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INOVAÇÃO EDUCACIONAL – ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS COM FOCO NA DIVERSIDADE

EDUCATIONAL INNOVATION: ANALYSIS OF THE POLITICAL DISCOURSE OF INTERNATIONAL ORGANIZATIONS FOCUSING ON DIVERSITY

RESUMO

O trabalho averigua a relação inovação educacional e diversidade, fundamentado no materialismo histórico e dialético e na análise de política educacional. Discutimos mediante análise documental e revisão de literatura o slogan inovação educacional, relacionando-o à diversidade e formulando reflexões iniciais acerca da educação especial. Demonstramos o papel do slogan inovação educacional na educação e na educação especial como parte da disseminação de consensos para a manutenção da sociabilidade capitalista, presente em pelo menos três aspectos: tecnologias da informação e comunicação, gestão educacional e práticas pedagógicas.

Palavras-chave
Inovação educacional; Diversidade; Educação especial; Política educacional

ABSTRACT

The paper examines the relationship between educational innovation and diversity, based on historical and dialectical materialism and on the analysis of educational policy. We discuss through documentary analysis and literature review the slogan educational innovation, relating it to diversity and formulating initial reflections on special education. We demonstrate the role of the slogan educational innovation in education and special education as part of the dissemination of consensus for the maintenance of the present capitalist sociability in at least three aspects: information and communication technologies, educational management, and pedagogical practices.

KEYWORDS
Educational innovation; Diversity; Special education; Educational policy

Inovação é mais um entre os muitos termos presentes nos discursos políticos que orbitam e constituem a produção de consenso em torno das propostas políticas que reafirmam a manutenção e reprodução do capital em nível internacional. Inovação educacional emerge no discurso político produzido por organizações internacionais e disseminado entre os Estados nacionais, os quais devem, na ótica do capital, educar o consenso, produzir um consentimento ativo, fazendo parecer que seus interesses consistem na vontade geral (Gramsci, 2007GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. 3.). O slogan inovação contribui para fazer parecer que as questões sociais, tais como a desigualdade e a pobreza, são causadas pelo tipo de educação ofertada, exigindo, portanto, reformas a serem implementadas.

Nas últimas décadas, outros slogans como inclusão, empreendedorismo, sociedade do conhecimento, educação ao longo da vida vêm fazendo parte dos discursos políticos educacionais. No presente estudo, além de apreender o sentido geral do termo na educação, buscamos discutir a divulgação dos processos de inovação educacional, afirmados como necessários ao atendimento da diversidade na educação.

O estudo está fundamentado no método do materialismo histórico e dialético, articulando uma análise de política educacional que se lastreia na economia política. Lança mão de análise documental, privilegiando os materiais produzidos em relação de governança global pelos organismos internacionais, tomando como referência a Declaração de Incheon: Educação 2030, articulada ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos (Unesco, 2015).

Além desse documento, são analisados outros materiais produzidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que expressam a intencionalidade de desenvolver e difundir ideias constitutivas do referido ODS. Por meio da análise documental, persegue-se a discussão do slogan inovação educacional. Tal abordagem vem sendo desenvolvida pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente, em relação a diversos conceitos polissêmicos presentes nos discursos políticos de proposições oficiais e oficiosas (Evangelista, 2014EVANGELISTA, O. (org.). O que revelam os slogans na política educacional. Araraquara: Junqueira & Marín, 2014.):

Consideramos fundamental incursionar pelo terreno movediço dessas “palavras com aura”, para tirar-lhe o manto autorreferente. Procuramos explicitar as interpretações silenciadas pelos estrepitosos slogans considerando que dar voz ao silêncio significa desnudar o que está encoberto e, por essa via, poder entender o discurso e seus silêncios

(Shiroma; Evangelista, 2014SHIROMA, E. O.; EVANGELISTA, O. Luzes que desiluminam: uma análise dos slogans na política educacional. In: EVANGELISTA, O. (org.). O que revelam os slogans na política educacional. Araraquara: Junqueira & Marín, 2014. p. 11-20., p. 12).

Analiticamente consideramos que o uso de slogans nas políticas educacionais propicia a produção de consensos (Gramsci, 2007GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. 3.), entretanto cabe ressaltar que uma análise do discurso político não significa compreender a realidade social como reduzida à sua definição no âmbito do discurso. Em nossa análise, compreendemos que o uso do slogan inovação educacional também está fundamentado na assimilação necessária ao capital acerca das alterações dos processos produtivos (Antunes, 2000ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.) e em como a reestruturação produtiva propõe alterações aos processos educacionais, tais como demonstrado por Kuenzer (2016)KUENZER, A. Trabalho e escola: a aprendizagem flexibilizada. In: REUNIÃO DA ANPED-SUL, 11., 2016, Curitiba. Anais [...]. Curitiba, 2016. quando associa “acumulação flexível” e “aprendizagem flexível”.

A meta de ampliar a produtividade como forma de enfrentamento das crises capitalistas gerou a necessidade de articular conhecimento e inovação na formação da força de trabalho (Unesco; Gatti; Barretto, 2009ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO); GATTI, B. A.; BARRETTO, E. S. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: Unesco, 2009.), o que significa alterações ao projeto educacional. Desde a década de 1990, equidade e produtividade estão presentes no discurso de defesa do acesso à educação ligado a um padrão mínimo de qualidade de aprendizagem. Tal discurso já expressava aspectos relacionados à inovação educacional, contribuindo para que as desigualdades reais fossem compreendidas como mais aceitáveis, por meio da disseminação de processos de focalização e ganhando aura de positividade e de novo paradigma social ao incorporar em seu discurso o respeito às diferenças e o reconhecimento da diversidade (Michels; Garcia, 2021MICHELS, M. H.; GARCIA, R. M. C. Educação e inclusão: equidade e aprendizagem como estratégias do capital. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 46, n. 3, e116974, 2021. https://doi.org/10.1590/2175-6236116974
https://doi.org/10.1590/2175-6236116974...
).

