Resumos
Esse artigo trata dos desdobramentos da eleição de 2022. Inicialmente argumenta que, em um segundo mandato, Bolsonaro poderia aumentar seu poder de atração sobre os partidos de centro e de direita no Congresso para então avançar sobre os órgãos de justiça, colocando em risco a democracia brasileira. Na sequência, mostra que a vitória de Lula não impediu que os partidos de direita mantivessem uma trajetória de crescimento, consolidando uma posição majoritária tanto na Câmara como no Senado, e analisa as razões para tanto. Tomando como base esse crescimento da direita e nas mudanças na relação entre os poderes Executivo e Legislativo verificadas nos últimos anos, argumenta-se que a empreitada de Lula será mais difícil do que a iniciada 20 anos atrás. O desempenho da coalizão de governo nas votações mais importantes realizadas em 2023 é uma evidência nesse sentido e sinaliza para os limites de “Lula 3”.
Eleição 2022; Democracia; Lula; Coalizão de governo; Brasil
This article deals with the developments of the 2022 election. Initially, it argues that, in a second term, Bolsonaro could increase his power of attraction over the center and right-wing parties in Congress to then advance on the justice bodies, putting Brazilian democracy at risk. It then shows that Lula’s victory did not prevent the right-wing parties from maintaining a growth trajectory, consolidating a majority position in both the Chamber of Deputies and the Federal Senate, and analyzes the reasons for this. Based on this growth of the right and on the changes in the relationship between the Executive and Legislative powers verified in recent years, it is argued that Lula’s task will be more difficult than the one started 20 years ago. The government coalition’s performance in the most important votes held in 2023 is evidence in this regard and signals the limits of “Lula 3”.
2022 election; Democracy; Lula; Governing coalition; Brazil
Cet article traite des développements de l’élection de 2022. Dans un premier temps, il soutient que, dans un second mandat, Bolsonaro pourrait accroître son pouvoir d’attraction sur les partis du centre et de droite au Congrès pour ensuite avancer sur les instances judiciaires, mettant la démocratie brésilienne à risque risque. Il montre ensuite que la victoire de Lula n’a pas empêché les partis de droite de maintenir une trajectoire de croissance, de consolider une position majoritaire tant à la Chambre des députés qu’au Sénat fédéral, et en analyse les raisons. Sur la base de cette croissance de la droite et des changements dans les relations entre les pouvoirs exécutif et législatif constatés ces dernières années, il est avancé que le défi de Lula sera plus grand qu’il y a 20 ans. La performance de la coalition gouvernementale lors des scrutins les plus importants du 2023 en témoigne et signale les limites de “Lula 3”.
Election 2022; Démocratie; Lula; Coalition gouvernementale; Brésil
INTRODUÇÃO
A derrota do candidato da extrema-direita na eleição presidencial de 2022, Jair Bolsonaro, bloqueou a possibilidade de que a democracia brasileira entrasse em um processo regressivo. A vitória de Lula, no entanto, se fez acompanhar de um crescimento da força dos partidos de direita, que passaram a controlar mais de 60% das cadeiras na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Tal cenário vem se juntar às mudanças ocorridas nos últimos anos na relação entre Executivo e Legislativo e ajuda a explicar as dificuldades enfrentadas pelo novo governo na montagem de sua coalizão e na implementação de sua agenda. Este artigo, na sua primeira seção, analisa a relação existente entre a democracia brasileira e o resultado das urnas. Na sequência, discute a composição do novo Congresso. Na terceira seção, o foco se volta para o desempenho da coalizão de governo. A última seção conclui o artigo com algumas considerações sobre os limites de Lula 3.
A MAIS IMPORTANTE ELEIÇÃO DE NOSSAS VIDAS
Em 1998, Hugo Chávez foi eleito presidente da Venezuela. O país que havia desfrutado de 40 anos de democracia passou, desde então, por um processo de autocratização e mais de duas décadas depois é uma ditadura (Corales, 2020CORALES, J. Porque maduro ainda não caiu. Journal of Democracy, Baltimore, v. 9, n. 2, p. 78-102, 2020.). Processos semelhantes aconteceram na Turquia, em 2002, após Erdogan assumir posição de primeiro-ministro com base em uma esmagadora eleitoral vitória de seu partido, o Adalet ve Kalkınma Partisi (AKP) (Przeworski, 2020PRZEWORSKI, A. Crises da Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.); na Hungria depois de 2010, quando as urnas levaram o Fidesz e Victor Orbán ao poder (Mounk, 2019MOUNK, Y. O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. São Paulo: Cia das Letras, 2019.), ou na Polônia com a vitória, em 2015, do partido Lei e Justiça (Applebaum, 2020).
Foram todas eleições críticas, no sentido de que seus resultados alteraram de forma drástica o percurso seguido pelos quatro países, com consequências que perduram até os dias de hoje. No caso do Brasil, a vitória de Lula em 2022 foi uma espécie de eleição crítica ao reverso: ela bloqueou o que poderia inaugurar a rota do país rumo a um regime político autoritário, naquilo que a literatura tem designado como blacksliding (Haggard; Haufman, 2021) ou “subversão sub-reptícia” (Przeworski, 2020PRZEWORSKI, A. Crises da Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.).
Em uma democracia, indivíduos livres e iguais em direito decidem quem vai governar, e seus governos, legitimamente eleitos, têm de atuar dentro de limites que não foram por eles estabelecidos. Eleições competitivas conferem um determinado grau de incerteza quanto aos resultados e a periodicidade das disputas acena com a possibilidade real de alternância. A quem perde, resta fazer oposição enquanto prepara-se para a próxima. Por isso, a democracia é o único tipo de regime que permite que os conflitos que atravessam a sociedade sejam resolvidos de forma pacífica. Nas palavras de Adam Przeworski (1988), votos são pedras de papel (paper stones).
Mas Bolsonaro, como indicado por sua trajetória política e reafirmado pelas atitudes tomadas no primeiro mandato, nunca levou isso a sério. Sem deixar margem à dúvida, o ex-capitão preenche todos os requisitos apresentados por Levitsky e Ziblatt (2018)LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. para caracterizar um líder autoritário: rejeição das regras democráticas, negação da legitimidade dos adversários, tolerância ou encorajamento à violência e propensão a restringir liberdades civis de oponentes e/ou mídia.
