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Condição de saúde infanto-juvenil em comunidades ribeirinhas na Amazônia brasileira: estudo transversal

Childhood-juvenile health conditions in riverine communities in the Brazilian Amazon: a cross-sectional study

Resumo

Introdução:

Os determinantes sociais interferem no processo saúde-doença de população ribeirinha, associados ao isolamento territorial, acesso restrito de bens e serviços de saúde.

Objetivo:

Identificar fatores associados às condições de saúde de crianças e adolescentes e suas mães, de duas comunidades ribeirinhas no rio Madeira, Amazonas, Brasil.

Método:

Estudo transversal, realizado em abril e agosto de 2017 em duas comunidades ribeirinhas amazônica, com mães, crianças e adolescentes até 19 anos. Foi avaliada as condições sociodemográficas, características maternas, de saúde, das crianças e adolescentes. Foi realizada análise de regressão de Poisson por meio do Stata 13.

Resultados:

Das 94 mães participantes, 56,4% declararam condições de saúde de seus filhos como regulares a ruins. A condição regular e ruim de saúde de crianças e adolescentes foi associada ao local de moradia, número de eletrodomésticos, consumo diário de salgadinhos, doces e suco artificial, ter doença crônica e ter histórico de internação hospitalar uma vez na vida (p<0,05). No modelo ajustado, apenas a internação hospitalar teve associação estatisticamente significativa (PR=1.60; 1,13–2,26) com a condição regular e ruim em saúde.

Conclusão:

As crianças e adolescentes das comunidades avaliadas são vulneráveis ao adoecimento pelas precárias condições socioeconômicas, sanitárias e baixo acesso aos serviços de saúde.

Palavras-chave:
nível de saúde; população rural; saúde da criança; saúde do adolescente; ecossistema amazônico

Abstract

Background:

Social determinants interfere in the health-disease process of the riverside population, associated with territorial isolation and restricted access to health goods and services.

Objective:

The objective of this study was to identify factors associated with the health conditions of children and adolescents and their mothers, from two riverside communities on the Madeira River, Amazonas, Brazil.

Method:

A cross-sectional study was carried out in April and August 2017 in two riverside communities in the Amazon, with mothers, children, and adolescents up to 19 years old. Sociodemographic conditions and maternal and health characteristics of children and adolescents were evaluated. Poisson regression analysis was performed using Stata 13.

Results:

Of the 94 participating mothers, 56.4% declared their children’s health conditions as fair to bad. The regular and poor health condition of children and adolescents was associated with the place of residence, number of appliances, daily consumption of snacks, sweets, and artificial juice, having a chronic disease, and having a history of hospitalization once in a lifetime (p<0.05). In the adjusted model, only hospitalization had a statistically significant association (PR=1.60; 1.13–2.26) with regular and poor health.

Conclusion:

Children and adolescents in the evaluated communities are vulnerable to illness due to precarious socioeconomic factors, sanitary conditions, and low access to health services.

Keywords:
health status; rural population; child health; adolescent health; Amazonian ecosystem

INTRODUÇÃO

As comunidades ribeirinhas da Amazônia vivem e trabalham em condições socioeconômicas, demográficas e de saúde deficitárias, muitas vezes, pouco favorecidas pelas ações do poder público11. Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2):e00002817. https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
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,22. Franco EC, Santo CE, Arakawa AM, Xavier A, França ML, Oliveira AN, et al. Promoção da saúde da população ribeirinha da região amazônica: relato de experiência. Rev CEFAC. 2015;17(5):1521-30. https://doi.org/10.1590/1982-0216201517518714
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.

Nesse cenário, os determinantes sociais de saúde impactam de forma negativa o processo saúde-doença nos diferentes ciclos de vida, especialmente aqueles em desenvolvimento, como as crianças e adolescentes. Esses grupos exigem maiores desafios nos cuidados de saúde em função do isolamento territorial, do acesso limitado ou ausência de bens e serviços essenciais11. Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2):e00002817. https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
https://doi.org/10.1590/0102-311X0000281...
,44. Guimarães AF, Barbosa VLM, Silva MP, Portugal JKA, Reis MHS, Gama ASM. Acesso a serviços de saúde por ribeirinhos de um município no interior do estado do Amazonas, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude. 2020;11:e202000178. https://doi.org/10.5123/s2176-6223202000178
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.

Inquéritos recentes sobre condições de saúde de comunidades ribeirinhas da Amazônia tem revelado que nessa região, os avanços socioeconômicos locais tem sido mais lentos e com baixo desempenho quando comparados aos indicadores nacionais55. Marques RC, Cunha MPL, Franco TF. Degradação ambiental e vulnerabilidade de crianças na Amazônia. São Paulo: Editora Científica; 2020. https://doi.org/10.37885/200901184
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,66. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Passo a passo das ações do Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. Esse quadro se reflete, por exemplo, em taxas de mortalidade infantil acima da taxa nacional11. Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2):e00002817. https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
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.

