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MULHERES RETRATADAS EM PAPEL E PENA: EDUCAÇÃO E COTIDIANO FEMININO NO SÉCULO XIX

WOMEN DESCRIBED ON PAPER AND QUILL PEN: EDUCATION AND EVERYDAY FEMALE LIFE IN THE 19TH CENTURY

RESUMO

O artigo analisa quatro cartas escritas por Leonarda da Silva Velho, dama da Imperatriz Teresa Cristina, para sua filha, Mariana Velho de Avellar, Viscondessa de Ubá, e uma carta escrita para o seu filho, José Maria Velho da Silva. As missivas abrangem o recorte temporal de 1864 a 1869. Tomadas como arquivos pessoais, as escritas da intimidade são examinadas naquilo que podem depreender de aspectos do cotidiano feminino do século XIX, no que tange à gestão da casa, à educação dos filhos e das filhas, às alusões ao casamento, às relações familiares com os núcleos parentais, à abordagem da escravização doméstica, entre outros aspectos observáveis dos assuntos tratados entre os missivistas.

Palavras-chave
Arquivos pessoais; Cartas; Escritas femininas; Século XIX

ABSTRACT

The article analyzes four letters written by Leonarda da Silva Velho, lady of Empress Teresa Cristina, to her daughter, Mariana Velho de Avellar, Viscountess of Ubá, and one letter written to her son, José Maria Velho da Silva. The missives cover the time frame between 1864 and 1869. Taken as personal archives, the intimate writings are examined considering that they can infer based on aspects of female daily life in the 19th century about house management, children’s education, allusions to marriage, family relationships with the parental nuclei, approach to domestic enslavement, among other observable aspects of the matters discussed between letter writers.

Keywords
Personal archives; Letters; Feminine writings; Nineteenth century

Introdução

Em 1867 foi publicada a quarta edição, “corrigida e consideravelmente augmentada”, do Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século, escrito pelo cônego português José Ignacio Roquette1 1 José Ignacio Roquette nasceu em 1801 na Freguesia de Alcabideche, localizada na região de Cascais, em Portugal. Dedicou-se aos estudos de gramática latina, retórica, filosofia e música. Aos 20 anos, ingressou na Congregação de Santo Antônio de Estoril. Atuou como religioso em paróquias portuguesas e francesas chegando ao cargo de cônego da Sé Patriarcal. Exerceu o magistério no Seminário de Santarém. Foi autor de livros religiosos e compêndios de gramática francesa para portugueses e brasileiros. Sócio correspondente da Academia Real de Ciências de Lisboa, foi agraciado com os títulos de Cavalheiro das Ordens de Nossa Senhora da Conceição em Portugal e da Rosa no Brasil. Faleceu na cidade lusitana de Santarém em 1º de junho de 1870 (Silva, 1860, p. 373-377; Silva, [s.d.], p. 15). . O manual, lançado originalmente em 18452 2 Encontram-se em edições do Jornal de Commercio de 1845 anúncios de venda de Código do bom tom em conhecidos estabelecimentos da corte, como a livraria dos Irmãos Garnier: “Rua do Ouvidor n.69. Vende-se o Código do Bom Tom, rica encadernação, por J. I. Roquette; preço 3$500” (Livraria..., 1845, p. 4). , tem sua narrativa conduzida por uma figura paterna que ensina aos filhos, Theophilo e Eugenia3 3 A introdução de Código do bom tom é intitulada Instrucção Paternal – A Theophilo e a Eugenia (Roquette, 1867, p. 5-17). , sobre a “gramática da sociedade”, entendida como a etiqueta das boas relações sociais. A obra, editada em Paris, França, pelos livreiros de “Suas majestades o Imperador do Brazil e El-Rei de Portugal”, J. P. Aillaud e Guillard, possui 26 capítulos, que versam sobre a compostura necessária para se frequentar bailes, banquetes, velórios, entre outras ocasiões. Ao mesmo tempo, do sumário do Código do bom tom constam regras de conduta para os registros escritos. No Capítulo XIII: Das Cartas são feitos alertas sobre a necessidade de leitores e leitoras compreenderem a escrita epistolar como importante meio de comunicação e insígnia de civilidade:

Depois das visitas e da conversação, o laço social mais extenso e variado é a comunicação epistolar. Admirável invento que aproxima os ausentes dos presentes, encurta distâncias, mitiga as saudades, adoça o dissabor da separação, estreita os vínculos de amizade, nutre na alma o fogo da esperança, e ainda depois da morte conserva um monumento durável da afeição e ternura com que dois corações se amaram. [...] Já vedes pois, meus filhos, quanto é importante a matéria a que vos falo. Tudo quanto vos disse acerca dos tratamentos, dos cumprimentos, e da conversação, tudo deveis ter presente para bem escreverdes uma carta. [...] Limitar-me-ei por tanto a dizer-vos o que é mais essencial, e que de modo algum deve ignorar uma pessoa bem-criada

(Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, p. 208-209)4 4 O conteúdo da citação foi adaptado à ortografia atual, assim como os trechos reproduzidos no decorrer do artigo, retirados da correspondência de Leonarda da Silva Velho. .

Ao longo das 24 páginas de Das Cartas, Theophilo e Eugenia são ensinados sobre como a escolha do papel, a dobradura das páginas e o tipo de escrita não são aleatórios5 5 No Capítulo XIII: Das Cartas, José Ignacio Roquette (1867) identifica a existência dos seguintes tipos de correspondência: Cartas de Morais e de Conselhos; Cartas de Pêsames; Cartas de Parabéns; Cartas de Pretensão, Representações e Memórias; Cartas Eucarísticas, ou de Agradecimento; Cartas de Recomendação ou de Empenho; Cartas às Pessoas cuja Companhia nos separamos; Cartas de Queixas; Cartas de Escusa; Cartas de Negócios e Encargos; Cartas de Participação, ou de Notícia; e Cartas de Boas Festas, De Ano Bom, e Dia de Anos. Para cada tipologia de correspondência era preciso que o remetente se detivesse aos seguintes aspectos: contextura das cartas, regras gerais para composição das cartas e regras particulares para diferentes gêneros de carta. . Tais cuidados estavam relacionados à noção de temporalidade e de memória, alargados pelo suporte de papel e tinta6 6 Acerca da relação entre tempo e história, consultar Koselleck (2014) e Pimenta (2021). , pois no contexto do Oitocentos, período no qual os arquivos pessoais ganharam espaço, as cartas passaram a constituir objetos de recordação e vestígios a serem guardados.

O manual de José Ignacio Roquette, com suas diretrizes acerca da escrita epistolar, demonstrava como ocorria o processo de construção de sensibilidades e de intencionalidades na composição de uma carta. O fato de a obra trazer conselhos dedicados ao sexo feminino, via personagem Eugenia, igualmente evidenciava os ditames e as orientações para as missivistas e como esses protocolos fizeram parte da educação de mulheres no decorrer do século XIX.

A leitura do Código do bom tom, de José Ignacio Roquette, levou à busca e à aquisição de um conjunto documental composto de cinco cartas, datadas de 1864 a 1869, escritas por Leonarda da Silva Velho, dama da Imperatriz Teresa Cristina. As cartas pertenciam a uma coleção particular oriunda do desfazimento dos museus privados das fazendas Pau Grande e Boa Esperança, localizadas na região de Vassouras, estado do Rio de Janeiro. O material documental consiste em um raro exemplar de missivas femininas elaboradas em meados do século XIX, escritas com a finalidade de narrar o cotidiano e pedir notícias de uma mãe para sua filha e seu filho que viviam em localidades distintas, contendo elementos sensíveis e significativos para serem interpretados e analisados, logrando aspectos diferenciais que nenhuma outra fonte possui.

