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TRAJETÓRIAS DO IDEÁRIO PARTICIPATIVO NO BRASIL

TRAJECTORY OF PARTICIPATORY IDEALS IN BRAZIL

TRAJECTOIRE DES PARTICIPATIVE IDÉES AU BRÉSIL

Resumos

Este artigo tem por objetivo apresentar as mudanças na trajetória dos ideários participativos. Baseado em pesquisa documental e revisão bibliográfica, o texto aponta como, no Brasil, algumas visões sobre a democracia participativa ganharam e outras perderam força. Se nos anos 1970 havia uma forte presença de concepções que afirmavam a importância de utilizar o espaço participativo como forma de organização da sociedade (nos sindicatos, nos movimentos populares e no próprio partido) e de educação para cidadania, o que denominamos aqui como “participação como emancipação”, ao longo do tempo esta visão perdeu força. E passaram a entrar nos argumentos políticos visões da participação como forma de apoiar os governos, de um lado, e de fiscalizar o Estado, de outro, que denominamos aqui como “participação como deliberação”. Já durante o governo petista foi se consolidando uma visão de participação “como escuta”.

Democracia participativa; Participação; Instituições participativas


This article aims to present the changes in the trajectory of participatory ideals. Based on documentary research and bibliographical review, the text points out how, in Brazil, some views on participatory democracy “won” and others “lost force”. If in the 1970s there was a strong presence of conceptions that affirmed the importance of using participatory space as a form of organization of society (in unions, popular movements and in the party itself) and education for citizenship, what we call here as “participation as emancipation”, over time this vision has lost strength. Political views began to enter into the views of participation as a way to support governments on the one hand and to oversee the state, on the other, which we refer to here as “participation as deliberation”. Already during the PT government, a vision of participation “as a listener” was consolidated.

Participatory democracy; Participation; Participatory institutions


Cet article vise à présenter les changements dans la trajectoire des participative idées. Basé sur des recherches documentaires et sur une revue de la littérature, le texte montre comment, au Brésil, certains points de vue sur la démocratie participative ont gagné et d’autres ont perdu de leur force dans le temps. Si, dans les années 1970, il existait une forte présence de conceptions de la « participation comme émancipation », affirmant l’importance d’utiliser l’espace participatif comme forme d’organisation de la société (dans les syndicats, les mouvements populaires et le parti) et l’éducation à la citoyenneté, cette vision a perdu de sa vigueur avec le temps. Des visions politiques de la participation ont émergé dans le discours comme moyen de soutenir les gouvernements, d’une part, et de surveiller l’État, d’autre part, ce que nous appelons ici “participation en tant que délibération”. Pendant le gouvernement petista, une vision de la participation “en tant qu’écoute” s’est par ailleurs dévelopée et consolidée.

Démocratie participative; Participation; Institutions participatives


INTRODUÇÃO

Após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff em 2016, o debate sobre a participação institucionalizada está interditado. Não que as instituições participativas tenham deixado de existir, mas elas têm encontrado resistências tanto por parte dos atores do sistema político (executivo, legislativo e setores internos ao Estado) quanto por parte da sociedade. A interdição ao debate sobre a participação institucionalizada já dava seus primeiros sinais em 2014. No auge do debate sobre o Decreto da Política Nacional de Participação Social1 1 Decreto 8343/2014, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/decreto/d8243.htm , Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionavam abertamente contra ele. De um lado, o então ministro Carlos Veloso afirmava “Esse decreto diz respeito à participação popular no processo legislativo e administrativo, mas a Constituição, quando fala de participação popular, é expressa ao prever como método de soberania o voto direto e secreto. É o princípio do ‘um homem, um voto’. Mesmo os casos de referendo, plebiscito e projeto de iniciativa popular têm de passar pelo Congresso, que é, sem dúvida, a representação máxima da população na nossa ordem constitucional”. (Veloso, 2014 apud Borges, 2014BORGES, Larissa. Para juristas, decreto de Dilma coloca o país na rota do bolivarianismo. Revista Veja, junho de 2014. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/para-juristas-decreto-de-dilma-coloca-o-pais-na-rota-do-bolivarianismo/ [acessado em 10 de julho de 2019]
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/...
) De outro lado, Gilmar Mendes (Mendes, 2014, apud Borges, 2014BORGES, Larissa. Para juristas, decreto de Dilma coloca o país na rota do bolivarianismo. Revista Veja, junho de 2014. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/para-juristas-decreto-de-dilma-coloca-o-pais-na-rota-do-bolivarianismo/ [acessado em 10 de julho de 2019]
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) levantava suspeitas sobre a representatividade dos movimentos sociais de ocuparem espaços nas instituições participativas. “Se falamos de movimentos sociais, o que é isso? Como a sociedade civil vai se organizar? O grande afetado em termos de legitimidade de imediato é o Congresso”, afirmava. “Tudo que vem desse eixo de inspiração bolivariano não faz bem para a democracia.”2 2 http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/para-juristas-decreto-de-dilma-coloca-o-pais-na-rota-do-bolivarianismo/

Estas declarações mostram como juristas da mais alta Corte do país desconheciam ou ignoravam os mecanismos institucionais participativos, tais como Conselhos e Conferências já existentes e regulamentados em decretos, portarias e leis, reduzindo a participação popular ao voto, além de questionarem abertamente a organização de movimentos sociais. As críticas dos juristas estavam no bojo da disputada eleição federal de 2014 e, neste episódio, setores da mídia hegemônica e parlamentares simplesmente ignoraram décadas dessa longa e paciente história de inovação institucional democrática, em um misto de desinformação e má-fé (Tatagiba, Teixeira, 2015).

Se é verdade que os setores considerados conservadores contribuíram para a interdição do debate sobre as instituições participativas e o antiparticipacionismo, este artigo procura trazer à tona o fato de que os desafios à participação popular estão relacionados, também, ao lugar progressivamente confinado e reduzido do imaginário participativo para as esquerdas brasileiras, especialmente para o Partido dos Trabalhadores no governo federal. Para tanto, procura-se aqui recuperar as trajetórias do ideário participativo no Brasil através das perguntas que este texto procura responder: Quais são os imaginários da participação? Quais permaneceram dos períodos anteriores e quais foram substituídos (ou ao menos tencionados) por outros ideários?