Nos últimos 10 anos, houve investimento no Brasil na atenção à saúde por meio da implantação da Política Nacional de Atenção Básica (Pnab) e Programa Mais Médicos. Embora a Pnab não seja uma política específica destinada à população ribeirinha, possui arranjos organizacionais para atender para atender, de forma equitativa, às necessidades loco-regionais e diminuir as iniquidades regionais nas populações da Amazônia66. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Passo a passo das ações do Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.,77. Sampaio VS, Siqueira AM, Alecrim M, Mourão MPG, Marchesini PB, Albuquerque BC, et al. Malaria in the State of Amazonas: a typical Brazilian tropical disease influenced by waves of economic development. Rev Soc Bras Med Trop. 2015;48(Suppl. 1):4-11. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0275-2014
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.

No Brasil, a atenção à saúde da criança é reforçada pela Política Nacional de Atenção à Saúde da Criança (Pnaisc)88. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no Âmbito do Sistema Único de Saúde (Sus). Diário Oficial da União [Internet]; 2016 [acessado em 23 maio 2020]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
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. Essa política destaca a prioridade de ações à população infanto-juvenil de maior vulnerabilidade, como indígenas, quilombolas, do campo e(ou) floresta e ribeirinhas e(ou) das águas.

Comunidades ribeirinhas da Amazônia, enfrentam condições econômicas desfavoráveis, exposição a contaminantes ambientais, ausência de saneamento básico, isolamento geográfico que dificultam o acesso aos serviços de saúde11. Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2):e00002817. https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
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,44. Guimarães AF, Barbosa VLM, Silva MP, Portugal JKA, Reis MHS, Gama ASM. Acesso a serviços de saúde por ribeirinhos de um município no interior do estado do Amazonas, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude. 2020;11:e202000178. https://doi.org/10.5123/s2176-6223202000178
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. As crianças menores de dois anos são as mais afetadas pela ausência de ações de prevenção em tempo oportuno nessas comunidades tradicionais77. Sampaio VS, Siqueira AM, Alecrim M, Mourão MPG, Marchesini PB, Albuquerque BC, et al. Malaria in the State of Amazonas: a typical Brazilian tropical disease influenced by waves of economic development. Rev Soc Bras Med Trop. 2015;48(Suppl. 1):4-11. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0275-2014
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.

Dado essas evidências, o estudo se justifica por contribuir para o conhecimento atualizados sobre determinantes sociais que afetam o processo saúde-doença de crianças e adolescentes em áreas isoladas geograficamente territórios específicos como a floresta. O mapeamento inédito nesses grupos é essencial para o planejamento de ações locais, alinhadas às diretrizes da Pnaisc, que recomenda, entre outras ações, o monitoramento de indicadores infanto-juvenil na condição de povos da floresta, já que eles representam 41% da população da região amazônica na zona rural88. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no Âmbito do Sistema Único de Saúde (Sus). Diário Oficial da União [Internet]; 2016 [acessado em 23 maio 2020]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
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.

Isso posto, o presente estudo objetivou identificar fatores associados às condições de saúde de crianças e adolescentes e suas mães, de duas comunidades ribeirinhas no rio Madeira, Amazonas, Brasil.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, com amostra por conveniência, realizado em duas comunidades ribeirinhas da bacia do rio Madeira no estado do Amazonas, Lago do Puruzinho (7°22’14,31”S — 63°03’32,71”W) e São Sebastião do Tapuru (6°31’53,54”S — 62°19’ 35,61”W), nos meses de abril e agosto de 2017.

A escolha das comunidades foi devido ao distanciamento geográfico, acesso apenas por via fluvial, vulnerabilidade econômica, social e elevada exposição a poluentes ambientais de efeitos deletérios a saúde, como o mercúrio, evidenciados nessas comunidades em estudos anteriores99. Bastos WR, Gomes JPO, Oliveira RC, Almeida R, Nascimento EL, Bernardi JVE, et al. Mercury in the environment and riverside population in the Madeira River Basin, Amazon, Brazil. Sci Total Environ. 2006;368(1):344-51. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2005.09.048
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,1010. Oliveira RC, Dórea JG, Bernardi JV, Bastos WR, Almeida R, Manzatto AG. Fish consumption by traditional subsistence villagers of the Rio Madeira (Amazon): impact on hair mercury. Ann Hum Biol. 2010;37(5):629-42. https://doi.org/10.3109/03014460903525177
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.

