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Perfil das pessoas que vivem com HIV/aids no cárcere

Profile of people living with HIV/aids in prison

Resumo

Introdução:

No contexto das práticas e políticas de saúde para o enfretamento da infeção pelo HIV, tem-se a população privada de liberdade como prioritária no delineamento de ações e estratégias que qualifiquem a assistência em saúde.

Objetivo:

Descrever o perfil das pessoas que vivem com HIV em unidades prisionais.

Método:

Estudo descritivo, realizado em seis unidades prisionais da região de Ribeirão Preto em 2015. A população do estudo compreendeu 85 sujeitos com HIV privados de liberdade. Os dados foram coletados por meio de um questionário estruturado e analisados utilizando estatística descritiva.

Resultados:

Dos entrevistados, 50,6% eram solteiros, 31,8% casados/união estável, 45,9% pardos, 70,6% tinham escolaridade entre o fundamental I e II, 44,7% afirmaram relação sexual no último ano e 89,4% referiram uso de droga. Quanto ao HIV, 50,6% obtiveram o diagnóstico no sistema prisional, 84,7% realizavam acompanhamento médico, 78,8% usavam terapia antirretroviral (TARV). Quanto às queixas de saúde, 65,9% descreveram ansiedade, agitação, irritabilidade, inquietação; 63,5%, tristeza e desânimo; e 51,8%, fraqueza, cansaço e mal-estar.

Conclusão:

Houve predomínio de indivíduos com características semelhantes as da população carcerária brasileira. Estiveram presentes condições que potencializam a instabilidade e o agravamento do HIV, sendo que a maioria realizava acompanhamento médico especializado.

Palavras-chave:
prisões; HIV; perfil de saúde

Abstract

Background:

In the context of health practices and policies to face HIV infection, the population deprived of liberty is a priority in the design of actions and strategies to qualify health care.

Objective:

The aim of this study was to describe the sociodemographic and clinical profile of people living with HIV in prison.

Method:

This is a descriptive study carried out in six prisons in Ribeirão Preto region, Brazil. The study population comprised 85 subjects with HIV deprivation of liberty in 2015. Data were collected with a structured questionnaire and analyzed using descriptive statistics.

Results:

Of the interviewees, 50.6% were single, 31.8% were married, and 45.9% were brown. Regarding education, 70.6% had elementary I and II. Regarding sexual practice, 44.7% reported sexual intercourse in the last year. As for HIV, 50.6% obtained the diagnosis in prison, 84.7% were under medical supervision, and 78.8% were using ART. Regarding health, 65.9% had anxiety, agitation, irritability, and restlessness; 63.5% had sadness and discouragement; and 51.8% had weakness, tiredness, and malaise.

Conclusion:

There was a predominance of people with characteristics similar to those of the Brazilian prison population. It was identified conditions that could potentialize the instability and aggravation of HIV infection, and the majority of people were undergoing specialized medical care.

