RESUMO
Este artigo trata do uso de um livro didático digital acessível construído na perspectiva do desenho universal para a aprendizagem. O estudo quantitativo e qualitativo foi realizado em escolas públicas de quatro redes da Baixada Fluminense com a participação de 21 crianças com deficiências, seus professores de turmas comuns e do atendimento educacional especializado, assim como os colegas de turma. A análise, à luz da teoria histórico-cultural, problematiza os conceitos como inovação pedagógica, mediação pedagógica e uso de recursos tecnológicos na escola.
Palavras-chave
Tecnologias digitais; Educação inclusiva; Livro didático digital acessível; Inovação pedagógica; Educação especial
ABSTRACT
This article focuses on the use of an accessible digital textbook built based on the perspective of the universal design for learning. The quantitative and qualitative study was carried out in public schools of four teaching networks of Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Brazil, with the participation of 21 students with disability, their teachers from regular classes and the specialized educational service, as well as the classmates. The analysis, according to the cultural-historical theory, problematizes concepts such as pedagogical innovation, pedagogical mediation, and use of technological resources at school.
KEYWORDS
Digital technologies; Inclusive education; Accessible digital textbook; Pedagogical innovation; Special education
Introdução
Desde os anos 2000, vivenciamos mudanças nas diretrizes políticas brasileiras referentes às propostas de escolarização de estudantes com deficiências, sobretudo com as diretrizes e os programas elaborados com base na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) (Brasil, 2008BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC, Secadi, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 18 mar. 2023.
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/po...
; 2009bBRASIL. Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, n. 190, p. 17, 5 out. 2009b.; 2011BRASIL. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, n. 221, p. 12, 18 nov. 2011.), alinhada aos avanços na construção de um sistema jurídico protetivo com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Brasil, 2009aBRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, n. 163, p. 3, 26 ago. 2009a.) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Brasil, 2015BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, n. 127, p. 2-11, 7 jul. 2015.).
Tais diretrizes políticas, pautadas nos princípios dos direitos humanos, têm como eixo central a noção ampliada de acessibilidade em diferentes dimensões: arquitetônica, comunicacional, instrumental, metodológica, curricular e atitudinal. Assim, com base nos documentos, a acessibilidade é um imperativo a ser assumido nas instituições de pesquisa e ensino a fim de viabilizar os direitos das pessoas com deficiência à aprendizagem. Embora a centralidade da acessibilidade seja paradoxal ao que induz, reconhecendo os limites desse conceito, assumimos os princípios de acessibilidade segundo a ideia de que a diversidade é constitutiva do humano e da necessidade de construção de estratégias educacionais que atendam, no processo de produção coletiva do conhecimento, às singularidades de cada aluno, com deficiência ou não (Souza; Dainez, 2022SOUZA, F. F.; DAINEZ, D. Defectologia e educação escolar: implicações no campo dos direitos humanos. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 47, e116863, 2022. https://doi.org/10.1590/2175-6236116863vs01
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).
Nessa direção, em que pesem os avanços legais e pedagógicos, inúmeras pesquisas vêm apresentando dados sobre as barreiras sociais e educacionais enfrentadas pelas pessoas com deficiência. Esta pesquisa mostra que, na educação, uma das principais barreiras se refere à precariedade das propostas político-pedagógicas de acessibilidade curricular e de acesso a materiais didáticos. Isso corrobora os achados de Braun (2012)BRAUN, P. Uma intervenção colaborativa sobre os processos de ensino e aprendizagem do aluno com deficiência intelectual. 324f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012., Dainez (2014)DAINEZ, D. Constituição humana, deficiência e educação: problematizando o conceito de compensação na perspectiva histórico-cultural. 125f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. , Lago (2014)LAGO, D. Atendimento educacional especializado para alunos com deficiência intelectual baseado no coensino em dois municípios. 229f. Tese (Doutorado em Educação Especial) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014., Pletsch (2014PLETSCH, M. D. Repensando a inclusão escolar: diretrizes políticas, práticas curriculares e deficiência intelectual. Rio de Janeiro: Nau, 2014.; 2018)PITANO, S. C.; NOAL, R. E. Cegueira e representação mental do conhecimento por conceitos: comparação entre cegos congênitos e adquiridos. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 22, n. 2, p. 128-137, 2018. https://doi.org/10.4013/edu.2018.222.02
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, Kassar, Rebelo e Jannuzzi (2019)KASSAR, M. C. M.; REBELO, A. S.; JANNUZZI, G. S. M. Educação especial como política pública: um projeto do regime militar? Archivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 27, p. 61-82, 2019. https://doi.org/10.14507/epaa.27.4479
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, entre tantos outros.
Segundo levantamento realizado por Souza, Pletsch e Souza (2020)SOUZA, I. M. S.; PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Livro didático digital acessível no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 51, p. 216-236, 2020. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20200108
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, o livro didático é o recurso mais utilizado nas escolas públicas brasileiras, assim como em outros países da América Latina e do Caribe. Contudo, como já sinalizado pelas autoras, no Brasil, embora o Programa Nacional do Livro Didático tenha como objetivo a aquisição de materiais didáticos para todos os alunos do ensino fundamental e do ensino médio, incluindo aqueles que apresentam alguma deficiência, “totalizando cerca de 128 milhões de livros distribuídos” (Brasil, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Relatório de Gestão Consolidado: exercício de 2015. Brasília: Secretaria Executiva, MEC, 2016. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/marco-2017-pdf/61491-relatorio-gestao-exercicio-2015-se-pdf/file. Acesso em: 18 mar. 2023.