Com essa compreensão, procuramos analisar as formas discursivas recentes que sustentam as políticas referentes à inovação educacional, demonstrando seu papel de amálgama na formulação e disseminação de consensos. Além da análise documental, buscamos apreender como o debate acadêmico vem tratando a inovação educacional. Ao final de nossa exposição, apresentamos algumas sínteses gerais acerca da relação inovação educacional e diversidade e compartilhamos algumas questões para a continuidade dos debates.

A inovação educacional nos discursos políticos difundidos pelo capital

Identificamos que o termo inovação está relacionado no discurso político a outros slogans utilizados para reafirmar a posição redentora da educação em vista das desigualdades sociais e econômicas e dos problemas que advêm da falta de produtividade. Tomamos como primeiro documento para análise neste texto a Declaração de Incheon, formulada no Fórum Mundial de Educação realizado na Coreia do Sul em 2015, com a participação de 160 países, incluindo ministros e representantes da sociedade civil, da profissão docente e do setor privado. O evento foi organizado pela Unesco em associação com outras agências.

O primeiro compromisso assumido na declaração é:

Promover, com qualidade, oportunidades de educação ao longo da vida para todos, em todos os contextos e em todos os níveis de educação. Isso inclui acesso equitativo e mais amplo à educação e à formação técnica e profissional de qualidade, bem como ao ensino superior e à pesquisa, com a devida atenção à garantia de qualidade. Além disso, é importante que se ofereçam percursos de aprendizagem flexíveis e também o reconhecimento, a validação e a certificação do conhecimento, das habilidades e das competências adquiridos por meio tanto da educação formal quanto da educação informal

(Unesco, 2015, p. 2).

O projeto educacional do capital parece ser sucintamente descrito nesse excerto, que compõe a estratégia educacional 2030 ao articular qualidade educacional com oportunidades ao longo da vida, equidade, percursos de aprendizagem flexíveis, aquisição de competências específicas, tanto de modo formal como informal. Trata-se de uma estratégia que se propõe adequar a educação às necessidades sociais do capital, fazendo parecer que atende ao desenvolvimento de todos os humanos em condições de igualdade. A associação de equidade, percursos flexíveis de aprendizagem e educação informal para desenvolver competências específicas já é suficiente para compreendermos o projeto de oferta de educação distinto e desigual para diferentes sujeitos e grupos. Para o capital, não é necessário formar todos os humanos nos mesmos patamares, e o conceito de equidade tornou-se muito funcional à manutenção dessa desigualdade.

O excerto anterior está complementado por outra passagem, que nos parece mais direta em relação ao sentido que estamos apreendendo nesse discurso:

Comprometemo-nos, ainda, a garantir que todos os jovens e adultos, especialmente as meninas e as mulheres, alcancem níveis de proficiência em habilidades básicas em alfabetização e matemática, que sejam relevantes e reconhecidos, adquiram habilidades para a vida e tenham oportunidades de aprendizagem, educação e formação na vida adulta

(Unesco, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Declaração de Incheon: Educação 2030. Rumo a uma educação de qualidade inclusiva equitativa e à educação ao longo da vida para todos. In: FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO, 2015, Coreia do Sul. Declaração de Incheon. 2015., p. 2).

Jovens e adultos, especialmente meninas e mulheres, configuram um segmento da classe trabalhadora de alta incidência nos índices de desemprego. A menção a níveis de proficiência relevantes e reconhecidos e habilidades para a vida denota a perspectiva de cada um produzir sua existência em patamares mínimos que desobriguem o Estado no que tange a investimentos sociais, liberando-o para os investimentos no capital. A luta de classes emerge viva e forte na estratégia educacional 2030!

A desigualdade e a focalização vêm acompanhadas de um discurso que supostamente aponta para o futuro ao mobilizar a ciência, a tecnologia e a inovação, mas com o intuito de dar soluções aos problemas identificados pela classe hegemônica para desenvolver o seu projeto societário:

Também nos empenhamos com o fortalecimento da ciência, da tecnologia e da inovação. Tecnologias de informação e comunicação (TIC) devem ser aproveitadas para fortalecer os sistemas de educação, a disseminação do conhecimento, o acesso à informação, a aprendizagem de qualidade e eficaz e a prestação mais eficiente de serviços

(Unesco, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Declaração de Incheon: Educação 2030. Rumo a uma educação de qualidade inclusiva equitativa e à educação ao longo da vida para todos. In: FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO, 2015, Coreia do Sul. Declaração de Incheon. 2015., p. 2).