No presente trabalho, os termos “Imaginários de Participação” são nomeados como a dimensão utópica que permeia os discursos e as experiências participativas. Na literatura, o conceito de imaginário social pode ser encontrado em Castoriadis (1982)CASTORIADIS, C. A constituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982. ou Ernst Bloch (2006)BLOCH, E. O princípio da esperança. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. , entre outros, e consiste, como afirmou Baczco (1985)BACZCO, B. Utopia. In: Enciclopedia Einuaudi. V. 5. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985, p. 333-396. , na faculdade de considerar que os modos de sociabilidade existentes em uma dada sociedade, não são os únicos, sendo possível criar outras fórmulas e modelos. Retomando um velho debate das Ciências Sociais e especialmente do marxismo, entre estrutura e ação, é importante dizer que este imaginário tambem se ancora em experiências (como diria Thompson, 1987THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ), e não apenas em idéias.

O principal argumento deste artigo consiste em afirmar que nos anos 2000, justamente pelo fato da participação estar mais consolidada e institucionalizada e, portanto, de alguma forma ter sido superada a fase de implementação, quando em geral se discute muito mais sobre as “regras do jogo”, algumas visões sobre a participação “ganharam” e outras “perderam força”. Se nos anos 1970 havia uma forte presença de concepções que afirmavam a importância de utilizar o espaço participativo como forma de organização da sociedade (e aqui as experiências significativas eram os grupos de oposição sindical, os movimentos populares e os núcleos do PT) e como forma de educação para cidadania, esta visão perdeu força na década de 1990. E passaram a entrar nos argumentos políticos uma visão da participação como forma de apoiar os governos, de um lado, e de fiscalizar o Estado, de outro.

A menção a estas características - embora existam outras dimensões da participação a serem problematizadas, como os tipos de relação da sociedade com os partidos políticos ou a menor “pressão nas ruas”, quando o Brasil é comparado com a Argentina, por exemplo, país fortemente marcado por um repertório de protestos3 3 Para recuperar o histórico dos protestos na Argentina ver GOLD (2014) . - justifica-se porque entendemos que há um conjunto de possibilidades para que a democracia participativa se desenvolva em qualquer terreno (democracia participativa entendida como o exercício da democracia para além do voto). Este conjunto de possibilidades não é ilimitado, depende obviamente de constrangimentos políticos e das forças sociais de cada país, mas é importante explicitar quais foram as “escolhas” feitas, ou no sentido inverso, quais opções foram vitoriosas e quais derrotadas, quais opções encontraram solo fértil para se desenvolver e quais não encontraram, uma vez que consolidaram-se no país concepções sobre o papel do Estado, da sociedade e da inter-relação entre eles, diferentes de outros países. É evidente que os ideários não são simplesmente substituídos uns pelos outros, permanecem em disputa, mas ao longo do tempo alguns sentidos, e não outros, predominam no debate e orientam as experiências.

De certa forma, buscamos levar a sério uma afirmação que à primeira vista pode parecer banal: a democracia participativa foi uma construção histórica, feita por atores concretos que, buscando responder a problemas concretos, foram fazendo escolhas e produzindo experiências e discursos que acabaram por ampliar os sentidos da democracia.

No primeiro item do presente artigo, faço um diálogo breve com alguns conceitos caros à bibliografia sobre participação no Brasil, que o embasam. No segundo item, explicito os imaginários presentes em períodos anteriores, denominados aqui de “participação como emancipação” e “participação como deliberação”. No terceiro item, aprofundo algumas possibilidades de compreensão da participação social nos governos do PT federal, utilizando a ideia de “participação como escuta”. Por fim, tecemos algumas conclusões.

Metodologicamente, para reconstruir o que denomino os imaginários, recorro à análise de algumas experiências. No caso da “participação como emancipação” analiso as experiências da Teologia da Libertação, Comunidades Eclesiais de Base, núcleos do Partido dos Trabalhadores, Conselhos Populares, as primeiras experiências de gestão do referido partido e a experiência de construção do SUS na área de saúde. Para o segundo sentido, da “participação como deliberação”, tomo como referência as experiências de Conselhos de Políticas Públicas e Orçamentos Participativos. Para o caso da “participação como escuta”, além da descrição das experiências de Conselhos e Conferências, recorro também a falas de autoridades e documentos da Presidência da República. O que busco extrair das experiências são os termos do ideário participativo predominantes em cada momento. A definição de participação com a qual trabalho aqui se baseia em Pateman (1992)PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 161 p. . Segundo a autora, a participação pode ter a função de controlar a política, pode ser educativa e pode integrar indivíduos à comunidade. Neste texto, em cada período, avalia-se como cada ideário predominante em torno da participação aproxima-se mais ou menos destas funções.

ARGUMENTOS CENTRAIS EM DIALOGO COM A BIBLIOGRAFIA

O meu primeiro argumento é que os sujeitos que construíram as experiências participativas têm múltipla identidade. A divisão muito rígida entre sociedade civil e sociedade política omite ou invisibiliza (por motivos muitas vezes políticos) atores importantes, entre eles a própria academia, associações de profissionais e setores de dentro do aparato estatal (como funcionários de empresas públicas) que são centrais para a construção das experiências.

Os conceitos de “comunidade de política” e de “múltipla filiação” são importantes para descrever e compreender essas imbricações entre sociedade civil e sociedade política. O conceito de policy community tem sido usado no caso brasileiro por autores como Cortes (2002), Cunha (2009)CUNHA, E. Efetividade deliberativa: estudo comparado de conselhos municipais de assistência social. 2009. Tese (Doutorado em Ciência Política), Departamento de Sociologia Política, UFMG. , Wampler (2010)WAMPLER, B. “Transformando o Estado e a sociedade civil por meio da expansão das comunidades políticas, associativa e de políticas públicas”. IN: AVRITZER, L. A dinâmica da participação local no Brasil. São Paulo: Cortes, 2010, p.394-439. , para fazer referência a especialistas que atuam em determinada política pública (saúde, educação, assistência social etc.) e que podem fazer parte do governo, como burocratas e assessores, ou não serem do governo, tais como membros de grupos de interesse, universidade ou consultores externos ( Kingdon, 2011KINGDON, J.W. Agendas, alternatives and public policies. Updated Second Edition. Boston: Longman, 2011, 273 p. ).

