Open-access MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: o campo multiorganizacional de implementação dos programas associativos1

SOCIAL MOVEMENTS AND PUBLIC POLICIES: the multi-organizational implementation field of associative programs

MOUVEMENTS SOCIAUX ET POLITIQUES PUBLIQUES: le champs multi-organisationnel de l’implémentation des programmes associatifs

Resumos

O artigo reflete sobre a implementação de políticas públicas pela sociedade civil, especialmente quando esta é um programa associativo – um tipo de política que confere a centralidade do processo de implementação a determinados grupos sociais. Como a implementação desses programas apresenta diversos desafios, analisamos como as organizações societárias que implementaram a modalidade CDS do PAA, entre 2009 e 2017, em Americana e Sumaré (SP), responderam a eles. O estudo é subsidiado por entrevistas semiestruturadas, visitas de campo e análise documental. Os resultados mostram que o programa associativo cria um novo campo multiorganizacional que envolve atores sociais e estatais a partir de uma nova configuração de forças e papéis. Mobilizar esse campo é fundamental para que as organizações lidem com os desafios de sua implementação. Os recursos disponíveis a elas para acessá-lo são impactados pelas alterações no desenho da política e por mudanças político-institucionais.

Programa Associativo; Movimentos Sociais; Políticas Públicas; Campo Multiorganizacional; Programa de Aquisição de Alimentos


The article reflects on the implementation of public policies by civil society, especially when that is an associative program – a type of public policy that offers the centrality of the implementation process to certain social groups. Since the implementation of associative programs has several challenges, we analyze how social organizations that implemented the CDS modality of the Food Acquisition Program (PAA), between 2009 and 2017, in Americana and Sumaré (SP), responded to them. The study is based on semi-structured interviews, field visits, and documentary analysis. The results show that the associative program creates a new multi-organizational field that involves social and state actors from a new configuration of forces and roles. Mobilizing this field is essential so that social organizations can deal with the challenges of its implementation. The resources available to them in accessing it is impacted by policy design and political-institutional changes.

Associative Program; Social Movements; Public Policy; Multi-organizational field; Food Acquisition Program


L’article réfléchit sur la mise en œuvre des politiques publiques par la société civile, en particulier lorsqu’il s’agit d’un programme associatif – un type de politique qui confère la centralité du processus de mise en œuvre à certains groupes sociaux. Comme la mise en œuvre de ces programmes a plusieurs défis, nous analysons comment les organisations de la société civile qui ont fait la mise en œuvre de la modalité de la CDS du Programme d’Acquisition d’Aliments (PAA), entre 2009 et 2017, à Americana et Sumaré (SP), ont répondu à ces défis. L’étude est subventionnée par des entretiens semi-structurés, des visites sur le terrain et d’une analyse documentaire. Les résultats montrent que le programme associatif crée un nouveau champ multi-organisationnel qui implique des acteurs sociaux et de l’État d’une nouvelle configuration de forces et de papiers. Mobiliser ce domaine est la clé pour que les organisations fassent face aux défis de la mise en œuvre de la modalité CDS. Les ressources disponibles pour l’accéder sont touchées par des changements dans la composition de la politique et des changements politique-institutionnels.

Programme Associatif; Mouvements Sociaux; Politique Publique; Domaine Multi-organisationnel; Programme d’Acquisition d’Aliments


INTRODUÇÃO

Uma vigorosa agenda de pesquisa situada na interface entre os estudos de participação, de movimentos sociais e de políticas públicas tem se desenvolvido a partir de meados da década de 2010, com o intuito de compreender de que forma e com quais resultados os movimentos sociais atuam nos processos de produção das políticas públicas no Brasil. O tema foi objeto do dossiê Movimentos sociais, Estado e políticas públicas: abordagens e casos , organizado por Tatagiba, Abers e Silva (2018), e de três coletâneas recentes ( Abers, 2021 ; Gurza Lavalle et al ., 2019; Tatagiba; Teixeira, 2021b), que congregam líderes ou participantes de alguns dos principais grupos de pesquisa sobre a temática. Partindo do pressuposto da mútua constituição entre movimentos sociais e políticas públicas, esses estudos avançam na produção de modelos explicativos acerca da capacidade dos atores coletivos de construir “encaixes no Estado”, identificam os mecanismos que favorecem ou restringem a capacidade criativa das organizações populares nos processos decisórios, analisam as estruturas de oportunidade e/ou ameaças políticas que afetam o sucesso dos movimentos e trazem pistas sobre os efeitos desse tipo de participação sobre a configuração dos atores coletivos e seus repertórios.

Em diálogo com esse corpo de literatura, este artigo investiga um tipo de interação entre movimentos sociais e políticas públicas que encontramos em arranjos institucionais específicos denominados programas associativos . O conceito, inicialmente formulado por Karin Blikstad2 e desenvolvido em pesquisas posteriores ( Blikstad, 2017 ; Nepac, 2015 ; Pismel, 2018 ; Tatagiba; Teixeira, 2021a; Teixeira et al. , 2016;), visa caracterizar um modelo alternativo de política pública que se fortaleceu ao longo dos governos petistas, no qual organizações da sociedade civil de caráter popular assumem a responsabilidade pela implementação de políticas públicas, com o objetivo não apenas de garantir à população de baixa renda acesso a direitos mas, principalmente, destinar recursos públicos para fortalecer a organização coletiva, promover a participação cidadã e construir vínculos associativos nos territórios.

É comum nas normativas que orientam os programas associativos a valorização do saber/fazer dessas organizações, a defesa da autonomia e do protagonismo dos atores coletivos nos processos decisórios que envolvem a implementação e a afirmação da solidariedade como princípio de convivência social (Tatagiba; Teixeira, 2021a; Teixeira et al. , 2016). São exemplos de programas associativos o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que será objeto de análise no artigo; o Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades; o Programa de Formação e Mobilização Social para a convivência com o Semiárido: Um milhão de Cisternas Rurais, os Pontos e Pontões de Cultura, no âmbito da Política Nacional Cultura Viva; e o Programa Cataforte.3

O objetivo do artigo é compreender quais os desafios que as organizações populares enfrentam na implementação dos programas associativos e de que forma têm buscado respondê-los. Nosso argumento central é que os programas associativos, ao conferir centralidade às organizações populares no processo de produção das políticas públicas, acionam conflitos específicos sobre quem detém o poder de decisão na implementação, em torno dos quais se gestam novas alianças e antagonismos entre os atores relevantes nas redes de políticas públicas.