A inovação, assim relacionada, pode ser interpretada como a maneira como a qualidade, as oportunidades, as aprendizagens flexíveis devem ser alcançadas. Apropriamos desse discurso que o slogan inovação educacional pode assumir um sentido de a educação ser realizada de formas novas e mais eficientes. O documento explicita a proposição de uma “nova visão para a educação”:

Baseada no legado de Jomtien e Dakar, esta Declaração de Incheon é um compromisso histórico de todos nós com a transformação de vidas por meio de uma nova visão para a educação, com ações ousadas e inovadoras, para que alcancemos nossa ambiciosa meta até 2030

(Unesco, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Declaração de Incheon: Educação 2030. Rumo a uma educação de qualidade inclusiva equitativa e à educação ao longo da vida para todos. In: FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO, 2015, Coreia do Sul. Declaração de Incheon. 2015., p. 4).

A agenda é qualificada como “ambiciosa”, no sentido de ser apresentada como um grande desafio para o qual será necessário unir forças. Aqui o discurso político cumpre o mesmo objetivo em torno do slogan da inclusão educacional ou do direito à educação, ou seja, fazer parecer que os antagonismos sociais, as disputas de projeto, a luta de classes serão superados por um objetivo comum.

Nessa direção, as inovações ganham sentido positivo, pois seria por meio delas que atingiríamos um patamar supostamente elevado de sociabilidade, a inovação, o novo, novas formas de gestão das desigualdades, de gestão educacional, de organizar a educação escolar, novos modos de formar, de recrutar, de contratar professores, de dar encaminhamentos curriculares, de organizar as aprendizagens com metodologias ativas, com novas tecnologias educacionais. Enfim, as mudanças que convêm ao projeto educacional do capital ganham sentido positivo pelo slogan da inovação educacional, buscando reduzir as resistências políticas e sedimentar um novo consenso. Aqui observamos duas ênfases na articulação da inovação educacional no discurso político: a relação com as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) e como essas tecnologias estão associadas a mudanças nas formas de ensinar e aprender e, por outro lado, a mudanças na gestão educacional.

As TICs que vêm ganhando terreno na educação escolar, tornando-se uma mercadoria educacional, são vinculadas à ideia positiva de inovação: “A inovação e as TIC devem ser aproveitadas para fortalecer os sistemas educacionais, disseminar conhecimentos, facilitar o acesso à informação, promover uma aprendizagem efetiva e de qualidade e ofertar serviços de forma mais eficiente” (Unesco, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Declaração de Incheon: Educação 2030. Rumo a uma educação de qualidade inclusiva equitativa e à educação ao longo da vida para todos. In: FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO, 2015, Coreia do Sul. Declaração de Incheon. 2015., p. 31).

Já no tocante à gestão educacional, a inovação relaciona-se às “parcerias”. Conforme o documento da Unesco (2015, p. 70)ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Declaração de Incheon: Educação 2030. Rumo a uma educação de qualidade inclusiva equitativa e à educação ao longo da vida para todos. In: FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO, 2015, Coreia do Sul. Declaração de Incheon. 2015., “concentrar os investimentos em qualidade, inclusão e equidade: levar a equidade, a inclusão e a qualidade a sério é uma inovação na maioria dos sistemas”. Todavia, caberia questionar o que há de novo na articulação entre público e privado.

A estratégia 2030 foi divulgada como um grande consenso, com um conjunto de metas a serem atingidas e a inovação educacional defendida como a forma mais eficiente de atingir tais objetivos. Como proposição divulgada em âmbito internacional, os ministérios da Educação de diversos países, em acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, criaram o Laboratório de Pesquisa e Inovação em Educação para a América Latina e o Caribe (Summa)1 1 Informações disponíveis em www.summaedu.org. Acesso em: 10 fev. 2023. Conta com a participação de cerca de 40 países, dos quais destacamos aqueles que pertencem à América Latina: Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Peru e Uruguai. . O Summa define inovação como uma nova solução que tem dois elementos essenciais simultaneamente: novidade e eficácia para resolver um problema. Além disso, ele propõe uma plataforma digital contendo um mapa de inovações educacionais, que de fato é um conjunto de experiências consideradas exitosas na lógica pragmática de lidar com a pesquisa e a produção de conhecimento para a resolução de problemas imediatos e que beneficiem os processos de produtividade.

O sentido dado à inovação educacional no projeto educacional do capital também pode ser mais bem compreendido mediante análise de documento publicado pela Unesco (2022)ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Reimaginar nosso futuro juntos: um novo contrato social para a educação. Brasília: Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, Unesco; Boadilla del Monte: Fundación SM, 2022. que propõe um “novo contrato social para a educação”. Trata-se de um relatório da Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, criada em 20192 2 Pelo menos dois outros relatórios emblemáticos foram produzidos por comissões e publicados pela Unesco em relação ao papel da educação: Faure (1972) e Delors (1996). .

Em primeiro lugar, percebemos uma justificativa para a mudança educacional:

Durante o século XX, a educação pública visava, essencialmente, a apoiar os esforços nacionais de cidadania e desenvolvimento por meio da escolarização obrigatória para crianças e jovens. Atualmente, no entanto, enquanto enfrentamos graves riscos para o futuro da humanidade e para a própria vida no planeta, devemos urgentemente reinventar a educação para nos ajudar a enfrentar os desafios comuns. Esse ato de reimaginar significa trabalharmos juntos para criar futuros compartilhados e interdependentes. O novo contrato social para a educação deve nos unir em torno de esforços coletivos e fornecer o conhecimento e a inovação necessários para delinear futuros sustentáveis e pacíficos para todos, fundamentados na justiça social, econômica e ambiental

(Unesco, 2022ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Reimaginar nosso futuro juntos: um novo contrato social para a educação. Brasília: Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, Unesco; Boadilla del Monte: Fundación SM, 2022., p. xii).