Keywords:
prisons; HIV; health profile

INTRODUÇÃO

Anualmente, 30 milhões de pessoas passam pelo sistema prisional em todo o mundo, das quais, 10 milhões permanecem encarceradas por um determinado período de tempo11. UNAIDS. 90-90-90 goals can prevent 28 million new infections [Internet]. UNAIDS; 2014 [acessado em 5 mar. 2016]. Disponível em: https://unaids.org.br/2014/11/metas-90-90-90-podem-evitar-28-milhoes-de-novas-infeccoes
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. No Brasil, 607.731 pessoas estavam privadas de liberdade em 2014, sendo que 2.864 viviam com HIV22. Brasil. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – InfoPen [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça; 2014 [acessado em 15 mar. 2017]. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf
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. Com base nesses números, é possível identificar a elevada prevalência do HIV no ambiente prisional em relação à população geral, que também é mostrada em outros estudos e contextos33. Ziglam H, Zorgani A-A, Balouz A, Abudher AH, Elahmer O. Prevalence of antibodies to human immunodeficiency virus, hepatitis B, and hepatitis C in prisoners in Libya. Libyan J Med. 2012;7:19713. https://doi.org/10.3402/ljm.v7i0.19713
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,44. Azbel L, Wickersham JA, Grishaev Y, Dvoryak S, Altice FL Burden of infectious diseases, substance use disorders, and mental illness among Ukrainian prisoners transitioning to the community. PloS One. 2013;8(3):e59643. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0059643
https://doi.org/10.1371/journal.pone.005...
,55. Henostroza G, Topp SM, Hatwiinda S, Maggard KR, Phiri W, Harris JB, et al. The high burden of tuberculosis (TB) and human immunodeficiency virus (HIV) in a large Zambian prison: a public health alert. PloS One. 2013;8(8):e67338. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0067338
https://doi.org/10.1371/journal.pone.006...
,66. Semaille C, Le Strat Y, Chiron E, Chemlal K, Valantin MA, Serre P, et al. Prevalence of Human Immunodeficiency Virus and Hepatitis C Virus among French prison inmates in 2010: A Challenge for Public Health Policy. Euro Surveill. 2013;18(28):20524. https://doi.org/10.2807/1560-7917.es2013.18.28.20524
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,–88. Prellwitz IM, Alves BM, Ikeda ML, Kuhleis D, Picon PD, Jarczewski CA et al. HIV behind Bars: human immunodeficiency virus cluster analysis and drug resistance in a reference correctional unit from southern Brazil. PloS One. 2013;8(7):e69033. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0069033
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.

No âmbito prisional, a superlotação, o uso de drogas, a não utilização de preservativos e a falta de acesso às ações e serviços de saúde são aspectos determinantes para o aumento da vulnerabilidade ao HIV e a outras doenças infectocontagiosas77. Coelho HC, Perdona GC, Neves FR, Passos ADC. HIV prevalence and risk factors in a Brazilian penitentiary. Cad Saúde Pública. 2007;23(9):2197-204. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2007000900027
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99. Brasil. Ministério da Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV 2007/2008: documento preliminar [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [acessado em 13 abr. 2018]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/recomendacao_terapia.pdf
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. Contudo reconhece-se o ambiente carcerário como um espaço capaz de promover cuidado contínuo ao controle do HIV com oferta da terapia antirretroviral, manejo de comorbidades e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST)99. Brasil. Ministério da Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV 2007/2008: documento preliminar [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [acessado em 13 abr. 2018]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/recomendacao_terapia.pdf
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,1010. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). 90-90-90: an ambitious treatment target to help end the AIDS epidemic [Internet]. Genebra: UNAIDS. 2014 [acessado em 24 mar. 2018]. Disponível em: http://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/90-90-90_en.pdf
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.

Essa situação ocorre porque a epidemia atinge prioritariamente segmentos vulneráveis e discriminados da sociedade1010. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). 90-90-90: an ambitious treatment target to help end the AIDS epidemic [Internet]. Genebra: UNAIDS. 2014 [acessado em 24 mar. 2018]. Disponível em: http://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/90-90-90_en.pdf
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. Isso fez com que políticas fossem instituídas pelo Ministério da Saúde para garantir a assistência em saúde a esses grupos, como o Plano Nacional de Saúde no Sistema Prisional, em 20031111. Brasil. Portaria Interministerial nº 1.777, de 9 de setembro de 2003 [Internet]. Brasil; 2003 [acessado em 24 mar. 2018]. Disponível em: http://www.crpsp.org.br/sistemaprisional/leis/2003Portaria1777.pdf
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, e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade, de 20141212. Sousa PKR, Torres DVM, Miranda KCL, Franco AC. Vulnerabilities present in the path experienced by patients with HIV / AIDS in treatment failure. Rev Bras Enferm. 2013;66(2):202-7. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000200008
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. É importante destacar o elenco mínimo de ações de saúde voltadas à prevenção e controle de doenças no ambiente prisional, entre elas, as IST, o HIV e a aids.

Nesse contexto, o presente estudo buscou caracterizar o perfil das pessoas privadas de liberdade (PPL) que vivem com HIV no âmbito prisional, a fim de subsidiar reflexões acerca dos desafios envolvidos no enfrentamento do agravo, visando qualificar a assistência em saúde a essa população.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo baseado na abordagem quantitativa. Este artigo é parte do projeto intitulado “Análise da atenção à saúde prestada às pessoas que vivem com HIV em unidades prisionais (UP) da região de Ribeirão Preto/SP”, realizado em uma penitenciária feminina, três masculinas e dois centros de detenção provisória masculino.