Leonarda da Silva Velho, a autora das cartas, era uma mulher de ascendência portuguesa filha dos primos José Luiz da Motta, comerciante e ex-diretor do Banco do Brasil, e Mariana Eugenia Velho e Motta, dama do Paço. Nascida na década de 1810, Leonarda Maria Velho e Motta casou-se aos 15 anos, em 1826, com o primo José Maria Velho da Silva, na época já com 31 anos. Seu esposo, proveniente de Lisboa, Portugal, tinha boas relações na corte, o que lhe valeu ter recebido a Ordem de Cristo e ter sido nomeado por d. Pedro I cavaleiro da Casa Imperial. Seguiu carreira burocrática atuando na Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação e no Banco do Brasil. Demonstrou compartilhar da confiança da Família Real ao ser nomeado também porteiro da Imperial Câmara, mordomo e guarda-joias da Casa Imperial, além de ter sido intitulado conselheiro do Imperador d. Pedro II.

O casal Leonarda da Silva Velho e José Maria Velho da Silva teve dois filhos, Mariana Velho de Avellar, a Viscondessa de Ubá, e José Maria Velho da Silva, os destinatários e interlocutores das missivas. Leonarda enviuvou em 1860 e faleceu no ano de 1871 (Pascual, 1861PASCUAL, A. D. Esboço biographico do conselheiro José Maria Velho da Silva. Rio de Janeiro: Typographia de Domingos Luiz dos Santos, 1861. Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=90811. Acesso em: 1º out. 2022.
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, p. 37; Muaze, 2008MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008., p. 29-32, p. 547).

Filha primogênita nascida em 1827, Mariana Velho casou-se em 26 de novembro de 1849 com o comissário Joaquim Ribeiro de Avellar e, com isso, tornou-se Mariana Velho de Avellar. O casal também compartilhava do título de nobreza de visconde e viscondessa de Ubá. Após o falecimento do sogro, o barão de Capivary, em 1863, seu cônjuge herdou uma fortuna constituída da posse de escravizados, do cultivo da cafeicultura e de grandes propriedades de terra localizadas no Vale do Paraíba Fluminense (atualmente região de Paty do Alferes, Rio de Janeiro). A viscondessa teve 12 filhos: Joaquim Velho, Maria José, Mariana, Joaquim, Elisa, Luiza, Julia, Antônio Ribeiro, Josefina, José Maria, Elisa e Joaquim – alguns falecidos ainda na infância. Enviuvou em 1888 e faleceu na data de 19 de setembro de 1898 (Pascual, 1861PASCUAL, A. D. Esboço biographico do conselheiro José Maria Velho da Silva. Rio de Janeiro: Typographia de Domingos Luiz dos Santos, 1861. Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=90811. Acesso em: 1º out. 2022.
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, p. 45; Viscondessa de Ubá, 1898aVISCONDESSA DE UBÁ. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 265, p. 8, 23 set. 1898a. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_08/29705. Acesso em: 8 out. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_08...
; 1898bVISCONDESSA DE UBÁ. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 288, p. 5, 4 out. 1898b. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_08/29955. Acesso em: 9 out. 2022.
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; Muaze, 2008MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008., p. 123-124).

José Maria Velho da Silva formou-se em Direito, foi membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e dedicou-se à política. Casou-se com Carolina Monteiro, filha do Visconde da Estrela, com quem teve quatro filhos: Joaquim Monteiro Velho, Maria Isabel, Mariana e Eugênia (Pascual, 1861PASCUAL, A. D. Esboço biographico do conselheiro José Maria Velho da Silva. Rio de Janeiro: Typographia de Domingos Luiz dos Santos, 1861. Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=90811. Acesso em: 1º out. 2022.
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, p. 44-45; Muaze, 2008MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008., p. 208).

O artigo em pauta tem como temática o cotidiano feminino exposto nas cartas elaboradas por uma mulher letrada e com acesso aos meios sociais, artísticos e culturais disponíveis naqueles tempo e contexto. O objetivo é examinar as escritas da intimidade presentes nas epístolas, analisando o que é possível depreender sobre o cotidiano feminino oitocentista no que tange à gestão da casa, à educação dos filhos e das filhas, às alusões ao casamento, às relações familiares com os núcleos parentais, à abordagem da escravização doméstica, entre outros aspectos observáveis. Em plano mais específico, enfoca-se a materialidade do conjunto da correspondência, desde a sua proveniência como coleção particular até os suportes de papel, tinta, timbre, letra, cores, tamanhos, marcas, símbolos, códigos, aberturas, fechamentos, datas etc., buscando-se uma cronologia e enredo entre as missivas pesquisadas.

A escrita de si como vestígio histórico: As cartas e os recônditos femininos

Gomes (2004)GOMES, Â. M. C. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In: GOMES, Â. M. C. (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 7-24., Cunha (2013CUNHA, M. T. S. Do coração à caneta: cartas e diários pessoais nas teias do vivido (décadas de 60 a 70 do século XX). História: Questões & Debates, Curitiba, n. 59, p. 115-142, jul./dez. 2013. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/37036/22828. Acesso em: 30 nov. 2022.
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; 2019)CUNHA, M. T. S. (Des)Arquivar: arquivos e ego-documentos no tempo presente. São Paulo/Florianópolis: Rafael Copetti, 2019., Barros (2019)BARROS, J. D. Fontes históricas: introdução aos seus usos historiográficos. Petrópolis: Vozes, 2019., Vasconcelos e Francisco (2019)VASCONCELOS, M. C. C.; FRANCISCO, A. C. B. L. M. Palavras registradas, memórias perpetuadas: a pesquisa qualitativa em arquivos pessoais e egodocumentos. In: CONGRESSO IBERO-AMERICANO EM INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA, 1., 2019, Portugal. Atas [...]. 2019. p. 661-670. Disponível em: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2236/2158. Acesso em: 17 dez. 2022.
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, Goméz (2020)GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020. e Vasconcelos (2022)VASCONCELOS, M. C. C. Uma coleção para guardar e ensinar o caderno de receitas da viscondessa do Arcozelo. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 22, n. 75, p. 1492-1518, out./dez. 2022. https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.075.ds02
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identificam a escrita de si – também intitulada escrita autobiográfica, escrita pessoal, escrita autorreferencial e egodocumento – como uma modalidade textual produzida pelo próprio sujeito, em determinados contextos, sobre si e para si, e caracterizada por abranger diferentes manifestações: cartas privadas ou não, cadernos, cadernos de receitas, diários íntimos, livros de memória, livros de família, manuscritos, entre outras tantas materialidades. No contexto deste artigo é priorizada a análise da escrita de si que versa sobre cartas e as características da escrita epistolar (Diaz, 2016DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução: Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Edusp, 2016.; Haroche-Bouzinac, 2016HAROCHE-BOUZINAC, G. Escritas epistolares. São Paulo: Edusp, 2016.), em razão de o corpus documental investigado ser composto de cinco missivas escritas por Leonarda da Silva Velho – quatro para a filha, Mariana Velho de Avellar, Viscondessa de Ubá, e uma carta escrita para o seu filho, José Maria Velho da Silva.