Para apreender a interação contenciosa que acompanha a implementação dos programas associativos, mobilizamos o conceito de campo multiorganizacional , conforme definido por Bert Klandermans (1992) na análise da construção social do protesto, e sua posterior aplicação para análise das relações entre movimentos sociais e políticas públicas, como desenvolvido por Marcelo Silva e colaboradores (Barcelos; Pereira; Silva, 2017; Silva, 2021 ; Schmitt; Silva, 2016 ). O artigo sustenta que a configuração dos campos multiorganizacionais de implementação dos programas associativos – ou seja, os sistemas de alianças e antagonismos gerados em torno do conflito acionado pelo próprio desenho da política – importa para a compreensão das formas como as organizações populares respondem ao desafio de implementar as políticas.

A análise parte do estudo de caso de um programa associativo específico, o PAA. Ele foi criado em 2003 pelo Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (Mesa) para ser um dos eixos estruturantes do Programa Fome Zero. O PAA tinha como objetivo organizar a compra pública de alimentos vindos da agricultura familiar, visando abastecer estoques públicos e redes socioassistenciais que atendem famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional. Movimentos sociais rurais, cooperativas e demais organizações populares são responsáveis por gerir todo o processo de implementação, da produção à distribuição do alimento.

O trabalho de campo foi realizado entre maio e julho de 2017, e consistiu na análise do processo de implementação de projetos do PAA por três organizações de agricultores familiares que atuam nas cidades de Americana e Sumaré, localizadas no interior do estado de São Paulo. Foi feita análise documental (leis, decretos, normativas, portarias e cartilhas de criação e regulamentação do PAA), sistematização da bibliografia sobre o programa e 14 de visitas de campo.

Foram analisadas 11 entrevistas semiestruturadas4 com representantes das organizações populares e agentes públicos que integravam os campos multiorganizacionais de implementação do PAA, nos três empreendimentos.5

Os casos foram escolhidos em razão de serem empreendimentos sob responsabilidade de organizações populares com perfis distintos no que se refere ao tempo de existência, propósito de atuação (fins de organização política e/ou comercialização da produção), números e perfil de cooperados, organização de trabalho (coletiva ou individual), capacidade produtiva, e vinculação a redes de movimentos sociais do campo. Nossa hipótese de partida, com base nas conclusões de um estudo anterior sobre o MCMV-E ( Nepac, 2015 ), é que essas diferenças seriam determinantes nas estratégias dos atores para lidar com os problemas da implementação.

Essa hipótese não se confirmou. A investigação demonstrou que as características individuais das organizações populares importam menos nas respostas aos desafios da implementação do que as interações que elas mantêm com aliados e antagonistas no interior do campo multiorganizacional de implementação do PAA. Essas interações foram decisivas para acessar o Programa e, depois, para lidar com os problemas gerados pelas mudanças incrementais no desenho da política.

O artigo está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção traz o debate teórico e a acepção dos conceitos centrais do estudo. A terceira define o PAA como um tipo de programa associativo e mostra como as mudanças incrementais na política impactaram o campo multiorganizacional. A quarta traz os resultados do estudo de caso, focalizando nas estratégias das organizações populares para superar as barreiras de acesso ao Programa e lidar com os desafios de sua implementação. Por fim, apresentamos as considerações finais.

PROGRAMAS ASSOCIATIVOS E CAMPOS MULTIORGANIZACIONAIS

Os programas associativos 6 dizem respeito a um “arranjo específico de política pública que se origina e se desenvolve a partir de uma forte dinâmica interativa e criativa que envolve Estado e movimentos sociais” ( Blikstad, 2017 , p. 24). A criação e/ou o fortalecimento desses programas estiveram diretamente associados às gestões do PT no plano federal, e seus desenhos foram resultados da intensificação das relações entre movimentos sociais e Estado, ao longo desse período, que resultou em inovações em diversos setores de políticas públicas, como já fartamente discutido pela literatura da área. Os programas associativos são caracterizados pela presença de três elementos:

[a] a ênfase na participação nos territórios, que legitima formas de fazer/pensar alternativas; [b] o papel das organizações da sociedade civil como mediadores do acesso às políticas públicas; [c] e o repasse de recursos públicos para fortalecer a organização da sociedade, ao longo do processo de produção do bem público. (Tatagiba; Teixeira, 2021a, p. 27)

Assim, sua execução não visa unicamente a entrega de um bem ou serviço, mas aliar esse processo ao fortalecimento de grupos ou de ações coletivas “sob o argumento de que essa participação garantirá mais qualidade e sustentabilidade aos projetos executados, promovendo a cidadania e o empoderamento do público-alvo” (Tatagiba; Teixeira, 2021a, p. 27). A valorização do processo participativo aliada ao reconhecimento formal das organizações societárias como centrais no processo de implementação distingue os programas associativos como uma política pública específica.

Para compreender melhor a especificidade dos programas associativos, é preciso ter em mente que as políticas públicas são o resultado de “complexas interações entre uma multiplicidade de agentes situados tanto na esfera estatal quanto na societal e que, tão importante quanto, transitam entre essas esferas” (Barcelos; Pereira; Silva, 2017, p. 22). As políticas são formuladas no interior de subsistemas de políticas públicas, que são campos relacionais formados por diversas “instituições e atores que estão diretamente envolvidos no processo de elaboração de políticas em uma determinada área” (Jenkins-Smith; Clair; Woods, 1991, p. 85, tradução nossa). Os subsistemas são permeados por tensões e disputas entre as coalizões que se mobilizam para fazer avançar seus modelos e propostas de políticas ou manter o status quo (Barcelos; Pereira; Silva, 2017). Essas dinâmicas podem se tornar mais complexas quando movimentos sociais acessam os subsistemas, pois trazem para o interior desses espaços “atores e interesses previamente não considerados pelos tomadores de decisão” (Tatagiba; Abers; Silva, 2018, p. 106).