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, p. 38), ele não apresenta diretrizes nem investimentos para a produção de materiais didático-pedagógicos acessíveis necessários para a garantia da participação das pessoas com deficiência no processo educacional.
Nesse contexto, este artigo sintetiza os principais aspectos metodológicos e resultados de uma investigação que teve como objetivos a avaliação e a validação de um protocolo para a produção de um livro didático digital acessível (LDA), construído conforme os princípios de acessibilidade do desenho universal para a aprendizagem (DUA), considerando as especificidades de estudantes com deficiência intelectual, baixa visão, cegueira, autismo e surdez.
Esse projeto foi uma iniciativa internacional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) denominada Inclusive, Equitable, and Quality Education for All. Todas as fases e os resultados completos da pesquisa realizada no Brasil foram publicados no relatório, em português e inglês1
1
Protocolo inicial do Unicef disponível em https://www.accessibletextbooksforall.org/es/historias/requerimientos-para-el-usuario. Acesso em: 20 mar. 2023. Relatórios finais do projeto desenvolvido no Brasil disponíveis em: https://obee.ufrrj.br/wp-content/uploads/2018/09/Projeto-Desenho-Universal-para-a-Aprendizagem-Implementa%C3%A7%C3%A3o-e-avalia%C3%A7%C3%A3o-do-protocolo-do-livro-digital-acess%C3%ADvel.pdf e https://encontrografia.com/978-65-88977-67-5/. Acesso em: 20 mar. 2023.
. Já as análises específicas do estudo com os estudantes com deficiência intelectual e estudantes com surdez foram publicadas respectivamente por Gomes e Souza (2020)GOMES, E. M. L. S.; SOUZA, F. F. Pedagogia visual na educação de surdos: análise dos recursos visuais inseridos em uma LDA. Revista Docência e Cibercultura, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 99-120, 2020. https://doi.org/10.12957/redoc.2020.49323
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e Souza, Pletsch e Souza (2020)SOUZA, I. M. S.; PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Livro didático digital acessível no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 51, p. 216-236, 2020. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20200108
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.
Aspectos metodológicos e éticos
Conforme já sinalizado anteriormente, este artigo apresenta, de forma resumida, os resultados do Projeto Desenho Universal para a Aprendizagem: implementação e avaliação do protocolo do livro digital acessível (Pletsch, 2018PLETSCH, M. D. Projeto Desenho Universal para a Aprendizagem: implementação e avaliação do protocolo do livro digital acessível. Rio de Janeiro: UFFRJ, 2018. (Relatório Técnico Científico.) Disponível em: https://obee.ufrrj.br/wp-content/uploads/2018/09/Projeto-Desenho-Universal-para-a-Aprendizagem-Implementa%C3%A7%C3%A3o-e-avalia%C3%A7%C3%A3o-do-protocolo-do-livro-digital-acess%C3%ADvel.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023.
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) e o Protocolo do Unicef revisado, no Apêndice 1. A investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Processo nº 23267.000959/2017-76 e Protocolo nº 963/2017.
O projeto foi organizado em duas etapas. A primeira, nos anos de 2015 e 2016, reuniu especialistas em países da América Latina e Caribe, por meio de oficinas, para a elaboração de um protocolo com diretrizes para a produção de LDA na perspectiva DUA. A ideia era ter um protocolo técnico que pudesse instrumentalizar as editoras na construção de LDA, a fim de que esses livros fossem disponibilizados juntamente com livros didáticos em papel para os sistemas de ensino de diversos países.
No Brasil, entre os parceiros técnicos do Unicef, o Movimento Down2
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Ver http://www.movimentodown.org.br/. Acesso em: 22 Mar. 2024.
coordenou uma série de oficinas com órgãos públicos, terceiro setor e pesquisadores da área da educação, a fim de elaborar um protocolo inicial tendo como foco os estudantes com deficiência intelectual, como apresentado por Souza, Pletsch e Souza (2020)SOUZA, I. M. S.; PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Livro didático digital acessível no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 51, p. 216-236, 2020. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20200108
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. As autoras descrevem detalhadamente as etapas dessa fase, que foram organizadas em oficinas de acordo com os seguintes princípios do DUA:
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Produção de informação em diferentes mídias;
-
Uso de recursos de manipulação de forma e conteúdos digitais (audiodescrição, vídeos para pessoas com deficiências sensoriais);
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Recursos de ampliação de repertório (alteração do tamanho do texto e das imagens, cor, animações, sons, entre outros);
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Recursos de compreensão de textos (box com dicas de filmes, livros sobre o conteúdo abordado);
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Recursos para destaque de conceitos (antecipar vocabulário, destacar expressões);
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Recursos de imagem (ilustrações, fotografias, mapas, conceitos-chave em formato de imagem, ícones, símbolos);
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Recursos para experimentação de conceitos (simulações, exercícios de manipulação e experimentação física dos conceitos);
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Recursos de organizadores avançados (mapas conceituais, glossários e outros);
-
Recursos para expressão dos alunos (atividades com apresentações orais, vídeos, textos em diversos formatos, entre outros) (Cast, 2011CAST. Universal Design for Learning Guidelines version 2.0. Wakefield: Cast, 2011.; Movimento Down, 2015MOVIMENTO DOWN. Desenho universal para livros didáticos. Movimento Down, 2015. Disponível em: http://www.movimentodown.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Manual-FINAL-bibliografia.pdf. Acesso em: 10 out. 2020.