Como salienta Goméz (2020)GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020., as cartas não constituem registros cotidianos circunscritos à modernidade. As sociedades “do mundo mediterrâneo e da Europa ocidental” na Antiguidade já utilizavam a escrita epistolar para registros de caráter público ou privado (Goméz, 2020GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020., p. 127). “Das classes abastadas até as pessoas comuns, são infinitos os homens e mulheres que recorreram a escrita epistolar para combater o silêncio levantado por qualquer tipo de distanciamento físico” (Goméz, 2020GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020., p. 127). O autor menciona, no recorte temporal dos séculos XVI e XVII, as chamadas “escritoras do Século de Ouro” (Goméz, 2020GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020., p. 187), religiosas espanholas que usaram o conhecimento adquirido nos conventos para produzir registros escritos (Goméz, 2020GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020., p. 188).

Todavia, foi no fim do século XVIII e, principalmente, ao longo do Oitocentos que a circulação da correspondência se avolumou (Bastos; Cunha; Mignot, 2002BASTOS, M. H. C.; CUNHA, M. T. S.; MIGNOT, A. C. V. Laços de papel. In: BASTOS, M. H. C.; CUNHA, M. T. S.; MIGNOT, A. C. V. (org.). Destino das letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 5-9.). Entre os aspectos que podem contextualizar tal crescimento, estavam o processo de alfabetização e a modernização dos serviços de postagem (Briggs; Burke, 2006BRIGGS, A.; BURKE, P. Uma história social da mídia: de Gutemberg à internet. Tradução: Maria Cândida Pádua Dias. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.; Goméz, 2020GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020.). Também é observada a consonância entre a escrita de si e a emergência do eu como sujeito, além da prevalência da noção de privacidade. As residências burguesas, por exemplo, passaram a gozar as chamadas “salas de pensar” (Malta, 2011MALTA, M. O olhar decorativo: ambientes domésticos em fins do século XIX no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011., p. 91), espaços com mobiliários e utensílios apropriados e destinados à produção de registros pessoais.

No contexto brasileiro, Malta (2011)MALTA, M. O olhar decorativo: ambientes domésticos em fins do século XIX no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. e Carvalho (2020)CARVALHO, V. C. Gênero e artefato: o sistema doméstico da perspectiva da cultura material – São Paulo, 1870-1920. São Paulo: Edusp; Fapesp, 2020. apontam o escritório e o gabinete como alguns desses espaços privilegiados para a escrita:

Se percorremos as características do escritório, o lugar explicitamente reconhecido como arena do chefe da casa [...]. Estúdio, gabinete, closet ou escritório são termos que faziam referência a um pequeno cômodo, reservado ao dono da casa, trancado a chave, geralmente próximo de seu quarto, onde ele fazia sua contabilidade, orações e leituras

(Carvalho, 2020CARVALHO, V. C. Gênero e artefato: o sistema doméstico da perspectiva da cultura material – São Paulo, 1870-1920. São Paulo: Edusp; Fapesp, 2020., p. 137).

No Brasil, o escritório ajuntaria funções de gabinete de trabalho e biblioteca, e assentava-se em solo masculino. Assim nada de fantasias caprichosas e objetos de distração delicada. Austeridade, ordem, disciplina, eram atitudes esperadas. Os seguintes acessórios costumavam lá comparecer: barômetro, cantoneira para plantas, porta-jornais, cesta-lixeira, retratos de família ou armas, moringas de água e escarradeiras, fora o material para escrita. [...] Para os gabinetes dos homens, a decoração devia ser séria e conter um armário-biblioteca, secretária, escrivaninha e móveis estofados com canapé

(Malta, 2011MALTA, M. O olhar decorativo: ambientes domésticos em fins do século XIX no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011., p. 93).

Embora os cômodos mencionados sejam descritos como espaços eminentemente masculinos, Malta (2011)MALTA, M. O olhar decorativo: ambientes domésticos em fins do século XIX no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. também faz referência aos gabinetes femininos, cuja decoração era inspirada nos modismos franceses:

Defendia-se o uso de uma secretária, uma pequena biblioteca, leito-de-dia (lit de repôs), com muitas almofadas, duas cadeiras, dois tamboretes. [...] Em França, o boudoir [...], cômodo íntimo, reservado e essencialmente feminino, seria o equivalente a um gabinete de trabalho

(Malta, 2011MALTA, M. O olhar decorativo: ambientes domésticos em fins do século XIX no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011., p. 93).

Nos setores médios, fosse para o sexo masculino, fosse para o feminino, as escrivaninhas, presentes em algum canto da sala ou do quarto, eram o móvel ideal para o exercício da escrita. Michelle Perrot (2011)PERROT, M. História dos quartos. Tradução: Alcida Brant. São Paulo: Paz & Terra, 2011. identifica os aposentos íntimos, onde poderia haver uma escrivaninha, como um “lugar do pensamento” (Perrot, 2011PERROT, M. História dos quartos. Tradução: Alcida Brant. São Paulo: Paz & Terra, 2011., p. 90) e apropriado à feitura de textos pessoais:

Ele é propício à escrita pessoal, que não necessita do recurso a bibliotecas, a dossiês: escritas de si, para os íntimos, que requer dispositivos cuja simplicidade aparente é fruto de um extremo refinamento técnico: mesa, cadeira, papel, pena, caneta [...] sobretudo solidão e calma asseguradas pela porta fechada e a noite, companheira daqueles que não possuem escritório e tentam arranjar um caminho para si

(Perrot, 2011PERROT, M. História dos quartos. Tradução: Alcida Brant. São Paulo: Paz & Terra, 2011., p. 90).

É no circunscrito desse espaço privado que anseios, medos, sonhos e memórias ganhavam vazão, em particular, quando se tratava de narrar as próprias experiências.

Embora Goméz (2020)GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020. tenha identificado a escrita de si como uma prática comunicativa presente há séculos nas sociedades, também é concernente apontar que tais registros apenas eram considerados relevantes quando associados a figuras proeminentes ou quando se referiam a questões políticas e oficiais. Para o autor, a “invisibilidade levantada em torno das condições de possibilidade de escrita entre as pessoas comuns, mais do que nos levar ao desânimo, deveria atuar como incentivo para empurrar-nos para a sua procura” (Goméz, 2020GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020., p. 80). Os registros da escrita de si produzida pelas classes subalternas ou populares7 7 Sobre a definição do termo popular, das relações de classe e da escrita epistolar, consultar Goméz (2020, p. 83). estão normalmente silenciados, por exemplo, em meio a processos judiciais e/ou religiosos (questões matrimoniais, inquisitoriais, entre outras possibilidades) (Farge, 2009FARGE, A. O sabor do arquivo. Tradução: Fatima Murad. São Paulo: Edusp, 2009.; Goméz, 2020GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020.).

Barros (2019)BARROS, J. D. Fontes históricas: introdução aos seus usos historiográficos. Petrópolis: Vozes, 2019. ressalta que produções como cartas e diários não eram objeto de estudo desconhecido, entretanto, como Dauphin e Poublan (2002, p. 75)DAUPHIN, C.; POUBLAN, D. Maneiras de escrever, maneiras de viver: cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, M. H. C.; CUNHA, M. T. S.; MIGNOT, A. C. V. (org.). Destino das letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 75-87. afirmam, a relação do historiador com esses arquivos e documentos estava vinculada, de forma limitada, aos signatários, destinatários e sujeitos citados nas correspondências. As missivas produzidas fora dos círculos restritos de poder não eram consideradas fontes sobre as quais a historiografia deveria se debruçar, privilegiando-se os textos de cunho político. Diaz (2016)DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução: Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Edusp, 2016. e Haroche-Bouzinac (2016)HAROCHE-BOUZINAC, G. Escritas epistolares. São Paulo: Edusp, 2016. apontam a literatura como o campo responsável pelos primeiros estudos acerca da produção autobiográfica de caráter cotidiano. Segundo Gomes (2004, p. 8):

No campo da literatura [...] são bem mais frequentes as publicações, anotadas e comentadas, de correspondência e diários, assim como de trabalhos que têm na escrita autobiográfica seu objeto de investigação. Nada surpreendente, considerando-se que o texto é o centro da produção literária e suas características semânticas e culturais são fundamentais à atividade de pesquisa e ensino nessa área do saber.