Muitos autores identificam que a sociedade civil destas comunidades (das áreas da saúde, assistência social, segurança alimentar, meio ambiente, entre outros) se dirigem a setores do Estado (partidos, políticos, governantes) para conquistar a participação em cada uma destas áreas. Diferente desta posição, meu argumento central é que uma das características destas comunidades políticas é ter pessoas com múltiplas filiações ( Mische, 2008MISCHE, A. Partisan publics: Communication and contention across Brazilian youth activist networks. Princeton: Princeton University Press, 2008. 432 p. ). Tomo aqui a ideia de múltipla filiação, desenvolvida por Anne Mische, que ao estudar grupos de jovens no Brasil, encontrou o embricamento de múltiplas redes de igrejas, partidos, agremiações, associações, ONGs, e este embricamento ocorria justamente pela capacidade das lideranças de conectarem diferentes grupos e organizações a partir de seus múltiplos pertencimentos. Ao transitar entre vários grupos essas lideranças conferiam maior complexidade a esses atores coletivos ao mesmo tempo em que incorporavam, em suas trajetórias, novos saberes e expertise conquistados nessas interações. A autora recupera esse impacto mútuo resultante da múltipla filiação sobre os indivíduos e sobre os grupos aos quais eles pertencem. Essa perspectiva é importante para esse artigo uma vez que as teorias sobre democracia participativa tendem a enfatizar muito a importância da sociedade civil brasileira na constituição da participação popular, mas talvez falte às análises um olhar mais acurado sobre a interação entre sociedade civil e sociedade política, principalmente, no que se refere às implicações desse “ecletismo”4 4 Segundo o Dicionário Houaiss, ecletismo é uma diretriz teórica originada na Antiguidade grega, e que se caracteriza pela justaposição de teses e argumentos oriundos de doutrinas filosóficas diversas, formando uma visão de mundo pluralista e multifacetada. Significa ainda qualquer teoria, prática ou disposição de espírito que se caracteriza pela escolha do que parece melhor entre várias doutrinas, métodos ou estilos. Utilizo a idéia de ecletismo porque ela remete justamente às visões de mundo multifacetadas dos atores, oriundas do pertencimento a múltiplos espaços (igreja, partido, sindicato, movimento social, governo, academia etc.) e porque intencionalmente estes pertencimentos alteraram os “lugares onde cada ator estava” e propiciaram a eles escolhas do que pareceria melhor em cada contexto. provocado pela dupla ou tripla militância.

Meu segundo argumento consiste em mostar que é impossível entender o quanto os imaginários sociais sobre a participação ganharam espaço, sem o devido olhar para a esquerda, querendo referir-me não apenas aos partidos, mas às relações entre estes e as organizações da sociedade (movimentos sociais), e grupos políticos de esquerda, notadamente o PT (com os seus inúmeros grupos internos). Diferente de uma posição que reduz a participação a meras técnicas, formatos ou metodologias participativas a serem replicadas, a trajetória brasileira da democracia participativa nasce de conflitos e visões de mundo diferentes dentro da esquerda. Não como um grande consenso, mas sim com suas múltiplas crises, tensões e questionamentos. Localizo este “nascimento” nos anos 1970.

As experiências de participação que se deram no Brasil têm origem em distintas visões internas ao campo da esquerda sobre o papel de movimentos sociais, sua relação com partidos, e seu ideário em torno do papel do Estado e da sociedade e das relações entre sociedade e Estado. Essas não foram e não são questões consensuais no interior desse vasto campo da esquerda e é um debate que continuamente se repõe de forma mais ou menos aberta, com importantes implicações sobre as estratégias de atuação dos militantes. Uma de suas expressões mais claras é a dicotomia entre uma visão do Estado como bloco monolítico, de dominação de uma classe por outra, versus uma visão que compreende o Estado como um espaço em disputa. Como consequência, a única postura possível no primeiro caso é ser “contra o Estado”, o que exigiria a preservação dos antagonismos e da distância em relação aos mecanismos instituídos de luta política. Enquanto no segundo caso, com certa inspiração Poulantziana, se diz que é possível levar para dentro do estado as contradições e explorá-las desde dentro. Estas duas posturas impactam sobre as visões da participação em canais institucionais, bem como o que é possível esperar delas.

Como consequência do argumento anterior, meu terceiro argumento é que os conteúdos da participação são mais complexos do que uma contraposição binária entre projeto político democratizante versus projeto político neoliberal. Em torno do trabalho de Evelina Dagnino (2002DAGNINO, E. Sociedade Civil, Espaços Públicos e Construção Democrática no Brasil: Limites e Possibilidades. In: DAGNINO, E. (org.) “Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil”. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p.09-15. , 2004DAGNINO, E.Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?”. In: MATO, Daniel; GARCIA, Illia (Orgs.). Políticas de ciudadania y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 2004, pp. 95-110 ) o conceito de projeto político conformou-se em importante instrumento analítico e político para pensar os anos 90. Naquele cenário tratava-se de fazer o esforço de diferenciação entre os sentidos de participação à direta e à esquerda, contra uma visão que buscava tornar a participação “um remédio para todos os males” e palatável para todos os gostos no contexto de afirmação do projeto neoliberal. Por meio do conceito de projeto político os estudos sobre participação alcançaram naquele período um forte grau de politização. Afinal, tratava-se de mostrar que sob o aparente consenso em torno da ideia de participação existiam diferenças importantes no que se refere ao seu escopo e intensidade. Da mesma forma, através do conceito de “confluência perversa”, Dagnino (2004)DAGNINO, E.Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?”. In: MATO, Daniel; GARCIA, Illia (Orgs.). Políticas de ciudadania y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 2004, pp. 95-110 nomeou a ambiguidade que emergia das experiências gestadas no “caldo” neoliberal nos contextos brasileiro e latino-americano.

Esse forte sentido político resultou em um enquadramento que favoreceu uma visão estanque dos projetos e, pior ainda, acabou por tomá-los internamente como homogêneos, mesmo a autora tendo afirmado que haveriam diferenças internas a serem demarcadas (Dagnino, 2006). Como um contraponto a essa tendência, esse artigo buscará investir na compreensão da diversidade de concepções sobre a participação no campo da esquerda ao longo do tempo, ainda que não da esquerda como um todo, porque seria impossível, mas principalmente da esquerda que deu origem ao Partido dos Trabalhadores ou que se identificou com ela na construção da democracia participativa no Brasil.

OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO

Observando-se as narrativas e ideários predominantes sobre a participação é possível afirmar que há ao menos três sentidos que estiveram e continuam estando em disputa no interior do projeto da democracia participativa no Brasil: participação como emancipação (1975-1990); participação como deliberação (1991-2002); e participação como escuta (2003-2010). Ou seja, é no interior de uma narrativa mais ampla sobre a esquerda e as estratégias de contestação política que é possível localizar esses modelos em termos de suas origens, combinações e evolução ao longo do tempo. Neste item, serão explicitadas as ideias de “participação como emancipação” e de “participação como deliberação”.

