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A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA E OS ESPAÇOS POLÍTICOS DE PARTICIPAÇÃO CONSTRUÍDOS, REINVENTADOS, CONQUISTADOS NA ESCOLA

The Participatory Institutional Evaluation and the participation of political spaces constructed, reinvented, and achieved at school

RESUMO:

O texto compreende a Avaliação Institucional Participativa (AIP) como importante recurso contrarregulatório que expressa reação propositiva de diferentes atores em prol de uma qualidade socialmente referenciada para a escola pública. O artigo analisa as potências, os limites e os desafios que perpassam instâncias institucionais colegiadas já formalmente existentes (Conselhos de Escola - CE) e a alternativa proposta pela AIP (Comissão Própria de Avaliação - CPA), a partir do estudo da experiência da Secretaria Municipal de Educação de Campinas/SP, por meio de pesquisa realizada junto ao Observatório de Educação - OBEDUC/CAPES. A orquestração das forças progressistas da escola/sociedade que se opõe aos avanços dos reformadores empresariais, demanda a existência e qualificação de espaços sociais favorecedores do encontro, do diálogo crítico e plural entre os atores sociais para que, coletivamente, pensem, pactuem e deliberem em favor do direito a uma educação pública de qualidade social.

Palavras-chave:
Avaliação institucional participativa; Conselho de escola; Comissão Própria de Avaliação

ABSTRACT:

This article considers the Participatory Institutional Evaluation (AIP) as an important counter-regulatory resource that expresses constructive reaction of different actors towards the achievement of social quality of public schools. The article analyzes the powers, limits and challenges faced by the existing collegiate bodies (School Council) and the alternative space proposed by the Participatory Institutional Evaluation (Self Evaluation Commission), based on the experience of the Municipal Education of Campinas/SP, as part of a research conducted at the Centre of Education-OBEDUC/CAPES. The coordination of the progressive forces of school and society, which is opposed to the advances of corporate reformers, demands the existence of qualification of social spaces characterized by critical and plural dialogue among social actors so they can think, negotiate and decide important issues in a collective way, benefiting the children´s right to have a social-quality public education.

Keywords:
Participatory institutional assessment; School council; Committee for assessment

A AIP COMO PRÁTICA CONTRARREGULATÓRIA E AS NEBULOSIDADES DO CENÁRIO POLÍTICO

Assumimos como pressuposto que os processos de avaliação externa que incidem sobre as redes públicas de ensino têm introduzido e naturalizado determinados referenciais de qualidade educacional que precisam ser contestados. Como estratégia possível e potente, temos defendido a Avaliação Institucional Participativa (AIP) que se caracteriza como prática agregadora de atores sociais que se organizam para fazer valer uma qualidade mais abrangente e alinhada com os direitos das crianças e jovens para terem acesso a um conjunto de saberes e conhecimentos que não se esgotam nos exames estandardizados, mas que favoreçam a formação humana. Associamos ao processo de AIP uma concepção de avaliação embasada na qualidade social (SILVA, 2009SILVA, Maria Abádia da. Qualidade social da educação pública: algumas aproximações. Caderno Cedes, Campinas, v. 29, n. 78, p. 216-226, maio/ago. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v29n78/v29n78a05.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v29n78/v...
).

Verifica-se o crescimento da adoção da AIP nas redes de ensino, porém conhecemos pouco sobre as experiências que se efetivam, suas potencialidades e limitações, e o quanto elas têm, de fato, contribuído para que a qualidade social se configure como uma possibilidade de contrarregulação, na perspectiva defendida por Freitas (2005FREITAS, Luiz Carlos de. Qualidade negociada: avaliação e contra-regulação na escola pública. Educação & Sociedade Campinas, v. 26, n. 92, p 911-933, out. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v26n92/v26n92a10.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/es/v26n92/v26n9...
). Há aspectos de opacidade que merecem ser examinados, em especial neste momento, em que os reformadores empresariais incorporam a Avaliação Institucional (AI) como um dos seus mecanismos de captação da qualidade da escola. De acordo com Freitas (2012FREITAS, Luiz Carlos de. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação. Educação & Sociedade Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, abr.-jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v33n119/a04v33n119.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/es/v33n119/a04v...
), os reformadores empresariais entendem que a escola é boa quando ensina português e matemática - no máximo ciências. Essa concepção de educação centra a ação da escola no desenvolvimento de um aspecto do ser humano - a cognição -, associando-se notas altas nessas disciplinas com boa educação. Nessa direção, parece inadiável a necessidade de refletirmos sobre a AIP para que não se torne mero adereço que mantenha a escola pública continuamente refém dos interesses mercadológicos.