Para Barros (2019)BARROS, J. D. Fontes históricas: introdução aos seus usos historiográficos. Petrópolis: Vozes, 2019., foi nas décadas de 1970 e 80, com a emergência da história vista de baixo e da história cultural, o período em que a escrita de si, produzida por sujeitos anônimos, ganhou status na investigação histórica. Da mesma forma, Dauphin e Poublan (2002, p. 75)DAUPHIN, C.; POUBLAN, D. Maneiras de escrever, maneiras de viver: cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, M. H. C.; CUNHA, M. T. S.; MIGNOT, A. C. V. (org.). Destino das letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 75-87. assinalam esse momento quando “as correspondências ordinárias, muito tempo abandonadas sobre a nave lateral da história, também adquiriram estatuto de documento”. O advento de outra relação com documentos autobiográficos, particularmente escritas íntimas, demonstrou:

Cartas e diários pessoais são documentos que carregam traços ritualísticos, consagrando-se tanto como artefatos culturais quanto como documentos que têm, para o historiador, outros estatutos: abrir espaço a partir do qual a história pode ser investigada, isto é, buscada em vestígios e problematizada a partir de diferentes ritmos da vida social de uma época. Materializados em papel e tinta, eles eternizam, em folhas amarelecidas pela passagem do tempo, ideias, saberes, valores, acontecimentos e dizeres: representações escritas em suporte papel de um outro tempo, produzindo sentidos e construindo significados à ordem do existente. Considerando seu caráter de objetos frágeis e, muitas vezes, portadores de segredos pessoais, estes materiais ficaram esquecidos e, não raro, guardados silenciosamente ou escondidos em baús e caixas que, em geral, não estão preservados em arquivos públicos. Quando visibilizados, despertam o interesse do historiador e podem se fazer ouvir historicizados em uma relação entre a experiência vivida e as representações

(Cunha, 2013CUNHA, M. T. S. Do coração à caneta: cartas e diários pessoais nas teias do vivido (décadas de 60 a 70 do século XX). História: Questões & Debates, Curitiba, n. 59, p. 115-142, jul./dez. 2013. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/37036/22828. Acesso em: 30 nov. 2022.
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, p. 116).

A respeito da escrita de si, Barros (2019)BARROS, J. D. Fontes históricas: introdução aos seus usos historiográficos. Petrópolis: Vozes, 2019., no que concerne ao campo historiográfico, estabelece diferenciações entre os tipos de registro, sobretudo o diário e a carta. O historiador ressalta que o diário traz a perspectiva da leitura de si, pois as sensibilidades e os segredos ali registrados não foram elaborados para serem públicos; somente podem e devem ser lidos e interpretados conforme a ótica de seu autor ou de sua autora. No que tange às cartas, salienta que “envolvem de alguma maneira uma outra escrita de si, com novas regras e práticas” (Barros, 2019BARROS, J. D. Fontes históricas: introdução aos seus usos historiográficos. Petrópolis: Vozes, 2019., p. 263). Não é mais uma “escrita de si para si”, como o diário (Barros, 2019BARROS, J. D. Fontes históricas: introdução aos seus usos historiográficos. Petrópolis: Vozes, 2019., p. 263).

O autor identifica as missivas remetidas e respondidas como “escritas de si cruzadas” (Barros, 2019BARROS, J. D. Fontes históricas: introdução aos seus usos historiográficos. Petrópolis: Vozes, 2019., p. 263), pois estão vinculadas à intersecção de dois indivíduos. Ao mesmo tempo, observa que a completude da correspondência trocada nem sempre é acessível ao historiador, pois, à semelhança do que ocorre com as missivas de Leonarda da Silva Velho analisadas neste artigo, na maioria das vezes somente se tem acesso às epístolas de um dos correspondentes.

Torras Francès (2001)TORRAS FRANCÈS, M. Tomando as cartas en el assunto: las amistades peligrosas de las mujeres con el género epistolar. Zaragoza: Prensas Universitarias de Zaragoza, 2001. e Diaz (2016)DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução: Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Edusp, 2016. apontam que os debates sobre a relação entre o gênero feminino e a escrita de si remontam ao século XVIII e citam como referências Jean de La Bruyère, Gustave Lanson, Jean-Baptiste Suard e Charles Augustin Sainte-Beuve.

Um discurso crítico consensual concordou em pensar que o talento feminino, cheio de “espontaneidade” e de “primeiro movimento”, era feito para desabrochar na desordem elegante da carta, ultrapassando “naturalmente” as proezas retóricas reservadas às mentes masculinas

(Diaz, 2016DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução: Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Edusp, 2016., p. 198).

As possíveis inferências para tal argumentação estão no cunho sentimental atribuído às cartas em contraposição à razão, atributo masculino entendido como fio condutor da civilidade e do progresso. As cartas femininas vistas como significativas eram somente aquelas de mulheres célebres. Apenas quando fossem figuras de Estado, as mulheres deveriam ter seus registros guardados. As missivas das “mulheres sem nobreza” eram relegadas ao esquecimento, à exceção de quando os destinatários das cartas eram figuras masculinas de trajetória proeminente (Diaz, 2016DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução: Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Edusp, 2016., p. 199). Diaz (2016, p. 198)DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução: Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Edusp, 2016. enfatiza que tal processo se aprofundou no decorrer do século XIX, considerado “tão misógino”.

Nesse sentido, Perrot (2017)PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução: Denise Bottmann. 7. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz & Terra, 2017. afirma que o Oitocentos se caracterizou pelo discurso da divisão sexual. No âmbito biológico se propagava, “aos homens, o cérebro (muito mais importante do que o falo), a inteligência, a razão lúcida, a capacidade de decisão. Às mulheres, o coração, a sensibilidade, os sentimentos” (Perrot, 2017PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução: Denise Bottmann. 7. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz & Terra, 2017., p. 186). Na perspectiva social, difundia-se que “cada sexo tem sua função, seus papéis, suas tarefas, seus espaços, seu lugar quase predeterminados, até em seus detalhes” (Perrot, 2017PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução: Denise Bottmann. 7. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz & Terra, 2017., p. 187).

Observa-se que o combate à perspectiva reducionista da relação entre o sexo feminino e a escrita epistolar, para além da emergência da escrita de si como objeto de pesquisa, esteve conectado à ampliação dos estudos, a partir da década de 1960, sobre a história das mulheres e o conceito de gênero (Scott, 2012SCOTT, J. W. História das mulheres. In: BURKE, P. (org.). A escrita da História: novas perspectivas. Tradução: Magda Lopes. 2. ed. São Paulo: Unesp, 2012. p. 65-98.). Assim, passou a ser compartilhado o entendimento de que esses egodocumentos possuíam vestígios sobre as sensibilidades e as práticas cotidianas femininas, notadamente aquelas relativas ao Oitocentos.

No caso de nossas protagonistas, a escrita de cartas era um hábito permanente no seio familiar de Leonarda da Silva Velho. Muaze (2008, p. 140)MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. descreve que a filha, a Viscondessa de Ubá, após contrair matrimônio, costumava enviar semanalmente correspondência aos pais. No ano de 1869, ela teria escrito 347 cartas, endereçadas principalmente à mãe, Leonarda, e ao irmão.