A participação como emancipação é o termo que uso para nomear as ideias, valores e apostas associadas à participação no período entre 1975 e 1990. O substrato que nutre esse imaginário advém das experiências de educação popular, da Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base(CEBs), núcleos do Partido dos Trabalhadores, Conselhos Populares e primeiras experiências de gestão petista. Doimo (1995)DOIMO, A. M. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1995. apontava como um campo ético-político articulava diversas redes sociais no desenvolvimento dos movimentos populares dos anos 1970, com destaque para o papel fundamental de setores das igrejas. Muito próxima das concepções de Paulo Freire e Carole Pateman, o que se destaca nessa visão é a ênfase na participação como educação para a cidadania, associada a uma idéia de poder popular que ativa e expressa conflitos visando à transformação social.

Em primeiro lugar, vale ressaltar que se forma neste período uma das mais importantes “comunidades de política” que o Brasil já teve, e que servirá de inspiração para outras políticas públicas: a Comunidade da Saúde. Em torno do direito à saúde se articularam setores de igrejas, pastorais, agentes do estado, partidos, políticos profissionais, deputados, secretários de saúde, acadêmicos, que “transitaram” e exerceram “múltiplas filiações”. Enfrentando dificuldades, atuaram de forma a mesclar elementos, provocando a mistura e o ecletismo de concepções, e criativamente “inventaram” um sistema de participação na área que procurou, ao mesmo tempo, concretizar o ideário da participação popular, dos cidadãos comuns, com o controle social sobre as políticas públicas. Um ideário que valorizava a voz e o saber popular, era contra uma visão “estatizante”, e buscava a “autêntica participação popular”. Importante dizer que não foram apenas ideias, elas foram frutos de experiências práticas, e da reflexão sobre estas experiências, como os exemplos dos Conselhos Populares de Saúde em São Paulo ( Carvalho, 1995CARVALHO, A. I. Conselhos de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fase/Ibam,1995, 136p. ) e a experiência de Montes Claros ( Somarriba, 1995SOMARRIBA, M. Participação e Saúde: revisitando o Projeto Montes Claros. In: FLEURY, S. (org.). Projeto Montes Claros: a utopia revisitada. Rio de Janeiro: ABRASCO, 1995. ) apontam.

Em segundo lugar, foi no interior das esquerdas que se gestaram as ideias de participação, as quais, naquele momento, se uniam contra a ditadura militar, e progressivamente foram se aproximando da luta pela democratização do Estado e da sociedade. Por fim, é importante dizer que há várias concepções de participação no interior das esquerdas, não há uma unanimidade, tanto que surgem importantes polêmicas, que não foram totalmente resolvidas, tais como o debate sobre a autonomia dos movimentos sociais, a relação entre movimentos sociais e partidos de esquerda, os limites e vantagens da aproximação com o Estado e com as institucionalidades democráticas, as diferentes concepções sobre a vida institucional. Entretanto, se pensarmos em termos de legado para o período posterior, ou de concepção mais forte “criada” neste momento e projetada no imaginário social do período, podemos dizer que é a da “participação como emancipação”, ou nos termos de Paulo Freire, o grande mentor de várias destas experiências, uma participação que valorizava o saber popular e ao mesmo tempo apostava que em processos coletivos este saber se tornaria poder popular. Ou seja, a concepção de participação popular do período estaria muito vinculada ao ideário da transformação social.

Deve-se considerar que no período seguinte, predominou a participação como deliberação, entendida como um outro conjunto de práticas e valores associadas à participação que tem na expressão “partilha do poder de governar” sua idéia força. Esse sentido de participação traduz a forte expectativa dos movimentos sociais no Brasil de atuarem por dentro do Estado decidindo sobre políticas públicas. Esse período dos anos 1990 foi marcado pela afirmação da participação em torno das políticas públicas e a disseminação das experiências participativas nos munícipios brasileiros, no contexto adverso do neoliberalismo, que colocava limites ao desenvolvimento de projetos participativos. Duas experiências significativas foram tratadas neste período, os Conselhos de políticas públicas e o Orçamento Participativo.

Vale ressaltar que se desenvolvem ou se fortalecem neste período outras comunidades de política, além da saúde, da assistência social, da criança e adolescente, entre tantas outras. Novamente, em torno destas diferentes políticas se articularam setores de igrejas, pastorais, agentes do estado, partidos, políticos profissionais, deputados, secretários de saúde, e acadêmicos, que “transitaram” e exerceram “múltiplas filiações”. Legalmente, as experiências começam a fazer parte da estrutura jurídica do Estado brasileiro. O imaginário em torno da participação pode ser “concretizado” e “testado” em modelos institucionais específicos, que de certa forma “resolveram” tensões e dilemas presentes na fase anterior. A ideia de institucionalizar a participação em canais de diálogo entre Estado e sociedade foi uma alternativa que encontrou condições históricas de realização, num cenário altamente complexo no qual a associação entre participação e projetos mais amplos de transformação social perdeu força logo após a toda a movimentação e vigor prévios à Constituição de 1988. Houve a combinação de dois processos simultâneos: as reformas neoliberais e as transformações no interior do PT.

Novamente, foi no interior das esquerdas que se gestaram estas ideias de participação. Foram os partidos e grupos de esquerda que criaram, inovaram e experimentaram primeiro estas experiências muito marcadas no início pelo debate sobre os Conselhos Populares, os quais, aos poucos se transformaram e ganharam corpo com a experiência do Orçamento Participativo, amplamente divulgada no país e no mundo.

Por fim, é importante dizer que continuam existindo várias concepções de participação no interior das esquerdas, sem unanimidade. Parte das polêmicas do período anterior se “resolvem”, mas outras surgem. Talvez a mais importante delas seja sobre o caráter dos espaços participativos e quem deve fazer parte deles: se espaços do governo ou da sociedade (ou do encontro entre os dois); se espaços deliberativos ou consultivos. Entretanto, mesmo com todas as diferentes concepções, se pensarmos em termos de legado para o período posterior, a concepção mais forte “criada” neste momento no imaginário social do período, pode-se dizer que são aquelas vinculadas à idéia de esfera pública não-estatal e de participação como deliberação. A lente teórica pela qual se buscou nomear, justificar e avaliar essas experiências foi em grande medida a lente da democracia deliberativa, com ênfase sobre o conceito de esfera pública ( Habermas, 1984HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. , 1995HABERMAS, J.Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, São Paulo: 36, 39-53, 1995. https://doi.org/10.1590/S0102-64451995000200003
https://doi.org/10.1590/S0102-6445199500...
). Estes conceitos ajudam a localizar espacialmente as experiências (entre o estado e a sociedade) e ao mesmo tempo ofereciam um padrão normativo pelo qual julgar os avanços e limites dos casos concretos.

