgel N. Subjective well-being among primary health care patients. PLoS One. 2014;9(12):e114496. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0114496 PMid:25486293.
» http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0114496 -
7Portugal FB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ, Gask LB, Bower P, et al. Psychiatric morbidity and quality of life of primary care attenders in two cities in Brazil. J Bras Psiquiatr. 2014;63(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000004
» http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000004 -
8Bandeira M, Freitas LC, Carvalho JGT Fo. Avaliação da ocorrência de transtornos mentais comuns em usuários do Programa de Saúde da Família. J Bras Psiquiatr. 2007;56(1):41-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852007000100010
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Out 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
23 Abr 2019 -
Aceito
17 Abr 2021