Observamos aqui a ideia de novo contrato social articulada à produção de um conhecimento que beneficie a coletividade, com a perspectiva do desenvolvimento sustentável e inclusivo, adequando e atualizando ao tempo presente a concepção de educação redentora das mazelas sociais.

A educação é novamente conclamada a formar uma sociedade mais ajustada às demandas do capital:

A educação é a base para a renovação e a transformação de nossas sociedades. Ela mobiliza o conhecimento para nos ajudar a navegar em um mundo transformador e incerto. O poder da educação está em sua capacidade de nos conectar ao mundo e aos outros, de nos mover para além dos espaços que já habitamos e nos expor a novas possibilidades. Ajuda a nos unir em torno de esforços coletivos; proporciona a ciência, o conhecimento e a inovação de que precisamos para enfrentar desafios comuns. A educação fomenta a compreensão e constrói capacidades que podem ajudar a assegurar que nossos futuros sejam mais socialmente inclusivos, economicamente justos e ambientalmente sustentáveis

(Unesco, 2022ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Reimaginar nosso futuro juntos: um novo contrato social para a educação. Brasília: Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, Unesco; Boadilla del Monte: Fundación SM, 2022., p. 8).

A associação proposta no âmbito do projeto educacional do capital de sustentabilidade, inovação e educação pode ser interpretada criticamente como “princípio formativo básico” (Guerino, 2020GUERINO, M. F. A inovação como rota do projeto formativo do IFSC. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020., p. 184). Guerino (2020)GUERINO, M. F. A inovação como rota do projeto formativo do IFSC. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020. chama a atenção para outros termos que estariam também relacionados nesse discurso político a empreendedorismo ao destacar “formas de ensinar e aprender com base em um modelo formativo centrado na inovação, articulado à criatividade e ao empreendedorismo” (Guerino, 2020GUERINO, M. F. A inovação como rota do projeto formativo do IFSC. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020., p. 14). Podemos interpretar que os ODS interpelam a educação a realizar um conjunto de mudanças que vão desde suas finalidades até as formas de ensinar e aprender, passando pela gestão educacional. Esse sentido de mudança está expresso no Relatório de Monitoramento Global da Educação:

Devemos mudar fundamentalmente a maneira como pensamos a educação e seu papel no bem-estar humano e no desenvolvimento global. Agora, mais do que nunca, a educação tem a responsabilidade de fomentar os tipos certos de habilidades, atitudes e comportamento que nos levarão ao crescimento sustentável e inclusivo

(Unesco, 2016ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Relatório de Monitoramento Global da Educação. Educação para as pessoas e o planeta: criar futuros sustentáveis para todos. Paris: Unesco, 2016., p. 5).

A inovação educacional, nesse escopo analítico, implica mudanças curriculares, nas formas de ser professor, nos espaços formativos docentes e escolares, nos modos de ser estudante, nos objetivos de aprendizagem, nas capacidades e habilidades a serem desenvolvidas. O novo contrato social para a educação tende a formar para a incerteza e a insegurança da vida empreendedora, que significa a sustentabilidade num regime de desemprego estrutural. Ao mesmo tempo, tal sociabilidade exige aprendizagens flexíveis para um mundo do trabalho flexível. A inovação, segundo Guerino (2020)GUERINO, M. F. A inovação como rota do projeto formativo do IFSC. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020., emerge como um:

[...] preceito moral-normativo, ao qual todos devemos indubitavelmente aderir, sob pena de a própria vida humana ser colocada em risco, assim como preconiza o governo de Santa Catarina: “Inovar ou morrer” (Santa Catarina, 2017), ou a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro: “Na crise, inovar para sobreviver”

(Guerino, 2020GUERINO, M. F. A inovação como rota do projeto formativo do IFSC. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020., p. 15).

Podemos verificar a coerência da análise desenvolvida por Guerino (2020)GUERINO, M. F. A inovação como rota do projeto formativo do IFSC. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020. quando extrai da leitura dos documentos internacionais a interpretação segundo a qual a inovação educacional é defendida pelas organizações multilaterais como um preceito moral que deve orientar as práticas educacionais. Tal coerência é aqui justificada pela defesa explícita no discurso político de uma das organizações internacionais articuladoras dos interesses do capital: “As abordagens curriculares devem vincular o domínio cognitivo com habilidades de resolução de problemas, inovação e criatividade, bem como incorporar o desenvolvimento da aprendizagem social e emocional e a aprendizagem sobre si mesmo” (Unesco, 2022ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Reimaginar nosso futuro juntos: um novo contrato social para a educação. Brasília: Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, Unesco; Boadilla del Monte: Fundación SM, 2022., p. 63).

Discursos como esses, internalizados pelos professores e gestores educacionais, pelas universidades que formam professores, produzem um potencial apassivamento daqueles que poderiam gerar, por um lado, uma resistência político-pedagógica no âmbito das escolas públicas e, por outro, uma resistência político-acadêmica mediante a produção de um conhecimento crítico da sociabilidade atual ao investigarmos os processos políticos relacionados à educação. Guerino (2020, p. 44) assevera que “os capitalistas, pela via da criatividade, inovação e empreendedorismo, se articulam para pulverizar ao redor do mundo uma direção, que não fica explícita, mas, é, principalmente, uma direção política funcional à acumulação de capital”. Além disso, tal direção, para ser sedimentada, necessita de um discurso político da parceria e participação:

A colaboração dos diversos atores ligados à formação de professores – por exemplo, autoridades públicas, pesquisadores, associações de professores, líderes comunitários etc. – oferece possibilidades para a criação de novos espaços de aprendizagem e inovação

(Unesco, 2022ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Reimaginar nosso futuro juntos: um novo contrato social para a educação. Brasília: Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, Unesco; Boadilla del Monte: Fundación SM, 2022., p. 83).