Não obstante, a democracia brasileira sobreviveu a seu mandato. Do ponto de vista estritamente institucional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alvos de constante ataque por parte de Bolsonaro, encabeçaram a resistência (Recondo; Weber, 2023RECONDO, F.; WEBER, L. O tribunal: como o Supremo se uniu ante a ameaça autoritária. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 2023.; Vieira; Glezer; Barbosa, 2022). No Congresso, as propostas mais reacionárias foram barradas (Melo, 2021MELO, C. R. A Câmara dos Deputados pós-2018: o que mudou?. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 95-110.). Na Câmara, mesmo sob a Presidência do aliado Artur Lira, do Partido Progressistas (PP), a volta do voto impresso foi evitada. No Senado, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 expôs o governo a intenso desgaste. Talvez por isso, para muitos não havia perigo – eleição após eleição, vida que segue, as instituições democráticas eram robustas, estavam e continuariam funcionando independente de quem fosse o vencedor na disputa presidencial. No frigir dos ovos, as ameaças de Bolsonaro não seriam críveis (Pereira, 2022PEREIRA, C. Ameaça não é sinônimo de risco. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 jun. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/ameaca-nao-e-sinonimo-de-risco.shtml. Acesso em: 22 jun. 2023.
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).
O processo eleitoral de 2022 e os acontecimentos que o sucederam, no entanto, deram razão aos que alertavam sobre os riscos da reeleição do ex-capitão (Melo, 2023a). Na campanha, Bolsonaro manteve a estratégia de 2018, buscando traduzir as tensões latentes no país e reafirmar um cenário de polarização, algo que mostrasse um país irremediavelmente dividido em duas partes (Nunes; Traumann, 2023a, 2023b). A contraposição entre o “nós” e o “eles” baseava-se em uma ficção – os comunistas tomariam o poder, nossa bandeira seria vermelha, as igrejas seriam fechadas, os bandidos seriam soltos e a família, destruída. Capturados em bolhas diferenciadas, alguns milhões de brasileiros passaram a agir como se vivessem em um universo paralelo e a acreditar em tudo isso (Bulow, 2023BULOW, M. Eleições 2022 nas redes sociais: notícias falsas e muito mais. In: AVRITZER, L.; SANTANA, E.; BRAGATTO, R. (org.). Eleições 2022 e a reconstrução da democracia no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2023. p. 83-88.; Martins, 2023MARTINS, H. A disputa na internet: plataformas, desinformação e impactos na democracia. In: AVRITZER, L.; SANTANA, E.; BRAGATTO, R. (org.). Eleições 2022 e a reconstrução da democracia no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2023. p. 111-118.; Santana, 2023).
A campanha foi marcada ainda por reiteradas tentativas de desacreditar o processo eleitoral brasileiro. É muito pouco provável que Bolsonaro de fato acreditasse nas reiteradas acusações que fazia ao processo eleitoral no Brasil, mas isso não importava. Ciente da possibilidade de derrota nas urnas, a estratégia era a de manter seu eleitorado sob constante bombardeio. Esse era o “plano A”: criar as condições para que o resultado eleitoral pudesse ser questionado (Melo, 2023a). O importante era que, consumada a derrota, bolsonaristas, armados ou não, ocupassem as ruas sob o argumento de que o resultado das urnas não era confiável. Antecipando-se aos acontecimentos, o senador Flávio Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), em junho de 2022, afirmou que seria impossível impedir um levante de apoiadores revoltados com o resultado das eleições (Frazão, 2022FRAZÃO, F. Flavio Bolsonaro diz que é impossível conter reação de apoiadores a resultado de eleições. Estadão, São Paulo, 30 jun. 2022. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/flavio-bolsonaro-diz-que-e-impossivel-conter-reacao-de-apoiadores-a-resultado-de-eleicoes/. Acesso em: 2 dez. 2022.
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). Em setembro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) afirmou que quem houvesse comprado uma arma legalizada tinha que se tornar um voluntário do então presidente. Acrescentando um toque de inocência à declaração, o deputado acrescentou que estava conclamando os voluntários a buscarem material de campanha (Eduardo [...], 2022).
Ao que tudo indica, apostava-se na confusão. Assim pressionados, os seguidores de Bolsonaro se veriam diante de uma espécie de batalha final, onde estariam em jogo sua liberdade e seu o país. Era tudo ou nada. Em Uberlândia, jogaram material fétido sobre petistas. No Rio de Janeiro, uma bomba caseira foi lançada em evento da campanha de Lula e por duas vezes grupos armados impediram atividades da campanha de rua de Marcelo Freixo, do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Em Foz do Iguaçu, foi a vez das balas falaram mais alto no assassinato do petista Marcelo Arruda. E na cidade de Confresa, no Mato Grosso, um apoiador de Bolsonaro matou a facadas um eleitor de Lula após discussão política. Como sintetizou o deputado Delegado Cavalcante (PL-CE): “se a gente não ganhar nas urnas […] nós vamos ganhar na bala” (Casado, 2022CASADO, J. Deputado cearense: "Se a gente não ganhar nas urnas, vamos ganhar na bala". Revista Veja, São Paulo, 8 set. 2022. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/deputado-cearense-se-a-gente-nao-ganhar-nas-urnas-vamos-ganhar-na-bala. Acesso em: 20 jun. 2023.
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).
O “plano A” falhou, marcando a segunda derrota de Bolsonaro. Pouca gente atendeu ao chamado. A acusação de fraude não encontrou qualquer ressonância para além do PL e bolsonaristas “raiz”. Aliados fundamentais trataram de se afastar da estratégia. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), apressou-se em reconhecer a vitória de Lula. Progressistas e Republicanos deixaram Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, falando sozinho por ocasião do esdrúxulo pedido de anulação de cerca de 60% das urnas utilizadas no segundo turno.