No âmbito da história da educação, o processo de utilização de cartas como fontes também se faz constante. Na década de 1990, sob influência da história cultural em diálogo com estudos sobre cultura escolar e cultura material (Vidal; Paulilo, 2020VIDAL, D. G.; PAULILO, A. L. Arquivos e educação: prática de arquivamento e memória. Revista de Educação Pública, v. 29, p. 1-17, jan./dez. 2020. https://doi.org/10.29286/rep.v29ijan/dez.9329
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; Vidal; Alcântara, 2021VIDAL, D. G.; ALCÂNTARA, W. The material turn in the History of Education. Educació i Història, n. 38, p. 11-32, jul./dez. 2021. Disponível em: https://raco.cat/index.php/EducacioHistoria/article/view/390150. Acesso em: 30 nov. 2022.
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), a escrita epistolar como prática cotidiana no ambiente escolar ganhou relevância como fonte histórica. “Escrever cartas sempre foi um exercício muito presente em qualquer sala de aula, além de ser um veículo fundamental de comunicação entre a escola, as famílias e os alunos” (Gomes, 2004GOMES, Â. M. C. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In: GOMES, Â. M. C. (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 7-24., p. 10). A respeito das potencialidades dos registros autobiográficos, Gomes (2004)GOMES, Â. M. C. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In: GOMES, Â. M. C. (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 7-24. cita o recorte de gênero nas reflexões entre a escrita epistolar e a história da educação:

Grande parte do professorado há muito é composto por mulheres, que, por questões de constrangimento social, tiveram seus espaços de expressão pública vetados, restando-lhes exatamente os espaços privados, entre os quais os de uma escrita de si

(Gomes, 2004GOMES, Â. M. C. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In: GOMES, Â. M. C. (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 7-24., p. 10).

Em que pese a Lei Geral do Ensino, desde 15 de outubro de 1827, ter estabelecido, nos seus artigos 11 e 12, as características da instrução voltada às mulheres tanto nos conteúdos quanto para o exercício do magistério, seu parco cumprimento, aliado ao preconceito em relação às escolas para as mulheres, fez com que a maior parte das meninas da aristocracia fosse ensinada por preceptoras europeias contratadas para a educação doméstica (Vasconcelos, 2018VASCONCELOS, M. C. C. Preceptoras estrangeiras para educar meninas nas casas brasileiras do século XIX. Cadernos de História da Educação, v. 17, n. 2, p. 285-308, maio/ago. 2018. https://doi.org/10.14393/che-v17n2-2018-2
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).

Cabe ressaltar que nem os colégios particulares para meninas nem muito menos a instrução pública eram as primeiras opções das famílias para a educação feminina, exceto em circunstâncias de orfandade ou outras bastante específicas. Dessa forma, muito possivelmente, Leonarda da Silva Velho, assim como sua filha, Mariana, aprendeu a arte das epístolas com mulheres que exerciam a função de educar crianças nas casas da aristocracia, prática comum na corte carioca e no interior da Província do Rio de Janeiro oitocentista (Vasconcelos, 2005VASCONCELOS, M. C. C. A casa e os seus mestres: a educação no Brasil de oitocentos. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005.).

As missivas de Leonarda da Silva Velho: Sensibilidades e cotidianos

Dauphin e Poublan (2002, p. 76)DAUPHIN, C.; POUBLAN, D. Maneiras de escrever, maneiras de viver: cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, M. H. C.; CUNHA, M. T. S.; MIGNOT, A. C. V. (org.). Destino das letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 75-87. afirmam que a leitura de uma carta envolve “entrar em uma história sem conhecer a primeira palavra, sem saber o que aconteceu antes, nem o que se dera depois”. Conforme assinalado anteriormente, o presente artigo dedica-se à análise de cinco cartas escritas por Leonarda da Silva Velho, sendo quatro endereçadas a sua filha, Mariana Velho de Avellar, a Viscondessa de Ubá, e uma endereçada ao filho, José Maria Velho da Silva. As cinco cartas estão inseridas no recorte temporal que abrange os anos de 1864 a 1869. Observa-se, no conjunto das missivas, que duas foram escritas inicialmente por Leonarda da Silva Velho e destinadas, respectivamente, à filha e ao filho, enquanto três epístolas são respostas à correspondência enviada pela filha. Tais características podem ser identificadas nos Quadros 1, 2, 3, 4 e 5.

Quadro 1
Carta de 8 de julho de 1864.
Quadro 2
Carta de 5 de julho de 1864.
Quadro 3
Carta de 12 de outubro de 1864.
Quadro 4
Carta de 30 de novembro de 1866.
Quadro 5
Carta de 10 de março de 1869.

No processo de leitura e análise das cinco cartas, identifica-se, a priori, que a materialidade da correspondência dialogava com as normativas presentes nos manuais epistolares e de civilidade em voga no período.

A estrutura da carta se organizou em torno de três partes fundamentais: prólogo, desenvolvimento e final. [...] Ao lado dessa prescrição geral, os tratados e formulários epistolares continham sempre instruções e casos práticos sobre o modo correto de escrever cartas com a finalidade de que estas cumprissem a função social pretendida

(Goméz, 2020GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020., p. 141).

No Código do bom tom, de José Ignacio Roquette, os primeiros itens considerados relevantes são a indicação correta da localidade e a data em que as missivas eram escritas. Da correspondência de Leonarda da Silva Velho constava o Rio de Janeiro, então sede da Corte Imperial, como local de emissão das cartas. Muaze (2008)MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. descreve que Leonarda e o marido moraram em algumas residências cariocas, como, por exemplo, em uma chácara localizada no bairro de Santa Teresa.

Procurando um clima mais ameno e menos propício a epidemias do que as regiões centrais do Rio de Janeiro, o casal José Maria e Leonarda Maria Velho da Silva alugaram, durante alguns meses do ano de 1855, uma chácara na Babilônia, bairro de Santa Teresa. De lá, o conselheiro escrevia à filha Mariana Velho de Avellar, três a quatro vezes por semana, relatando os acontecimentos recentes de seu cotidiano

(Muaze, 2008MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008., p. 9).

Em consonância com a indicação do local, a datação da carta era algo relevante, porque auxiliava o destinatário a identificar, entre outros, a demora no recebimento da resposta. Tal aspecto é identificado na missiva de 30 de novembro de 1866, quando Leonarda pede desculpas à filha pelo atraso na devolutiva de duas correspondências. Para reestabelecer a ordenação das conversas, ela as responderia no mesmo texto: “Tenho presente duas cartas tuas que me deram muito prazer, as quais passo a responder depois de te faltar” (Velho, 1866, p. 1).

José Ignacio Roquette (1867)ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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considerava a escolha do papel da carta um requisito de grande importância: “Depois que o luxo inventou tantas espécies e formas diversas de papel, não é indiferente a escolha deste” (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, p. 210). Essa seleção era um ato marcado pela intencionalidade: “O papel deve ser proporcionado às pessoas, idade, sexo, condição dos correspondentes” (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, p. 211). O autor apontava, ainda, ser um erro grosseiro enviar escritos de negócios em papéis perfumados e com bordas douradas, pois tal modelo de missiva era mais adequado às “senhoras moças”. Também considerava ser característica das pessoas mais distintas a opção por papéis de qualidade e sem adornos (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, p. 211).

As cartas de Leonarda da Silva Velho eram redigidas em folhas de tons claros, destacando-se, como elemento de distinção, a presença, no canto superior das páginas, do monograma com as iniciais da autora. Contudo nota-se que, no decorrer de 1864 a 1869, o design das letras LV se modificou. As Figs. 1 e 2 exemplificam algumas dessas modificações.