A comunidade Lago do Puruzinho possui 26 famílias com aproximadamente 126 pessoas. Dista cerca de 20 quilômetros do município de Humaitá (AM). A comunidade de São Sebastião do Tapuru é formada por 130 pessoas distribuídas em 30 famílias e localiza-se a 120 quilômetros de Humaitá.

As duas comunidades vivem da pesca e agricultura, além dos recebimentos dos auxílios de programas de transferência de renda do governo federal (Bolsa Família e Seguro Defeso). Não há unidades de saúde nas comunidades, apenas a presença de um agente comunitário de saúde.

A amostra foi composta por crianças, adolescentes e suas respectivas mães, residentes no Lago do Puruzinho e São Sebastião do Tapuru. Foram incluídas crianças ≤9 anos e adolescentes de 10 a 19 anos incompletos1111. World Health Organization. Young People’s Health: a Challenge for Society. Report of a WHO Study Group on Young People and Health for All. Technical Report Series [Internet]. World Health Organization; 1986 [acessado em 22 nov. 2019];731. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/41720
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. Os participantes aceitaram contribuir para o estudo de forma voluntária, com assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos responsáveis, além do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (Tale) pelos adolescentes. Foram excluídas as mães que não sabiam assinar o seu nome.

A coleta de dados foi realizada em domicílio, por meio de um formulário construído pelos próprios pesquisadores, com perguntas abertas e fechadas referentes aos aspectos demográficos, socioeconômicos das crianças, adolescentes e família, bem como características maternas e de condições de saúde das crianças e adolescentes. O instrumento foi testado previamente por meio de estudo piloto e os pesquisadores foram treinados para essa coleta de dados.

A variável dependente foi a condição de saúde das crianças e adolescentes. As mães avaliavam a condição de saúde das crianças como:

  • boa (condição quando as crianças raramente ficavam doentes);

  • regular (quando frequentemente ficavam doentes);

  • péssima (condição refere-se ao relato das mães de que seus filhos sempre ficam doentes).

As variáveis independentes foram organizadas nos seguintes blocos:

  • Aspectos sociodemográficos da família: local de moradia (Tapuru ou Puruzinho); recebimento de benefício social — Bolsa Família (sim ou não); número de cômodos na casa (de dois a três ou quatro a oito — banheiro não foi considerado cômodo); número de moradores na casa (de três a cinco ou seis a treze); destino das fezes (céu aberto, fossa ou latrina); fonte de água (lago/rio ou poço); energia elétrica (sim ou não — considerou-se sim mesmo por meio de gerador); número de eletrodomésticos (de um a três ou quatro a seis); geladeira ou freezer (sim ou não);

  • Características maternas: idade da mãe (de 17 a 29 anos, de 30 a 39 anos e superior a 40 anos); escolaridade materna (até oito anos ou superior a nove anos); idade do primeiro parto (superior ou inferior a 20 anos); intervalo interpartal (um a dois ou mais de três anos);

  • Características das crianças e adolescentes: idade (menores de 5 anos, seis a 10 anos ou de 11 a 19 anos); gênero (masculino ou feminino); escolaridade (condiz com a idade ou não condiz com a idade — considerou-se a série escolar de referência para a idade conforme as diretrizes e bases da educação nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e atualização da Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006); número de irmãos (nenhum, de um a três ou de quatro a onze);

  • Características de saúde das crianças e adolescentes: estado nutricional (calculado com auxílio do programa Anthro para as crianças menores de 5 anos e Anthro Plus para a faixa etária de 5 a 19 anos, sendo classificado em: risco para baixo peso (<escore z – 1), eutrófico (>escore z=-1 e <escore z=+1); risco para sobrepeso (>escore z=+1 e <escore z=+2); tempo que foi amamentado (até seis meses de idade; seis meses a dois anos ou mais de dois anos); número de refeições por dia (de uma a três ou de quatro a sete); consumo de proteína animal por semana (de uma a três ou de quatro a sete); consumo de salgadinhos e doces (raramente, pouco frequente — uma vez a cada quinze dias, frequentemente — uma vez por semana ou todos os dias); consumo de refrigerante (raramente, pouco frequente — uma vez a cada quinze dias, frequentemente — uma vez por semana ou todos os dias); consumo de suco artificial (raramente, pouco frequente — uma vez a cada quinze dias, frequentemente — uma vez por semana ou todos os dias); se precisou de cuidados especiais ao nascer (Sim — suporte ventilatório, aspiração, reanimação, internação em terapia intensiva, controle do peso, controle da icterícia neonatal, controle da temperatura ou não); já teve internação hospitalar alguma vez na vida (sim ou não); uso de antiparasitário no último ano (sim ou não); cartão vacinal atualizado (sim ou não — considerado situação vacinal desatualizada quando o indivíduo teve sua administração fora do aprazamento ou faixa etária para imunobiológico ou dose faltosa). A caderneta de saúde da criança foi avaliada por uma enfermeira, da equipe de pesquisa.