Por esse prisma, a experiência implementada na Secretaria Municipal de Educação (SME) de Campinas que, em 2007, instituiu a AIP para todas as escolas de Ensino Fundamental, e, a título de uma política própria que dialogava com os processos externos de avaliação sem necessariamente a eles se avassalar, torna-se um pretexto para melhor elucidar os meandros desses processos. Importa-nos problematizar que a AIP pode servir tanto como instrumento de fortalecimento dos atores locais para que construam a qualidade social internamente à escola como pode ser apropriada pelos reformadores empresariais para atenuar as crescentes críticas, que sofre o processo de avaliação externa engendrado pelas políticas neoliberais.

Diante desse contexto, optamos por situar melhor o que entendemos por um processo de AIP capaz de se confrontar com os interesses dos reformadores empresariais que passam a incluir a AI nos formatos avaliativos oferecidos às redes de ensino.

Os principais destinatários ou grupos de referência são os próprios atores do processo da AIP que, organizados em grupos, tomarão para si a gestão de todo o processo de qualificação da escola. Os objetivos ou acordos são efetuados mediante a negociação entre pares e instâncias, o que fortalece a auto-organização interna dos grupos e a formulação de metas com vistas à transformação da realidade, mediadas pelo processo de avaliação. Entre os objetivos, encontra-se a própria decisão sobre as ações a serem tomadas, as quais conferirão a legitimidade necessária ao processo. Tais acordos devem estabelecer, com muita transparência, a atribuição das responsabilidades, sejam elas do poder público ou inerente à escola, por meio de processos responsáveis de negociação. A metodologia envolve a discussão e a reflexão sobre o quê e por quê fazer, como agir e como acompanhar os resultados da ação, em um processo ativo e dialógico no qual pactos de qualidade são firmados. Esse processo de trabalho enseja "produtos" carregados de aprendizagem política e implicados com uma qualidade educacional abrangente e includente dos alunos (LEITE, 2005LEITEDeniseReformas universitárias: avaliação institucional participativa. Petrópolis, RJ: Vozes , 2005; SORDI; LUDKE, 2009SORDI, Mara Regina Lemes de; LÜDKE, M. Avaliação institucional participativa em escolas de ensino fundamental: o fortalecimento dos atores locais. In: LEITE, Denise. (Org.). Avaliação participativa e qualidade: os atores locais em foco. Porto Alegre: Sulina, 2009.; SORDI, 2012SORDI, Mara Regina Lemes de. A avaliação da qualidade da escola pública: a titularidade dos atores no processo e as consequências do descarte dos seus saberes. In: FREITAS, L. C. de. et al Avaliação e políticas públicas educacionais: ensaios contrarregulatórios em debate. Campinas, SP: Leitura Crítica, 2012. v. 1, p. 157-170.).

Contrariamente às avaliações externas que possuem seus "produtos" prontamente mensuráveis, a AIP aposta no processo cuidadoso de produção da qualidade, de modo sinérgico e negociado com os atores, ou seja, de forma democrática, incluindo-os em todos os momentos, sobretudo os deliberativos.

As políticas de avaliação em larga escala dão materialidade à determinada concepção de qualidade educacional que, divulgada ostensivamente pela mídia, ajudam a legitimar a lógica meritocrática, competitiva e ranqueadora. A AIP se referencia na construção de uma avaliação formativa orientada pelos princípios da responsabilização participativa, procurando afastar-se da lógica ora citada.