Figura 1
Monograma LV com adornos.
Figura 2
Monograma LV simples.

A Fig. 1 traz as iniciais LV rodeadas por adornos e arabescos que remetem à imagem de um brasão, enquanto a Fig. 2 já apresenta um caráter singelo, com o formato de letra manuscrita. Em razão do pouco espaçamento entre as missivas analisadas, não é possível identificar se havia tipos diferenciados para cada ocasião, ou se eram mudanças de apelo gráfico ocorridas no Oitocentos.

O manual de José Ignacio Roquette (1867)ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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também discorria sobre os cuidados com a dobradura do papel, pois a quantidade de dobras já era estabelecida pela identificação do destinatário, assim como era preciso ter atenção ao uso do lacre ou da obreia, tendo em vista que uma inserção errada poderia danificar o conteúdo da missiva:

Quando escreverdes alguma carta em que a terceira página seja toda cheia e que tenhais que a fechar no mesmo papel, deixai um pedaço em branco à direita para podres a obreia, ou lacre, a fim de que não aconteça que ao abrir da carta se rasgue o papel, se percam algumas palavras e se não saiba o que queríeis dizer

(Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, p. 211).

No delicado manuseio das cartas de Leonarda da Silva Velho é possível observar nitidamente as marcas das dobraduras, embora não sejam notados vestígios de lacre, a presença de envelopes ou marcas de serviços de postagem. Ao contrário, durante a leitura das cartas fica perceptível, como apontado em determinados trechos, que algumas missivas foram entregues por terceiros. Em 8 de julho de 1864, a missivista escreve: “De muita consolação me tem servido a tua carta vinda pelo Carlos8 8 Acerca da identidade de Carlos, consultar Muaze (2008). ” (Velho, 1864, p. 1). Além disso, no trecho final dessa carta é inserido um adendo pedindo que a Viscondessa de Ubá encaminhe um bilhete ao irmão, cujo conteúdo versava sobre o aluguel de um imóvel: “Peço que entregues um bilhete a teu irmão” (Velho, 1864, p. 3).

Para José Ignacio Roquette (1867)ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, era imprescindível que o missivista primasse pela qualidade do texto: “Antes de entrar no comércio epistolar com alguma pessoa respeitável e autorizada, era necessário que aprendêsseis a escrever, senão perfeitamente, ao menos de modo inteligível” (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, p. 209). Esse processo iniciava-se com a escolha adequada da forma de tratamento e do modo de despedida, mesmo na correspondência trocada entre familiares e pessoas próximas.

Nas cartas de Leonarda da Silva Velho, os destinatários são identificados como: “Minha querida Filha”, “Minha queridíssima Filha do coração” e “Meu querido Filho”. Essa saudação inicial era sempre colocada centralizada ou próxima à margem direita, conforme a convenção da época (Fig. 3). A finalização do texto e as despedidas também deveriam ocupar um alinhamento ideal, segundo o autor do manual: “O nome deve pôr-se no fim da página, à direita, quando se escreve a pessoa de grande qualidade; para as pessoas menos autorizadas põe-se um pouco abaixo da conclusão; e para amigos quase ao pé” (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, p. 211). Nos exemplares analisados, Leonarda da Silva Velho despedia-se dos filhos com as insígnias “tua mãe muito dedicada” e “tua mãe muito dedicada e amiga”, assim que acabava o texto, de forma centralizada (Fig. 4).

Figura 3
Cabeçalho e destinatário.
Figura 4
Formas de despedida.

Outros elementos considerados necessários de ser observados são a ortografia e a disposição do texto em cada face das folhas. Roquette (1867)ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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recomendava o auxílio de um dicionário para a melhor escolha das palavras, assim como a elaboração prévia de rascunhos, pois erros gramáticas e borrões não seriam admitidos:

Se por acaso vos cair algum borrão, por pequeno que seja, ou nódoa, ou se fordes obrigados a riscar alguma frase para substituir outra mais correta, ou se houve a omissão de alguma palavra que seja mister pôr em entrelinha, deveis fazer outra carta, a não ser para algum amigo íntimo e estardes com pressa, mas sempre lhe pedires desculpas

(Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
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, p. 210).

Em razão das relações de proximidade, as normativas do bem escrever podiam ser flexibilizadas. Na correspondência de Leonarda da Silva Velho é possível encontrar trechos escritos na lateral da página, como na página 1 da carta de 12 de outubro de 1864, erros ortográficos apenas riscados, com a manutenção da continuidade da carta (Fig. 5).

Figura 5
Escrita na lateral

Acerca dos conteúdos escritos nas margens laterais da carta, a deterioração do papel dificulta a compreensão dos assuntos tratados. Ao mesmo tempo, tal organização deveria exigir do destinatário uma ordem de leitura diferenciada, com a qual já deveria estar habituado considerando essa ser uma prática recorrente.

Conforme o exposto, os manuais epistolares e de civilidade instituíam regras que também visavam estabelecer certo controle sobre as sensibilidades, no entanto o conteúdo presente nas cinco missivas analisadas denota vestígios de intencionalidade e de aspectos narrados do cotidiano feminino que transpassam essas normativas.

Segundo Carvalho (2020)CARVALHO, V. C. Gênero e artefato: o sistema doméstico da perspectiva da cultura material – São Paulo, 1870-1920. São Paulo: Edusp; Fapesp, 2020., as missivas femininas tinham a função de manter parentes e amigos próximos informados. Para tanto, a mulher exercia a função de porta-voz da família, papel este vinculado ao fato de governança do lar ser considerada uma função feminina. Assim, enquanto os homens se ocupavam da condução dos negócios (mundo do trabalho), cabia a elas informar sobre o bem-estar das crianças e das coisas comezinhas da vida familiar.

Nessa perspectiva, constata-se a importância dada por Leonarda da Silva Velho à circulação e à troca de notícias da família:

Minha querida Filha,

De muita consolação me tem ocorrido a tua carta [...], como que ela me tem dado forças para melhor ir sofrendo às contrariedades da vida. A Caridade é sem dúvida uma das mais belas virtudes que a criatura pode possuir, pelo bem e pelo alívio que leva ao coração magoado, e mesmo para quem a pratica, porque vê logo os efeitos do seu benefício, e fica contente, é pois o que praticaste com a tua carta a meu respeito, por isso te recomendo muito, e te peço que a pratiques muitas vezes com todos que precisarem, por ser muito do gosto de Deus”

(Velho, 1864, p. 1).

“Minha querida Filha, Tenho sempre muito prazer quando recebo tuas cartas, porque elas vêm igualmente me encherem de consolação” (Velho, 1869, p. 1).

A primeira citação pertence à carta escrita em 8 de julho de 1864, destinada à Viscondessa de Ubá, e a segunda, para a mesma destinatária, datada de 10 de março de 1869. Os trechos permitem identificar a regularidade nas comunicações entre mãe e filha; a atenção dispensada em relação a Leonarda da Silva Velho era vista por ela como um ato de caridade cristã. Segundo Goméz (2020, p. 175)GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020., “o desconsolo e a tristeza provocados pela falta de notícias são habituais nas cartas de mães e esposas”.

Por sua vez, a missiva endereçada ao filho em 5 de julho de 1864 não trazia esses matizes. O registro é iniciado com questionamentos sobre os resultados de uma viagem de negócios. De toda forma, em razão do quantitativo restrito de cartas direcionadas a José Maria Velho da Silva, não é possível estabelecer aspectos mais aprofundados acerca da perspectiva de gênero.