Evangelista e Shiroma (2007)EVANGELISTA, O.; SHIROMA, E. O. Professor: protagonista e obstáculo da reforma. Educação e Pesquisa, v. 33, n. 3, p. 531-541, set./dez. 2007. afirmam que, nos discursos divulgados pelas agências multilaterais, o docente está sendo construído como professor obstáculo, como se verifica na passagem seguinte: “O professor sabetudo deverá dar lugar a um professor que se propõe aprender, e o professor obstáculo tornar-se-á um professor agente da inovação” (Evangelista; Shiroma, 2007EVANGELISTA, O.; SHIROMA, E. O. Professor: protagonista e obstáculo da reforma. Educação e Pesquisa, v. 33, n. 3, p. 531-541, set./dez. 2007., p. 533). Apreendemos dessa análise que, quando crítico, o professor é considerado um obstáculo às reformas pretendidas pelo capital para promover os ajustes educacionais que lhe convêm. Já como agente da inovação, preceito assimilado como positivo, o professor seria um implementador acrítico de tais ajustes.

Inovação, empreendedorismo, parcerias, criatividade são termos que mobilizam sentidos positivos à sociedade capitalista, numa defesa de que tal sociabilidade pode ser ajustada para ser sustentável, democrática, inclusiva, com a participação dos trabalhadores na produção de soluções para um novo desenvolvimento. No caso dos professores, cabe ao Estado, como mediador do capital, educá-los para que atuem conforme esses preceitos. As parcerias público-privadas na educação e a inserção de um mercado educacional nas redes públicas de ensino, ao mesmo tempo que são absorvidas como inovações educacionais, também cumprem o papel de naturalizar a participação de agentes distintos e antagônicos nos processos educacionais, como se fossem todos defensores de um mesmo e único projeto de sociedade.

A tendência atual para uma participação não estatal mais ampla e mais diversificada na política, na oferta e no monitoramento da educação é a expressão de uma demanda cada vez maior por voz, transparência e responsabilização na educação como uma questão pública

(Unesco, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Declaração de Incheon: Educação 2030. Rumo a uma educação de qualidade inclusiva equitativa e à educação ao longo da vida para todos. In: FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO, 2015, Coreia do Sul. Declaração de Incheon. 2015., p. 11).

A diversidade como uma riqueza é um dos argumentos para reforçar a participação de sujeitos individuais e coletivos em processos de colaboração, ainda que as respostas educacionais sejam favoráveis ao projeto social das frações de classe hegemônicas. Nesse sentido, o discurso político da diversidade e da diferença é utilizado para atingir níveis mais elevados de coesão. A retórica da diversidade contribui para colocar a educação no centro da Agenda 2030 e do novo contrato social. A relação da diversidade com os processos de inclusão coloca para os sistemas educacionais que eles precisam dar melhores respostas à diversidade e às necessidades dos estudantes, mediante processos de inovação.

Todavia, essas respostas já são apontadas pelo enaltecimento de pedagogias da solidariedade e colaborativas. Tais proposições remetem-se à associação entre aprendizagens ativas, propostas de articulação entre aprendizagens e serviços na lógica da resolução de problemas, e podemos sintetizá-las como algo já conhecido, mas reapresentado como novidade: “Renovar a educação” (Unesco, 2022ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Reimaginar nosso futuro juntos: um novo contrato social para a educação. Brasília: Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, Unesco; Boadilla del Monte: Fundación SM, 2022., p. 12). Parece clara a fundamentação escolanovista (Saviani, 2008SAVIANI, D. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2008. (Educação contemporânea.)) presente nas proposições para o futuro, perspectiva que tende a subsumir a educação às necessidades sociais do capital. No embalo das inovações educacionais para atender à diversidade, as melhores respostas já anunciadas enquadram a escola num novo formato, como “plataforma de cooperação, cuidado e mudança” (Unesco, 2022ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Reimaginar nosso futuro juntos: um novo contrato social para a educação. Brasília: Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, Unesco; Boadilla del Monte: Fundación SM, 2022., p. 95).

Estamos apreendendo tais proposições, em uma análise baseada no materialismo histórico e dialético, como soluções conservadoras para os problemas sociais criados pela própria sociabilidade do capital.

A inovação educacional na produção acadêmica brasileira

Em nosso estudo, constatamos, também por parte da intelectualidade brasileira, a absorção do slogan inovação com áurea positiva. Contrapondo-se ao que não é costumeiro (ou comum) ou como a ruptura do tradicional, a inovação tem sido tema em diferentes áreas, como administração, turismo, economia, arte, estética, educação e outros.

A inovação relacionada à diversidade, representada por grupos de sujeitos como mulheres, negros, LGBTQIA+, terceira idade, pessoas com deficiência, entre outros, é apresentada como mais um elemento de apaziguamento social que compõe a chamada sociedade inclusiva.