Foram realizados cálculos de frequência absoluta (n) e relativa (%), média e desvio-padrão (DP). A medida de efeito foi a razão de prevalência (RP), assim como seus respectivos intervalos de confiança de 95%, foi obtida pela análise de regressão de Poisson entre a condição de saúde péssima a regular e as variáveis independentes.

Todas as variáveis com significância p<0,05 na análise bivariada foram incluídas no modelo hierárquico final, em que o bloco com variáveis sociodemográficas da família (1) foi o mais distal e o bloco características de saúde das crianças e adolescentes (4) mais proximal para desfecho de estudo. Obteve-se três modelos de regressão, em que as razões de prevalência foram ajustadas pelas variáveis do mesmo nível e variáveis do bloco anterior. O teste de Hosmer-Lemeshow foi utilizado para verificar a qualidade dos ajustes dos modelos empregados. Os dados foram processados no software Stata® (College Station, Texas, EUA), versão 13.

O estudo fez parte do projeto de dissertação de mestrado Crescimento linear e estado nutricional de crianças e adolescentes ribeirinhos de comunidades no baixo rio Madeira, expostos ao mercúrio, do Laboratório de Pesquisa Laboratório Biogeoquímica Ambiental Wolfgang Christian Pfeifer da Universidade Federal de Rondônia (Unir). A pesquisa cumpriu a Resolução nº 466 de 12, de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unir sob o Parecer nº 2.245.794.

RESULTADOS

Foram entrevistadas 94 mães de crianças e adolescentes das comunidades de São Sebastião do Tapuru (66%) e de Puruzinho (34%). Mais da metade (56,4%) declarou condições regulares (n=51) a ruins (n=2) de saúde de seus filhos.

A maioria das famílias recebia auxílio do Bolsa Família, moravam em casas de madeira de até três cômodos e média de seis a treze moradores. Na maioria das residências, o lixo era incinerado, o destino das fezes era a céu aberto, a água utilizada era diretamente do leito do rio ou lago, e cada família tinha mais de quatro eletrodomésticos (RP=1,71; IC95% 1,12–2,61), geladeira ou freezer (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição de frequências e razão de prevalência (RP) das características sociodemográficas das famílias ribeirinhas (n=94), Amazonas/Brasil, 2017.

Do Bloco 1, sobre características sociodemográficas da família, os moradores de Puruzinho apresentaram RP=1,48 (IC95% 1,06–2,08), indicando que, nessa região, há maior probabilidade das crianças e adolescentes apresentarem péssima a regular condição de saúde. Famílias com mais de quatro eletrodomésticos apresentaram maior probabilidade de ter crianças e adolescentes com péssimas a regular condições de saúde (RP=1,71; IC95% 1,12–2,61). As demais variáveis desse bloco não apresentaram associação com o desfecho.

Na Tabela 2, estão descritas as características maternas das crianças e adolescentes ribeirinhas. Observa-se que a maioria tinha entre 30 e 39 anos, (média=35,3; DP=8,30), média de nove anos de estudo, teve filho com menos de 20 anos e pouco mais da metade, teve filhos com intervalos de mais dois anos entre os filhos. Nenhuma variável apresentou associação significativa para a condição de saúde péssima a regular de crianças e adolescentes.

Tabela 2
Distribuição de frequências e razão de prevalência (RP) das características maternas das crianças e adolescentes ribeirinhas (n=94), Amazonas/Brasil, 2017.

Na Tabela 3, estão ilustradas as características demográficas das crianças e adolescentes. Crianças menores de cinco anos, do sexo masculino, que não estão na série escolar esperada para a idade e com um a três irmãos apresentaram as maiores frequências para as piores condições de saúde, porém essa associação não foi estatisticamente significante (p>0,05).

Tabela 3
Distribuição de frequências e razão de prevalência (RP) das características demográficas das crianças e adolescentes ribeirinhas (n=94), Amazonas/Brasil, 2017.