Inconformados com a derrota eleitoral, os apoiadores mais extremados de Bolsonaro partiram para a ação. Com a conivência do Exército, acamparam na porta dos quartéis pedindo uma intervenção militar, incendiaram carros e ônibus e articularam um atentado em Brasília. Nem mesmo a “fraquejada” do presidente derrotado, que optou pelo isolamento em Miami, arrefeceu os ânimos. No entorno do ex-capitão, minutas e documentos com roteiros para um golpe circularam por diversas mãos, até que em 08 de janeiro uma horda de autointitulados “patriotas” propiciou a mais degradante das cenas políticas desde a redemocratização ao invadir a Praça dos Três Poderes e depredar as sedes da Presidência, do STF e do Congresso, na expectativa de fazer triunfar um golpe de Estado. Se alguém tinha alguma dúvida sobre os riscos de uma reeleição de Bolsonaro, o 08 de janeiro tratou de dissipar. O ato marcou a terceira derrota de Bolsonaro e colocou a extrema-direita na defensiva.
A literatura recente, que trata do retrocesso em regimes democráticos (Haggard; Haufman, 2021; Levitsky; Ziblatt, 2018LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.; Przeworski, 2020PRZEWORSKI, A. Crises da Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.; Mounk, 2019MOUNK, Y. O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. São Paulo: Cia das Letras, 2019.), é unânime em afirmar que se trata de um processo incremental, deflagrado a partir da vitória eleitoral de um candidato de perfil autoritário. Como definem Haggard e Haufman (2012, p. 12, tradução nossa), “retrocesso, tal como o definimos, é, em última análise, o resultado das ações dos autocratas que conquistam cargos executivos e controlam o legislativo”.1 1 Texto original: “backsliding as we define it is ultimately the result of the actions of autocrats who gain executive office and control over the legislature”. Eleito em 2018, Bolsonaro não conseguiu minar de forma substantiva as instituições da democracia brasileira. Para tanto teria que, como disseram Levitsky e Ziblatt (2018LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018., p. 81), “capturar o árbitro, tirar da partida estrelas do time adversário e reescrever as regras do jogo em seu benefício [...]”.
Caso tivesse conquistado um segundo mandato, Bolsonaro governaria com um Congresso ainda mais conservador do que o eleito em 2018 e a força de atração de seu governo sobre os partidos da direita “tradicional”, e mesmo sobre setores de centro, tenderia a aumentar de forma considerável. É, portanto, razoável supor que o ex-presidente, sempre afirmando estar “dentro das quatro linhas da Constituição”, teria maiores chances de aprovar iniciativas que colocariam a democracia brasileira em uma rota regressiva.
O problema, como diz Przeworski (2020)PRZEWORSKI, A. Crises da Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020., é que democracias carecem de mecanismos institucionais capazes de impedir que governos eleitos a subvertam observando as normas constitucionais. Parte importante do jogo nesses retrocessos passa a ser competir pelo que é democrático ou constitucional. O tempo torna-se variável crucial. Autocratas precisam conseguir a adesão, ou pelo menos a aquiescência, daqueles que priorizam a satisfação de seus objetivos – morais, financeiros ou de outra ordem – ante a preservação da democracia. Mesmo os que se preocupam com a democracia podem ter dificuldade de antecipar os efeitos de determinadas medidas sobre a natureza do regime e demorar a reagir. Quando “acordam”, já vivem sob outro arranjo institucional e os instrumentos para reverter o processo lhes foram tirados.
Instituições importam, mas igualmente importa saber que pessoas estarão à sua frente. Regras não cobrem todas as situações encontradas no mundo real, não conseguem prever as possíveis situações no futuro, cujos pressupostos são apenas implícitos e cuja aplicação estará a cargo de outros que não os que a desenharam – daí que, em maior ou menor grau, padecem de alguma ambiguidade (Mahoney; Thelen, 2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (org.). Explaining Institutional change. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 1-38.).
A julgar por seus inúmeros ataques ao STF e ao TSE (Gullino; Soares, 2022GULLINO, D.; SOARES, J. Investigado, Bolsonaro critica ministros do STF: 'Não estiquem essa corda'. O Globo, São Paulo, 23 fev. 2022. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/investigado-bolsonaro-critica-ministros-do-stf-nao-estiquem-essa-corda-1-25407228. Acesso em: 3 nov. 2023.
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; Soares; Patriolino, 2022), Bolsonaro poderia investir contra o Poder Judiciário em seu segundo mandato. Tal como o fez o Lei e Justiça ao indicar novos juízes para a Corte Institucional na Polônia (Applebaum, 2021APPLEBAUM, A. O crepúsculo da democracia: como o autoritarismo seduz e as amizades são desfeitas em nome da política. Rio de Janeiro: Record, 2021.), o ex-presidente teria a chance de propor um aumento no número de membros do STF, com o objetivo de alterar a correlação de forças a seu favor (Moreira; Cury; Teixeira, 2022). Ou ainda, uma vez garantida a eleição de um aliado fiel para a presidência do Senado, viabilizar o impeachment de um juiz do Supremo, por mais absurda que fosse a fundamentação apresentada (Borges, 2021BORGES, R. Bolsonaro promete ir ao Senado por impeachment de juízes do STF. El Pais Brasil, [s. l.], 14 ago. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-14/bolsonaro-promete-ir-ao-senado-por-impeachment-de-ministros-do-stf-extrapolam-os-limites-constitucionais.html. Acesso em: 29 jun. 2023.
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). A reeleição conferiria força às propostas e os bolsonaristas tratariam de mobilizar suas bases pressionando o novo Congresso.
Ainda que não se saiba o que está por vir, a eleição de 2022 foi a mais importante de nossas vidas. A vitória de Lula não sustou, como se verá, o crescimento da direita parlamentar, mas mudou por completo a dinâmica do processo político e bloqueou a possibilidade de um retrocesso democrático: o Brasil continuará sendo uma democracia na próxima eleição, em 2026. Mas é preciso compreender o resultado com todas as suas letras. Lula volta ao governo, mas diferente do que ocorreu no ciclo 2002-2014, essa não foi, ou não foi apenas, uma vitória do PT. Isso não implica em negar os méritos de Lula ou em desconsiderar a resiliência do PT apesar dos vários revezes – do julgamento do mensalão em 2012 à prisão de Lula em 2018, passando pelo impeachment de Dilma e a surra nas eleições municipais de 2016. Mas, em 2022, o que definiu a disputa foi o amplo leque de eleitores e forças políticas que, apesar de suas restrições ao candidato petista, percebeu a necessidade de barrar o retrocesso.