A população do estudo se constituiu por sentenciados com diagnóstico de HIV. Entre agosto e novembro de 2015, período de coleta de dados, havia 102 detentos com o vírus, dos quais 92 atendiam ao critério de inclusão: estar privado de liberdade na UP há mais de seis meses. Entre os 92 citados, cinco recusaram fazer parte do estudo e dois estavam fora da UP nos dias de coleta, resultando em 85 participantes do estudo. Tais sujeitos estavam distribuídos nas UP da seguinte forma: 12 (14,1%) pertenciam à Penitenciária A; 34 (40,0%), à Penitenciária B; 18 (21,2%), à Penitenciária C; 15 (17,6%), à Penitenciária D; quatro (4,7%), ao CDP-E; e dois (2,4%), ao CDP-F.

Foram utilizadas fontes primárias e secundárias de informações. Os dados primários foram obtidos por entrevistas apoiadas em um questionário estruturado, baseado nas “Recomendações do Plano Nacional para TARV em adultos infectados pelo HIV”, que orienta os serviços de saúde quanto à prática da assistência integral às pessoas que vivem com HIV99. Brasil. Ministério da Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV 2007/2008: documento preliminar [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [acessado em 13 abr. 2018]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/recomendacao_terapia.pdf
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. O instrumento de coleta de dados contemplou 48 questões, divididas em seis seções:
  • dados sociodemográficos (incluía dados do encarceramento, sociodemográficos e de uso de drogas);

  • dados sobre a prática sexual;

  • dados clínicos e de acompanhamento dos casos;

  • dados sobre o percurso no sistema prisional;

  • dados sobre a dimensão elenco de ações e serviços ofertados pelas UP às pessoas que vivem com HIV/aids;

  • dados sobre a coordenação (integração) das ações e serviços de saúde para assistência às pessoas que vivem com HIV/aids nas UP.

Para o estudo, foram utilizadas variáveis relacionadas às seções I, II, III e IV do instrumento, que contemplam escalas variadas de respostas como dicotômicas, de múltipla escolha e quantitativas.

Em relação aos dados secundários (resultado de carga viral e T-CD4+), foram obtidos do Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos CD4+/CD8+ e Carga Viral do HIV (Siscel) e constituíam variáveis quantitativas.

Os dados foram submetidos à dupla digitação e posteriormente foram analisados por meio do programa Statistica, versão 12.0, da Statsoft, utilizando técnicas de estatística descritiva, sendo distribuição de frequência, para variáveis qualitativas, e medidas de tendência central e variabilidade, para variáveis quantitativas.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Secretaria de Administração Penitenciária, sob o Protocolo nº 235.244413.3.000.5563, e pelo CEP com Seres Humanos da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Protocolo nº 52089215.2.0000.5393.

RESULTADOS

Dos 85 indivíduos entrevistados, a média do tempo de encarceramento era de 2,5 (±2,2) anos. O regime de cumprimento de pena predominante era o fechado (77,6%). Do total de entrevistados, 36,5% trabalhavam na UP em que estavam custodiados e 69,4% tinham histórico de até três encarceramentos (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição de frequência das informações sobre encarceramento das PPL que viviam com HIV nas UP da região de Ribeirão Preto, 2015.

Em relação às características sociodemográficas, a maioria era do sexo masculino, solteiro e com idade média de 39,3 (±9,4) anos. Do total de entrevistados, 58 (68,3) não se autodeclarou branco e 60 (70,6) haviam completado o ensino fundamental I e II. Quanto ao uso de drogas antes do encarceramento, 89,4% sujeitos relataram uso, muitas vezes apontando consumo concomitante de substâncias (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição de frequência das características sociodemográficas das PPL que viviam com HIV nas UP da região de Ribeirão Preto, 2015.