Considerando que os movimentos sociais são agentes de mudança social, os interesses trazidos por eles para dentro dos subsistemas não dizem respeito apenas a demandas e expectativas sobre o desenho das políticas, mas refletem disputas mais amplas sobre a própria organização da sociedade.

Como discutido por Tatagiba e Teixeira (2016) e Tatagiba, Abers e Silva (2018), os movimentos sociais subalternos se esforçam para acessar esses espaços com o intuito de trazer propostas alternativas de políticas (inspiradas por seus projetos políticos) para concorrer com os modelos dominantes. Ainda segundo os autores, os movimentos podem acessar os subsistemas de políticas públicas de duas formas: inicialmente, podem desenvolver e testar projetos-piloto em escala local – de forma autônoma ou em parceria com governos receptivos a suas propostas –; posteriormente, os atores movimentalistas que participaram dessas experiências alternativas podem levar essas ideias para outras instâncias e influenciar a produção de políticas alternativas em outros níveis devido a sua atuação multiescalar ( Tatagiba; Teixeira, 2016 ). Por atuação multiescalar entende-se a capacidade desses atores de atuar nos níveis municipal, estadual e federal e circular em diversos espaços institucionais e não institucionais, dependendo da abertura de oportunidades políticas e da presença de atores multifiliados que compartilham o mesmo projeto político.

Portanto, quando falamos em programa associativo, estamos chamando atenção para um tipo de política pública que apresenta propostas e modus operandi que desafiam os modelos dominantes ao conferir autonomia e poder de implementação a determinados grupos sociais. Ao fazer isso, o programa associativo coloca uma tensão adicional no interior da política pública que impacta profundamente as relações entre os atores envolvidos em sua execução. É para analisar esse processo que incluímos na análise o conceito de campo multiorganizacional.

Seguimos a vertente aberta por Kunrath Silva (2021) e Schmitt e Silva (2016) , que trazem para a literatura nacional as contribuições da Teoria dos Campos, de Neil Fligstein e Doug McAdam (2011; 2012), para analisar a relação entre movimentos sociais e políticas públicas. A teoria dos campos nasce do esforço de síntese de diversas teorias7 para criar uma perspectiva abrangente que tem como base o entendimento de que a vida social não tem apenas como propósito assegurar a reprodução da vida, mas também criar e compartilhar interpretações sobre o mundo ( Fligstein; McAdam, 2012 ). Desse modo, agentes com habilidade social se esforçariam para construir identidades coletivas e ideias capazes de engajar apoiadores para a conquista de “interesses e objetivos definidos e vivenciados como comuns” ( Silva, 2021 , p. 193).

Essa teoria coloca ênfase na conflituosidade do sentido da realidade ao assumir que novas ou já estabelecidas ideias e identidades coletivas estão constantemente se transformando e desafiando as hegemônicas. Essas disputas ocorrem dentro dos chamados “campos de ação estratégica” – que estão localizados na ordem social de nível meso e são “as unidades fundamentais de ação coletiva na sociedade” ( Fligstein; McAdam, 2012 , p. 9). Cada campo apresenta determinadas configurações de hierarquia e poder e de distribuição de recursos8 que podem constranger ou favorecer a ação dos atores coletivos ou individuais. Portanto a posição ocupada por estes dentro do campo determina suas possibilidades de ação ( Silva, 2021 ).

Ao incorporar essa perspectiva, os estudos nacionais concebem o Estado como sendo atravessado por campos de ação estratégica direcionados a setores de políticas públicas ( Schmitt; Silva, 2016 ). Dentre os vários agentes envolvidos nessas “arenas relacionais de nível meso” também estão presentes os movimentos sociais, que se esforçam para angariar recursos e se adaptar às suas dinâmicas relacionais (Barcelos; Pereira; Silva, 2017, p. 19).

Silva (2021) argumenta que trazer a teoria dos campos para dialogar com as perspectivas teóricas de movimentos sociais e políticas públicas pode ser duplamente benéfico. De um lado, a teoria dos campos auxilia o desenvolvimento de pesquisas empíricas ao oferecer um modelo teórico-metodológico mais amplo, dentro do qual é possível combinar9 os referenciais e conceitos das teorias de movimentos sociais e políticas públicas. De outro, as teorias de movimentos sociais e de políticas públicas podem oferecer à teoria dos campos um conjunto de conceitos relacionais capaz de dimensionar mais precisamente os campos de ação estratégica, permitindo “qualificar e operacionalizar metodologicamente os argumentos abstratos e gerais” dessa teoria ( Silva, 2021 , p. 203).

Portanto, para investigar os desafios próprios do processo de implementação de programas associativos e como eles são absorvidos pelos atores, especialmente as organizações da sociedade civil, nos inspiramos na definição de Klandermans (1992) de campo multiorganizacional para apresentar o que chamamos de campo multiorganizacional de implementação dos programas associativos . Segundo Curtis Jr. e Zurcher Jr. (1973), esse conceito apresenta diversas formulações. Neste artigo, usamos a definição feita por Bert Klandermans (1992) , que o utiliza para analisar a construção social de eventos de protestos. Segundo o autor, o surgimento de um campo multiorganizacional se deve ao estabelecimento de um conflito que leva diversos atores políticos sensíveis a ele a orbitarem ao seu redor e interagirem entre si. Dentro desse campo podem ser encontrados todos os atores com os quais as organizações de um movimento social se relacionam de forma colaborativa ou contenciosa, a depender do conflito que está sendo acionado. Mais especificamente, os campos são compostos por dois sistemas que se tensionam mutuamente: o sistema de aliança – que fornece recursos e criar oportunidades políticas para as organizações movimentalistas – e o sistema de conflito – que tensiona o campo e busca restringir as oportunidades e recursos disponíveis ao movimento. Além deles, também habitam o campo atores que tentam não se envolver no conflito, mas que podem se aproximar de um ou outro sistema a depender da situação. As fronteiras entre esses sistemas não são fixas e se remodelam constantemente, o que possibilita a reconfiguração de suas coalizões internas. Dessa forma, dependendo do contexto, ex-aliados do movimento podem se juntar ao sistema de conflito e outrora opositores podem se aproximar. Logo cabe a ambos tentar influenciar a opinião pública e captar apoiadores ( Klandermans, 1992 ).