A DIREITA TORNA-SE MAJORITÁRIA NO CONGRESSO
No que se refere ao Legislativo federal, a singularidade da eleição de 2022 foi propiciar, pela primeira vez desde a redemocratização, a maioria absoluta dos votos em ambas as casas no Congresso aos partidos de direita. Na Câmara, a direita tornara-se majoritária já em 2018, no Senado apenas em 2022.
Na Câmara, entre 1986, a primeira eleição após o regime militar, e 2014, os partidos de direita controlaram, em média, 36,1% das vagas. Nesse período, chegaram a conquistar 43,4% das cadeiras como resultado da eleição de 1990, mas a partir daí perderam força e caíram a seu mais baixo patamar, 29,5% dos eleitos, em 2006. Voltaram a crescer em 2010, até que em 2018 conquistaram a maioria absoluta das vagas, chegando a 56,6% dos deputados eleitos e com expressiva parcela de seus membros assumindo posições extremas. Em 2022, a derrota de Bolsonaro na eleição presidencial não alterou a tendência. O poder de arraste do ex-capitão transformou o pouco expressivo PL na maior bancada da Câmara e foi decisivo para que a direita atingisse uma maioria ainda mais ampla (61,9%).
O Gráfico 1, a seguir, mostra os dados.2 2 Foram considerados de esquerda: Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Rede Sustentabilidade (Rede). Foram considerados de centro: Partido Verde (PV), Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), Avante e Solidariedade. O Cidadania (CDD) foi classificado como esquerda até 2002 e depois passou a integrar o centro. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) era tido como centro até a eleição de 2014 e depois rumou para a direita. Os demais partidos foram considerados de direita. Os critérios adotados para o posicionamento dos partidos na escala estão em Melo (2023a). Cabe notar que, em 2022, os partidos situados no centro tiveram seu pior desempenho na série histórica iniciada em 1982, ficando com apenas 15% das vagas. A esquerda também recuou em que pese a votação de Lula e elegeu sua menor bancada desde 2002.
Outros dados evidenciam o processo de afirmação da direita na Câmara. Surveys realizados pelo Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostram a maneira como os deputados federais se autoposicionavam na escala esquerda-direita, entre a legislatura iniciada em 2007 e aquela iniciada em 2019. Dos deputados eleitos em 2006, 48,1% se consideravam de esquerda ou centro-esquerda (posições 1-2 ou 3-4 na escala adotada), 43,4% se posicionavam ao centro (posições 5 ou 6), e apenas 8,7% se classificavam como centro-direita ou direita (posições 7-8 ou 9-10). Já entre os eleitos em 2018, seguindo a mesma ordem acima, a distribuição ficava assim: 28,7%, 33,7% e 37,7% – com cerca de 1/3 dos deputados situados à direita ocupando as posições 9 e 10 (Melo, 2021MELO, C. R. A Câmara dos Deputados pós-2018: o que mudou?. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 95-110.). Parte da diferença registrada no autoposicionamento dos deputados entre 2006 e 2018 deve ser creditada ao crescimento numérico das bancadas de direita nesta última eleição, mas houve também uma progressiva mudança na postura dos deputados. Na verdade, o baixo percentual de respondentes autoposicionados à direita na legislatura 2007-2011 está relacionado ao que a literatura chamou de “direita envergonhada” (Melo; Santos; Câmara, 2020; Power; Zucco Júnior, 2011), ou seja, a tendência de deputados de perfil conservador se apresentarem como de centro ainda que classificassem seus próprios partidos mais à direita.
O Gráfico 2 mostra os dados para o caso do Senado. Nesse caso, os percentuais são aqueles observados no início de cada legislatura, e não na eleição que a antecede, uma vez que a renovação não é total na casa. Os partidos foram classificados segundo os mesmos critérios adotados para a Câmara.3 3 Ver em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/relatorio-da-presidencia/.
O quadro guarda semelhança com o apresentado para a Câmara. Evidentemente a numerosa bancada de direita na legislatura que se inicia em 1983, pertencente ao Partido Democrático Social (PDS), era ainda um resquício da Ditadura Militar. Entre 1987 e 2015, a média de vagas ocupada pelos partidos de direita foi de 30,5%, variando de 39,5% logo após a eleição de Collor de Mello para a Presidência da República, a 22,2% no início do primeiro mandato de Dilma Rousseff. A legislatura de 2019 marcaria um forte crescimento da direita, que em 2023 passaria a controlar a maioria absoluta das cadeiras (64,1%) no Senado – seus partidos conquistaram 21 das 27 cadeiras em disputa no ano anterior. Graças à força de Bolsonaro, o PL puxou a fila, com oito eleitos.
Cabe ainda notar que a maior força da direita também se fez notar na sociedade, como mostram dados extraídos de pesquisas de opinião realizadas pelo projeto “A cara da democracia no Brasil”,4 4 Os relatórios e bancos de dados das pesquisas podem ser consultados em: https://www.institutodademocracia.org/a-cara-da-democracia. do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC). As pesquisas mostram um crescimento de 21,8% para 32,4% no percentual de cidadãos auto posicionados à direita (posições entre 7 e 10 na escala), entre 2018, no primeiro semestre, e 2019. Ao mesmo tempo os que não souberam ou não quiseram se posicionar recuaram de 38,7% para 23,7%. Em pesquisa realizada em junho de 2022, o percentual dos que se declaravam de direita chegou a 36,2% dos entrevistados.