Da prática sexual, 38 (44,7%) afirmaram relação sexual nos últimos 12 meses. Em relação aos tipos de parcerias no último ano, 27 (71,0%) informaram relação sexual com pessoas do sexo oposto e 9 (23,7%) relacionamento com pessoas do mesmo sexo. No momento da entrevista, 13 (15,3%) participantes referiram receber visitas íntimas (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição de frequência dos dados sobre a prática sexual das PPL que viviam com HIV nas UP da região de Ribeirão Preto, 2015.

O tempo de diagnóstico do HIV apresentou média de 9,7 (±7,2) anos. Quanto ao cuidado em HIV, 84,7% relataram acompanhamento médico, 38,8% interromperam-no em algum momento, 78,8% apontaram indicação para terapia antirretroviral (TARV) e 21,2% já necessitaram de internação hospitalar devido à infecção. Em relação às condições clínicas, 92,9% apresentaram alguma queixa de saúde no último mês, 52,9% relataram desenvolvimento de alguma doença oportunista e 67,1% informaram ter outro problema de saúde. Apenas 38 (44,7%) pessoas fizeram tratamento prévio para tuberculose (TB) e 57 (67,1%) afirmaram ter contato com TB na prisão. Em relação aos resultados dos últimos exames, 53 (62,3%) possuíam a contagem de linfócitos TCD4+ acima de 350 células/mm3 e 47 (55,3%) apresentavam a carga viral indetectável (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição de frequência das condições clínicas e de acompanhamento das PPL que viviam com aids no interior paulista, 2015.

DISCUSSÃO

No presente estudo, notou-se que a maior parte dos sujeitos havia sido presa mais de uma vez e tinha até o ensino fundamental, podendo esse achado estar relacionado ao perfil das pessoas encarceradas no país1313. Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN, atualização junho de 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017 [acessado em 24 mar. 2018]. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
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. Após o cumprimento de suas penas, uma importante dificuldade enfrentada pelos sujeitos se refere à entrada no mercado de trabalho, em função do fardo de serem “ex-presidiários”, além das precárias condições educacionais e baixa experiência profissional1414. Rossini TRD. O sistema prisional brasileiro e as dificuldades de ressocialização do preso [Internet]. DireitoNet; 2015 [acessado em 13 jan. 2016]. Disponível em https://jus.com.br/artigos/33578/o-sistema-prisional-brasileiro-e-as-dificuldades-de-ressocializacao-do-preso
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. Tais elementos refletem no processo de reincidência penal e na manutenção dos elevados índices de criminalidade no país.

De acordo com a Lei de Execução Penal (LEP), é uma atribuição do Estado assegurar o acesso à educação aos apenados nas modalidades de instrução escolar e formação profissional, enquanto um rol de medidas voltadas à reintegração dos sujeitos na sociedade. Ressalte-se a obrigatoriedade de oferta do ensino fundamental no sistema prisional, sendo que a complementação dos demais níveis educacionais depende da demanda populacional, da infraestrutura e disponibilidade de professores1313. Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN, atualização junho de 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017 [acessado em 24 mar. 2018]. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
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.