Este esforço de identificar as diferenças é necessário justamente porque, tanto na prática quanto nas análises, há inúmeros pontos de contato e conexão. Estas categorias da participação não esgotam todos os tipos possíveis, mas elas são uma forma de nomeação. Servem, sobretudo - logicamente sem esgotar todas as possibilidades de qualificar a participação - para mostrar as mudanças no interior da esquerda. E para argumentar que ao longo do tempo algumas concepções em torno da democracia participativa foram mais “vitoriosas” do que outras, e tiveram como resultado algumas formas de instituições participativas concretas ao invés de outras.

PARTICIPAÇÃO COMO ESCUTA: O LEGADO DA ERA LULA

A partir destes legados, o governo Lula se inicia e impulsiona espaços participativos os mais diversos, impactando sobre as experiências locais. Dois espaços participativos principais foram impulsionados pelo governo Lula, os Conselhos e as Conferências Nacionais. Ambos experimentados no Brasil desde o período da redemocratização, e difundidos mais amplamente durante o governo Lula, a participação como escuta é o enquadramento que permite compreender o período.

Como interpretar os significados da maior capacidade de “escuta” demonstrada pelo governo do PT? A “escuta” – uma forma bem menos exigente de participação quando comparada com períodos anteriores - foi a maneira pela qual o governo conduziu as tensões entre, de um lado, seus vínculos históricos com movimentos sociais e o “presidencialismo de coalizão”, para usar os termos clássicos de Abranches (1988)ABRANCHES, S. H. H. de. ‘O Presidencialismo de Coalizão’,Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 31:1, 61-22, 1988.5 5 Para Abranches (1988) o sistema presidencialista brasileiro obriga à coalizão partidária para governar, reservando à Presidência um papel central. . É preciso compreender os impactos do argumento do Partido dos Trabalhadores ter “ganhado o governo, não o poder”, e como a aposta, ao invés de ser “no povo na rua”, “na pressão”, “no saber popular”, “na partilha do poder” como forma de estabelecer uma nova governabilidade, foi, ao revés, na escuta, no diálogo, em práticas consultivas.

Mesmo com toda a diversidade interna ao governo, e a pluralidade, a depender das secretarias e ministérios e das alianças com distintos partidos, é possível fazer uma leitura do período e do governo que aponte estes sentidos predominantes, procurando destacar as continuidades e rupturas com o passado participativo. A análise aqui se dará sob dois aspectos: a pluralização da representação política nos espaços participativos e o desenvolvimento da ideia de “participação como escuta”.

A Pluralização da Representação: novos atores, novos temas

Se olharmos do ponto de vista da representação, a primeira característica que chama a atenção nos canais participativos criados ou recriados durante o governo Lula é o aumento da pluralização da sociedade nestes espaços, aumento de vozes dissonantes, e de alguma forma, o reconhecimento de que as disputas não passam só por uma relação capital e trabalho. Moroni (2005)MORONI, J. Participamos, e daí? 2005.Disponível em http://www.aracati.org.br/portal/pdfs/13_Biblioteca/Textos%20e%20artigos/participacao_Moroni.pdf
http://www.aracati.org.br/portal/pdfs/13...
alertava que a composição do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) no início do governo Lula reproduzia a relação capital e trabalho e fixava-se nela. Entretanto, se olharmos para os demais espaços criados, este padrão do CDES não se reproduz. Em que pese o fato das áreas econômicas e de infraestrutura não terem de fato se aberto à participação não é verdade que tenha existido um padrão predominante de representação capital e trabalho.

Como resultado, os conselhos e conferências criados ou redesenhados no período do governo Lula parecem operar, tanto com lógicas neocorporativas, como ressaltou Cortes (2009)CORTES, S. M. V. Participação e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009. , convocando para estes espaços as organizações consolidadas em determinado tema, os especialistas no tema, tal como sugeriu Schmitter (1974)SCHMITTER, P. Still the Century of Corporatism? The Review of Politics. Vol. 36. Nº 1, Jan, pp. 85-131, 1974. , quanto trazendo para o seu interior perspectivas diferenciadas, vivências e experiências de vida diferentes, tal como sugeriu Young (2006)YOUNG, I. Representação Política, Identidade e Minoria. Lua Nova, nº 67, 2006. São Paulo, p. 139-190.6 6 A literatura mais recente sobre a participação que olha para o fenômeno da representação nos espaços participativos tem procurado enfatizar de que forma se constrói a representação nestes espaços, como se dá o vínculo entre representante e representado. O compromisso do representante e a sua identificação com a causa a ser representada já foi discutido em algumas pesquisas ( Gurza Lavalle, Houtzager & Castello, 2006 ; Avritzer, 2007) , mas pouco se avançou nos mecanismos que permitem com que os representados desautorizem o representante caso desaprovem sua atuação. O vínculo entre representante e representado ainda depende da boa vontade do primeiro, o que pode não ser muito confiável, até porque a vinculação entre representante e representado é constituída por relações de poder e assimetria ( Miguel, 2011) . . Essse autor defendia a inclusão como maneira de qualificação da representação nos espaços participativos, pois não seriam somente as opiniões e interesses que seriam representados, mas também “perspectivas”. Perspectivas sociais são experiências e vivências que indivíduos possuem por fazerem parte de certo grupo. Pessoas de perspectivas sociais diferentes podem ter diferentes visões a respeito do mesmo problema, influenciadas por sua posição na estrutura social ou por condição pessoal. Assim, incluir nos propósitos de um espaço participativo a garantia de acesso a certos setores sociais pode revelar uma visão de sociedade civil ampla e heterogênea. Vejamos como isto se passa nos Conselhos.

Durante o governo Lula é possível dizer que aumenta a interlocução e a variedade de interlocutores com avanços importantes no governo em termos de reconhecimentos de direitos e sujeitos (na lei, no plano normativo, na criação de secretarias e ministérios). Ao olharmos para os períodos de criação destes espaços temos que 41% dos conselhos e 70% das conferências foram criados no decorrer do governo Lula, dado que aponta como o governo foi mais aberto à participação, ao menos no que tange à criação de novos canais.

Tabela 1
– Período de criação dos conselhos e das conferências

De maneira geral, o que se verifica na representação da sociedade civil nos Conselhos é o aumento proporcionalmente significativo de movimentos e ONGs, se compararmos os espaços criados antes e depois do Governo Lula, como atesta o quadro abaixo.