http://www.movimentodown.org.br/wp-conte... ; Pletsch, 2018PLETSCH, M. D. Projeto Desenho Universal para a Aprendizagem: implementação e avaliação do protocolo do livro digital acessível. Rio de Janeiro: UFFRJ, 2018. (Relatório Técnico Científico.) Disponível em: https://obee.ufrrj.br/wp-content/uploads/2018/09/Projeto-Desenho-Universal-para-a-Aprendizagem-Implementa%C3%A7%C3%A3o-e-avalia%C3%A7%C3%A3o-do-protocolo-do-livro-digital-acess%C3%ADvel.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023.
https://obee.ufrrj.br/wp-content/uploads... ; Souza; Pletsch; Souza, 2020SOUZA, I. M. S.; PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Livro didático digital acessível no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 51, p. 216-236, 2020. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20200108
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Após a elaboração do protocolo denominado piloto, validado e aprimorado por núcleos de outros países, que tinha como foco pessoas com autismo, deficiência auditiva e visual, os objetivos da segunda etapa foram avaliar e validar o protocolo piloto em escolas do ensino fundamental no Brasil. Essa segunda etapa ocorreu entre os anos de 2016 e 2018 (Pletsch, 2018PLETSCH, M. D. Projeto Desenho Universal para a Aprendizagem: implementação e avaliação do protocolo do livro digital acessível. Rio de Janeiro: UFFRJ, 2018. (Relatório Técnico Científico.) Disponível em: https://obee.ufrrj.br/wp-content/uploads/2018/09/Projeto-Desenho-Universal-para-a-Aprendizagem-Implementa%C3%A7%C3%A3o-e-avalia%C3%A7%C3%A3o-do-protocolo-do-livro-digital-acess%C3%ADvel.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023.
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; Souza, 2018SOUZA, I. M. S. Desenho universal para a aprendizagem de pessoas com deficiência intelectual. 129f. Dissertação (Mestrado em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 2018.; Souza; Pletsch; Souza; 2020SOUZA, I. M. S.; PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Livro didático digital acessível no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 51, p. 216-236, 2020. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20200108
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).
Como descrito detalhadamente no relatório técnico científico intitulado Projeto Desenho Universal para a Aprendizagem: implementação e avaliação do protocolo do livro digital acessível (Pletsch, 2018PLETSCH, M. D. Projeto Desenho Universal para a Aprendizagem: implementação e avaliação do protocolo do livro digital acessível. Rio de Janeiro: UFFRJ, 2018. (Relatório Técnico Científico.) Disponível em: https://obee.ufrrj.br/wp-content/uploads/2018/09/Projeto-Desenho-Universal-para-a-Aprendizagem-Implementa%C3%A7%C3%A3o-e-avalia%C3%A7%C3%A3o-do-protocolo-do-livro-digital-acess%C3%ADvel.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023.
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), essa etapa ficou sob a responsabilidade do Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional3
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Ver http://obee.ufrrj.br/. Acesso em: 22 Mar. 2023.
da UFRRJ, com o apoio de pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em diálogo permanente com as gestoras de educação especial das redes públicas de ensino da Baixada Fluminense, por meio do Fórum Permanente de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Baixada e Sul Fluminense4
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O Fórum Permanente de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Baixada e Sul Fluminense foi criado em 2015 no âmbito do Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional/UFRRJ.
.
Aqui cabe lembrarmos que a Baixada Fluminense é a segunda maior região metropolitana do Brasil, composta de cerca de quatro milhões de brasileiros, e um dos territórios com maiores problemas sociais do país. Esse território periférico, conurbado à cidade do Rio de Janeiro (RJ), é historicamente marcado pela ausência do Estado no desenvolvimento de políticas sociais, pelo alto índice de violência e por discrepantes indicadores em relação à pobreza e renda, apontando para altos níveis de desigualdade (Silva; Oliveira Junior; Borges, 2020SILVA, P. C. B.; OLIVEIRA JUNIOR, R. R. O.; BORGES, M. S. Cenários de desigualdades territoriais no Brasil: um estudo sobre a Baixada Fluminense (RJ). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 6, n. 9, p. 72767-72779, set. 2020. https://doi.org/10.34117/bjdv6n9-648
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). Especificamente em relação à educação, 11 dos 13 municípios da Baixada Fluminense ficaram na lista das 15 piores redes municipais de ensino do estado do Rio de Janeiro no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de 2018, e todos os municípios apresentam desigualdade de aprendizagem na síntese dos dados do Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (2022)INDICADOR DE DESIGUALDADES E APRENDIZAGENS (IDEA). Veja a situação da aprendizagem e da desigualdade nos municípios brasileiros. IDeA, 2022. Disponível em: https://portalidea.org.br/idea/. Acesso em: 12 mar. 2022.