Tais características levam a que se identifique a AIP como forma de accountability inteligente (AFONSO, 2012AFONSO, Almerindo Janela. Para uma concetualização alternativa de accountability em educação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 119, p. 471-484, abr.-jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v33n119/a08v33n119.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/es/v33n119/a08v...
) - um espaço de efetivação de uma responsabilização horizontal, compartilhada em torno de objetivos e metas negociados que ganham visibilidade institucional de modo a, inclusive, permitir (e desejar) controle social sobre o pacto acordado que a todos compromete e beneficia.

Quanto mais a participação e o envolvimento são estimulados, mais fortalecida a atuação, permitindo a real expressão do coletivo. Isso não se faz por discurso nem por decreto, como afirma Bondioli (2004BONDIOLI, Anna. O projeto pedagógico da creche e a sua avaliação: A qualidade negociada. Campinas: Autores Associados, 2004.), mas por um pacto de qualidade negociada em que os diferentes segmentos da escola têm voz ativa para trazer suas percepções e anseios, discutir e propor ações em vista de uma melhoria na qualidade da instituição.

Ao destacarmos seu caráter negociável, isso não significa deixar de lado os outros aspectos da natureza da qualidade. Significa apenas a escolha de um aspecto em que esta definição contrasta mais abertamente com a noção corrente de qualidade adotada pelas políticas públicas neoliberais, cuja concepção é quase sempre eivada de uma pseudoparticipação que objetiva legitimar a imposição verticalizada de "padrões de qualidade" externos ao grupo avaliado (FREITAS, 2005FREITAS, Luiz Carlos de. Qualidade negociada: avaliação e contra-regulação na escola pública. Educação & Sociedade Campinas, v. 26, n. 92, p 911-933, out. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v26n92/v26n92a10.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/es/v26n92/v26n9...
, p. 921).

Uma das características mais complexas dos processos de AIP está na categoria da participação. A responsabilização horizontal que se deseja instituir como reação propositiva aos processos de avaliação em larga escala convoca a todos os atores da escola e seu entorno para que se engajem na construção da qualidade educacional. Sem espaços formais que oportunizem encontros entre os atores, a experiência de participação esmorece, dificultando a construção de uma ambiência democrática. Ainda que reconheçamos a capacidade dos atores da escola de informalmente se organizarem, parece-nos fundamental defendermos os espaços colegiados inerentes à opção por uma gestão democrática.

A existência de espaços institucionalizados que favoreça a participação autêntica dos vários segmentos na escola nos instiga às perguntas: haverá um espaço certo para participar que se sobreponha a todos os demais espaços? Seria a participação condição reservada unicamente aos representantes indicados? Seria a participação um valor a ser desenvolvido e intensificado para que todos se sentissem implicados com a vida da escola e com as formas que esta elege para construir sua qualidade social?

A existência de espaços oficiais em que se "autoriza/normatiza" a participação para potencializar a realização da AIP é um dos aspectos que se pretende explorar neste trabalho, pois configurou-se um dilema na experiência da AIP da SME Campinas, cuja proposta se assentava na criação de Comissões Próprias de Avaliação (CPA) como lócus indicado para sustentação da política de AIP. Essa iniciativa colocou em dúvida o sentido do Conselho de Escola (CE) e pareceu ocasionar sobreposição de instâncias colegiadas.

A defesa de uma avaliação da qualidade social da escola pública referenciada em valores, que não os mercadológicos, não pode ser construída individualmente, o que nos faz buscar os sentidos da participação nas redes de ensino, ao mesmo tempo em que nos remete a recuperar o sentido do CE e das CPAs na experiência estudada, visando compreender como essas escolhas afetam positiva ou negativamente a política de AIP na SME de Campinas.

A análise dos resultados obtidos na pesquisa realizada junto ao Observatório de Educação - OBEDUC/CAPES, a consulta informal de diretores de escolas envolvidas nessas experiências e o aprofundamento teórico sobre a temática por meio de levantamento bibliográfico e documental nos permitiram realizar a reflexão e o trabalho que ora se apresenta.