A maioria dos pesquisados tinha estado nutricional classificado como adequado, foi amamentado de seis meses a dois anos, fazia quatro a sete números de refeição por dia, consumia proteína de quatro a sete dias na semana, raramente consumia salgadinhos e doces e refrigerantes, porém o suco artificial é consumido frequentemente ou todos os dias. Crianças e adolescentes que consumiram salgadinhos e doces frequentemente (RP=1,52; IC95% 1,02–2,28), tomavam sucos artificiais diariamente (RP=1,79; IC95% 1,10–2,90) ou frequente (RP=1,59; IC95% 1,04–2,44), apresentaram maior probabilidade de estarem em piores condições de saúde. Também foram encontrados associação para o desfecho negativo à presença de doença crônica (RP=1,80; IC95% 1,50–2,17) e o histórico de internação hospitalar na vida (RP=1,54; IC95% 1,12–2,14) (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição de frequências e razão de prevalência (RP) das características de saúde das crianças e adolescentes ribeirinhas (n=94), Amazonas/Brasil, 2017.

Entre crianças e adolescentes, apenas 4,2% receberam cuidados especiais, 2,1% tinham doenças crônicas e 23,4% já ficaram internados alguma vez na vida, e as causas foram: 45,4% problemas respiratórios, 22,7% gastrointestinais, 13,7% picadas de cobra, 9,1% infectocontagiosas e 9,1% osteomusculares. A maioria (65,6%) já utilizou antiparasitário; 73,1% não apresentaram esquema vacinal atualizado conforme o calendário previsto pelo Ministério da Saúde; e 26,6% ficaram doentes na semana anterior à pesquisa.

Os sintomas mais frequentes declarados pelas mães entre as crianças que ficaram doentes na última semana foram gripe (70%), inflamação na garganta (6%), dor de barriga/diarreia (6%), apenas febre (4%), dor de cabeça (6%) dores nas articulações, no corpo ou peito e epigastralgia (2%) e outros (6%).

Na Tabela 5, são apresentados os resultados da análise de regressão múltipla de Poisson. Todas as variáveis perderam a significância estatística, com exceção no Bloco 4, em que a variável internação hospitalar na vida permaneceu associada ao péssimo a regular estado de saúde das crianças e adolescentes (RP=1,60; IC95% 1,13–2,26).

Tabela 5
Análise de regressão múltipla de Poisson das características sociodemográficas das famílias, da mãe, crianças e adolescentes (n=94), Amazonas/Brasil, 2017.

O teste estatístico de Hosmer-Lemeshow foi aplicado para verificar a qualidade de ajuste do modelo final. O valor de p foi 0,97, e a hipótese nula foi rejeitada, indicando boa qualidade do modelo.

DISCUSSÃO

Neste estudo, mães de crianças e adolescentes ribeirinhos consideraram que seus filhos tinham saúde regular ou ruim, pois vivem em áreas isoladas, desprovidas de acesso às ações e serviços essenciais como saúde. Esse achado é preocupante quando se observa que estudos sobre o perfil da população infanto-juvenil no Brasil indicaram que, em 2018, na região Norte, crianças e adolescentes de zero a 19 anos representaram 41% da população e 30% deles viviam na zona rural1212. Fundação Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos. Observatório da Criança e do Adolescente. Cenário da Infância e Adolescência no Brasil [Internet]. Fundação Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos; 2019 [acessado em 24 maio 2020]. Disponível em: https://observatoriocrianca.org.br/system/library_items/files/000/000/025/original/cenario_brasil_2019.pdf?1558558898
https://observatoriocrianca.org.br/syste...
.

Nas duas comunidades avaliadas, as características socioeconômicas foram muito semelhantes entre si, corroborando com outros estudos científicos sobre comunidades ribeirinhas no contexto da região amazônica11. Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2):e00002817. https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
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,33. Medeiros MSD, Augusto LGDS, Barca S, Sacramento DS, Neta ISS, Gonçalves IC, et al. A saúde no contexto de uma reserva de desenvolvimento sustentável: o caso de Mamirauá, na Amazônia Brasileira. Saúde Soc. 2018;27(1):128-48. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018170514
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201817...
,1313. Mariosa DF, Ferraz RRN, Santos-Silva END. Influência das condições socioambientais na prevalência de hipertensão arterial sistêmica em duas comunidades ribeirinhas da Amazônia, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(5):1425-36. https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.20362016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018235...
. Essas condições são agravadas pelo baixo acesso aos serviços de saúde11. Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2):e00002817. https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
https://doi.org/10.1590/0102-311X0000281...
,44. Guimarães AF, Barbosa VLM, Silva MP, Portugal JKA, Reis MHS, Gama ASM. Acesso a serviços de saúde por ribeirinhos de um município no interior do estado do Amazonas, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude. 2020;11:e202000178. https://doi.org/10.5123/s2176-6223202000178
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.