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.
Nessa etapa da pesquisa, como descrito detalhadamente no relatório final da investigação, as atividades e a equipe (professores, designers, tecnólogos) foram organizadas em quatro grupos de trabalho em diferentes áreas:
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Escolha de um livro didático para a construção do protótipo do LDA;
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Elaboração do protótipo pautado no protocolo inicial do Unicef;
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Modelagem e programação do protótipo do LDA;
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Aplicação do protótipo do LDA em escolas das redes públicas da Baixada Fluminense.
O primeiro passo dessa segunda etapa do projeto foi a seleção do livro didático. Para tal, foi escolhido o livro mais utilizado nas escolas brasileiras de ensino fundamental I no ano de 2015, segundo dados do Programa Nacional do Livro Didático/Ministério da Educação (MEC). Posteriormente, foi iniciada a construção do protótipo para uso em tablet, conforme os seguintes passos:
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Modelagem e revisão de um capítulo do livro didático da área de estudos sociais (que abrange conteúdo específico de ciências, mas também de língua portuguesa);
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Revisão de uma plataforma digital acessível para inserção dos conteúdos do livro didático5 5 Uma primeira versão do protótipo foi produzida em 2016 por Pedro Milliet, com base nas indicações da equipe coordenada pelo Movimento Down, formada pelas pesquisadoras Márcia Denise Pletsch (UFRRJ), Patrícia Braun (Uerj), Márcia Marin (Colégio Pedro II), Talita Matos (Movimento Down) e Daniela Marçal (Movimento Down). ;
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Testagem piloto do protótipo da UFRRJ em uma escola pública da Baixada Fluminense (Souza, 2018SOUZA, I. M. S. Desenho universal para a aprendizagem de pessoas com deficiência intelectual. 129f. Dissertação (Mestrado em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 2018.; Souza; Pletsch; Souza, 2020SOUZA, I. M. S.; PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Livro didático digital acessível no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 51, p. 216-236, 2020. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20200108
https://doi.org/10.5935/2238-1279.202001... ); -
Aplicação do protótipo final do LDA com avaliação dos pesquisadores, professores da educação básica e pessoas com deficiência.
O protótipo final contava com diversos dispositivos de acessibilidade: menu com a disponibilidade das estratégias de acessibilidade, janela de língua brasileira de sinais (Libras) a cada enunciado e atividades, botões sonoros, leitor de texto com acompanhamento em cores de destaque, ampliação de letras, audiodescrição de imagens, contrastes de texto e fundo da tela, imagens e vídeos relativos aos conceitos da unidade didática, links de apoio com outras formas de apresentação de conceitos, entre outros dispositivos, organizados em recursos/estratégias de baixa, média e alta complexidades.
Para a etapa da pesquisa nas escolas, foram organizadas quatro equipes de campo responsáveis pelas seguintes áreas: deficiência intelectual, surdez, deficiência visual (cegueira e baixa visão) e autismo. Importante mencionar que essas equipes participaram de três seminários de formação para aprofundar e alinhar os aspectos teórico-metodológicos para o desenvolvimento das atividades de pesquisa nas escolas.
Como abordado por Souza (2018)SOUZA, I. M. S. Desenho universal para a aprendizagem de pessoas com deficiência intelectual. 129f. Dissertação (Mestrado em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 2018., paralelamente ao desenvolvimento do projeto, foi realizada uma formação continuada com 200 professores de classes comuns de ensino e do atendimento educacional especializado (AEE) por meio de um curso de extensão de 120 horas sobre tecnologia e acessibilidade. A aplicação do protótipo do livro digital se deu na escola de alguns dos participantes dessa formação. Cabe dizer, mesmo que sucintamente, que nessa fase houve duas reuniões com os professores de sala de aula comum e de AEE com os objetivos de apresentar o material do tablet e analisar a adequabilidade do conteúdo e das estratégias de acessibilidade do livro. Também foram estruturadas as estratégias de mediação pedagógica com o uso do livro nas suas aulas em parceria com a equipe de pesquisa.
As intervenções ocorreram durante as aulas nas salas comuns e no AEE com os alunos com deficiência intelectual, autismo e baixa visão. Tal estratégia possibilitou avaliar diferentes questões, tais como: a interação, a participação, a colaboração entre pares e a usabilidade do LDA pelos sujeitos de forma individual e coletiva com os colegas de turma.
No caso dos estudantes surdos, conforme as indicações da PNEEPEI (Brasil, 2008BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC, Secadi, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 18 mar. 2023.