O crescimento da direita, mais especificamente da extrema-direita, é fenômeno mundial. No Brasil, o processo compartilha algumas características com outros países, em especial o autoritarismo e a reação regressiva às pautas identitárias de minorias, às políticas afirmativas e às questões de gênero, naquilo que Norris e Inglehart (2019)NORRIS, P.; INGLEHART, R. Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism. Cambridge: Cambridge University Press, 2019. chamaram de cultural backlash. Mas aqui o fenômeno, como não podia deixar de ser, tem que ser entendido no contexto da turbulência política que o país enfrentou nos últimos anos.
Nessa conta, as jornadas de 2013, ao apontar de maneira vigorosa para a insatisfação com os resultados entregues pela democracia brasileira, podem ser tratados como uma espécie de prenúncio de uma crise mais ampla, embora não seja correto estabelecer uma relação de causalidade entre elas e o posterior crescimento da direita. Ainda que a popularidade de Dilma tenha caído 27 pontos logo após junho de 2013 (Mendonça, 2013MENDONÇA, R. Popularidade de Dilma cai 27 pontos após protestos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 jun. 2013. Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1303541-popularidade-de-dilma-cai-27-pontos-apos-protestos.shtml. Acesso em: 20 jun. 2023.
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) e que muitos dos manifestantes daquelas jornadas tenham voltado às ruas clamando pelo impeachment em 2015, os protestos de 2013 foram inequivocamente caracterizados por ampla irreverência e pluralidade ideológica, ao passo que a esmagadora maioria dos que dois anos depois cobravam o impedimento da presidente perfilava-se claramente à direita, com camisa da seleção, família e tudo o mais. A direita, que em 2013 foi às ruas pela primeira vez desde a redemocratização, era apenas parte daquele bolo. O legado deixado pelos protestos era algo a ser disputado.
Por outro lado, não é possível dissociar a operação Lava Jato e o impeachment de Dilma do crescimento da direita. As iniciativas tomadas pela primeira foram decisivas para o desfecho do segundo (Limongi, 2023LIMONGI, F. Operação impeachment: Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato. São Paulo: Ed. Todavia, 2023.), ainda que seu efeito tenha que ser analisado em combinação com outros fatores, como a crise econômica e a presença de multidões nas ruas. O impeachment, por sua vez, foi uma tentativa de barrar a cruzada contra a corrupção promovida pela mesma Lava Jato e, como verbalizou o ex-senador Romero Jucá (PMDB-RR), “estancar a sangria”; algo que a maioria do Congresso concluiu que a ex-presidente não conseguiria fazer (Melo, 2017MELO, M. A malaise política no Brasil: causas reais e imaginárias. Journal of Democracy, Baltimore, v. 6, n. 2, p. 69-95, 2017.). O estancamento não se concretizou e a criminalização da política (Kerche; Marona, 2022KERCHE, F.; MARONA, M. A política no banco dos réus. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2022.) – por todo lado havia quadrilhas – atingiu um amplo espectro de partidos e lideranças, fazendo a crise subir mais um degrau. Dois anos depois, a maioria do eleitorado optou por delegar a Bolsonaro a cura de todos os males do país, reais ou imaginários.
A vitória de Bolsonaro ajuda a entender o salto no percentual de eleitores autodeclarados de direita nos surveys do INCT mencionados anteriormente. Ao assumir clara e explicitamente sua postura ideológica, e associar a redenção do Brasil a posições que iam do combate ao comunismo, passando pelo armamento dos “cidadãos de bem”, até a defesa de Deus, da família e da pátria, o ex-capitão fez com que, aos olhos de parcela do eleitorado, ser de direita passasse a significar estar do lado certo das coisas.
O resultado da eleição de 2018 elevou a crise a outro patamar, prenunciando problemas ao regime democrático e exercendo um efeito devastador sobre o sistema partidário. O PT resistiria ao “tsunami”, graças a sua força no Nordeste e ao prestígio de Lula, mas os partidos de centro foram fortemente atingidos. Como se percebe na comparação entre os resultados de 2014 e 2018 no Gráfico 1, ao recuo dos partidos de centro – de 34,5% para 17,1% das vagas conquistadas na Câmara – corresponde quase que exatamente o crescimento da direita – de 38,8% para 56,6%. O recuo, ainda que um pouco menor, seria sentido também no Senado (Gráfico 2).
A vitória de Bolsonaro realizou-se à custa do naufrágio da coalizão de centro-direita constituída em torno da candidatura de Geraldo Alckmin e marcou o fim de um sistema partidário cujo padrão de interação dependia das escolhas feitas pelo PT, PSDB, MDB e, em menor grau, do Democratas (DEM). Na ausência de um partido e uma coalizão capazes de assumir protagonismo a partir do centro, a eleição de 2022 repetiu o padrão de 2018 e enquanto o PSDB elegia parcos 13 representantes, o PL chegava a 99.
O país já havia experimentado, em 1989, uma eleição em que o centro – à época representado pelo PMDB – não se revelara minimamente competitivo. A diferença é que, ao contrário do que ocorreu em 1994 na eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 2022, o centro não teve forças para se reapresentar e atrair parte da direita. A chamada terceira via nunca passou de uma ilusão. Os partidos que poderiam lhe conferir musculatura – MDB, PSDB, UNIÃO e Partido Social Democrático (PSD) – simplesmente não tinham capacidade, e nem unidade, para tanto. Basta ver que parcela expressiva de seus candidatos simplesmente optou pelo apoio a Bolsonaro. Como resultado, a direita manteve o crescimento no Congresso em 2022, contribuindo para um conflito mais ideologizado e radicalizado.
LULA 3 E O NOVO CONGRESSO
No Brasil, as chances de que um Presidente da República tenha sucesso na condução do governo aumentam de forma considerável a depender das escolhas feitas na formação e condução de sua coalizão no Legislativo. Constatado o crescimento das bancadas dos partidos de direita no Congresso, o objetivo dessa seção é verificar como se deu a relação entre os poderes Executivo e Legislativo no primeiro ano de Lula 3.