Tabela 2
Evolução da Representação de 60 Conselhos Nacionais por ano de criação

Os Conselhos criados a partir de 2003, em média, possuem uma proporção maior de movimentos sociais e organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. Se olharmos qualitativamente os processos das conferências e conselhos, encontramos em várias delas uma maior pluralidade de atores. Vejamos alguns dados sobre as Conferências de Segurança Alimentar. Comparando-se as duas conferências Nacionais de Segurança Alimentar, de 2004 (II Conferência) e 2007 (III Conferência), é possível dizer que a participação da sociedade civil se diversificou e aumentou numericamente, bem como a participação de organizações internacionais. Na II Conferência destacam-se entidades ligadas ao setor de alimentos, direitos humanos, combate à fome, segmentos de mulheres e religiosos. A III Conferência contou com a participação dos mesmos atores, bem como representações indígenas, étnico-raciais e de gênero. Isso se refletiu não apenas no número de participantes como também na incorporação das suas questões ao documento final (Pinheiro, 2009). Em 2007, elaboram-se, durante a conferência, os critérios para a escolha dos representantes dos conselhos, de forma detalhada, procurando dar conta de diversidade de gênero, religião, cultura, do campo e das cidades.

Se observarmos o caso das políticas urbanas, o movimento geral foi muito parecido. A ida para o governo, especificamente para o Ministério das Cidades, de militantes dos movimentos, do Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), e do PT, possibilitou que questões fossem discutidas, alguns programas e projetos desenvolvidos, e houvesse a abertura da agenda para temas que anterirmente nunca tinham tido espaço. Como resultado, houve projetos e programas concretos instalados. Os próprios espaços, conferências, conselhos são uma resposta positiva à proposta de abertura de canais participativos. Como ressalta Bernhardt (2009)BERNHARDT, E. M. B. Participação no espaço público: o caso do Conselho Nacional das Cidades, 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) do Instituto de Ciências Sociais do Departamento de Sociologia da UnB. , o Conselho das Cidades (Concidades) pareceu funcionar como um espaço dos movimentos populares. O interessante na visão de Bernhardt é que o Concidades passou a ser usado pelos movimentos populares como uma espécie de “termômetro” para medir o impacto das suas propostas e as possíveis resistências. O mais apropriado seria dizer que não é apenas um termômetro para os movimentos, mas para este campo articulado em torno da reforma urbana, formado por movimentos, organizações não-governamentais, acadêmicos e militantes do PT, em que parte deles foi para dentro do Estado, ocupar cargos: “[a aprovação por parte dos empresários de uma proposta advinda dos movimentos dentro do Concidades] é muitas vezes vista como uma forma de medir se as resoluções terão ou não sucesso na sua aplicação. Isso significa que o espaço criado no Concidades, apesar de criar proporcionalidades que tentam terminar com determinadas realidades e formas de poder existentes não consegue eliminar as forças que atuam por outras vias” (Bernhardt, 2009, p. 69). A autora aqui está enfatizando o fato de que, no Conselho, os movimentos têm muito mais vagas que os empresários para tentar fazer passar suas propostas com mais facilidade.

Essa mesma dinâmica pode ser observada em muitas áreas de políticas públicas. Cada área teve uma relativa autonomia para traçar políticas participativas e dialogar com o passado existente. Algumas políticas já tinham um passado participativo muito consistente e eram mais permeáveis à ideia de participação, enquanto em outras haviam experiências bem sucedidas no plano Municipal que alimentavam a imaginação política em determinada área. O resultado foi a multiplicação dos espaços, o aumento do “diálogo”, e de vozes dissonantes que aparecem em cena, como evidenciado anteriormente. Além disso, foram criados ou reativados Conselhos e Ouvidorias, diálogos sobre temas específicos, audiências públicas (SGPR, 2010). Chama a atenção, também, o número de audiências públicas realizadas no período: entre 2003 e 2010, foram organizadas pela Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR) 515 Audiências do Presidente com a sociedade civil. Destas, 326 foram com o empresariado e entidades patronais. O maior interlocutor do governo neste formato foi o setor empresarial, ou seja, o tipo de organização da sociedade civil prioritário nesta interlocução, não foram os movimentos sociais, talvez porque estivessem em diálogo direto com outros Ministérios, mas talvez porque de fato foram considerados menos estratégicos (ou com menor poder de pressão) sobre o governo.

Mas, se por um lado houve essa diversidade, por outro houve uma mudança mais generalizada sobre o significado dos termos da participação. Desapareceram por parte do governo referências a palavras como “partilha do poder”, “cogestão”, e “poder popular” (que permearam as experiências participativas dos anos 80 e 90). Agora os termos predominantes passaram a ser “diálogo”,”escuta,” e “formulação junto”, como veremos adiante. A Secretaria Geral da Presidência da República que teria em tese o papel de articulador das políticas participativas, como aponta Costa Sobrinho (2011), ao invés de aprofundar este papel priorizou o papel de amortecedor de conflitos. O grupo que seria responsável por articular as políticas participativas não foi alçado em nenhum momento à condição de prioridade (de recursos, pessoas e estratégias) dentro da Secretaria. Ao analisar o funcionamento geral da Secretaria, Costa Sobrinho (2011) aponta que as maiores energias foram gastas no que eles chamavam de “precursores” do presidente Lula – ou seja, o recrutamento de pessoas para dialogar com quem e onde houvesse resistências a propostas do governo. Esta linguagem utilizada pela Secretaria dá a dimensão quase messiânica que ela se impôs, de abrir caminhos ao presidente (e ao governo como um todo) e criar um clima favorável às suas propostas. A linguagem e a prática utilizadas revelam a sutil linha entre realmente negociar conflitos entre diferentes, e apenas amenizá-los, amortecê-los. Além disso, supõe por parte da Secretaria uma visão de que os conflitos sejam todos negociáveis, onde sempre é possível que todos saiam ganhando.

Em documento de 2010, intitulado “Democracia Participativa: nova relação Estado e sociedade, 2003-2010” (SPGR, 2010), no qual a Secretaria Geral da Presidência faz um balanço da atuação do governo Lula no tema da Participação Social, a palavra que aparece mais vezes para descrever esta relação é “diálogo”. Participar parece ser fortemente sinônimo de dialogar. Em nenhum momento do documento são utilizadas expressões comuns aos governos petistas dos anos 1990, tais como “partilha do poder”, “co-gestão”, “inversão de prioridades”, ou “deliberação”. A ocorrência destes termos no documento é nula. Aparecem algumas vezes o termo “corresponsabilidade” (que diga-se, é bem diferente de co-gestão), “escutar” e “influenciar”, mas o termo mais utilizado é o “diálogo”.

O então Ministro Luiz Dulci, por exemplo, caracterizou a participação no governo Lula (“uma das marcas de seu governo”) como a criação de uma “relação de diálogo permanente e de respeito pela autonomia dos movimentos.” De acordo com o Ministro, “a população invadiu o processo (e foi convidada a invadi-lo). As políticas passaram a ser formuladas junto com os movimentos sociais nas conferências, conselhos e mesas de diálogo”. (SPGR, 2010, p.6). Esta mudança semântica é significativa. A ideia de movimentos como “convidados” a um diálogo, em vez de sujeitos demandando uma partilha de poder, significa outro registro de operação da participação.