Os campos se formam em uma ordem social de nível médio, em que os atores (individuais e coletivos) se relacionam tendo por base um conjunto de entendimentos comuns sobre os propósitos do campo, as regras que o regem e as relações existentes dentro dele (incluindo quem tem poder e por que) ( Fligstein; McAdam, 2012 ). Nesse sentido, a forma como os atores acessam determinado campo e se aproximam ou não entre si é justificada pela existência de valores que orientam suas ações. É justamente esse compartilhamento de visões de mundo e projetos políticos que permite que atores multifiliados criem pontos de acesso entre diferentes campos e ampliem o leque de recursos e estratégias disponíveis para defenderem suas propostas. Portanto valores e projetos importam para a ação desses atores ( Evans; Kay, 2008 ).

O conceito de campo multiorganizacional é uma ferramenta analítica profícua para investigar a execução de programas associativos, pois permite identificar e analisar a ação das coalizões que se formam dentro do campo multiorganizacional de implementação como reação à centralidade que esse tipo de programa confere às organizações populares. Ao investigar o interior dos campos multiorganizacionais, é possível centrar a atenção na ação dos atores nos níveis individual – “onde as redes são estabelecidas por múltiplas filiações de membros” (Curtis Jr.; Zurcher Jr., 1973, p. 53, tradução nossa) – e organizacional – “onde as redes são estabelecidas por atividades conjuntas, funcionários, conselhos de diretores, clientes-alvo, recursos etc” (Curtis Jr.; Zurcher Jr., 1973, p. 53, tradução nossa). Como as instituições e organizações envolvidas em um programa associativo são habitadas por indivíduos multifiliados que mobilizam estratégias para viabilizar seus projetos e estão constantemente negociando alianças e alterando suas posições, esse conceito nos ajuda a observar as dinâmicas desenvolvidas entre atores e organizações.

A seguir, apresentamos os elementos que qualificam o PAA como programa associativo e comentamos as mudanças incrementais que impactaram seu campo multiorganizacional de implementação.

PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS COMO UM PROGRAMA ASSOCIATIVO

O PAA foi criado pelo art. 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003. Devido à sua natureza intersetorial, seus recursos vinham do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)10 e do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)11. Seu objetivo era estimular a produção e venda de alimentos originados de agricultores familiares (beneficiários fornecedores), ao comprar todos os tipos de alimentos ofertados por eles. Essa produção tinha dois fins: contribuir para a formação de estoques públicos e, por intermédio de equipamentos públicos, ser doada a famílias em situação de insegurança alimentar (beneficiários consumidores). Dessa forma, o programa busca tanto fortalecer a agricultura familiar quanto promover a alimentação adequada à população.

O PAA também pretende fomentar a inclusão econômica e social dos agricultores e incentivar sua organização coletiva, assim como fortalecer redes regionais de comercialização – uma vez que, ao conectar equipamentos públicos e agricultores locais, o PAA permitia que a demanda por alimentos saudáveis encontrasse a oferta de agricultores locais que ainda tinham pouca entrada no comércio local ( Brasil, 2014 ). Esse programa é o que melhor se adequa à realidade dos agricultores mais vulneráveis socioeconomicamente, como acampados, assentados, comunidades indígenas, quilombolas e povos tradicionais.12

O reconhecimento do PAA como programa associativo se deve a três fatores. Primeiro, foi formulado por uma rede de ativistas – vinculados a universidades, órgãos estatais, partido, movimentos sociais e sindicais – que pretendia construir uma política alternativa para a segurança alimentar e o fortalecimento da agricultura familiar. Dois espaços foram essenciais para aproximar esses atores: o primeiro foi o Governo Paralelo,13 que aproximou ativistas da agricultura familiar e da segurança alimentar e promoveu o desenvolvimento de projetos conjuntos ( Grisa, 2012 ). O outro foi o Instituto Cidadania, que se consolidou como espaço de articulação entre pesquisadores e ativistas de diversos setores para pensar propostas de políticas públicas ( Müller, 2007 ). Segundo, seu desenho se inspira em iniciativas testadas nos territórios, entre os anos de 1990 e 2000, que foram possíveis graças à aproximação entre ativistas e gestões locais (Griza, 2012; Müller, 2007 ; Porto, 2014 ). Já o terceiro fator se refere ao fato de o PAA oferecer às organizações populares autonomia para implementar seus projetos. Como veremos adiante, este era mais evidente nos primeiros anos desse programa.

Três movimentos sociais participaram do grupo responsável por estruturar o PAA – o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar. Ainda que não tenham sido atores centrais na etapa de criação do PAA, a partir de 2005 suas organizações de base começaram a acessar o programa mais ativamente. Isso exigiu que esses movimentos se tornassem mais presentes no monitoramento e defesa do PAA14 ( Müller, 2007 ).

Desse modo, é possível ver os movimentos atuando de forma multiescalar no PAA. Em escala local, eles ajudaram a circular informação, a estruturar novas organizações e colocaram sua expertise (acumulada ao longo dos anos de interação com o campo político-institucional) à disposição dos agricultores que participavam de suas redes a fim de resolver problemas durante a fase de implementação. Já em maior escala, realizaram estudos de monitoramento15 para contribuir com sua reformulação e reivindicaram16 a melhorias para o PAA, como ampliação de recursos.

Assim como os demais programas associativos, o PAA configura um modelo de política alternativo ao agronegócio e as culturas de exportação (Griza, 2012; Müller, 2007 ). Tendo em vista que o alimento é um item historicamente estruturante de relações clientelistas no Brasil ( Takagi, 2006 ) e, consequentemente, de relações de poder e dominação, ao abrir as portas dos mercados institucionais aos movimentos sociais, o PAA deu a eles a oportunidade de disputar um espaço historicamente dominado por grandes produtores. Ao valorizar a participação coletiva dos agricultores e estimular redes locais de comercialização, o PAA trazia uma novidade radical: ensaiar outro modelo de comercialização e circulação de alimentos.