Mudanças na relação entre Executivo e Legislativo
Antes de discutir a relação de “Lula 3” com o congresso eleito em 2022, vale ressaltar um ponto fundamental. É aceito na literatura que a estabilidade que caracterizou o presidencialismo de coalizão brasileiro, pelo menos até 2014, seria atribuída às prerrogativas legislativas do Executivo e ao controle dos líderes partidários sobre a dinâmica legislativa de modo a garantir um comportamento disciplinado às suas bancadas. De acordo com Figueiredo e Limongi (1999FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999., 2007FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Instituições políticas e governabilidade: desempenho do governo e apoio legislativo na democracia brasileira. In: MELO, C.; ALCÁNTARA, M. (org.). A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007. p. 147-198.), nas duas décadas após a Constituinte, o Executivo podia ser considerado “de jure e de fato” o principal legislador do país.
O que mudou? Ainda que o chefe do Executivo se mantenha constitucionalmente forte, o Legislativo avançou no sentido de equilibrar a balança na relação entre os dois poderes (Almeida, 2014ALMEIDA, A. A produção legislativa no pós-1988: tendências recentes e desafios. In: MONASTERIO, L.; NERI, M.; SOARES, S. (org.). Brasil em desenvolvimento 2014: estado, desenvolvimento e políticas públicas. Rio de Janeiro: IPEA, 2014. v. II, p. 247-260.). O processo ganhou vulto mais recentemente, mas se desenrola há tempos, em função de uma compreensão cada vez mais presente entre os legisladores que a Constituição de 1988 teria vergado por demais a balança para o lado do Presidente da República.
Seu marco inicial, por assim dizer, pode ser situado na Emenda Constitucional 32/2001, quando o Congresso alterou de forma substancial as regras para a emissão das Medidas Provisórias (MPs), restringindo sua reedição pelo Executivo. Posteriormente, em 2009, uma interpretação do então presidente da Câmara, Michel Temer, contornou o trancamento da pauta pelas MPs, um dos mecanismos até então utilizado pelo governo para controlar a agenda legislativa. Respondendo a diferentes Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), o STF decidiu, em 2012, que as MPs só poderiam ser votadas em Plenário após parecer de comissão mista e, em 2015, que no processo de discussão iniciado na Câmara caberia ao presidente da casa vetar a apreciação de matérias estranhas à proposta enviada pelo governo. As duas decisões aumentaram o custo de negociação do governo com o Legislativo. Ainda em 2015, o Congresso, após nova decisão do STF, aprovou novo regime de apreciação dos vetos presidenciais que até então acumulavam-se sem ser apreciados (Guimarães; Perlin; Maia, 2019).
Mas as modificações de maior peso na relação entre os dois poderes foram as relativas às emendas legislativas ao Orçamento da União. Em 2015, no início da presidência de Eduardo Cunha (MDB) na Câmara, seria aprovada a emenda constitucional que estabelecia o Orçamento Impositivo, tornando obrigatória a execução das emendas individuais dos legisladores.5
5
A proposta havia sido formulada na legislatura anterior e já passara pelo Senado.
Até então, o Executivo, em função da prerrogativa exclusiva sobre a elaboração e execução da peça orçamentária, deixava as emendas individuais em segundo plano. A liberação desses recursos era concentrada no final de cada ano e em valores muito inferiores aos solicitados e aprovados inicialmente, além de privilegiar os parlamentares da base do governo (Figueiredo; Limongi, 2005FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Processo orçamentário e comportamento Legislativo: emendas individuais, apoio ao Executivo e programas de governo. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de janeiro, v. 48, n. 4, p. 737-76, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/PgKJBWVLQHCxmHWw9pqWBD/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 20 jun. 2023.
https://www.scielo.br/j/dados/a/PgKJBWVL...
).
Sob o governo Bolsonaro, o Orçamento Impositivo foi estendido às emendas de bancadas. Posteriormente as emendas do relator, tradicionalmente destinadas a corrigir erros ou omissões de ordem técnica do projeto de lei orçamentária, passaram por um formidável upgrade e deram ao deputado ou senador designado para a relatoria do processo o direito de incluir emendas que precisam ser priorizadas pelo Executivo. Nascia o mecanismo de transferência de recursos que ficou conhecido como “orçamento secreto”. Dependendo do centrão para sobreviver, o governo Bolsonaro tivera que ceder: ainda que não impositivas, tais emendas terminaram por retirar do Executivo o controle sobre um montante de recursos equivalente à soma das emendas individuais e de bancada feitas ao Orçamento da União. Em dezembro de 2022, o STF considerou o processo inconstitucional, em função dos critérios de distribuição e transparência. Negociações levadas a efeito com o terceiro governo Lula, ainda antes da posse, fizeram com que metade dos recursos aí englobados fossem incorporados às emendas individuais dos parlamentares. A outra metade voltou para o governo, ainda que tenham se mantido as pressões para que sua alocação contemple áreas definidas pelos parlamentares.
Paralelamente, no âmbito da Câmara dos Deputados, observou-se uma maior centralização dos trabalhos nas mãos da presidência, em uma espécie de “hiper presidencialismo”. A mudança teve início com Eduardo Cunha (PMDB) e aprofundou-se com Artur Lira (PP) no período da pandemia. Em sua trajetória até a presidência da Câmara, Cunha e Lira consolidaram-se como líderes de bancadas suprapartidárias, mais poderosas que a de qualquer partido isoladamente, o que ampliou a discricionariedade com que passaram a conduzir o processo legislativo. Sob o comando dos dois, a Câmara passou a dispensar, com mais frequência, o trabalho das comissões permanentes, seja criando comissões especiais – sob as quais o presidente da casa tem maior controle6
6
Como relatam Guimarães, Perlin e Maia (2019), Cunha instalou 70 comissões especiais em seu primeiro ano de mandato e abusou do poder de avocar proposições para o Plenário. Na discussão sobre a reforma política em 2015, o ex-deputado chegou a atropelar a própria Comissão Especial, indicando um relator ad hoc para a discussão em Plenário e conduzindo as votações em ritmo acelerado, recorrendo a emendas aglutinativas costuradas na boca do caixa.