A POTENCIALIDADE DOS ESPAÇOS COLETIVOS NA ESCOLA PARA O FORTALECIMENTO DA AIP

Ressaltando a importância dos espaços coletivos na escola, retomamos a constituição e compreensão dos CE por se tratarem de espaços formalmente constituídos que compartilham e inspiram ideias e princípios importantes à participação, e, nesse sentido, segundo Cury (2005CURY, Carlos Roberto Jamil. O princípio da gestão democrática na educação. In: CURY, Carlos Roberto Jamil. Gestão democrática da educação. Brasília: MEC, out. 2005. p. 14-19. (Boletim 19).), quando as pessoas se reúnem e invocam o interesse coletivo, estão atuando na perspectiva da construção do futuro, não de um futuro qualquer, mas de um futuro que atenda as demandas e os anseios populares, por meio da constituição de práticas cidadãs alicerçadas na participação, na discussão e na tomada de decisões sobre a realidade social e política em que vivem.

Assim, conselhos constituem-se em arenas políticas e democráticas onde os diferentes atores sociais se encontram para deliberar sobre os problemas e as questões fundamentais de seu tempo; para acompanhar, fiscalizar, monitorar, com o papel de atuar no controle social e na democratização das políticas públicas.

Importante destacar que a participação nos conselhos é ainda uma prática que precisa ser aperfeiçoada, objeto constante de reflexão, de debate e de envolvimento das comunidades com base na gestão democrática, no campo de aprendizagem da participação.

Nesse sentido, os coletivos da escola (CE e outras formas de atuação coletiva) se reúnem ancorados no princípio da gestão democrática, sustentado na pela CF/1998BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. (art. 206) e pela Lei nº 9.394/1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1996. (arts. 12, 13, 14, 15), e apontam a importância do trabalho em equipe de toda a comunidade escolar nas esferas pedagógicas, administrativas e financeiras para atuar no campo de controle e fiscalização dos recursos obrigatórios e, ao mesmo tempo, no campo de defesa dos direitos à educação e do compromisso com a democratização das oportunidades de acesso e permanência na escola pública.

Embora os CEs tenham sido criados para dinamizar a discussão sobre a realidade escolar, sobre a qualidade da educação e os compromissos sociais com a educação pública, esse espaço tem sido sorrateiramente entorpecido pelo viés do burocratismo, da prestação pública de contas desprovida de significações ancoradas nas necessidades da escola para a oferta de uma educação de qualidade (RAICHELIS, 2000RAICHELIS, Raquel. Sistematização: os conselhos de gestão no contexto internacional. In: CARVALHO, Maria do Carmo A. A.; TEIXEIRA, Ana Cláudia C. (Orgs.). Conselhos Gestores de Políticas Públicas. São Paulo: Polis, 2000. n. 37, p. 41-45.; BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Educação. Secretária da Educação Básica. Conselho Escolar e a aprendizagem na escola Brasília, DF: MEC/SEB, 2004. p. 31-35 (Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, Caderno 2).; CURY, 2005CURY, Carlos Roberto Jamil. O princípio da gestão democrática na educação. In: CURY, Carlos Roberto Jamil. Gestão democrática da educação. Brasília: MEC, out. 2005. p. 14-19. (Boletim 19).).

Nesse sentido, o debate acalorado que acompanha os processos de avaliação hegemônicos, e que tendem a culpabilizar unilateralmente alguns atores pelos resultados obtidos, deveria encontrar espaço para discussão nos CEs. Debater, em profundidade, o sentido da qualidade da escola pública requer o uso ético-político do tempo do CE; porém, o processo de trabalho que o tem caracterizado acaba por encurtar o tempo da reflexão necessária sobre os contextos que afetam o alcance da qualidade do trabalho escolar.