O PAA é formado por seis modalidades: Formação de Estoque pela Agricultura Familiar, a Compra Direta da Agricultura Familiar, Incentivo à Produção de Leite, Compra Institucional, Aquisição de Sementes e Compra com Doação Simultânea ( Brasil, 2014 ). Desenvolvemos este estudo centrando nosso olhar nessa última modalidade, pois ela é a única que confere às organizações populares a possibilidade de gerir os projetos.

A modalidade Compra com Doação Simultânea (CDS), inicialmente operada com recursos vindos do MDS, comprava produtos in natura , processados, orgânicos ou agroecológicos de agricultores familiares (beneficiários fornecedores) e, posteriormente, os destina a equipamentos públicos e entidades socioassistenciais que, por sua vez, atendiam pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional (beneficiários consumidores). Os agricultores podiam acessar a modalidade de forma individual, por meio de chamadas públicas realizadas por prefeituras e estados, ou enviando projetos coletivos por meio de cooperativas e associações17 que assinam um Termo de Cooperação com a Conab. Quando isso ocorria, suas organizações se tornavam as responsáveis por gerir os projetos aprovados. Entre suas principais funções estavam: selecionar os beneficiários fornecedores e recebedores, definir a lista de alimentos que seriam produzidos e entregues, prestar contas, acompanhar a produção e auxiliar técnica e burocraticamente seus agricultores.

Também cabia a elas lidar com possíveis problemas durante a implementação – como entraves burocráticos para regularizar as organizações ou expedir os documentos dos agricultores; apoio técnico rural insuficiente; dificuldade para manter a regularidade da produção; problemas logísticos; contratempos na relação com agentes públicos; eventual atraso nos pagamentos feitos pela Conab; e dificuldades para manter o coletivo mobilizado até o final dos projetos ( Porto, 2014 ; Sambuichi et al ., 2019). Dessa forma, era esperado que as organizações investissem em conhecimento técnico e burocrático e, ainda, combinassem essa expertise com a capacidade de manter coesa e motivada as suas bases, o que exigia delas soluções criativas (Teixeira et al ., 2016).

A execução da modalidade CDS requeria a articulação de um conjunto de organizações e instituições que conformam o que chamamos de campo multiorganizacional de implementação do PAA . Nesse campo, podemos encontrar: as organizações fornecedoras (cooperativas e associações de agricultores familiares responsáveis por executar os projetos); as unidades recebedoras (equipamentos públicos ou entidades socioassistenciais que recebem as doações); as assessorias técnicas (prestadoras de suporte aos agricultores); a Superintendência Regional da Conab (que coordena a execução da modalidade CDS); o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsea) (responsável pelo controle social do Programa); e a prefeitura municipal e uma secretaria municipal (indicada por ela), que acompanham os projetos.

Com o passar dos anos, o PAA passou por modificações que tinham por justificativa ampliar a participação dos entes federados, melhorar sua eficiência e reduzir brechas que poderiam ser usadas para desviar recurso público ( World Without Poverty, 2016 ). Na prática, como veremos, elas tiveram forte impacto na implementação da modalidade CDS, reduzindo a autonomia das organizações populares.

A primeira mudança foi a Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011, regulamentada pelo Decreto nº 7.775, de 4 de julho de 2012, que instituiu o Termo de Adesão. Esse instrumento permitia parcerias diretas entre as unidades gestoras do PAA (extintos MDS e MDA) e os governos locais. Os agricultores só podiam acessar as chamadas públicas feitas por municípios e estados de forma individual. A segunda foi a Resolução nº 59, de 10 de julho de 2013, que definiu os governos locais como responsáveis pelo armazenamento e transporte dos projetos feitos via Termo de Adesão. Por fim, a terceira é a Resolução nº 62, de 24 de outubro de 2013, que redefiniu as regras para selecionar as entidades recebedoras. A partir desse momento, só seria possível selecionar entidades pertencentes à rede socioassistencial, ao Sistema Unificado da Assistência Social (Suas) ou entidades sem fins lucrativos.

A nova legislação foi formulada somente para as parcerias celebradas com entes federados. Contudo, nossa pesquisa de campo mostra que essas mudanças incrementais também repercutiram sobre as operações realizadas entre a Conab e as organizações populares. A transferência para os governos locais da responsabilidade pelo armazenamento e transporte dos alimentos permitiu que organizações que não contavam com essa estrutura pudessem acessar o programa. Por outro lado, as prefeituras passaram a ter mais controle sobre a escolha das entidades que receberiam as doações dos projetos, uma vez que as organizações deveriam enviar à Conab um termo bipartite assinado em conjunto com a prefeitura18 para justificar as escolhas dessas entidades.

Essa transferência de funções e decisões a prefeituras e estados diminuiu a autonomia que as organizações populares tinham para implementar seus projetos na modalidade CDS, o que levou à reorganização do campo multiorganizacional de implementação do PAA. Se antes as organizações acessavam a modalidade de forma independente dos governos, após a nova legislação elas precisavam de um aceno positivo das administrações públicas sempre que desejassem enviar um novo projeto, processo definido como “prefeiturização” do PAA ( Porto, 2014 ).

Além disso, a diminuição gradativa de recursos é outro fator que dificulta a permanência dos agricultores no programa. O PAA recebeu recursos crescentes até 2012, quando atingiu a marca de R$ 1,2 bilhão, dos quais R$ 586 milhões foram executados pela Conab. Porém, a partir de 2013, seu orçamento foi diminuindo. O Plano Plurianual de 2020 a 2023 prevê aplicar, ao longo de quatro anos, o orçamento de R$ 520 milhões19 – o que significaria investir uma média R$ 130 milhões por ano. Em 2021 o PAA passou a ser chamado de Alimenta Brasil. O orçamento previsto para esse ano era de R$ 101 milhões, dos quais apenas R$ 58,9 milhões foram executados.20 Em 2022, a verba destinada ao programa foi reduzida para R$ 2,6 milhões.21 Esse desinvestimento não apenas torna o programa cada vez mais residual, como, na prática, inviabiliza sua continuidade.