– seja recorrendo ao mecanismo da urgência e encaminhando as matérias diretamente ao Plenário. Em 2021, Lira fez aprovar mudanças no Regimento Interno da Câmara que restringiram o espaço de atuação das minorias ao colocar obstáculos ao uso do chamado “kit obstrução” (Clavery; Barbiéri, 2021CLAVERY, E.; BARBIÉRI, L. Câmara aprova projeto que altera regimento da Casa e pode restringir atuação da oposição. G1, São Paulo, 12 maio 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/05/12/camara-aprova-projeto-que-altera-regimento-da-casa-e-pode-restringir-atuacao-da-oposicao.ghtml. Acesso em: 20 jun. 2023.
https://g1.globo.com/politica/noticia/20...
). A maior centralização dos trabalhos contribuiu para restringir a discussão e empoderar a presidência da casa.
Nos dias de hoje, para o bem ou para o mal, o Congresso é dotado de maior protagonismo na formulação legal do que a duas décadas atrás. Trata-se de um poder capaz de formular e aprovar sua própria agenda. Sob Bolsonaro, a situação chegou ao ponto de se constituir na Câmara uma coalizão legislativa, majoritária e alinhada à direita, coordenada pelo presidente da casa e com atuação independente da concordância do Executivo (Melo, 2021MELO, C. R. A Câmara dos Deputados pós-2018: o que mudou?. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 95-110.). Sob Lula 3, o protagonismo irá se manter, como demostram a aprovação em tempo recorde do marco temporal para a demarcação de terras indígenas e do Projeto de Lei que torna crime a “discriminação” contra pessoas que exerçam/tenham exercido cargo ou função pública relevante ou que tenham familiares nessas condições. Ao contrário de Bolsonaro, Lula pretende governar. Mas a situação não é distinta apenas nesse ponto: as preferências do ex-capitão encontravam-se muito mais próximas daquelas do legislador mediano do que no caso de Lula.
Uma coalizão muito complicada
Ao contrário do que poderia se imaginar, o cenário observado na disputa eleitoral não se manteve em 2023, e os 49,10% de votos de Bolsonaro no segundo turno da disputa presidencial não se transformaram em força no Congresso. A principal razão para tanto está no reposicionamento de parte do centrão. O deslocamento fora sinalizado no imediato reconhecimento da vitória de Lula por parte de Artur Lira e ficou ainda mais claro após a tentativa de golpe de 08 de janeiro. Ainda que não tenham, de imediato, aderido ao governo, Progressistas e Republicanos deixaram de coordenar seus movimentos com o PL. Na Câmara e no Senado, os bolsonaristas ficaram isolados e sem condição de dar a tônica no comportamento do Legislativo frente ao Executivo. O argumento não pode ser estendido de modo a pretender que a direita, amplamente majoritária, vá deixar de impor limites ao governo. Mas é certo que a montagem da coalizão de governo foi facilitada no novo cenário.
Depois da frustrada tentativa de Bolsonaro – governar sem acordo com os partidos –, Lula tratou de retornar ao “feijão com arroz” da política brasileira. Sua coalizão inicial contou com nove partidos – PT, MDB, PSB, UNIÃO, PSD, PSOL, Rede, PDT e PCdoB – e no segundo semestre incorporou o PP e o Republicanos. A primeira coalizão controlava, no início de 2023, cerca de 51% das cadeiras na Câmara dos Deputados e pouco mais de 56% no Senado. Em setembro, com as novas adesões, os percentuais chegaram a 70,8% na primeira casa e 74% na segunda – em tese, uma coalizão majoritária, suficiente para a aprovação de propostas de emendas constitucionais.
No entanto, o cenário se revelou mais complexo do que tais números indicavam. A discussão que se segue terá como base a votação de quatro iniciativas do governo. O Projeto de Lei Complementar (PLP), que buscava estabelecer um novo arcabouço fiscal para o país (PLP 93/2023), e a Medida Provisória, que definiu a formação do novo ministério (Projeto de Lei de Conversão nº 12/2023), foram aprovados na Câmara e no Senado no primeiro semestre. O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que suspendeu decretos do governo que regulamentavam o Marco Legal do Saneamento Básico (PDL 98/2023) e o Projeto de Lei que define um marco temporal para a demarcação de terras indígenas (PL 490/2007) passaram pela Câmara no primeiro semestre e no segundo pelo Senado.7 7 A votação da Reforma Tributária não foi incluída na análise, uma vez que quando este artigo estava sendo finalizado, a Proposta de Emenda à Constituição nº 45/19 havia sido aprovada com folga na Câmara, mas ainda tramitava no Senado. Como era previsto que os senadores fizessem modificações, a proposta voltaria para a primeira casa. A Tabela 1 mostra o resultado das votações levando em conta apenas os votos contra e a favor e distinguindo entre os partidos da base governista, os independentes e a oposição.8 8 Abstenções e ausências não entraram no computo. PP e Republicanos foram considerados como membros da coalizão governista apenas na votação do marco temporal no Senado, que ocorreu em setembro. Nas demais votações, os dois partidos foram tratados como independentes, assim como PSDB, PSC, Cidadania, Avante, Podemos, Solidariedade e Patriotas. A oposição compreendia o PL e o NOVO.
Na Câmara dos Deputados, o governo obteve duas vitórias e sofreu duas derrotas. A coalizão governista teve seu pior desempenho na votação do PDL, que suspendeu decretos do governo no marco do saneamento: foram 112 votos – 104 provenientes dos partidos de esquerda – dos 136 favoráveis ao governo (Brasil, 2023d). O melhor desempenho se deu na votação do arcabouço fiscal. Os partidos da base contribuíram com 227 – 105 dos partidos de esquerda – dos 372 favoráveis ao governo (Câmara dos Deputados a, 2023).9 9 A votação obtida pelo governo no arcabouço fiscal só foi superada por ocasião da aprovação da reforma tributária: 382 votos no primeiro turno e 375 no segundo.
A votação da MP dos ministérios, por seu lado, revelou a fragilidade da oposição quando enfrenta sozinha o governo. Foram apenas 125 votos contrários à proposta; 79 dos partidos declaradamente de oposição (PL e NOVO), 26 dos independentes e 20 da base governista (Brasil, 2023b). Na votação do arcabouço fiscal, o PL liberou sua bancada, que contribuiu com 30 votos para a aprovação da proposta.