Em relação à implementação de medidas ressocializadoras, verificou-se, no presente estudo, que 36,5% dos sujeitos trabalhavam na UP e 89,4% exerciam alguma atividade laboral antes do encarceramento. Apesar de o trabalho aparecer na LEP como um direito do apenado, são identificadas fragilidades do sistema prisional em oferecer vagas1414. Rossini TRD. O sistema prisional brasileiro e as dificuldades de ressocialização do preso [Internet]. DireitoNet; 2015 [acessado em 13 jan. 2016]. Disponível em https://jus.com.br/artigos/33578/o-sistema-prisional-brasileiro-e-as-dificuldades-de-ressocializacao-do-preso
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e cumprir sua missão de reintegração social. O trabalho prisional reflete o processo de remissão penal, desempenhando função educativa e produtiva, com benefícios para os sujeitos e o Estado, uma vez que representa medida de ressocialização e ressarcimento de despesas advindas da condenação1313. Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN, atualização junho de 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017 [acessado em 24 mar. 2018]. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
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,1414. Rossini TRD. O sistema prisional brasileiro e as dificuldades de ressocialização do preso [Internet]. DireitoNet; 2015 [acessado em 13 jan. 2016]. Disponível em https://jus.com.br/artigos/33578/o-sistema-prisional-brasileiro-e-as-dificuldades-de-ressocializacao-do-preso
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Neste estudo, o perfil dos apenados com HIV apresentou coerência com o perfil da epidemia da aids envolvendo a população brasileira, com predomínio de homens, adultos jovens e raça/cor da pele autodeclarada preta e parda1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das infecções sexualmente transmissíveis, do HIV/aids e das hepatites virais. Boletim Epidemiológico HIV/aids 2017 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [acessado em 11 mai. 2018]. Disponível em: https://antigo.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017
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. É expressivo o número de homens privados de liberdade, refletindo no maior percentual de indivíduos do sexo masculino vivendo com HIV. Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo sobre o perfil epidemiológico das PPL em um município de médio porte da Bahia em 20151616. Alves JP, Brazil JM, Nery AA, Vilela ABA, Filho EM. Epidemiological Profile of People Deprived of Freedom. Rev Enferm UFPE. 2017;11(Supl. 10):4036-44. https://doi.org/10.5205/reuol.10712-95194-3-SM.1110sup201705
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.

Em relação ao predomínio de adultos jovens, há de se pensar no impacto da relação HIV-encarceramento na perspectiva de desenvolvimento social e econômico do país, pois trata-se de uma faixa economicamente ativa tutelada pelo Estado. Tal aspecto reflete a importância da efetividade das medidas ressocializadoras, bem como do acesso e resolutividade da assistência em saúde prestada no âmbito prisional, em especial, no manejo e prevenção da transmissão do HIV/aids1414. Rossini TRD. O sistema prisional brasileiro e as dificuldades de ressocialização do preso [Internet]. DireitoNet; 2015 [acessado em 13 jan. 2016]. Disponível em https://jus.com.br/artigos/33578/o-sistema-prisional-brasileiro-e-as-dificuldades-de-ressocializacao-do-preso
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.

Quanto ao predomínio de sujeitos autodeclarados pretos, na população geral, 51,5% dos casos de HIV registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) correspondiam a esse grupo social que, antes mesmo da condição de privação de liberdade, possivelmente, foi privado de vários direitos sociais ao longo da vida, com destaque para a educação e emprego1717. Silva M. Saúde penitenciária no Brasil: plano e política. Brasília: Verbena; 2015.. Tal situação exige posturas proativas do Estado na proposição e concretude de ações afirmativas capazes de impactar processos de perpetuação de desigualdades sociais no país1818. Moehlecke S. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cad Pesqui. 2002;(117):197-217. https://doi.org/10.1590/S0100-15742002000300011
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,1919. Piovesan F. Ações afirmativas no Brasil: desafios e perspectivas. Rev Estud Fem. 2008;16(3):887-96. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2008000300010
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Este estudo apontou o predomínio de indivíduos solteiros vivendo com HIV, seguidos de casados/união estável, o que corrobora os dados da população prisional brasileira, com maior proporção de solteiros (60%) e união estável/casados (37%)1313. Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN, atualização junho de 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017 [acessado em 24 mar. 2018]. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
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. Conhecer o estado civil e as práticas sexuais de sentenciados com HIV possibilita pensar, planejar e investir em ações voltadas ao sexo seguro, além de intervenções terapêuticas que compõem a prevenção combinada1313. Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN, atualização junho de 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017 [acessado em 24 mar. 2018]. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
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, tendo como foco a ruptura da transmissão da infecção pelo vírus.