Pedrosa et al.1414. Pedrosa OP, Barbirato DS, Bastos WR, Ott AMT, Fogacci MF, Nogueira LB. Nutritional Transition of Riverine People from Puruzinho Lake in the Amazon Region. A Qualitative Study. IJAERS. 2018;5(9):145-53. https://doi.org/10.22161/ijaers.5.9.17
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, ao estudar a comunidade do Puruzinho, descreveram que a falta de assistência à saúde neste local é um dos muitos fatores que, associados às mudanças nos hábitos alimentares, podem contribuir seriamente para a vulnerabilidade dos ribeirinhos.

Nesse estudo, as crianças e adolescentes adoecem com mais frequência por problemas respiratórios, gastrointestinais e musculares. Na região amazônica, as queimadas são históricas para preparo do solo. Isso pode favorecer o surgimento de doenças respiratórias, principalmente na faixa etária das crianças1515. Gonçalves KS, Castro HA, Hacon SS. Ground-clearing fires in the amazon and respiratory disease. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(6):1523-32. https://doi.org/10.1590/s1413-81232012000600016
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.

Em estudo realizado com crianças e adolescentes da região urbana de Minas Gerais, as gastroenterites infecciosas estiveram entre as principais causas de internação de crianças e adolescentes até 19 anos1616. Santos LA, Oliveira VB, Caldeira AP. Internações por condições sensíveis à atenção primária entre crianças e adolescentes em Minas Gerais, 1999-2007. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2016;16(2):169-78. https://doi.org/10.1590/1806-93042016000200006
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. Em outra pesquisa, realizada em 2016, com ribeirinhos na Reserva Mamirauá em Manaus (AM), as gastroenterites representaram 48,9% das doenças naquela comunidade, sendo o terceiro problema de saúde mais frequente33. Medeiros MSD, Augusto LGDS, Barca S, Sacramento DS, Neta ISS, Gonçalves IC, et al. A saúde no contexto de uma reserva de desenvolvimento sustentável: o caso de Mamirauá, na Amazônia Brasileira. Saúde Soc. 2018;27(1):128-48. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018170514
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. As gastroenterites são doenças comumente associadas à poluição da água. No período de 1998 a 2014, do total de 358,09/100 mil habitantes das internações na região Norte, 6% eram decorrentes de doenças associadas à poluição hídrica, valor duas vezes superior quando comparado a 3,2% da média nacional1717. Paiva RFPS, Souza MFP. Associação entre condições socioeconômicas, sanitárias e de atenção básica e a morbidade hospitalar por doenças de veiculação hídrica no Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(1):e00017316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00017316
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.

Para Caldart et al.11. Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2):e00002817. https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
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,1313. Mariosa DF, Ferraz RRN, Santos-Silva END. Influência das condições socioambientais na prevalência de hipertensão arterial sistêmica em duas comunidades ribeirinhas da Amazônia, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(5):1425-36. https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.20362016
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.

Na comunidade de Puruzinho, o número de eletrodomésticos domiciliares foi associado a baixas condições de saúde. Toda a comunidade adquiriu televisão a partir da aquisição do Bolsa Família. Essa particularidade é destacada no estudo de Pedrosa et al.1919. Pedrosa OP, Barbirato DS, Fogacci MF, Bastos WR, Ott AMT. Ribeirinhos da Amazônia. ARPPEE [Internet]. 2017 [acessado em 25 maio 2020];19(1);24-40. Disponível em: http://periodicos.ufam.edu.br/index.php/amazonica/article/download/4559/3693
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, em que os autores observaram que o acesso à energia elétrica, ligado ao aumento do poder de compra, facilitou a aquisição de eletrodomésticos como a televisão, que, por sua vez, influenciou o hábito alimentar e a atividade física dos ribeirinhos, impactando negativamente a saúde dos ribeirinhos. Além de outros eletrodomésticos, como o freezer ou geladeira, que contribuíram para hábitos não saudáveis, por possibilitar a aquisição de produtos congelados como salsichas, frangos de granja, mortadelas para consumir ao longo do mês.

Embora a farinha de mandioca e o peixe ainda sejam os principais alimentos das refeições, tem sido crescente a dependência por produtos industrializados, ricos em gorduras e açúcares2121. Oestreicher JS, do Amaral DP, Passos CJS, Fillion M, Mergler D, Davidson R, et al. Rural development and shifts in household dietary practices from 1999 to 2010 in the Tapajós River region, Brazilian Amazon: empirical evidence from dietary surveys. Global Health. 2020;16(36):1-12. https://doi.org/10.1186/s12992-020-00564-5
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,2222. Silva RJ, Garavello MEPE, Nardoto GB, Mazzi EA, Martinelli LA. Fatores que influenciam a transição alimentar em comunidades ribeirinhas da Amazônia brasileira. Environ Dev Sustain. 2017;19:1087-102. https://doi.org/10.1007/s10668-016-9783-x
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. Hábitos que tem feito com que a desnutrição, atualmente, dividisse espaço com o sobrepeso e a obesidade infantil2323. Guimarães RCR, Silva HP. Estado nutricional e crescimento de crianças quilombolas de diferentes comunidades do Estado do Pará. Amazônica. 2015;7(1):186-209. https://doi.org/10.18542/amazonica.v7i1.2156
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.