A seguir, apresentamos os resultados do estudo de caso mostrando como as organizações de agricultores familiares venceram as barreiras de acesso ao programa e mobilizaram os recursos do campo multiorganizacional de implementação do PAA para resolver os problemas de implantação antes e depois das mudanças legislativas.

ESTUDOS DE CASO

A organização A , localizada em Sumaré, é o grupo mais antigo da amostra. Ela foi criada em 1989 para auxiliar na organização coletiva de agricultores de três assentamentos do MST na cidade, porém ficou inativa até 2010, quando foi reativada pelos assentados para participar de programas como o PAA. Essa organização conta com o maior e mais antigo grupo da amostra (278 famílias cooperadas). Esses agricultores trabalham de forma individual em seus lotes e têm alta capacidade produtiva. Apesar do assentamento já ter mais de 30 anos, alguns cooperados ainda mantêm contato com militantes do MST, apesar de o movimento não estar mais presente no dia a dia da organização. Em 2010, tiveram seu primeiro projeto aprovado na modalidade CDS e, desde então, participaram regularmente até 2015. Em 2016 e 2017, eles não foram contemplados devido aos cortes orçamentários sofridos pelo PAA.

A organização B , localizada em Americana, é o grupo mais novo da amostra. Ela está localizada em um assentamento do MST e foi criada em 2009 por incentivo do movimento para organizar os trabalhadores da região e acessar as políticas de agricultura familiar. Ela conta com um grupo de 33 famílias, que mescla trabalho individual e coletivo. Como o solo da área estava em processo de recuperação e parte dos cooperados não havia trabalhado no campo anteriormente, sua capacidade produtiva varia de família para família. Em 2012, por conta de divergências entre assentados e dirigentes do MST, parte do assentamento se desligou do movimento. A organização ficou sob a direção desse grupo. Eles aprovaram projetos pela CDS anualmente, de 2009 a 2013, e voltaram a participar em 2017.

Já a organização C , localizada também em Americana, é formada por um grupo de 37 cooperados que trabalham de forma coletiva em uma área urbana pública cedida para cultivo pela União. O grupo existe desde 1987, e a organização foi oficializada em 2008 para que pudesse acessar políticas de comercialização de alimentos. Diferente das outras duas organizações, o grupo não apresenta histórico de relação com movimentos sociais do campo, além de mostrar boa capacidade produtiva. Em 2011, tiveram seu primeiro projeto aprovado na modalidade CDS e, desde então, participaram anualmente até 2014, quando tiveram seu projeto cancelado. Em 2017, voltaram a acessar a modalidade.

No primeiro momento do PAA – período que compreende o início das operações do programa em 2003 e vai até 2011 –, a execução da modalidade CDS dava autonomia às organizações populares para gerir esse processo e exigia a participação ativa da Superintendência Regional da Conab (doravante Conab) e das entidades recebedoras. Inicialmente, cabia às organizações de agricultores elaborar o projeto (indicando os agricultores e as entidades recebedoras contemplados) e recolher a assinatura da assessoria técnica22 para atestar sua viabilidade. Após a aprovação, cabia à Conab liberar o pagamento à medida que as entregas ocorressem. Por fim, o Comsea era responsável por fazer o controle social. Nesse momento, os governos municipais e estaduais não tinham funções centrais na implementação da modalidade, o que fortalecia a coalizão que dava suporte às organizações populares.

A primeira barreira de acesso ao PAA era justamente a elaboração dos projetos. Essa tarefa exigia um nível de conhecimento burocrático e técnico que as organizações de agricultores nem sempre detinham, especialmente aqueles com menores recursos. Para obter informações sobre o PAA e ajuda para preencher os documentos, as organizações recorriam à Conab, mas nem sempre obtinham sucesso. Como o órgão apresentava alta demanda de trabalho e poucos funcionários, isso afetava sua capacidade de atender a demanda de todos os agricultores que o procuravam.

Para contornar essa dificuldade, as três organizações usaram o mesmo recurso para acessar informações na Conab, que foi recorrer a militantes ou apoiadores do MST para fazer a mediação entre elas e esse órgão público. A proximidade com militantes ou apoiadores do MST que atuavam em diversos campos – como Incra, MDA e CUT – favoreceu a circulação de informações sobre a modalidade, o acesso a cursos de capacitação e ajudou a resolver problemas durante a execução dos projetos.

No caso das organizações A e B essa ponte foi feita por um apoiador do MST que trabalhava como assessor técnico no Incra. Por seu intermédio representantes das organizações foram apresentadas a funcionários em diferentes níveis dentro da Conab, inclusive em cargos de chefia, aos quais recorriam para tirar dúvidas sobre as regras e atualizações do Programa. Com relação à organização B, a aproximação com esses técnicos da Conab também foi fomentada por uma militante do MST, que trabalhava em uma organização estadual do movimento que já acessava o PAA há algum tempo.

Já a organização C, após algumas tentativas sem sucesso de entrar em contato com a Conab, conseguiu vencer essa barreira de duas formas. Primeiro, esse grupo contou com a colaboração de uma coordenadora da organização B. Além de ajudá-los a escrever seu primeiro projeto, a militante do MST também compartilhou com o grupo estratégias para estreitar o vínculo com os técnicos da Conab, como participar de reuniões realizadas pelo órgão na região e ir pessoalmente à Conab para resolver pendências. Além disso, as lideranças da organização C se esforçaram para sensibilizar os técnicos da Conab sobre a importância dessa assistência para conseguir participar das chamadas públicas do PAA. Segundo o coordenador da organização C, essa militante do MST os ensinou “os caminhos das pedras” para lidar com a Conab. Desse modo, ainda que a organização C tenha se aproximado da Superintendência de forma diferente das demais, essa ativação também passou por redes de movimento social.

Portanto, nesse primeiro momento do PAA – em que as organizações populares tinham maior controle sobre o processo de implementação –, contar com alianças com militantes do MST foi um recurso fundamental para vencer as barreiras de acesso ao programa e criar pontes com os técnicos governamentais. Mobilizar essas relações era importante também no cotidiano da implementação, pois acelerava o trâmite burocrático e diminuía o custo operacional do sistema, permitindo, assim, a resolução de problemas.