O uso equivocado do tempo, enfatizando a burocratização, a crise da legitimidade de seus representantes, a rarefação do debate dos aspectos pedagógicos e a constituição de uma visão piramidal entre as vozes, tendem a desvirtuar a potencialidade da função do CE. Nesse sentido, se faz urgente a correção desse viés e a imperiosidade da proposição de uma política alternativa de avaliação em tempo hábil para oferecer resistência aos processos de responsabilização verticais.

Se admitirmos que a AIP é regida pela orquestração das forças sociais na (e da) escola, a inserção dessa abordagem avaliativa, que se pauta na reflexão coletiva, na interpelação das práticas vividas, na escuta das vozes e na procura de novos sentidos, não se coaduna com a proposta de avaliação induzida pelos reformadores empresariais. O CE, caso não revisitado, pode servir mais aos anseios da avaliação externa ou a uma responsabilização vertical do que aos interesses democráticos que lhe deram origem.

Posto isso, algumas redes de ensino optaram por criar instâncias colegiadas alternativas à guisa de restaurar a potência desperdiçada. A introdução das CPAs na experiência da SME de Campinas atendeu a esse propósito. Não interessa à política de AIP duplicar instâncias e/ou multiplicar funções; não lhe interessa dicotomizar nem dividir, mas superar contradições presentes em um tempo político que não pode ser desconsiderado.

Esse destaque nos parece necessário para reafirmar a titularidade dos atores locais nos processos de AIP, seja no CE (funcionando de forma dinâmica e desburocratizada), seja nas CPAs (instituídas para dar maior leveza aos processos e, simultaneamente, intensificar quantitativa e qualitativamente os debates sobre qualidade), o foco reside em não deixar escapar das mãos do coletivo escolar a reflexão sobre a qualidade da escola pública dada como resolvida pelos reformadores empresariais por meio de dados quantitativos avaliados em testes padronizados, e a avalanche de índices por eles produzidos, para legitimar suas concepções e interesses (nem sempre) velados.

Reforçamos este tópico pelos desdobramentos vividos na experiência da SME de Campinas e que levam a refletir sobre a questão. Muito se despotencializou o debate sobre a qualidade da escola dividindo-se os atores acerca do melhor lugar para avaliar. De forma gradativa fomos aprendendo que, ocorra o que ocorrer, o que está em jogo é o "como" nesses espaços, institucionalizados ou não, se favorece a participação e o debate democrático sobre a qualidade. Observa-se que mais importante do que o lugar, CE ou CPA, o que está em jogo é o como se discute e com quem se delibera sobre a qualidade social da escola pública.

Dessa forma, entendemos que a AIP precisa ser maior do que o lugar que a contém, exatamente porque se assenta no direito a participar de forma democrática da avaliação da qualidade da escola - um direito do cidadão.

AIP UMA PROPOSTA EM FAVOR DA QUALIDADE SOCIAL DA ESCOLA PÚBLICA

Se a escola é um espaço com finalidades socioeducativas definidas, é, por natureza, um espaço de convivência entre sujeitos com diferentes objetivos. Contudo, como os sujeitos que interagem são complexos e incompletos, os mesmos têm a chance, nas relações que se estabelecem, de se desenvolverem, superar e reconstruir os conhecimentos já produzidos historicamente, aprendendo e ensinando, uns aos outros, respectivamente.

Com base nesse pressuposto, a escola necessita de espaços de encontro para o diálogo, a negociação e para a tomada de decisões onde os colegiados, os grupos de trabalho, os grêmios e os conselhos constituem-se na possibilidade de ampliar e potencializar a qualidade social das relações estabelecidas entre os sujeitos da escola. Essa defesa em nada subestima os espaços informais de participação, apenas tenta dar visibilidade aos atores da escola, enquanto que as experiências de uma democracia forte ainda parecem distantes.

Os espaços participativos da escola precisam ser compreendidos para serem otimizados e cumprirem a sua função, quando nos encontros/reuniões promovem a decisão conjunta, por meio do diálogo e da escuta respeitosa. Nesse sentido, a AIP, enquanto ação intencional de melhoria da qualidade da escola, ganha potência em espaços reconhecidos/legitimados pelos sujeitos.