Da “Participação como Deliberação” para a “Participação como Escuta”

Analisando o grau de devolução sobre os resultadosdos processos das Conferências durante os dois mandatos do Presidente Lula, fica a dúvida sobre a aprovação e implementação das propostas, afinal este é um processo essencialmente consultivo. Há análises que mostram como houve impacto das conferências na formação da agenda de algumas políticas, como as Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial, Assistência Social, dentre outras, apontando para a potencialidade destes espaços (nacionalizados) nos ciclos das políticas públicas no Brasil( Silva, 2019SILVA, V.P. Alguns Condicionantes da Capacidade de Influência das Conferências de Políticas Públicas sobre os Programas das Respectivas Políticas Setoriais. DADOS, Rio de Janeiro, vol.62(1): 2019. ). Por outro lado, nada obrigava a que as propostas saídas das Conferências fossem de fato implementadas.

Alguns casos evidenciam bem este deslocamento de sentidos em direção a uma participação como escuta. O caso mais emblemático talvez tenha sido o da Conferência de Direitos Humanos de 2008 que aprovou o Plano Nacional de Direitos Humanos III. O Plano era composto de resultados do debate acumulado não somente nesta Conferência, mas em outras. E encontrou dois poderes fáticos naquele momento, as igrejas e os militares, que reagiram contra, respectivamente, a proposta de descriminalização do aborto e a formação da Comissão da Verdade que apuraria a violação de direitos humanos no período da ditadura militar. Em ambos os casos, o governo, ao invés de apoiar os resultados da conferência, recuou. No caso do tema da Comissão da Verdade, depois de longa negociação, foi aprovada no final de 2011 (e instalada no início de 2012).

Outro caso paradigmático foi o da participação nos debates sobre infraestrutura. Em geral, os debates eram feitos por meio de Audiências Públicas obrigatórias. Nessas Audiências, as decisões já haviam sido tomadas antes, restando a esses espaços a discussão sobre os impactos das grandes obras (como a construção da Usina de Belo Monte ou a Transposição do Rio São Francisco) e como minimizá-los. A possibilidade de participação em políticas de grande impacto é muito “mal resolvida”, para utilizar os termos dos entrevistados de Losekan (2009, p. 158). A própria forma de conceber a participação em temas estruturais como a matriz energética, e as obras de infraestrutura em geral, nas suas interfaces com o meio ambiente, foram muito precárias. Os grupos que contestam essas obras e se contrapõem ao modelo de desenvolvimento brasileiro atual são “públicos fracos”, para utilizar os termos de Fraser (1992)FRASER, N. Rethinking Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy. In CALHOUN, C. Habermas and the Public Sphere. MIT Press, p.109-142, 1992.7 7 A autora, analisando a desigualdade comunicativa no caso das relações de gênero, criou as categorias de “públicos fortes” e “públicos fracos” para diferenciar analiticamente os sujeitos ativos e passivos no processo de formação da opinião pública. Resumidamente, o público forte é constituído pelos grupos que possuem recursos políticos, simbólicos ou econômicos suficientemente fortes para produzir agendas e tomada de decisão e influenciar a opinião pública. O público fraco, embora participe da formação da opinião pública, obviamente não possui recursos suficientes para configurá-la de acordo com seus interesses políticos e sociais, nem detém poder de decisão nas esferas políticas e econômicas. . Tanto ambientalistas quanto grupos que defendiam comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, indígenas etc.) e de alguma forma se contrapunham ao modelo de desenvolvimento podiam até pautar suas questões em espaços como audiências públicas e conferências. De alguma forma estes grupos são “ouvidos”, sentam para “dialogar”, mas não têm poder de fato, e aqui a contraposição não é só aos setores mais à direita do espectro político, mas dentro da própria esquerda e do PT, que também partilham de uma concepção neo-desenvolvimentista, e consideram que estes grupos estariam “freando” o desenvolvimento do país.

Outros casos e evidências poderiam ser apresentados aqui, mas voltando ao argumento central deste texto, na prática estes exemplos das áreas de Direitos Humanos e Ambiente apontam que a participação tem seu sentido mais forte em processos de “escuta”. Se as decisões importantes passam ao largo desses canais institucionais, o sentido e o investimento sobre eles diminuem.8 8 Pesquisas como a de Gurza Lavalle et al. (2016) e Silva (2019) têm mostrado que há outros efeitos de conselhos e conferências, especialmente no que tange a formação de agenda. A literatura sobre Efetividade das Institutições Participativas, por outro lado, tem mostrado o quanto elas têm deixado a desejar naquilo que prometeram cumprir ( Pires, 2011) . Mas meu argumento aqui não é tanto em termos de resultados da participação, mas nos sentidos gerais, nos ideários, que a participação tem assumido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa argumentação permite dizer que há um sentido de participação predominante para cada período. Nos anos 1975 a 1990, predominou “a participação como emancipação”. O que se destaca nessa visão é a ênfase na participação como educação para a cidadania, associada a uma ideia de poder popular que ativa e expressa conflitos visando à transformação social. Nos anos 1991 a 2002, o termo que predominou foi o “participação como deliberação”, quando palavras como co-gestão, ou “partilha do poder de governar” expressavam a expectativa de uma nova relação entre Estado e sociedade. Essa aposta encontrou tradução histórica nos Conselhos de Políticas públicas e nas experiências de Orçamento Participativo. Neste momento, o PT foi um importante lócus de experimentação, mas o legado participativo não se construiu apenas por dentro do PT e nas suas administrações, embora o partido tenha conseguido se associar com essa marca no imaginário popular. No caso da Saúde, os partidários desta ideia ultrapassavam as fronteiras do PT. Tinham uma forte influência dos sanitaristas italianos e muitos dos seus membros eram filiados ao Partido Comunista Brasileiro, mas de fato agregavam várias colorações partidárias. A Saúde seria a inspiração para muitas políticas públicas que também se estruturariam como sistema descentralizado ao longo dos anos 1990 e 2000, tais como a Assistência Social, Criança e Adolescente, Segurança Alimentar, entre outros.

No período de 2003-2010, predomina a participação como “escuta” no plano federal, muito próximo de uma ideia de colaboração vigilante. Aqui a ideia é de público fraco, nos termos de Nancy Fraser (1992)FRASER, N. Rethinking Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy. In CALHOUN, C. Habermas and the Public Sphere. MIT Press, p.109-142, 1992. . Ou seja, há debate, mas isso não se transforma em deliberação, no máximo se constitui como uma “escuta”. Nesse modelo há um valor positivo para a pluralidade na representação de interesses, o que amplia o espectro de temas e atores reconhecidos como legítimos.