As condições ambientais em que os ribeirinhos vivem são fatores de risco para a saúde dos indivíduos. Autores11. Gama ASM, Fernandes TG, Parente RCP, Secoli SR. Inquérito de saúde em comunidades ribeirinhas do Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(2):e00002817. https://doi.org/10.1590/0102-311X00002817
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,33. Medeiros MSD, Augusto LGDS, Barca S, Sacramento DS, Neta ISS, Gonçalves IC, et al. A saúde no contexto de uma reserva de desenvolvimento sustentável: o caso de Mamirauá, na Amazônia Brasileira. Saúde Soc. 2018;27(1):128-48. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018170514
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,1717. Paiva RFPS, Souza MFP. Associação entre condições socioeconômicas, sanitárias e de atenção básica e a morbidade hospitalar por doenças de veiculação hídrica no Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(1):e00017316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00017316
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,2424. Gomes KM, Cerqueira LE, Sarges ES, Souza FG, Ribeiro CHMA, Melo MFC, Brito MTFM. Anemia e parasitoses em comunidade ribeirinha da Amazônia Brasileira. RBAC. 2016;48(4):389-93. https://doi.org/10.21877/2448-3877.201600428
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,2525. Rodrigues PCO, Ignotti E, Hacon SS. Características socioeconômicas, demográficas e de saúde de escolares residentes em duas comunidades da Amazônia Meridional brasileira. Rev Ciênc Estud Acad Med. 2017;1(6):10-23. destacam que as comunidades ribeirinhas da região amazônica convivem com péssimas condições sanitárias, sem água tratada e eliminação dos resíduos a céu aberto. Na época da cheia (período chuvoso), a água do rio chega até as portas das casas. Os dejetos são lançados diretamente no rio, fonte direta para o consumo de água da comunidade, o que favorece a contaminação.

Essa condição se reflete nos indicadores de saúde de populações mais desfavorecidas como ribeirinhos da região amazônica. Em 2017, por exemplo, na região Norte, a população sem esgoto (75,2%) e sem abastecimento de água (42,5%) foi bem superior à média nacional (42,0%, 16,5%, respectivamente)1212. Fundação Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos. Observatório da Criança e do Adolescente. Cenário da Infância e Adolescência no Brasil [Internet]. Fundação Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos; 2019 [acessado em 24 maio 2020]. Disponível em: https://observatoriocrianca.org.br/system/library_items/files/000/000/025/original/cenario_brasil_2019.pdf?1558558898
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.

A ausência de tratamento da água implica o surgimento de doenças, principalmente as infectoparasitárias, com sintomas gastrointestinais2525. Rodrigues PCO, Ignotti E, Hacon SS. Características socioeconômicas, demográficas e de saúde de escolares residentes em duas comunidades da Amazônia Meridional brasileira. Rev Ciênc Estud Acad Med. 2017;1(6):10-23., as quais foram responsáveis por 42,8% das hospitalizações de crianças menores de nove anos no estado de Rondônia2626. Santos BVD, Lima DDS, Fontes CJF. Internações por condições sensíveis à atenção primária no estado de Rondônia: estudo descritivo do período 2012-2016. Epidemiol Serv Saúde. 2019;28(1):e2017497. https://doi.org/10.5123/S1679-49742019000100001
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. As infecções parasitárias são recorrentes nas famílias e comunidades ribeirinhas, devido a costumes considerados de riscos, como andar descalço, roer as unhas, falta de consumo de alimentos frescos e bem cozidos, falta de água tratada e condições sanitárias inexistentes2424. Gomes KM, Cerqueira LE, Sarges ES, Souza FG, Ribeiro CHMA, Melo MFC, Brito MTFM. Anemia e parasitoses em comunidade ribeirinha da Amazônia Brasileira. RBAC. 2016;48(4):389-93. https://doi.org/10.21877/2448-3877.201600428
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Nesse estudo, a ausência de imunização das crianças e adolescentes acentua a vulnerabilidade à saúde deles, haja vista que a grande maioria apresentou o esquema vacinal desatualizado, fato explicado pelo distanciamento dos serviços de saúde. Nunes et al.2727. Nunes DM, Menezes FC, Igansi CN, Araújo WN, Segatto TCV, Costa KCC, et al. Inquérito da cobertura vacinal de tríplice bacteriana e tríplice viral e fatores associados à não vacinação em Santa Maria, Distrito Federal, Brasil, 2012. Rev Pan-Amaz Saúde. 2018;9(1):9-17. https://doi.org/10.5123/s2176-62232018000100002
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apontam que a não vacinação das crianças e, consequentemente, a maior suscetibilidade ao adoecimento possuem como fatores associados às famílias com três filhos ou mais; ser a partir do quarto filho; e não receber visita domiciliar de profissionais de saúde. Por outro lado, a atualização do calendário vacinal está relacionada ao bom nível de escolaridade das mães, qual seja, ter pelo menos o ensino médio completo2828. Cordeiro EL, Silva LSR, Urquiza JL, Nascimento MA, Silva RM, Souza GCS, et al. Conhecimento das mães sobre o esquema vacinal de seus filhos assistidos em uma unidade básica de saúde. Braz J Hea Rev. 2019;2(1):644-60., o que não ocorre com as mães do nosso estudo, pois mais da metade (52,6%) das mães possuíam menos de nove anos de estudos.