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), a pesquisa ocorreu em duas classes bilíngues do primeiro ciclo do ensino fundamental, sendo dois encontros em sala de aula e dois em uma sala de informática onde aconteciam atividades do AEE, conforme descrito por Gomes e Souza (2020)GOMES, E. M. L. S.; SOUZA, F. F. Pedagogia visual na educação de surdos: análise dos recursos visuais inseridos em uma LDA. Revista Docência e Cibercultura, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 99-120, 2020. https://doi.org/10.12957/redoc.2020.49323
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. Já no caso dos estudantes cegos, a maioria das redes organiza salas e escolas-polo para que eles, no início de sua trajetória escolar, tenham acesso ao braille e aprendam a utilizar outros recursos da tecnologia assistiva. Essa estratégia tem sido uma alternativa adotada pelas redes de ensino, uma vez que a região enfrenta dificuldades em contratar professores especializados para atuar nas escolas e para adquirir recursos tecnológicos.
Participaram dessa etapa do estudo cinco redes públicas de educação básica, sendo: 21 alunos com deficiência (cinco com deficiência intelectual, quatro com autismo, quatro com cegueira, quatro com baixa visão e quatro alunos surdos), cerca de 350 colegas de turma dos alunos com deficiência matriculados em quatro salas de aula comuns, 21 professores das turmas comuns e 17 professores do AEE, todos dos primeiros anos do ensino fundamental I. Ainda, contamos com o engajamento dos gestores da modalidade da educação especial.
A média de idade dos participantes variou muito: 31% entre 7 e 8 anos de idade, 10% entre 8 e 9 anos, 48% acima de 9 anos, e 11% não informou a idade na ficha de registro. Considerando que a pesquisa teve como foco os primeiros anos do ensino fundamental I, é possível dizer que há defasagem idade-série, indicativo do processo de escolarização dos alunos com deficiência aliado à vida em situação de vulnerabilidade social da população envolvida no estudo.
O número de alunos por sala de aula pesquisada também variou muito. Aqui é importante lembrarmos que as turmas para alunos surdos e alunos com deficiência visual (cegos e com baixa visão) possuem quantitativo menor, levando-se em conta as especificidades do trabalho desenvolvido. Já nas turmas do ensino regular com alunos com autismo matriculados, por exemplo, encontramos um quantitativo pequeno de alunos por turma, entre 14 e 17 crianças, se considerarmos a média de 25 alunos por turma no Brasil. Em relação aos docentes, embora o estudo tenha contado com alguns professores com pouco tempo de atuação nas redes públicas, a grande maioria tem pós-graduação e mais de 20 anos de atuação com alunos com deficiência.
Todas as intervenções foram registradas em videogravações, fotografias e diários de campo. Igualmente, contamos com o registro das observações sobre indicadores de acessibilidade e estratégias de mediação pedagógica em dois instrumentos semiestruturados elaborados para serem preenchidos pelos pesquisadores durante as intervenções. Esse instrumento gerou dados quantitativos para o estudo.
No processo de análise, com participação dos professores da educação básica, inicialmente, cada equipe apresentou os dados construídos de forma quantitativa e qualitativa. Posteriormente, de modo coletivo, foram organizadas as análises das equipes em diálogo com os pressupostos da teoria histórico-cultural e com a produção da área para elaboração de uma primeira revisão do protocolo.
De posse do protocolo revisado, ele foi submetido à apreciação em duas audiências públicas realizadas em formato de seminário. A primeira contou com estudo e revisão do documento por pesquisadores da área e usuários. Na segunda audiência, foi ampliada a participação na referida revisão aos profissionais das escolas participantes, gestores das secretarias de Educação, pessoas com deficiência, com transtorno do espectro autista, com surdez e seus familiares. Essas audiências públicas foram importantes para a produção do protocolo final (ver Apêndice 1) e também contribuíram para validar socialmente os resultados. Essa perspectiva considera como premissa de investigação a ideia de produzir conhecimento com os participantes e não sobre eles e suas ações educativas (Pletsch; Souza, 2021PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Devolutiva da pesquisa em educação aos participantes: princípios éticos e validação social. In: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO (ANPED) (org.). Ética e pesquisa em educação: subsídios. Rio de Janeiro: ANPEd, 2021. v. 2. p. 41-46.).
Livro didático digital acessível: Limites e possibilidades na construção das relações de ensino
Nossas análises evidenciaram inúmeras questões sobre a usabilidade do LDA na perspectiva do DUA que viabilizaram a revisão do protocolo inicial e a construção de indagações a respeito do papel do LDA nas relações de ensino, compreendidas conforme a ideia de “conceber o desenvolvimento humano e os processos de ensino/aprendizagem como modos de apropriação da cultura e participação nas práticas sociais. [...] Uma forma de compreender o conhecimento e os próprios modos de conhecer, como produção humana” (Smolka et al., 2008, p. 9). Das questões levantadas, aqui tratamos da usabilidade do tablet e do LDA e do papel do LDA nas estratégias de mediação pedagógica.
No que tange à usabilidade do tablet, apenas 47% dos alunos com deficiência conheciam esse tipo de dispositivo antes da pesquisa na escola. No decorrer do processo de intervenção, 67% dos alunos conseguiram realizar os comandos do equipamento e acessar o livro, e 46% deles só conseguiram manusear o tablet com o suporte dos professores, mesmo para comandos simples, como ligar e desligar. Tal fato também foi percebido com os outros alunos matriculados na turma.