Parcela dos participantes entrevistados afirmou ter tido alguma relação sexual nos últimos 12 meses, reiterando a necessidade de estratégias para a prevenção da transmissão do HIV. Nesse aspecto, a disponibilidade de preservativo e lubrificante e a oferta e o monitoramento da adesão à TARV com respectiva supressão viral reduzem o risco de transmissão do vírus às parcerias sexuais das pessoas que vivem com HIV2020. Liu Y, Ruan Y, Vermund SH, Osborn CY, Wu P, Jia Y, et al. Predictors of antiretroviral therapy initiation: a cross-sectional study among Chinese HIV-infected men who have sex with men. BMC Infec. 2015;15:570. https://doi.org/10.1186/s12879-015-1309-x
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,2121. Ocampo JMF, Plankey M, Zou K, Collmann J, Wang C, Young MA, et al. Trajectory analyses of virologic outcomes reflecting community-based HIV treatment in Washington DC 1994–2012. BMC Public Health. 2015;15:1277. https://doi.org/10.1186/s12889-015-2653-x
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. Além disso, a educação em saúde e o apoio ao autocuidado também se configuram como elementos essenciais à prevenção de reinfecções pelo HIV e o desenvolvimento de outras IST, uma vez que elas podem agravar as condições clínicas dos apenados, tornando o cuidado cada vez mais complexo, com a necessidade de adicionar recursos e deslocamentos na assistência a eles.

Outros aspectos que aumentam a vulnerabilidade à instabilidade e ao agravamento da doença também foram identificados: uso drogas, interrupção do acompanhamento médico, queixas de saúde, doenças oportunistas/comorbidade e exposição a indivíduos doentes no cárcere. O uso de substâncias, em razão de sua estreita relação com os transtornos mentais, aumenta a vulnerabilidade das pessoas vivendo com HIV, uma vez que dificultam o acesso e a retenção no cuidado em saúde, o inicio tardio e a adesão à TARV2222. Altice FL, Kamarulzaman A, Soriano VV, Schechter M, Friedland GH. Treatment of medical, psychiatric, and substance-use comorbidities in people infected with HIV who use drugs. Lancet. 2010;376(9738):367-87. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)60829-x
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,2323. Chitsaz E, Meyer JP, Krishnan A, Springer SA, Marcus R, Zaller N, et al. Contribution of substance use disorders on HIV treatment outcomes and antiretroviral medication adherence among HIV-infected persons entering jail. AIDS Behav. 2013;17(2):118-27. https://doi.org/10.1007%2Fs10461-013-0506-0
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e, consequentemente, a supressão viral. Nesse âmbito, a depressão se caracteriza como o segundo transtorno mental de maior prevalência nas pessoas vivendo com HIV, precedido pela drogadição2424. Rivera-Rivera Y, Vázquez-Santiago FJ, Albino E, Sánchez MC, Rivera-Amill V. Impact of Depression and Inflammation on the Progression of HIV Disease. J Clin Cell Immunol. 2016;7(3):423. https://doi.org/10.4172/2155-9899.1000423
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. Diante dessa realidade, espera-se que as equipes de saúde das UP identifiquem a ocorrência dessas situações no ambiente prisional e articulem intervenções necessárias aos seus adequados manejos2222. Altice FL, Kamarulzaman A, Soriano VV, Schechter M, Friedland GH. Treatment of medical, psychiatric, and substance-use comorbidities in people infected with HIV who use drugs. Lancet. 2010;376(9738):367-87. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)60829-x
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2525. Lincoln T, Simon-Levine D, Smith J, Donenberg GR, Springer SA, Zaller N, et al. Prevalence and Predictors of Mental/Emotional Distress Among HIV+ Jail Detainees at Enrollment in an Observational Study. J Correct Health Care. 2015;21(2):125-39. https://doi.org/10.1177/1078345815574566
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.