O atraso do calendário vacinal, implica a ausência de proteção pelos imunobiológicos no tempo oportuno para aplicação, a exemplo da vacina contra o rotavírus, que tem sua eficácia para crianças de, no máximo, seis meses de vida2929. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de normas e procedimentos para vacinação [Internet] Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [acessado em 31 maio 2020]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_procedimentos_vacinacao.pdf
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. Já é bem documentada que a vacinação contra o rotavírus diminui a utilização dos serviços de saúde, decorrentes de internações por gastroenterite3030. Ask LS, Liu C, Gauffin K, Hjern A. The Effect of Rotavirus Vaccine on Socioeconomic Differentials of Paediatric Care Due to Gastroenteritis in Swedish Infants. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(7):1095. https://doi.org/10.3390/ijerph16071095
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.

A internação hospitalar foi a única variável estatisticamente significativa relacionada ao péssimo e regular estado de saúde das crianças e adolescentes. Estudos realizados em contextos amazônicos semelhantes mostraram que 42,8% das hospitalizações na faixa etária até nove anos foram decorrentes de problemas respiratórios, gastrointestinais e demais infecções oriundas da contaminação alimentar e hídrica2626. Santos BVD, Lima DDS, Fontes CJF. Internações por condições sensíveis à atenção primária no estado de Rondônia: estudo descritivo do período 2012-2016. Epidemiol Serv Saúde. 2019;28(1):e2017497. https://doi.org/10.5123/S1679-49742019000100001
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. A carência de atendimento de saúde nessas regiões aumenta as desigualdades contextuais que impactam a saúde dos ribeirinhos. É declarado que maior cobertura nos serviços básicos de saúde deve levar à redução do número de casos de internação pelas doenças decorrentes de condições sanitárias precárias1717. Paiva RFPS, Souza MFP. Associação entre condições socioeconômicas, sanitárias e de atenção básica e a morbidade hospitalar por doenças de veiculação hídrica no Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(1):e00017316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00017316
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O estudo não inferiu grandes diferenças entre as crianças e adolescentes, possivelmente pelo tamanho amostral ser pequeno, bem como por se tratar de populações muito parecidas, com acentuada vulnerabilidade social e de saúde, pelas dificuldades financeiras e ausência de condições de higiene e sanitária. Por outro lado, os achados desta investigação revelam com mais fidelidade condições de vida e saúde de crianças e adolescentes ribeirinhos, sujeitos de direito à atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

A limitação deste estudo inclui que a utilização do questionário aplicado às mães sobre condições de saúde dos filhos pode gerar viés de memória, por exigir que a mãe se lembrasse de episódios de internações de um passado distante. Como fortalezas, destacam-se a avaliação do cartão vacinal das crianças e a aplicação do questionário por uma pesquisadora enfermeira, além disso o estudo apresenta dados para a comunidade científica de uma região brasileira de difícil acesso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As crianças e adolescentes das comunidades avaliadas são grupos em situação de vulnerabilidade ao adoecimento social e de saúde, em virtude de precariedade nas condições socioeconômicas e sanitárias e baixo acesso às ações e serviços de saúde. Esses fatores exprimem suscetibilidade às iniquidades de saúde das comunidades, impossibilitando o alcance de condições adequadas para o desenvolvimento satisfatório das crianças e adolescentes.

O nosso estudo demonstra que é necessário transpor as barreiras geográficas que dificultam o acesso a essa população para implementar novas abordagens de atenção à saúde coletiva a fim de melhorar as condições de vida e saúde infanto-juvenil em populações tradicionais.

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  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2021
  • Aceito
    22 Out 2021
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