Nesse cenário, em que o slogan inovação está presente em várias frentes de pesquisa e diz respeito a muitos grupos de sujeitos, observamos mediante uma revisão de literatura a pulverização de publicações sobre a relação inovação e diversidade. A área da administração é a que mais discute essa temática, porém a educação vem tratando dessa relação diretamente nas ações pedagógicas (didática, ensino, currículo, planejamento), na gestão (educação social, democrática, escola cidadã, ecossistema), ou na implementação de novas tecnologias na educação.

Há algumas iniciativas de governos nas esferas federal, estadual e municipal e de instituições não governamentais que se apresentam de maneira proeminente nessa discussão, como, por exemplo, o Programa Ensino Médio Inovador, lançado pelo governo federal em 20093 3 Instituído pela Portaria nº 971, de 9 de outubro de 2009. Apresenta mais três versões, em 2011, 2013 e 2014. . Tal programa é apresentado como uma inovação curricular (Antonio, 2016ANTONIO, C. O ensino médio inovador nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul: adaptações à política nacional e possibilidades à formação integral. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2016.; Isleb, 2016ISLEB, V. O contexto histórico e o processo de criação do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI). In: REUNIÃO DA ANPED-SUL, 11., 2016, Curitiba. Anais [...]. Curitiba, 2016.) e subsidia as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução nº 2, de 30 de janeiro de 2012. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, 2012.).

Vê-se a presença de pesquisas que enaltecem as experiências de inovação na gestão, como aquelas apresentadas por Ghanem (2012GHANEM, E. Inovação educacional em pequeno município – o caso Fundação Casa Grande (Nova Olinda, CE, Brasil). Educação em Revista, v. 28, n. 3, p. 103-124, set. 2012. https://doi.org/10.1590/S0102-46982012000300005
https://doi.org/10.1590/S0102-4698201200...
, 2013aGHANEM, E. Inovação em escolas públicas de nível básico: o caso Redes da Maré Rio de Janeiro. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 123, p. 425-440, abr.-jun. 2013a. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000200006
https://doi.org/10.1590/S0101-7330201300...
, 2013b)GHANEM, E. Inovação em educação ambiental na cidade e na floresta: o caso Oela. Caderno de Pesquisa, v. 34, n. 150, p. 1004-1025, set./dez. 2013b. https://doi.org/10.1590/S0100-15742013000300014
https://doi.org/10.1590/S0100-1574201300...
, Santos (2019)SANTOS, V. C. Violência escolar e gestão na rede pública estadual de São Paulo: análise de uma escola técnica em esportes. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, 2019. e Ferrão (2021)FERRÃO, D. S. B. V. Inovat.ivo: o co-design como catalisador de escolas mais cidadãs. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade de Brasília, Brasília, 2021..

A utilização das novas tecnologias educacionais também tem sido apreendida como sinônimo de inovação e estudada por pesquisadores que indicam que as tecnologias educacionais auxiliam no desenvolvimento de práticas docentes ou que tais práticas são mediadas por TICs, como é o caso das pesquisas de Ricoy e Couto (2014)RICOY, M. C.; COUTO, M. J. V. S. As boas práticas com TIC e a utilidade atribuída pelos alunos recém-integrados à universidade. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 897-912, out./dez. 2014. https://doi.org/10.1590/S1517-97022014005000005
https://doi.org/10.1590/S1517-9702201400...
, Melo (2017)MELO, J. F. R. Inovação educacional aberta de base tecnológica: a prática docente apoiada em tecnologias emergentes. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. e Bicalho (2022)BICALHO, R. N. M. Desenvolvimento e inovação do self: práticas docentes mediadas pelas TIC no marco da nova ecologia de aprendizagem. Tese (Doutorado em Psicologia do Desenvolvimento e Escolar) – Universidade de Brasília, Brasília, 2022..

A base teórica das produções acadêmicas sobre inovação e diversidade também apresenta grande variedade, desde a neurociência (Huberman, 1976HUBERMAN, A. M. Como se realizam as mudanças em educação: subsídios para o estudo do problema da inovação. São Paulo: Cultrix, 1976.) a self dialógico (Hermans, 2001HERMANS, H. J. M. The dialogical self: towards a theory of personal and cultural positioning. Culture & Psychology, v. 7, n. 3, p. 243-282, 2001. https://doi.org/10.1177/1354067X0173001
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)4 4 Santos e Gomes (2010, p. 360) indicam que essa “teoria enfoca a estruturação da mente humana a partir das relações entre seus componentes, e não de sua natureza”. . Chama atenção que alguns documentos como da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2015ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OECD). Education at a glance 2015: indicators. OECD, 2015.) e de Vincent-Lancrin et al. (2014)VINCENT-LANCRIN, S.; ATKINSON, A.; PFOTENHAUER, S.; KÄRKKÄINEN, K.; JACOTIN, G.; RIMINI, M. Measuring innovation in education: a new perspective. Paris: OECD, 2014. são referidos como base teórica em algumas produções acadêmicas, como Sahb (2016)SAHB, W. F. Tecnologias digitais da informação e comunicação e o processo de expansão e integração da educação superior no Mercosul. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016., Melo (2017)MELO, J. F. R. Inovação educacional aberta de base tecnológica: a prática docente apoiada em tecnologias emergentes. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. e Lopez et al. (2022), assumindo como consenso as ideias advindas dessa agência.