Também aumenta a complexidade do cuidado prestado às pessoas vivendo HIV a sobreposição de condições crônicas. Aproximadamente um terço dos entrevistados referiu ser portador de hepatite viral, cuja coinfecção com o HIV apresenta alta prevalência no âmbito prisional33. Ziglam H, Zorgani A-A, Balouz A, Abudher AH, Elahmer O. Prevalence of antibodies to human immunodeficiency virus, hepatitis B, and hepatitis C in prisoners in Libya. Libyan J Med. 2012;7:19713. https://doi.org/10.3402/ljm.v7i0.19713
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,2626. Rosen DL, Schoenbach VJ, Wohl DA, White BL, Stewart PW, Golin CE. Characteristics and behaviors associated with HIV infection among inmates in the North Carolina prison system. Am J Public Health. 2009;99(6):1123-30. https://doi.org/10.2105/ajph.2007.133389
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,2727. Ramezani A, Amirmoezi R, Volk JE, Aghakhani A, Zarinfar N, McFarland W, et al. HCV, HBV, and HIV seroprevalence, coinfections, and related behaviors among male injection drug users in Arak, Iran. AIDS Care. 2014;26(9):1122-6. https://doi.org/10.1080/09540121.2014.882485
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,2828. Jaquet A, Wandeler G, Tine J, Dagnra CA, Attia A, Patassi A, et al. HIV infection, viral hepatitis and liver fibrosis among prison inmates in West Africa. BMC Infect Dis. 2016;16:249. https://doi.org/10.1186/s12879-016-1601-4
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e está associada ao aumento da vulnerabilidade para fibrose hepática e ao adiantamento da evolução da doença hepática, contribuindo para o aparecimento de complicações cardiovasculares e renais2222. Altice FL, Kamarulzaman A, Soriano VV, Schechter M, Friedland GH. Treatment of medical, psychiatric, and substance-use comorbidities in people infected with HIV who use drugs. Lancet. 2010;376(9738):367-87. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(10)60829-x
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. Assim, torna-se relevante a adoção de estratégias para redução da vulnerabilidade das pessoas com HIV à infecção pelos vírus das hepatites B e C no contexto prisional, com disponibilização de preservativos e lubrificantes, vacinação para hepatite B, educação em saúde, aconselhamento centrado na redução de danos2929. United Nations Office on Drugs and Crime; Organização Pan-Americana da Saúde; Organização Mundial da Saúde. Guia sobre Gênero, HIV/AIDS, Coinfecções no Sistema Prisional [Internet]. United Nations Office on Drugs and Crime; 2012 [ acessado em 25 mar. 2018]. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_aids/Publicacoes/GUIA_SOBRE_GENERO_HIV_em_prisoes_2012.pdf
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e arranjos necessários ao encaminhamento para serviços especializados, com retorno das informações clínico-terapêuticas para a continuidade assistencial.

Outro aspecto do perfil clínico identificado neste estudo se refere à exposição e ao adoecimento prévio por TB das PPL vivendo com HIV, além da presença de queixas de saúde envolvendo sinais/sintomas sugestivos da doença. Sabe-se que o contexto prisional e o tempo de permanência na prisão aumentam a vulnerabilidade à infecção e ao adoecimento pela TB, cuja incidência é 20 vezes superior à da população geral3030. Aily DCG, Berra JAP, Brandão AP, Chimara E. Tuberculosis, HIV and TB/HIV co-infection in the Prison System of Itirapina, São Paulo, Brazil. Rev Inst Adolfo Lutz. 2013;72(4):288-94.,3131. Carbone ASS, Paião DSG, Sgarbi RVE, Lemos EF, Cazanti RF, Ota MM, et al. Active and latent tuberculosis in Brazilian correctional facilities: a cross-sectional study. BMC Infect Dis. 2015;15:24. https://doi.org/10.1186/s12879-015-0764-8
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. A coinfecção HIV/TB produz impactos negativos na progressão de ambas as doenças, resultando no aumento da mortalidade e resistência aos medicamentos para o tratamento da TB3030. Aily DCG, Berra JAP, Brandão AP, Chimara E. Tuberculosis, HIV and TB/HIV co-infection in the Prison System of Itirapina, São Paulo, Brazil. Rev Inst Adolfo Lutz. 2013;72(4):288-94., sendo necessário o desenvolvimento de ações de saúde que priorizem a busca ativa dos sintomáticos respiratórios e dos contatos, a educação em saúde e o tratamento diretamente observado, visando à quebra da cadeia de transmissão da doença3232. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico Aids e DST: ano VIII, n. 1, 2011. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. no âmbito prisional.