A religiosidade também é uma marca constante das cinco missivas analisadas, em que são observados pedidos de bençãos para a filha, o filho, netos e netas, genro, nora e comadres. Além disso, constata-se que a missivista tinha uma atuação proeminente na Igreja Católica, como demonstrado na carta de 8 de julho de 1864, enviada a sua filha. Nela, Leonarda da Silva Velho relata ter recebido a visita do Padre Germain, clérigo de Petrópolis, em sua residência no Rio de Janeiro:

O Padre Germain esteve no Rio 4 dias, e veio aqui antes de ontem, e ontem o encontrei na Novena de N. Senhora do Carmo no convento de Santa Thereza: esteve ele edificado da maneira solene e grave com que ali se fazem as Festas, e ficou penalizado que ele não pudesse fazer essas Festas na sua Igreja, eu o consolei muito; e lhe prometi que o que estivesse em minha mão eu lhe faria, para animar, talvez, se pudesse cantar o Te – Deum no dia 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias, ocasião de estar muita gente em Petrópolis

(Velho, 1864, p. 1-2).

No decorrer da narrativa descreve, ainda, a alegria do vigário, que é quase visto “pular de contente” (Velho, 1864, p. 2) quando ela se prontifica a auxiliar na organização de uma grande festa católica em Petrópolis. Conta ter ficado responsável pela costura e pelo bordado do pavilhão para a celebração, trabalho árduo que teria lhe custado dores no peito e nas costas.

Em outra referência religiosa, Leonarda da Silva Velho refere-se ao fato de as freiras do Convento de Santa Teresa terem demonstrado o desejo de ouvir Mariquinhas, filha da Viscondessa de Ubá, tocar piano. Na correspondência, a avó alerta para a necessidade de a neta dedicar-se aos estudos musicais, pois uma boa apresentação certificaria às freiras que não havia mentido sobre o talento da menina. Vale destacar que o engajamento nas causas religiosas propiciava às mulheres a construção da representação de moralidade e de bondade.

No que se refere à representação de mulher caridosa, na carta endereçada ao filho, em 5 de julho de 1864, Leonarda da Silva Velho descreve a despedida de seu empregado tratado por ela como o “bom José”, que teria servido em sua residência por quatro anos. A missivista relata a gratidão que o empregado teria demonstrado para com ela, dirigindo-lhe um pedido de desculpas por quaisquer erros ou faltas e assegurando-lhe nunca ter sido por ela maltratado, tendo ficado de joelhos e lhe beijado a mão, como mais uma forma de agradecimento: “É homem muito agradecido. Fiquei muito compadecida e muito pesarosa, e muito chorei” (Velho, 1864, p. 2).

Outro aspecto observado é o uso das epístolas recebidas por Leonarda da Silva Velho como forma de preencher sua existência, o que ela mesma afirma em suas respostas. Tal sentimento podia decorrer da solidão vivida desde a sua viuvez, em 1860. Na correspondência de 12 de outubro de 1864, Leonarda da Silva Velho descreve-se: “Pobre de mim sem marido, que careço de tantas consolações e alívios” (Velho, 1864, p. 1). Silva (2015, p. 120)SILVA, J. P. “Desta para a melhor”: a presença das viúvas machadianas no Jornal das Famílias. São Paulo: Editora Unesp; Cultura Acadêmica, 2015. afirma:

A imagem da viúva dos Oitocentos, portanto, podia ter múltiplas facetas: esposa honrada, que mantinha o luto em memória do cônjuge falecido; “coquete9 9 A viúva coquete, em síntese, era aquela que somente procurava seduzir e despertar a admiração dos homens pela sua aparência física (Silva, 2015, p. 119). ” de salões, que preferia apenas seduzir os homens, sem se comprometer com mais ninguém; chefe de família, capaz de administrar as finanças e os empreendimentos deixados pelo marido; mulher experiente, que, já tendo conhecido as peripécias da vida conjugal, era mais enérgica e menos inocente na relação a dois; dama interesseira, que pretendia lucrar com um novo casamento por ela escolhido etc.

Nesse caso, a missivista optou pela manutenção do luto, em conformidade com o ditado popular conhecido no Oitocentos de “viúva honrada, porta fechada” (Silva, 2015SILVA, J. P. “Desta para a melhor”: a presença das viúvas machadianas no Jornal das Famílias. São Paulo: Editora Unesp; Cultura Acadêmica, 2015., p. 122).

Na mesma linha, quase caricatural aos leitores atuais, em Código do bom tom eram apresentadas as restrições ao comportamento das mulheres durante o velório e o sepultamento do ente querido, pois, de modo geral, ao sexo feminino se desaconselhava a participação em cerimônias fúnebres públicas no século XIX (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1...
).

Ainda sobre a viuvez, na carta endereçada à filha em 10 de março de 1869, Leonarda da Silva Velho tece uma comparação entre o comportamento de duas recém-viúvas, criticando uma delas por não aparentar estar triste o suficiente com o falecimento do marido, enquanto a outra demonstrava seu sofrimento tanto na aparência (magreza) quanto no comportamento.

Cabe notar que, além de viúva e de se encontrar em uma idade considerada avançada para os padrões da época, Leonarda da Silva Velho deixa transparecer em suas cartas as complexas relações estabelecidas com as outras figuras masculinas da família. Na correspondência de 12 de outubro de 1864, a missivista demonstra o seu agradecimento ao “bom marido” da filha por tê-la hospedado na fazenda em Paty do Alferes para o restabelecimento de sua saúde (Velho, 1864, p. 1). No entanto, no mesmo texto, faz um lamento em tom de queixa à filha, por ter percebido que a afeição que sentia pelo genro não era recíproca: “A quem tanto quero como filho, mas com pesar o digo com lágrimas nos olhos, que ele não me quer do mesmo modo” (Velho, 1864, p. 1). Em outro trecho da mesma correspondência, parece querer demonstrar presteza no cumprimento de tarefas por ele demandadas:

Dize a Joaquim que cumpri exatamente os seus pedidos, que na mesma hora em que cheguei fui logo a loja do papel, escolhi os papéis que me foram indicados, o da sala é branco e dourado, porque os que não eram dourados achei muito ordinários e outros que encontrei caríssimos. Comprei um vestido para a nossa querida Mariquinhas foi o melhor que achei, mas não é tanto do meu agrado

(Velho, 1864, p. 2-3).

Como não se tem acesso à carta seguinte de resposta da Viscondessa de Ubá, não é possível acompanhar como a filha mediava as relações entre a sogra e o genro.

Acerca do cotidiano feminino nas classes abastadas, a carta de 30 de novembro de 1866 aborda a governança da casa, por intermédio das relações que se estabeleciam entre as senhoras e as escravizadas que serviam no interior das residências. No referido registro, Leonarda da Silva Velho afirma ter transferido a propriedade de Deolinda à filha e que a escravizada estava sendo treinada para adquirir o traquejo necessário a fim de bem servir à Viscondessa de Ubá:

Com muito gosto e da melhor vontade te ofereço a minha Escrava Diolinda a qual se acha em casa de (?) desde 22 (?) para bem se industriar no seu ofício e melhor de servir. Como é minha vontade, afim desde hoje a poder contar como tua escrava, a ter todo o direito de Senhora e mando sobre a referida Escrava Diolinda

(Velho, 1866, p. 1).

A transferência de posse de mulheres escravizadas, sobretudo entre mães e filhas, e particularmente daquelas que soubessem as prendas do lar era algo muito comum nas famílias abastadas. Esse processo foi identificado por Muaze (2008)MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. como algo costumeiro e corriqueiro, uma vez que “o treinamento do ‘escravo de dentro’ estava entre as tarefas que mais tomavam tempo no cotidiano doméstico” (Muaze, 2008MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008., p. 130). Tal cenário era algo muito presente nas propriedades da Viscondessa de Ubá, como em tantas outras, pois a estrutura escravista se configurava no alicerce tanto de sustentação das fortunas dos grandes proprietários rurais como também na manutenção do funcionamento dos lares domésticos das casas-grandes.