Jaume Sebarroja CarbonellCARBONELL, J. A aventura de inovar: a mudança na escola. Porto Alegre: Artmed, 2002.5 5 Sociólogo da educação, professor da Universidad de Vic, Catalunha, Espanha. é um autor que se destaca como referência teórica em muitas produções (Silveira, 2009SILVEIRA, V. C. Geografia dos sentidos: a atuação do professor de Geografia no processo de inclusão. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.; Harres et al., 2018; Silva, 2021SILVA, R. R. D. Por uma agenda curricular democrática com foco na inovação educativa para o Brasil. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 37, e25641, 2021. https://doi.org/10.1590/0102-469825641
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; Lopez et al., 2022LOPEZ, C. M.; ALCOFORADO, J. L. M.; SABORIDOI, D. M.; SEIJO, J. C. T. Fatores de inovação docente em Portugal segundo os professores. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 27, e270015, 2022. https://doi.org/10.1590/S1413-24782022270015
https://doi.org/10.1590/S1413-2478202227...
). Seu livro intitulado A aventura de inovar: a mudança na escola (2002), lançado no Brasil pela Artmed, é a obra que mais se repete nas produções analisadas. Desse autor, sobressaem as ideias de que: inovação educacional é uma série de intervenções que promovem mudanças de atitudes, ideias e práticas pedagógicas (Lopez et al., 2022LOPEZ, C. M.; ALCOFORADO, J. L. M.; SABORIDOI, D. M.; SEIJO, J. C. T. Fatores de inovação docente em Portugal segundo os professores. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 27, e270015, 2022. https://doi.org/10.1590/S1413-24782022270015
https://doi.org/10.1590/S1413-2478202227...
); inovação é um processo que se situa entre a melhoria e a transformação da instituição (Silva, 2021SILVA, R. R. D. Por uma agenda curricular democrática com foco na inovação educativa para o Brasil. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 37, e25641, 2021. https://doi.org/10.1590/0102-469825641
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); inovação está mais concentrada nos meios que nos fins (Silveira, 2009SILVEIRA, V. C. Geografia dos sentidos: a atuação do professor de Geografia no processo de inclusão. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.); e a inovação pedagógica necessita de uma formação colaborativa para mudar a escola (Harres et al., 2018HARRES, J. B. S.; LIMA, V. M. R.; DOLORD, G. C. C.; SUSA, C. I. C.; MARTINEZ, R. I. P. Constituição e prática de professores inovadores: um estudo de caso. Revista Ensaio, v. 20, e2679, 2018. https://doi.org/10.1590/1983-21172018200107
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).

Esse mesmo autor publicou, em 2016, o livro Pedagogias do século XXI: bases para a inovação educativa, pela editora Penso, no qual enfatiza as pedagogias não institucionais, a educação expandida entre o não formal e o informal, a cidade educadora, a aprendizagem-serviço, que denotam uma aproximação com os preceitos identificados nos documentos aqui analisados.

Essas indicações levam a refletir que a propalada inovação educacional e pedagógica está filiada ao pensamento pós-moderno, que articula, ao mesmo tempo, aprendizagens individualizadas e a valorização do pluralismo e da diversidade. Silva (2022, p. 12)SILVA, A. M. A agenda pós-moderna na educação e o trabalho docente. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 14, n. 3, p. 11-18, dez. 2022. https://doi.org/10.9771/gmed.v14i3.52358
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afirma:

O pós-modernismo busca criar um modo de vida baseado na pluralidade, mas que tem como força motriz a fragmentação. É nisso que consiste também a base do neoliberalismo, com suas redefinições estruturais cujos elementos constitutivos compõem um novo bloco histórico mundial, com implicações na economia, na política e na cultura das sociedades contemporâneas.

Além das produções acadêmicas sobre inovação e diversidade, chamam a atenção as organizações que tratam desse tema no Brasil, como, por exemplo, a Porvir6 6 Atua desde 2012, mapeando e difundindo referenciais para a transformação educacional. Disponível em: https://porvir.org. Acesso em: 15/12/2015 e o Insper7 7 Instituição de ensino superior e de pesquisa que busca promover a transformação com a formação de líderes inovadores e pesquisa aplicada. Disponível em: https://www.insper.edu.br. Acesso em: 02/03/2023. . Ambos têm a formação dos educadores como ponto central, com a compreensão da utilização das novas tecnologias como fundamental para a inovação educacional. No âmbito desse projeto, o horizonte de formação para a classe trabalhadora aponta para o trabalho flexível e plataformizado.

Para Silva (2022)SILVA, A. M. A agenda pós-moderna na educação e o trabalho docente. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 14, n. 3, p. 11-18, dez. 2022. https://doi.org/10.9771/gmed.v14i3.52358
https://doi.org/10.9771/gmed.v14i3.52358...
, é necessária a reflexão crítica sobre a plataformização/uberização:

O trabalho plataformizado possui diferentes facetas: formas de contratação e de remuneração, trabalho por tarefa, hierarquias rígidas (na maioria das vezes invisíveis) devido a comunicação restrita com as máquinas e aos softwares de controle por algorítimo. São grandes corporações que, sob a hegemonia do capital financeiro, apresentam articuladamente pelo menos três elementos essenciais para o seu funcionamento: 1) uso intenso de novas tecnologias; 2) disponibilidade de uma imensa força de trabalho sobrante, ávida por qualquer trabalho; 3) adaptação psicofísica do trabalhador

(Silva, 2022SILVA, A. M. A agenda pós-moderna na educação e o trabalho docente. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 14, n. 3, p. 11-18, dez. 2022. https://doi.org/10.9771/gmed.v14i3.52358
https://doi.org/10.9771/gmed.v14i3.52358...
, p. 14).