As pesquisas que analisam a experiência de implementação da política de AIP na SME de Campinas (SORDI; SOUZA, 2009SORDI, Mara Regina Lemes de; SOUZA, Eliana da Silva. A avaliação institucional como instância mediadora da qualidade da Escola Pública: a Rede Municipal de Educação de Campinas como espaço de aprendizagem. Campinas, SP: Millenium, 2009. ; MENDES, 2011MENDES, Geisa do Socorro Cavalcante Vaz. Avaliação institucional: estudo da implementação de uma política para a Escola Fundamental do Município de Campinas, SP. 2011. 329f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.; SORDI; SOUZA, 2012SORDI, Mara Regina Lemes de; SOUZA, Eliana da Silva. (Orgs.). A avaliação institucional como instância mediadora da qualidade da Escola Pública: o processo de implementação na Rede Municipal de Campinas em destaque. Campinas, SP: Prefeitura Municipal de Campinas/Secretaria Municipal de Educação, 2012.) indicam que a AIP pode se configurar como um forte instrumento que potencialize o movimento interno da escola por meio da discussão, reflexão e ação coletiva/participativa, de construção e validação da qualidade que produz, se autoavaliando e envolvendo todos os atores da comunidade escolar, considerando as próprias especificidades e necessidades de uma determinada realidade escolar.

Nesse sentido, a AIP precisa ganhar espaço institucionalizado para que a discussão dos resultados dos trabalhos realizados na (e pela) escola se sobreponha ao reducionismo que os resultados das avaliações em larga escala querem impor. Segundo Freitas (2009FREITAS, Luiz Carlos de; et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. , p. 52-53), os resultados das avaliações

[...] devem ser para consulta de cada professor ou da própria escola e não para se criar ranqueamentos de desempenho entre professores ou entre escolas, e muito menos para serem usados com a finalidade de complementação salarial do professor. O controle social sobre o professor deve ser responsabilidade do coletivo da escola, no processo de avaliação institucional. Cabe à avaliação institucional realizar esta mediação e à avaliação de redes cabe conferi-la.

Como importante ponto de encontro de qualificação da escola, das relações que nela acontecem, dos debates e de ações políticas e pedagógicas no interior da unidade, "[...] este espaço nesta política foi concebido como um importante deflagrador do processo de relocalização da avaliação no nível da escola, fortalecendo a participação dos atores socais nela atuantes" (SORDI et al., 2012SORDI, Mara Regina Lemes de; et al A Comissão Própria de Avaliação na escola pública: Que espaço é este? In: FREITAS, L. C. de et al Avaliação e políticas públicas educacionais: ensaios contrarregulatórios em debate. Campinas, SP: Leitura Crítica , 2012. p. 197-226., p. 197).

Sem o propósito de indicar de forma maniqueísta o lócus preferencial para a AIP, o Quadro 1 descreve as características de ambas as instâncias na rede de ensino ora estudadas para, em seguida, analisar os efeitos que favorecem ou obstaculizam a participação dos atores na defesa da qualidade da escola pública de forma mais robusta e democrática.

Quadro 1:
Síntese de características dos espaços coletivos institucionalizados da Secretaria Municipal de Educação de Campinas para acompanhamento da qualidade da escola.

Das características listadas, observa-se que a AIP como estratégia de contrarregulação parece encontrar na CPA uma possibilidade de exercício mais intenso sobre a qualidade da escola pública, posto que (re)localiza o debate no âmbito da escola de forma menos burocrática em relação à dinâmica dos CEs. Em outras palavras, as reuniões de CPA podem ocorrer a qualquer tempo, para tratar de fato/situação/ocorrência que requeira um olhar e posicionamento do coletivo sobre as questões que afetam a educação das crianças. Nesse sentido, a realidade cotidiana da escola é tema constante das reuniões, o que possibilita agilidade no debate e posicionamento de seus membros (professores, alunos, gestores, família, funcionários), efetuando registros com encaminhamento/acompanhamento das propostas de ações para aprovação do CE.