Algumas considerações

Em Código do bom tom, José Ignacio Roquette (1867)ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1...
propõe que as normativas epistolares são necessárias, porque as cartas constituem espaços de memória nos quais “devemos ter de mais a mais o amor-próprio e brio de não exararmos num papel, com a nossa própria mão, o corpo de delito de nossa ignorância, ou descortesia” (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1...
, p. 209). Nesse sentido, os manuais de civilidade e de domínio da gramática social propunham regras que procuravam padronizar os formatos das narrativas trocadas entre remetentes e destinatários. Essas regras ou diretrizes demonstram que todo o processo de elaboração de missivas, conceituadas por Roquette (1867, p. 209)ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1...
como “contextura das cartas”, envolvia intencionalidades, desde a escolha do papel, a dobradura das folhas, o tipo de lacre, as formas de tratamento e de despedida etc. Por essa razão, no contexto daquela narrativa, era necessário que as personagens de Theophilo e Eugenia dominassem “o uso e o bom gosto” (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1...
, p. 209) na arte de elaborar missivas.

Todavia, observa-se que na prática, principalmente no âmbito das relações familiares, as prescrições epistolares não se sobrepunham aos acontecimentos do cotidiano nem às sensibilidades dos sujeitos. O conteúdo das cartas de Leonarda da Silva Velho, embora obedecesse a certos preceitos normativos identificados nos manuais de civilidade, era muito mais marcado e influenciado pelas relações sociais, pessoais, de gênero e de classe, ou seja, das circunstâncias que permeavam suas redes de sociabilidade do que regido por diretrizes protocolares.

Embora atenuadas pelas condições da gramática social da escrita, as epístolas analisadas permitem evidenciar uma série de vestígios que tornam possível recompor situações relativas às preocupações, aos afetos, aos afazeres, às movimentações e ao cotidiano que produziam as ações da missivista.

As cartas de Leonarda da Silva Velho também suscitam outros elementos que podem ser investigados sob múltiplos e distintos olhares, em que se destacam aspectos das relações de educação, escrita e escolarização do sexo feminino no contexto do Oitocentos, oferecendo inúmeras possibilidades de pesquisa, entre elas temas pouco explorados, como o papel social das viúvas e das mulheres mais velhas, seja no seio familiar, seja na sociedade brasileira do século XIX.

Notas

  • 1
    José Ignacio Roquette nasceu em 1801 na Freguesia de Alcabideche, localizada na região de Cascais, em Portugal. Dedicou-se aos estudos de gramática latina, retórica, filosofia e música. Aos 20 anos, ingressou na Congregação de Santo Antônio de Estoril. Atuou como religioso em paróquias portuguesas e francesas chegando ao cargo de cônego da Sé Patriarcal. Exerceu o magistério no Seminário de Santarém. Foi autor de livros religiosos e compêndios de gramática francesa para portugueses e brasileiros. Sócio correspondente da Academia Real de Ciências de Lisboa, foi agraciado com os títulos de Cavalheiro das Ordens de Nossa Senhora da Conceição em Portugal e da Rosa no Brasil. Faleceu na cidade lusitana de Santarém em 1º de junho de 1870 (Silva, 1860SILVA, I. F. Diccionario Bibliographico Portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional, 1860. tomo 4. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242735. Acesso em: 30 set. 2022.
    https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/...
    , p. 373-377; Silva, [s.d.]SILVA, I. F. Supplemento ao Diccionario Bibliographico Portuguez (J). Imprensa Nacional, [s.d.]. p. 15. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242735. Acesso em: 30 set. 2022.
    https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/...
    , p. 15).
  • 2
    Encontram-se em edições do Jornal de Commercio de 1845 anúncios de venda de Código do bom tom em conhecidos estabelecimentos da corte, como a livraria dos Irmãos Garnier: “Rua do Ouvidor n.69. Vende-se o Código do Bom Tom, rica encadernação, por J. I. Roquette; preço 3$500” (Livraria..., 1845LIVRARIA GARNIER IRMÃOS. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 195, p. 4, 21 jul. 1845. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_03/8086. Acesso em: 7 out. 2022.
    http://memoria.bn.br/DocReader/364568_03...
    , p. 4).
  • 3
    A introdução de Código do bom tom é intitulada Instrucção Paternal – A Theophilo e a Eugenia (Roquette, 1867ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
    https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1...
    , p. 5-17).
  • 4
    O conteúdo da citação foi adaptado à ortografia atual, assim como os trechos reproduzidos no decorrer do artigo, retirados da correspondência de Leonarda da Silva Velho.
  • 5
    No Capítulo XIII: Das Cartas, José Ignacio Roquette (1867)ROQUETTE, J. I. Código do bom tom ou regras da civilidade de bem viver no XIXº século. 4. ed. Paris: J. P. Aillaud, 1867. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k131713t#. Acesso em: 15 out. 2022.
    https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1...
    identifica a existência dos seguintes tipos de correspondência: Cartas de Morais e de Conselhos; Cartas de Pêsames; Cartas de Parabéns; Cartas de Pretensão, Representações e Memórias; Cartas Eucarísticas, ou de Agradecimento; Cartas de Recomendação ou de Empenho; Cartas às Pessoas cuja Companhia nos separamos; Cartas de Queixas; Cartas de Escusa; Cartas de Negócios e Encargos; Cartas de Participação, ou de Notícia; e Cartas de Boas Festas, De Ano Bom, e Dia de Anos. Para cada tipologia de correspondência era preciso que o remetente se detivesse aos seguintes aspectos: contextura das cartas, regras gerais para composição das cartas e regras particulares para diferentes gêneros de carta.
  • 6
    Acerca da relação entre tempo e história, consultar Koselleck (2014)KOSELLECK, R. Estratos do tempo: estudos sobre história. Tradução: Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2014. e Pimenta (2021)PIMENTA, J. P. O livro do tempo: uma história social. São Paulo: Edições 70, 2021..
  • 7
    Sobre a definição do termo popular, das relações de classe e da escrita epistolar, consultar Goméz (2020, p. 83)GOMÉZ, A. C. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Tradução: Cristina do Rego Monteiro Bomfim e Fabiana Calixto. Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020..
  • 8
    Acerca da identidade de Carlos, consultar Muaze (2008)MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Zahar, 2008..
  • 9
    A viúva coquete, em síntese, era aquela que somente procurava seduzir e despertar a admiração dos homens pela sua aparência física (Silva, 2015SILVA, J. P. “Desta para a melhor”: a presença das viúvas machadianas no Jornal das Famílias. São Paulo: Editora Unesp; Cultura Acadêmica, 2015., p. 119).

Agradecimentos

Não se aplica.

  • Número temático organizado por: Lia Machado Fiuza Fialho https://orcid.org/0000-0003-0393-9892, Hugo Heredia Ponce https://orcid.org/0000-0003-3657-1369, Manuel Francisco Romero Oliva https://orcid.org/0000-0002-6854-0682.
  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
    Projeto No: 403658/2021-7

Disponibilidade de dados da pesquisa

Todos os dados foram gerados/analisados no presente artigo.

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Editoras Associadas:

Elizabeth dos Santos Braga https://orcid.org/0000-0002-8115-249X e Rita de Cassia Gallego https://orcid.org/0000-0003-4465-8173

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2023
  • Aceito
    15 Set 2023
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