O que percebemos nessa narrativa da participação é, num terreno de disputas, um sentido que vai progressivamente de um conteúdo mais radical, associado à transformação social, a idéias de justiça, a novas relações entre Estado e sociedade, para uma participação menos “exigente”, mais consultiva. No período da Presidenta Dilma Rousseff conselhos e conferências continuaram a ocorrer, mas cada vez com menos ressonância.

Sem procurar explicar totalmente o que acarretou essa mudança, arrisco relacioná-la ao modelo neo-desenvolvimentista adotado desde 2006, e acirrado com a Presidenta Dilma Rousseff. Embora o ingresso de Guido Mantega no Ministério da Fazenda, em 2006, tenha favorecido a opção “menos neoliberalismo e mais desenvolvimentismo” na fórmula Lulista ( Singer, 2012SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo, Companhia das Letras. São Paulo: Companhia das Letras , 2012. 276 p. , p. 146), o que em tese favorece a luta por direitos e democracia, a concepção estadocêntrica que esteve regendo esse arranjo ( Dagnino, 2016DAGNINO, E.State-society Relations and the Dilemmas of the New Developmentalist State. IDS Bulletin: Transforming Development Knowledge 47, n. 2, 157-68, 2016. ) e o lugar que os setores do grande capital passaram a desempenhar, principalmente, a partir do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em janeiro de 2007, restringiu o espaço de manobra dos movimentos, empurrando-os ainda mais para a periferia dos subsistemas.

O resultado foi que, de fato, naquele momento pouco se avançou para além da crítica ao modelo neoliberal. Como tem argumentado Dagnino (2016)DAGNINO, E.State-society Relations and the Dilemmas of the New Developmentalist State. IDS Bulletin: Transforming Development Knowledge 47, n. 2, 157-68, 2016. , o modelo neo-desenvolvimentista implementado pelo Partido dos Trabalhadores no governo federal representou uma diminuição da democracia participativa e confinou a participação popular à democracia representativa. Desta maneira, talvez de forma não intencional, o Partido dos Trabalhadores no governo federal contribuiu para que houvesse uma redução do imaginário em torno da participação. Isso não significa que os velhos ideários participativos, e outros mais recentes como vimos nas Ocupações de escolas em 2015 e 2016, não estejam presentes na sociedade brasileira. Mas há uma dúvida sincera pairando no ar: o que será feito das instituições participativas criadas ao longo de décadas? Sob a égide de quais concepções elas irão (sobre)viver?

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    Segundo o Dicionário Houaiss, ecletismo é uma diretriz teórica originada na Antiguidade grega, e que se caracteriza pela justaposição de teses e argumentos oriundos de doutrinas filosóficas diversas, formando uma visão de mundo pluralista e multifacetada. Significa ainda qualquer teoria, prática ou disposição de espírito que se caracteriza pela escolha do que parece melhor entre várias doutrinas, métodos ou estilos. Utilizo a idéia de ecletismo porque ela remete justamente às visões de mundo multifacetadas dos atores, oriundas do pertencimento a múltiplos espaços (igreja, partido, sindicato, movimento social, governo, academia etc.) e porque intencionalmente estes pertencimentos alteraram os “lugares onde cada ator estava” e propiciaram a eles escolhas do que pareceria melhor em cada contexto.
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    Para Abranches (1988)ABRANCHES, S. H. H. de. ‘O Presidencialismo de Coalizão’,Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 31:1, 61-22, 1988. o sistema presidencialista brasileiro obriga à coalizão partidária para governar, reservando à Presidência um papel central.
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    A literatura mais recente sobre a participação que olha para o fenômeno da representação nos espaços participativos tem procurado enfatizar de que forma se constrói a representação nestes espaços, como se dá o vínculo entre representante e representado. O compromisso do representante e a sua identificação com a causa a ser representada já foi discutido em algumas pesquisas ( Gurza Lavalle, Houtzager & Castello, 2006GURZA LAVALLE, A., HOUTZAGER, P., CASTELLO, G. “Democracia, pluralização da representação e sociedade civil”. Lua Nova, São Paulo: 67, 49-103, 2006. ; Avritzer, 2007)AVRITZER, L. (Org.). A Participação Social no Nordeste. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. , mas pouco se avançou nos mecanismos que permitem com que os representados desautorizem o representante caso desaprovem sua atuação. O vínculo entre representante e representado ainda depende da boa vontade do primeiro, o que pode não ser muito confiável, até porque a vinculação entre representante e representado é constituída por relações de poder e assimetria ( Miguel, 2011)MIGUEL, L. F. Representação Democrática: autonomia e interesse ou identidade e advocacy.. Lua Nova, São Paulo, 84: 353-364, 2011. .
  • 7
    A autora, analisando a desigualdade comunicativa no caso das relações de gênero, criou as categorias de “públicos fortes” e “públicos fracos” para diferenciar analiticamente os sujeitos ativos e passivos no processo de formação da opinião pública. Resumidamente, o público forte é constituído pelos grupos que possuem recursos políticos, simbólicos ou econômicos suficientemente fortes para produzir agendas e tomada de decisão e influenciar a opinião pública. O público fraco, embora participe da formação da opinião pública, obviamente não possui recursos suficientes para configurá-la de acordo com seus interesses políticos e sociais, nem detém poder de decisão nas esferas políticas e econômicas.
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    Pesquisas como a de Gurza Lavalle et al. (2016)GURZA LAVALLE, A. VOIGT, J. SERAFIM, L. O que Fazem os Conselhos e Quando o Fazem? Padrões Decisórios e o Debate dos Efeitos das Instituições Participativas. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 59, no 3, 2016, p. 609-650. e Silva (2019)SILVA, V.P. Alguns Condicionantes da Capacidade de Influência das Conferências de Políticas Públicas sobre os Programas das Respectivas Políticas Setoriais. DADOS, Rio de Janeiro, vol.62(1): 2019. têm mostrado que há outros efeitos de conselhos e conferências, especialmente no que tange a formação de agenda. A literatura sobre Efetividade das Institutições Participativas, por outro lado, tem mostrado o quanto elas têm deixado a desejar naquilo que prometeram cumprir ( Pires, 2011)PIRES, R. Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. . Mas meu argumento aqui não é tanto em termos de resultados da participação, mas nos sentidos gerais, nos ideários, que a participação tem assumido.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2019
  • Aceito
    28 Abr 2020
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