Tais informações são importantes quando confrontamos a ideia de que a geração que está na escola é nativa digital. Neste estudo, realizado com alunos que em sua maioria vivem em situação de pobreza e extrema pobreza, o desconhecimento do tablet e a dificuldade de manusear e acessar os aplicativos do equipamento foram dois fatores que impactaram o processo de investigação. Ademais, em alguns casos, houve um descompasso entre o conteúdo de rotina de vida diária que havia no livro utilizado para o desenvolvimento do protótipo, que era o mais utilizado nas escolas do Brasil, e o contexto de vida dos alunos. Por exemplo, um dos alunos não considerou a atividade banho como diária, e outro aluno teve dificuldade de reconhecer e compreender a refeição que é feita no período noturno, pois em sua casa não há janta, e o lugar da alimentação é na escola.
Para além da vida em situação de deficiência, a pobreza também se coloca como uma barreira de acesso ao conhecimento e impacta de forma crucial as condições sociais de desenvolvimento. Diferentemente do defendido em diversos documentos políticos, os equipamentos tecnológicos em si não são uma forma direta de enfrentamento das desigualdades (Souza, 2021SOUZA, F. F. Desenvolvimento humano e educação das pessoas com deficiência nos documentos das políticas sociais e de direitos humanos no Sistema da ONU: equidade, funcionalidade e tecnologia. In: NOZU, W.; SIEMS, M. E.; KASSAR, M. (org.). Políticas e práticas em educação especial e inclusão escolar. Curitiba: Íthala, 2021. p. 26-38., e a acessibilidade como direito humano deve carregar em si o pressuposto de que a desigualdade social, econômica e política é, antes de tudo, a principal barreira que estrutura os processos de exclusão de direitos em nosso país.
Em relação ao manuseio do LDA e ao acesso ao seu conteúdo, como localizar a informação dos enunciados, compreender o que estava sendo demandado para realizar a atividade e buscar os recursos de apoio, mesmo com diversos dispositivos de acessibilidade, os alunos apresentaram dificuldades para selecionar as atividades. Das ações avaliadas, em geral em torno de 70% dos alunos só conseguiram manusear e acessar o LDA com suporte dos professores e/ou pesquisadores. Vale lembrar, como informado anteriormente, que muitos alunos não tinham conhecimento do equipamento tablet antes da pesquisa.
Tratando-se de algumas singularidades sobre a usabilidade do LDA, é importante destacarmos que já na reunião prévia com as professoras foi sinalizado que as janelas de Libras, com vídeos de um professor sinalizando e interpretando o conteúdo do livro, não seriam tão acessíveis aos alunos, por causa do atraso na aquisição da língua de sinais. Por isso a dificuldade de compreensão dos conteúdos acadêmicos. Assim, o uso de outros recursos de suporte, como imagens do LDA e recursos/objetos pedagógicos disponíveis em sala de aula, foi fundamental no processo de mediação pedagógica com os conceitos que compunham o LDA (Gomes; Souza, 2020GOMES, E. M. L. S.; SOUZA, F. F. Pedagogia visual na educação de surdos: análise dos recursos visuais inseridos em uma LDA. Revista Docência e Cibercultura, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 99-120, 2020. https://doi.org/10.12957/redoc.2020.49323
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).
Na realização das atividades, apenas 4% dos alunos conseguiram ler, interpretar e realizar a atividade de forma independente, o que não fica distante do comportamento dos alunos no processo de interação com os professores em aula quando demandados a responder a algum questionamento sobre o conteúdo do livro. Nessas situações, apenas 6% respondia às demandas com maior autonomia e 59% demandava suporte mais específico dos professores e pesquisadores, como exemplos da vida cotidiana, para que pudesse compreender os conceitos da aula.