As CPAs, ocorrendo de modo mais livre e sensível às necessidades do coletivo escolar, parecem ensejar com maiores vantagens à isocracia, isegoria e isonomia (LEITE, 2005LEITEDeniseReformas universitárias: avaliação institucional participativa. Petrópolis, RJ: Vozes , 2005). No entanto, carece de menor legitimidade institucional, o que remete a revisitar o CE, restaurando seus sentidos, se a opção passar pelo reconhecimento de ser este o lugar da AIP.

Há indícios de que quando o CE se burocratiza, este estabelece regras que se endurecem; quem pauta e participa do debate não são as vozes dos segmentos menos organizados ou do coletivo, ou seja, enfraquece a participação democrática. Em muitos casos, a burocracia dos CEs já vem estabelecida pelos sistemas de educação e suas leis, assim como definido o modus operandi desses coletivos, inclusive a hierarquia aos seus membros. As CPAs, por terem a maior parte dos seus membros presentes na unidade escolar, encontram maior facilidade para se reunir e podem ser organizadas conforme a necessidade e indicação da escola, respeitando-se a exigência de ter, no mínimo, um representante de cada segmento e ter como foco a aprendizagem das crianças. Não há hierarquia entre seus membros. Pelo menos pode-se afirmar que se criam condições que favorecem a horizontalização das relações entre os atores. A recriação de espaços colegiados de participação, negociação e deliberação, via CPA ou congêneres, pode ser instância de reconversão da potência dos coletivos em favor da qualidade social.

A ideia que se pretende preservar é a necessidade da AIP encontrar um espaço coletivo de participação democrática que consiga lidar proativamente com os dilemas e as possibilidades da escola na construção do seu trabalho pedagógico e na efetivação da formação humana de qualidade. Quanto mais esse espaço coletivo for participativo e democrático, e consiga fluir com leveza (menos burocratizado), melhor parece se constituir, com mais possibilidade, legitimidade e potencial transformador da realidade e, consequentemente, de resistência e/ou de contrarregulação.

De fato, a análise sobre o quadro nos faz pensar que se o CE conseguisse pautar-se por um trabalho coletivo, participativo e democrático, inclusive nos processos deliberativos implicados com qualidade social da educação pública, ele poderia ser a instância que faz acontecer a AIP e, neste caso, a CPA poderia ser uma superposição. Entretanto, a indisponibilidade dos sujeitos para estar na escola a qualquer tempo com os demais coletivos torna a ação e presença dos conselheiros limitada, assim como a intensidade de participação nas discussões e tomada de posição sobre as questões pedagógicas. Conforme salienta um diretor de escola da Rede Municipal sobre o CE:

O conselho de escola é muito focado na questão de apreciação e aprovação/desaprovação dos gastos financeiros da Unidade. Há pouco espaço para discussões pedagógicas e de avaliação da instituição, no que tange ao Projeto Pedagógico da escola (Diretor da escola em entrevista, 2015).

Quando não encontramos na realidade essa potencialidade no CE, e como a AIP necessita da efetivação da participação democrática, isso direciona para a constituição de outros espaços que a acolham e promovam sua realização.

A estratégia de construção de espaços coletivos participativos e democráticos se mantém, alterando-se as táticas para sua elaboração. Deve-se levar em conta que os tempos nebulosos que assolam o projeto de uma escola pública de qualidade para todos nos autoriza a criar, recriar, (re)inventar os espaços democráticos da escola para que a qualidade social, inspirada na matriz de formação humana, não ceda lugar à qualidade mercadológica e, para tal, a presença de todos os concernidos nessa luta precisa ser desburocratizada e ágil para que a responsabilização participativa possa se tornar realidade.

A REINVENÇÃO DOS ESPAÇOS COLETIVOS A SERVIÇO DA AIP

Participação democrática e legitimidade política são palavras que, ao serem assumidas como princípios norteadores de um processo de AIP, exigem coerência e responsabilidade por parte de quem conduz o trabalho. A participação da comunidade no processo de avaliação é fundamental porque o processo coletivo permite o amadurecimento das ideias e do grupo, exatamente porque coloca a todos em condição de igualdade para se pronunciarem sobre a qualidade social almejada pela escola.