No que se refere ao acompanhamento dos casos vivendo com HIV pelas UP, verificou-se que a maioria dos participantes referiu a realização de acompanhamento médico no momento da entrevista. Das 12 pessoas que referiram não realizar acompanhamento médico, nove não faziam uso da TARV (75%). Ao verificar quem eram tais sujeitos, 11 eram do sexo masculino (16%) e oito pertenciam à UP destinada a albergar os crimes sexuais (67%). Segundo relatos durante as entrevistas, uma das dificuldades encontradas para o acompanhamento médico se refere à não disponibilidade de viatura e escolta para a condução ao serviço especializado, uma vez que as demandas judiciais têm prioridade no uso dos recursos. Ao mesmo tempo, merecem atenção as pessoas com HIV envolvidas com crimes sexuais pela maior chance de transmissão do vírus dentro ou fora do sistema prisional, que ocorre devido ao limitado acesso ao seguimento clínico terapêutico da infecção, menor cobertura de TARV e ausência de estratégias para monitorar a adesão ao tratamento.

Ainda em relação ao acompanhamento médico, 33 (38,8%) pessoas informaram tê-lo interrompido em algum momento, ressaltando a importância de instrumentalizar os sujeitos para o autocuidado compartilhado e apoiado pela equipe e a formação de um ambiente terapêutico favorável ao manejo do HIV pode promover resultados de saúde satisfatórios a esses sujeitos3333. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Agenda Estratégica para Ampliação do Acesso e Cuidado Integral das Populações-Chave em HIV, Hepatites Virais e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.. Por outro lado, as limitações estruturais que circundam as UP que fizeram parte deste estudo devem ser consideradas, uma vez que quase todas funcionavam extrapolando sua capacidade, possuindo equipes de saúde desfalcadas.

Quando analisados os marcadores biológicos por meio dos resultados dos exames de linfócitos TCD4+, 20 (23,5%) entrevistados possuíam contagem inferior a 350 cópias e 29 (34,1%) estavam com a carga viral detectável. Tais achados são preocupantes do ponto de vista da gestão do cuidado. Considerando que a TARV promove o aumento das células TCD4+ e redução da carga viral a níveis indetectáveis, diante dos resultados apresentados, pressupõem-se fragilidades no manejo clínico terapêutico, seja por não adesão medicamentosa e(ou) falhas e resistências virais. Essa situação sinaliza a instabilidade clínica da doença, tornando os sujeitos vulneráveis a doenças oportunistas, podendo resultar em deslocamentos das PPL para serviços de saúde externos ao cárcere e desfechos desfavoráveis como a internação hospitalar e óbito. Ainda, a presença desses indivíduos no âmbito prisional pressupõe a oferta de orientações e insumos para a prevenção da transmissão viral.

Partindo do perfil das PPL que vivem com HIV apresentado no estudo, é possível planejar, organizar e operacionalizar ações e serviços de saúde que vão ao encontro da prevenção e diagnóstico oportuno dos casos, com o intuito de minimizar as vulnerabilidades, a dor e o sofrimento e zelar pela concretude dos direitos e qualidade de vida desses indivíduos. Vislumbra-se, no estudo, o quanto é complexa a prevenção da transmissão, bem como o manejo do HIV enquanto uma condição crônica, sobretudo em um ambiente permeado por fragilidades estruturais e organizacionais.

CONCLUSÕES

Quanto ao perfil das PPL com HIV, houve predomínio de homens, adultos jovens, raça/cor da pele autodeclarada preta e parda, com ensino fundamental e poucos que desenvolviam atividades laborais, verificando-se convergência dos achados com o perfil epidemiológico da doença no país e com as principais características da população carcerária brasileira. De modo geral, o perfil dos sujeitos do estudo indica a privação de importantes direitos sociais ao longo da vida. Em relação ao perfil clínico dos participantes, estiveram presentes condições que potencializam a instabilidade e o agravamento da doença, como o histórico de uso de drogas e presença de comorbidades e doenças oportunistas.

Identificou-se que a maioria das PPL realizava acompanhamento médico especializado em HIV, mas parte apresentava interrupção na tomada da TARV em algum momento da vida e resultados desfavoráveis nos exames de CD4+ e carga viral, indicando a necessidade de implementação de estratégias de monitoramento de adesão ao tratamento de modo a evitar os momentos de agudização da infecção, que tornam o cuidado cada vez mais complexo e exigem a mobilização de recursos adicionais para o manejo dos casos.

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  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2018
  • Aceito
    19 Set 2021
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