Outra questão evidente nesse quesito foi o uso de recursos/objetos pedagógicos complementares ao LDA, tais como: material dourado, mapas conceituais e ideias, objetos em miniatura, espelhos, bonecos, jogos de encaixe, itens de higiene (como escova de dente, sabonete etc.). Durante o processo de intervenção, grande parte das estratégias de mediação pedagógica propostas pelos professores se pautou no uso desses recursos/objetos como suporte para o trabalho com os conceitos abordados no LDA – como, por exemplo, no caso dos alunos com cegueira congênita, que, além de apresentarem singularidades na construção simbólica (Pitano; Noal, 2018PITANO, S. C.; NOAL, R. E. Cegueira e representação mental do conhecimento por conceitos: comparação entre cegos congênitos e adquiridos. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 22, n. 2, p. 128-137, 2018. https://doi.org/10.4013/edu.2018.222.02
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), estavam no início do processo de alfabetização. Assim, mesmo com recursos de audiodescrição no LDA, o uso de objetos e de recursos em miniatura nas estratégias de mediação pedagógica foi imprescindível no processo de construção do conhecimento. Não distante, com os alunos com autismo e aqueles com deficiência intelectual, também o uso de recursos/objetos pedagógicos nas estratégias de mediação pedagógica foi fundamental para atenção e compreensão dos enunciados e conceitos do LDA, o que coincide com análises de outros estudos (Braun, 2012BRAUN, P. Uma intervenção colaborativa sobre os processos de ensino e aprendizagem do aluno com deficiência intelectual. 324f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.; Pletsch; Mendes; Hostins, 2015PLETSCH, M. D.; MENDES, G. M. L.; HOSTINS, R. C. L. A escolarização de alunos com deficiência intelectual: políticas, práticas e processos cognitivos. São Carlos: M&M/ABPEE, 2015.; Almeida, 2016ALMEIDA, R. V. M. A construção do conhecimento e o letramento de alunos com deficiência intelectual. 240f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Goiás, Catalão, 2016.; Campos, 2016CAMPOS, E. C. V. Z. Diálogos entre o currículo e o planejamento educacional individualizado (PEI) na escolarização de alunos com deficiência intelectual. 173f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 2016.; Silva; 2016SILVA, C. Elaboração conceitual no processo de escolarização de alunos com deficiência intelectual no município de Balneário Camboriú: estratégias e mediações na elaboração de conceitos. 134f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2016.; Tretin, 2018TRETIN, V. B. Escolarização de jovens e adultos com deficiência intelectual na Educação de Jovens e Adultos (EJA). 212f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2018.; Souza; Pletsch; Souza, 2020SOUZA, I. M. S.; PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Livro didático digital acessível no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 51, p. 216-236, 2020. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20200108
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).
Como relatado anteriormente, reconhecendo a potência das estratégias de acessibilidade e a motivação dos alunos provocada pelo uso do LDA, o trabalho docente foi central na construção das relações de ensino e das estratégias de mediação pedagógica, o que nos leva a analisar o papel dos instrumentos tecnológicos. Assumindo que o ensino/a aprendizagem é um processo de interação e partilha (prática social e coletiva humana), a centralidade está na mediação humana e semiótica nas relações entre o aluno, o mediador (principalmente o professor, mas também seus pares) e o conhecimento, o qual ocupa lugar de centralidade (Vygotski, 1997VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas I (1924-1934). Madri: Visor, 1997.; Vigotskii, 2010VIGOTSKII, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual em idade escolar. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. (org.). Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 11. ed. São Paulo: Ícone; Editora da USP, 2010. p. 103-118.). Nesses termos, mesmo que com grande potencial para interação do aluno com deficiência com o conhecimento, o papel do LDA é de suporte às estratégias de mediação pedagógica.
Algumas considerações
Diante dos dados e das análises apresentados neste texto, é possível inferir que o trabalho pedagógico dos professores se mostrou determinante para que os alunos pudessem não apenas manusear e utilizar o LDA em tablet, mas também que, sem a mediação pedagógica, a maior parte dos estudantes não teria se beneficiado do recurso pedagógico em formato digital acessível na perspectiva do desenho universal.
Nesse sentido, a pesquisa evidenciou três aspectos importantes para refletirmos sobre o uso da tecnologia em sala de aula, conforme descrito detalhadamente por Pletsch (2018)PLETSCH, M. D. Projeto Desenho Universal para a Aprendizagem: implementação e avaliação do protocolo do livro digital acessível. Rio de Janeiro: UFFRJ, 2018. (Relatório Técnico Científico.) Disponível em: https://obee.ufrrj.br/wp-content/uploads/2018/09/Projeto-Desenho-Universal-para-a-Aprendizagem-Implementa%C3%A7%C3%A3o-e-avalia%C3%A7%C3%A3o-do-protocolo-do-livro-digital-acess%C3%ADvel.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023.
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. Esses três aspectos foram identificados também no estudo piloto com estudantes com deficiência intelectual (Souza, 2018SOUZA, I. M. S. Desenho universal para a aprendizagem de pessoas com deficiência intelectual. 129f. Dissertação (Mestrado em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 2018.; Souza; Pletsch; Souza, 2020SOUZA, I. M. S.; PLETSCH, M. D.; SOUZA, F. F. Livro didático digital acessível no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 51, p. 216-236, 2020. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20200108
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) e na pesquisa envolvendo estudantes com surdez (Gomes; Souza, 2020GOMES, E. M. L. S.; SOUZA, F. F. Pedagogia visual na educação de surdos: análise dos recursos visuais inseridos em uma LDA. Revista Docência e Cibercultura, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 99-120, 2020. https://doi.org/10.12957/redoc.2020.49323
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). São eles:
-
A mediação pedagógica dos professores foi determinante para que os estudantes pudessem se beneficiar do recurso pedagógico em formato digital em tablet. Assim sendo, o uso do recurso pedagógico tecnológico do LDA em tablet se mostrou como mais um recurso didático que, dependendo do uso e da mediação, favorece ou não a aprendizagem dos estudantes;
-
Os alunos participantes do projeto não eram nativos digitais, como comumente se repete na literatura científica e nos meios de comunicação, mas estão inseridos em contextos sociais em que a tecnologia está presente, principalmente pelo uso de telefones celulares. A pesquisa mostrou que parte significativa nunca havia manuseado um tablet, porém muitos sabiam utilizar recursos tecnológicos presentes no livro, como dar zoom para ampliar algo que se quer ver melhor, buscar ícones para comandar uma ação, rolar a apresentação que está na tela de modo curioso e intuitivo, buscando novidades;
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O LDA em tablet se evidenciou como uma ferramenta atrativa e dinâmica que gerou interesse pela atualidade e pela variedade de possibilidades que permite usar vários recursos – imagem, voz, vídeo, retorno sonoro e visual, por exemplo. Todavia, é importante esclarecermos que ele constitui mais um recurso didático de mediação como tantos outros que pode ser utilizado em sala de aula, para garantir os processos de ensino e de aprendizagem para todos os alunos, independentemente das especificidades no desenvolvimento que cada um possa apresentar, como é o caso do público da educação especial, de modo a ampliar as possibilidades de inclusão educacional e, por conseguinte, social.