Processos de AIP precisam ser capazes de promover/concorrer para que alterações nas relações da escola e no trabalho pedagógico sejam realizadas, produzidas de forma coletiva, participativa e democrática com vistas à efetivação de uma educação pública com qualidade social; tomando para si o compromisso e a implicação para superação dos limites da forma como a escola é instituída atualmente; atuando propositivamente; demandando dos órgãos públicos melhores condições objetivas para sua efetivação; lutando e disputando referenciais de qualidade social que ampliem a compreensão para além de indicadores e medidas produzidos em testes padronizados e reducionistas quanto à formação humana que se pretende alcançar; e que, contrariamente à lógica neoliberal, "perca tempo" ensinando para além do que é exigido nos exames, e para que se "ganhe tempo" na formação humana de gerações capazes de se auto-organizar, autolegislar e exercitar sua cidadania na busca pela emancipação.

Na análise realizada, o que evidenciamos é certa fragilidade dos espaços coletivos participativos instituídos na escola (CPA1 1 Coletivos Escolares da rede pesquisada - CPA: Comissão Própria de Avaliação; CE: Conselho Escolar; TDC: Trabalho Docente Coletivo e RPAI: Reunião Pedagógica de Avaliação Institucional. , CE, TDC, RPAI), e a urgência de sua renovação, reconstrução e fortalecimento, uma vez que a prática da participação requer vivências continuadas do encontro entre os atores implicados com o processo de qualificação da escola, favorecedoras do estudo constante sobre a realidade do coletivo. A vontade política daqueles que instituem esses espaços constitui-se condição necessária, mas não suficiente, para possibilitar o diálogo autêntico entre as pessoas, a aprendizagem da escuta com respeito ao contraditório. Apenas pelo exercício intensivo e metódico da participação é que se constrói e se amplia a potência desses espaços. Ou seja, aprende-se a participar, participando.

A AIP pode ser importante propulsor nesse processo, de forma a pleitear e exigir que se constituam espaços para consolidar e dar legitimidade à participação em que se superem os limites de uma democracia representativa e, pela luta, de forma contrarregulatória, contribua para desacelerar, desanuviar as mudanças que se quer produzir na escola pública em confronto com a lógica dos reformadores empresariais.

Além disso, constatamos que, independentemente do espaço coletivo, CPA ou CE, é inadiável o envolvimento de todos os segmentos da escola com a construção da qualidade social da educação. Conforme Bordenave (1983BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 47), "A participação é uma habilidade que se aprende e se aperfeiçoa, isto é, as diversas forças e operações que constituem a dinâmica da participação devem ser compreendidas e dominadas pelas pessoas". Nesse sentido, a aprendizagem da prática da participação é condição fundamental para que a escola pública seja assumida pela comunidade e, assim, defendido o direito das crianças a uma educação significativa, alicerçada na formação humana, direito esse subestimado pelas avaliações externas. Realçamos uma vez mais que assumir a formação humana como direito das crianças contribuirá para que aprendam o verdadeiro sentido da participação e a responsabilidade que possuem e devem exercitar como cidadãs de um mundo que precisa recuperar valores da solidariedade e emancipação. Sem esses valores cabe indagar: para que servem processos de avaliação que se limitam a medir e almejam tão pouco em termos de qualidade social?

REFERÊNCIAS

  • AFONSO, Almerindo Janela. Para uma concetualização alternativa de accountability em educação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 119, p. 471-484, abr.-jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v33n119/a08v33n119.pdf>.
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  • 1
    Coletivos Escolares da rede pesquisada - CPA: Comissão Própria de Avaliação; CE: Conselho Escolar; TDC: Trabalho Docente Coletivo e RPAI: Reunião Pedagógica de Avaliação Institucional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2016
  • Aceito
    22 Ago 2016
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