Entretanto, a partir de 2013, a “prefeiturização” do PAA alterou a distribuição de poder no interior do campo multiorganizacional, impondo novos desafios à implementação. Para responder a situação, as organizações populares recorreram a novos atores/arena do seu sistema de alianças: o Comsea.

O uso dessa estratégia foi relevante nos três casos. Em 2013, a organização A aprovou um novo projeto e enfrentou problemas de implementação que só foram resolvidos depois de um de seus cooperados ter sido eleito conselheiro do Comsea. Dessa forma, ele pôde acompanhar todas as etapas de fiscalização do projeto e descobrir como solucionar os problemas. Conforme dito por uma das coordenadoras da organização A: “ a gente foi vendo que se a gente se infiltrasse o diálogo ia ser melhor tanto com o Comsea quanto com a distribuição [feita pela prefeitura]”. O uso da expressão se infiltrar mostra que o Comsea adquiriu uma relevância para essa organização que ele não tinha antes.

As organizações B e C tiveram experiência diferente nesse segundo momento do PAA. Como agora a responsabilidade pelo armazenamento e transporte dos alimentos havia sido transferida para a prefeitura – que alegava não ter condições de cumprir essas tarefas –, elas enfrentaram dificuldade para conseguir a assinatura da administração municipal para submeter novos projetos à Conab. A organização C conseguiu vencer essa resistência ao propor à prefeitura que os produtos seriam armazenados pela própria organização e retirados pelas unidades recebedoras. O fato de um de seus coordenadores ter sido eleito presidente do Comsea ajudou o grupo a vencer a resistência da prefeitura e convencê-la a participar do projeto nos termos da organização.

No caso da organização B, o maior poder da prefeitura sobre seus projetos também foi sentido. Como um dos motivos para a criação da organização era ampliar as redes de solidariedade entre trabalhadores rurais e urbanos, a escolha das entidades e o momento de entrega dos alimentos eram tidos como oportunidades para fortalecer esses vínculos. Isso se perdeu com a transferência dessas funções para a prefeitura. Nesse novo cenário, o Comsea foi um importante para garantir que o poder público se engajasse na solução dos problemas, como na questão relativa ao transporte da produção.

Apesar do potencial que esses conselhos locais têm adquirido dentro do campo multiorganizacional de implementação do PAA, por não ser um conselho obrigatório – como é o de assistência social – ele ainda é um espaço frágil e depende da vontade do poder executivo para existir. Como dito por uma ex-conselheira do Comsea de Americana:

A gente tem uma dificuldade enorme em tocar o Conselho. Porque as pessoas [funcionários públicos] não são destinadas para isso. […] Eu ainda conseguia fazer bastante coisa, porque eu estava naquele momento [só] por conta […] das políticas públicas de segurança alimentar. Só que eu era sozinha, então eu não conseguia fazer muita coisa . Eu tinha várias ideias, mas eu não conseguia colocar em prática.

A dificuldade de fazer com que a sociedade civil e funcionários públicos se engajem em sua consolidação constitui a principal barreira para que esse conselho se fortaleça como o espaço capaz de reequilibrar a distribuição de poder dentro do campo multiorganizacional de implementação do PAA – função cada vez mais exigida dessa instituição de controle social para permitir que o programa continue mantendo seu potencial como programa associativo, qual seja, conferir autonomia às organizações populares e fortalecer esses grupos ao longo desse processo.

Um aspecto do trecho mencionado que merece destaque é o sentimento expresso pela conselheira de estar sozinha . Em sua individualidade, essa fala evidencia sua dificuldade de encontrar pessoas que compartilham das mesmas visões de mundo, o que parece ter restringido suas possibilidades de alianças dentro da administração pública para fortalecer o Comsea e fazer avançar as pautas relacionadas ao PAA. Isso contrasta com a ideia de ir junto que apareceu nas entrevistas das lideranças das organizações estudadas. Ao afirmarem que o fato de irem a reuniões acompanhadas por apoiadores ajudava a vencer a resistência do poder público, essas organizações mostram que obter aliados dentro do campo multiorganizacional importa para a criação ou restrição de oportunidades, conforme apontado pela literatura nacional e internacional sobre o tema ( Evans; Kay, 2008 ).

CONCLUSÃO

O artigo reflete sobre os desafios que as organizações populares enfrentam na implementação dos programas associativos e como elas têm buscado respondê-los, a partir da realização de um estudo de caso com três organizações populares que implementaram o PAA em cidades do interior de São Paulo. O estudo mostra que as organizações enfrentaram problemas tanto para acessar o Programa quanto para manter seu protagonismo ao longo do processo. Ao contrário da hipótese de partida, que enfatizava as características individuais das organizações como variável explicativa central, demonstramos que as estratégias das organizações para responderem a esses problemas passaram fundamentalmente pelo sistema de alianças no interior do campo multiorganizacional de implementação, primeiro a partir das interações com redes do MST e, depois, por meio da ativação do Comsea. A pesquisa mostrou também que mudanças incrementais nas políticas públicas têm impacto sobre a configuração do poder no interior do campo multiorganizacional, dando origem a novas alianças e antagonismos, explicitando o caráter fluido e dinâmico do campo.

Por se tratar de um estudo de caso, os resultados não devem ser generalizados. Pesquisas futuras poderiam investigar em que medida a dinâmica aqui apresentada se repete em outros programas associativos. Por exemplo, seria interessante verificar se e até que ponto as instituições de controle social se envolveram no processo de implementação de outros programas e se adquiriram ou não maior peso a depender da abertura ou fechamento de oportunidades para a atuação dos movimentos sociais em seus campos multiorganizacionais. Outros trabalhos também podem avançar ao analisar a participação de movimentos sociais na implementação de outros programas associativos. No caso estudado, contar com a presença de militantes do MST no sistema de alianças foi fundamental para que as organizações conseguissem acessar o programa, mesmo no caso de organizações que não estavam envolvidas com as redes do movimento.

Em termos teóricos, o artigo sustenta que o conceito de campo multiorganizacional de implementação na análise de programas associativos contribui para os estudos das interações entre movimentos sociais e políticas públicas ao destacar a dimensão relacional desse processo, considerando a própria dinamicidade e mudanças conjunturais nessas relações. Análises comparadas que identifiquem elementos comuns e particulares a seus campos multiorganizacionais de implementação também são necessários para ampliar o conhecimento sobre essas dinâmicas e o potencial das ferramentas teórico-analíticas aqui apresentadas.