Com base nessas inferências, avaliamos o protocolo do Unicef e reestruturamo-lo com uma série de recomendações de ordem tecnológica e pedagógica, a fim de garantir maior acessibilidade aos livros didáticos digitais, de acordo com os princípios do DUA. O protocolo pode ser aplicado em livros didáticos digitais em três níveis:
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Baixo custo ou baixa complexidade – engloba um conjunto de funções apenas;
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Médio custo ou média complexidade – abrange as funções presentes no item anterior e deve incorporar novas;
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Alto custo ou alta complexidade – envolve todas as anteriores e, ainda, apresenta aprimoramentos tecnológicos que demandam maior custo financeiro.
Todos os itens foram avaliados por usuários com deficiências e pesquisadores da área e validados em audiência técnica pública aberta à sociedade, como descrito no texto com ampla participação dos movimentos sociais de pessoas com deficiência e profissionais da educação das diferentes redes de ensino da Baixada Fluminense.
Por fim, as problematizações levantadas neste texto são relevantes pelo seu pioneirismo, uma vez que focam no papel do LDA como um instrumento significativo para o aperfeiçoamento e a ampliação de políticas educacionais inclusivas, materializando inovações pedagógicas em ferramentas tecnológicas. Ademais, destacam a centralidade da mediação pedagógica do professor no processo educacional.
Nessa direção, a ideia de inovação pedagógica parece-nos estar mais centrada no professor e nas estratégias de mediação das relações de ensino do que na ferramenta tecnológica propriamente dita. Todavia, recursos tecnológicos como o LDA são aliados importantes para expandir a acessibilidade educacional dessa parcela da população, de forma a fortalecer a sua autonomia e a inclusão educacional e social e, por conseguinte, ampliar as suas oportunidades de melhoria de qualidade de vida. Igualmente, cabe dizer, ainda, que é escassa ou inexistente a pesquisa sobre a acessibilidade em livros didáticos digitais para pessoas com deficiência intelectual, autismo e baixa visão. Nesse sentido, o protocolo, produto deste projeto, por apresentar um conjunto de possibilidades tecnológicas e pedagógicas, é uma importante contribuição científica e social.
Notas
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1
Protocolo inicial do Unicef disponível em https://www.accessibletextbooksforall.org/es/historias/requerimientos-para-el-usuario. Acesso em: 20 mar. 2023. Relatórios finais do projeto desenvolvido no Brasil disponíveis em: https://obee.ufrrj.br/wp-content/uploads/2018/09/Projeto-Desenho-Universal-para-a-Aprendizagem-Implementa%C3%A7%C3%A3o-e-avalia%C3%A7%C3%A3o-do-protocolo-do-livro-digital-acess%C3%ADvel.pdf e https://encontrografia.com/978-65-88977-67-5/. Acesso em: 20 mar. 2023.
-
2
Ver http://www.movimentodown.org.br/. Acesso em: 22 Mar. 2024.
-
3
Ver http://obee.ufrrj.br/. Acesso em: 22 Mar. 2023.
-
4
O Fórum Permanente de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Baixada e Sul Fluminense foi criado em 2015 no âmbito do Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional/UFRRJ.
-
5
Uma primeira versão do protótipo foi produzida em 2016 por Pedro Milliet, com base nas indicações da equipe coordenada pelo Movimento Down, formada pelas pesquisadoras Márcia Denise Pletsch (UFRRJ), Patrícia Braun (Uerj), Márcia Marin (Colégio Pedro II), Talita Matos (Movimento Down) e Daniela Marçal (Movimento Down).
Agradecimentos
Não aplicável.
-
Número temático organizado por: Monica de Carvalho Magalhães Kassar https://orcid.org/0000-0001-5577-6269 y Regina Tereza Cestari de Oliveira https://orcid.org/0000-0001-5500-7478
-
Lei Orçamentária Anual da Universidade Federal Rural do Rio de JaneiroProjeto No: 23267000069/2017/64Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoProjeto No: 442864/2015-9Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de JaneiroProjeto No: E-26/201.535/2014
Declaração de disponibilidade de dados
Todos os dados foram gerados/analisados no presente artigo
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- VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas I (1924-1934) Madri: Visor, 1997.
Apêndice 1. Protocolo final*.
Editoras Associadas:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
04 Mar 2023 -
Aceito
12 Jan 2024