As análises desenvolvidas com base na revisão de literatura permitem afirmar que as disputas por um projeto social também estão presentes nas produções acadêmicas aqui referidas. Observamos que parte da produção analisada está em consonância com os preceitos difundidos pelos documentos que enaltecem a inovação educacional numa perspectiva liberal e conservadora.

Considerações finais

Observamos a centralidade da relação inovação educacional e diversidade no projeto educacional em curso proposto para a classe trabalhadora. Portanto, esse projeto contempla os sujeitos e grupos que, no Brasil, identificamos como estudantes da educação especial.

Objetivamos expor, de forma crítica, o uso do slogan inovação educacional como parte de um projeto societário que tem entre seus objetivos a adequação permanente dos trabalhadores para o alcance dos níveis de produtividade necessários para o desenvolvimento do capital. É com esse sentido que apreendemos o ODS 4, “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (ONU, 2016ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. ONU, 2016. Disponível em: agenda2030-pt-br.pdf (un.org). Acesso em: 12 abril 2024.
agenda2030-pt-br.pdf...
, p. 19).

Conforme a base crítica à qual nos filiamos, não abstraímos a educação especial das relações sociais e, por conseguinte, consideramos os estudantes da modalidade como trabalhadores em formação que são atingidos pelo projeto do capital. Podemos questionar, então, o consenso que está sendo produzido no que tange à educação especial quando relacionada à inovação educacional e diversidade.

Em nosso estudo, identificamos que a inovação educacional se expressa, pelo menos, por três aspectos: pelas TICs, pela gestão educacional e pelas práticas pedagógicas. Quanto à educação especial, formulamos as seguintes questões:

  • A utilização de TICs na educação especial tem destaque relativo à comunicação, apoiada em uma educação instrumentalista, mas é tratada como recurso educacional. Inovação educacional na educação especial teria seu foco nos recursos de acessibilidade? Articulando o uso das TICs com novas formas de ensinar e aprender difundidas como inovação educacional, a ênfase nos recursos de acessibilidade seria elemento facilitador ou indutor do uso de metodologias ativas de aprendizagem?;

  • A educação especial, como constitutiva dos sistemas educacionais nacionais, com vistas à inovação educacional, pode ser concebida como não escolar? Pode ser proposta como uma educação não formal ou informal? Pode ser ofertada por instituições educativas não públicas, no regime de parcerias público-privadas? O slogan inovação educacional seria argumento facilitador dessas práticas?;

  • Os preceitos da inovação contribuem para a defesa de uma concepção de aprendizagem individualizada para os estudantes da educação especial? Com base na “pedagogia da solidariedade e colaborativa”, o foco do trabalho pedagógico da educação especial inovadora poderia ser pensado como fundamentado prioritariamente no cuidado e na convivência?

Compreendemos que a proposição de inovação educacional aqui discutida está limitada a uma concepção de mundo cuja base é o pensamento liberal e conservador da realidade social. Nossa crítica se dirige à sua insuficiência para contribuir com reflexões que tenham como horizonte as transformações sociais necessárias para o desenvolvimento humano em uma abordagem emancipatória. Também consideramos que os princípios liberais e conservadores estão presentes nas perspectivas pedagógicas, de gestão educacional e lastreados nas plataformas digitais propostas para a educação e a formação de professores que fazem a defesa da inovação educacional. Não temos acordo em inovar para manter padrões de desigualdade ao diferenciar sujeitos nos processos e objetivos de ensino e aprendizagem, compreendendo que isso contribui para a exclusão escolar. Mais que inovar, é preciso mobilizar processos de transformação social e educacional.

Notas

  • 1
    Informações disponíveis em www.summaedu.org. Acesso em: 10 fev. 2023. Conta com a participação de cerca de 40 países, dos quais destacamos aqueles que pertencem à América Latina: Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Peru e Uruguai.
  • 2
    Pelo menos dois outros relatórios emblemáticos foram produzidos por comissões e publicados pela Unesco em relação ao papel da educação: Faure (1972) e Delors (1996).
  • 3
    Instituído pela Portaria nº 971, de 9 de outubro de 2009. Apresenta mais três versões, em 2011, 2013 e 2014.
  • 4
    Santos e Gomes (2010, p. 360)Santos, M. A.; Gomes, W.B. Self Dialógico: teoria e pesquisa. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 2, p. 353-361, abr./jun. 2010. Disponível em: SciELO - Brasil - Self dialógico: teoria e pesquisa Self dialógico: teoria e pesquisa. Acesso em: 15/10/2012. indicam que essa “teoria enfoca a estruturação da mente humana a partir das relações entre seus componentes, e não de sua natureza”.
  • 5
    Sociólogo da educação, professor da Universidad de Vic, Catalunha, Espanha.
  • 6
    Atua desde 2012, mapeando e difundindo referenciais para a transformação educacional. Disponível em: https://porvir.org. Acesso em: 15/12/2015
  • 7
    Instituição de ensino superior e de pesquisa que busca promover a transformação com a formação de líderes inovadores e pesquisa aplicada. Disponível em: https://www.insper.edu.br. Acesso em: 02/03/2023.

Agradecimentos

Não se aplica.

Declaração de disponibilidade de dados

Todos os dados foram apresentados/gerados no presente artigo.

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Editoras Associadas:

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2023
  • Aceito
    12 Jan 2024
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