Agradecimentos

1As autoras agradecem imensamente aos pareceristas anônimos da Caderno CRH por suas críticas e sugestões. Agradecimentos também ao CNPq, que financiou a pesquisa.

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  • WORLD WITHOUT POVERTY. Histórico do PAA brasileiro. Brasília, DF: WWP, 2016.
  • 2
    Texto de qualificação, apresentado à banca em junho de 2015.
  • 3
    Para saber mais, indicamos: Programa de Aquisição de Alimentos ( Amaral, 2021 ; Pismel, 2021 , 2018 ), Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades ( Blikstad, 2017 ; 2021; Brandão; Viana, 2021 ; Hornhardt, 2021 ), Programa Um milhão de Cisternas Rurais ( Assis, 2009 ; Santana; Arsky, 2016 ), Pontos e Pontões de Cultura, no âmbito da Política Nacional Cultura Viva ( Bonat, 2016 ) e o Programa Cataforte ( Brandão; Viana, 2021 ; Rossi, 2019 ).
  • 4
    Das 11 entrevistas, 10 foram gravadas e uma registrada em diário de campo. Foram entrevistadas lideranças das três organizações fornecedoras, representantes de três entidades recebedoras, uma ex-conselheira do Comsea de Americana e um ex-assessor da Delegacia Federal do MDA em São Paulo. O nome das organizações e dos entrevistados foram preservados.
  • 5
    O trabalho de campo embasou a dissertação de mestrado defendida por Pismel, no PPGCP da Unicamp, sob o título Atuando nas fronteiras: as organizações da sociedade civil e a implementação do Programa de Aquisição de Alimentos na região metropolitana de Campinas ( Pismel, 2018 ).
  • 6
    O livro Movimentos sociais e políticas públicas , organizado por Tatagiba e Teixeira (2021b), reúne resultados de pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto coletivo “Movimentos sociais e a implementação de políticas públicas, em perspectiva comparada”, coordenado por Luciana Tatagiba. Esse estudo envolveu pesquisadores e estudantes de pós-graduação de quatro grupos acadêmicos. O conceito de programa associativo foi aplicado em vários estudos de caso presentes nessa coletânea. As referências desses trabalhos podem ser encontradas na terceira nota de rodapé.
  • 7
    Essa teoria pretende “conciliar a centralidade conferida às estruturas relacionais por perspectivas como o neoinstitucionalismo, a teoria dos campos de Pierre Bourdieu e a teoria de redes com a centralidade conferida à agência individual e à atribuição de sentido na estruturação da ação/interação humana por perspectivas como o interacionismo simbólico” ( Silva, 2021 , p. 192).
  • 8
    Por tentar acolher diversas perspectivas teóricas, essa teoria não oferece uma definição conceitual de recursos. Assim, recurso pode ser entendido como todo elemento material e imaterial utilizado por atores dentro de um campo para realizar seus objetivos. Portanto, essa noção de recurso pode significar tanto “dinheiro, conexões sociais, ou conhecimento” ( Fligstein; McAdam, 2012 , p. 12, tradução nossa), como estratégias do repertório de interação de movimentos sociais (Abers; Serafim; Tatagiba, 2014).
  • 9
    Essa combinação conceitual é possível pois a teoria dos campos apresenta “complementaridades com diversas formulações teóricas contemporâneas nos campos de estudos de movimentos sociais e políticas públicas, nos quais há uma centralidade de conceitos ([…] redes de movimentos sociais, campos relacionais, campos multiorganizacionais, arenas, entre outros) que têm o objetivo de operacionalizar teoricamente uma perspectiva relacional” ( Silva, 2021 , p. 201-202).
  • 10
    Com a extinção desse ministério, suas funções foram transferidas para o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa).
  • 11
    Atualmente nomeado como Ministério da Cidadania.
  • 12
    Esse público ainda não atende às exigências de qualidade e/ou volume de produção necessárias para acessar, por exemplo, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, tampouco consegue vencer os trâmites burocráticos para obter crédito por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
  • 13
    Grupo de trabalho criado pelo PT para fiscalizar o governo Collor (1990-1992).
  • 14
    Uma das justificativas para a demora em participar do PAA é o fato desses movimentos defenderem historicamente a ampliação de crédito e extensão rural como propostas de política para agricultura familiar. Por isso, tardaram em apostar em um programa baseado na comercialização ( Müller, 2007 , p. 96).
  • 15
    Como o estudo “Mercado institucional: avaliação de programas no Brasil” realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o Movimento de Atingidos pelas Barragens e a Comissão Pró-Índio de São Paulo com apoio da agência Christian Aid, disponível em: https://cpisp.org.br/wp-content/uploads/2016/09/CPISP_pdf_MercadoInstitucional_port.pdf . Acesso em: 5 mar. 2021.
  • 16
    Demandas relacionadas ao PAA estão presentes nas pautas anuais das mobilizações Gritos da Terra Brasil realizadas entre 2005 e 2017 ( Pismel, 2018 , p. 41-42).
  • 17
    Os gestores governamentais do Programa incentivavam os agricultores a acessar a modalidade por meio de organizações, pois isso os ajudaria a reduzir custos de comercialização, diversificar a produção e melhorar sua capacidade técnica – o que os possibilitaria posteriormente alcançar mercados mais exigentes, além de incentivar sua maior organização política e social ( Grisa, 2012 ; Porto, 2014 ).
  • 18
    Conforme alertado por Porto (2014) , ao restringir as entidades recebedoras àquelas que se enquadram na rede do Suas e da assistência municipal, a nova legislação excluiu um amplo número de organizações comunitárias que antes recebiam essa produção.
  • 19
  • 20
  • 21
  • 22
    No estado de São Paulo, as principais são o Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati). Enquanto os dois primeiros órgãos atendem exclusivamente as cooperativas e os assentamentos da reforma agrária, o último atende as cooperativas de agricultores familiares.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2021
  • Aceito
    28 Nov 2022
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