Os partidos independentes deram contribuição expressiva nas duas vitórias do governo, com 115 e 107 votos, mas foram de pouca ajuda nas derrotas: apenas 24 e 26 de seus legisladores votaram contra a derrubada dos decretos no marco legal do saneamento e o PL que definiu o marco temporal para a demarcação das terras indígenas (Brasil, 2023b).
Mesmo nas vitórias do Executivo, a base governista não conseguiu angariar apoio que correspondesse à maioria na Câmara – 257 votos – em que pese contar à época, formalmente, com 262 deputados. Invariavelmente, deputados da base votaram contra o governo. Das fileiras do UNIÃO, saiu o maior contingente de “desertores”: foram sete votos contrários ao arcabouço fiscal, 15 no caso da MP dos ministérios e 48 nas votações do marco temporal e do saneamento. PSD e MDB contribuíram com três votos contrários, cada um, nas votações do arcabouço e do ministério. Trinta e um emedebistas foram favoráveis à derrubada dos decretos do saneamento e 22 à aprovação do marco temporal. No PSD, foram 20 e 25 votos nessas duas questões, respectivamente. PSOL e Rede votaram contra o arcabouço fiscal. Nas quatro votações consideradas, integrantes das bancadas do PSB e PDT votaram contra o governo por seis e quatro vezes respectivamente.
Cabe considerar ainda, para além das defecções no interior da coalizão, que a vitória governista na aprovação da MP dos ministérios deve ser contextualizada. Pela primeira vez, desde a redemocratização, um presidente da República teve a proposta de organização da estrutura dos ministérios alterada pela Câmara e, o que é pior, em questões claramente ideológicas – as atribuições dos Ministérios de Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Temendo a rejeição da MP, o governo sequer tentou reverter as alterações no Plenário.
Com base nas votações analisadas e tendo claro que se trata de um quadro inicial, é possível dizer que o “núcleo duro” da coalizão governista conta, na Câmara, com cerca de 150 votos. A oposição é ainda mais frágil – na crucial votação da MP dos ministérios reuniu 125 votos. Levando-se em conta o número máximo (480) de votantes nas quatro ocasiões – abstenções excluídas – conclui-se que um grupo de cerca de 200 parlamentares pode votar, ou não, com o governo. Isso tende a variar a depender do tema em discussão – questões de cunho ideológico ou marcadamente progressistas encontrarão a porta fechada – ou das negociações em curso com o presidente da casa e/ou líderes dos partidos de centro e de direita. A aprovação de propostas provenientes do governo, mesmo em se tratando de casos em que seja necessário apenas uma maioria simples, corre sérios riscos sem o apoio do grupo de deputados sob a influência direta de Lira.
O cenário no Senado Federal foi semelhante ao da Câmara. No primeiro semestre, o governo não enfrentou dificuldade nas votações do arcabouço fiscal e da MP dos ministérios (Brasil, 2023d, 2023e). A base votou de forma coesa e a oposição ficou isolada. Como disse à época o senador Davi Alcolumbre, na casa existia boa vontade para com a agenda do governo (Klava; Arraes, 2003). Em junho, a tranquila aprovação do advogado de Lula, Cristiano Zanin, para o STF também apontava nesse sentido.
Esse quadro sofreria mudanças no segundo semestre, tornando as coisas mais difíceis para o governo. No caso do Marco Legal do Saneamento Básico, o governo, para evitar a votação, revogou os dois decretos questionados na Câmara e prontificou-se a apresentar novos textos (Congresso em Foco, 2023CONGRESSO EM FOCO. Governo e congresso obtêm consenso sobre marco do saneamento; Lula revoga decretos. Congresso em Foco, Brasília, DF, 17 jul. 2023. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/governo-e-congresso-obtem-consenso-sobre-marco-do-saneamento-lula-revoga-decretos/. Acesso em: 27 out. 2023.
https://congressoemfoco.uol.com.br/area/...
). Na apreciação do Marco Temporal, o governo foi derrotado por 43 a 21 votos em votação relâmpago – a matéria foi aprovada de manhã na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e votada no mesmo dia no Plenário graças a aprovação de um requerimento para a tramitação em regime de urgência (Brasil, 2023f).
Cabe destacar que a derrota no marco temporal foi posterior à incorporação de PP e Republicanos na coalizão governista. Tal como na Câmara, os partidos de direita da base foram decisivos para o revés do Executivo: as bancadas do PP (cinco votos), Republicanos (quatro votos) e União Brasil (oito votos) votaram de forma unânime pela aprovação do marco, posição também adotada por quatro dos nove senadores do PSD. Em mais uma evidência de que a situação havia mudado, em outubro, o Senado rejeitou o nome de Igor Roque para a Defensoria Pública da União (DPU), por 38 a 35.10 10 As derrotas do governo estão inseridas no contexto do conflito aberto entre o Senado e o STF. A votação relâmpago do marco temporal ocorreu menos de uma semana após o Supremo ter declarado a tese inconstitucional. O revés na indicação de Igor Roque teve a ver com proposta de realização de um seminário sobre o aborto na DPU. O seminário foi cancelado, mas abriu brecha para o questionamento do indicado. A situação piorou depois que ex-ministra Rosa Weber decidiu pautar o tema no STF. Seja como for, o Senado deixou de ser uma casa com a qual o governo não precisava se preocupar.
LIMITES DO NOVO GOVERNO LULA
A eleição de 2022, afastou o risco de retrocesso institucional e trouxe Lula de volta. Ecoando o conhecimento acumulado pela literatura especializada, Santos e Luz (2023SANTOS, F.; LUZ, J. Primeiros passos em busca da governabilidade: análise preliminar da coalizão de apoio a Lula III. In: INÁCIO, M. (org.). Presidente, Gabinete e Burocracias: o que a nova administração Lula precisa saber. São Paulo: HUCITEC, 2023. p. 29-58., p. 53) afirmaram que “uma vez decidida a montagem de uma coalizão majoritária e ajustada a Taxa de Coalescência,11 11 Quanto maior a proporcionalidade entre o peso parlamentar de cada partido da base governista e seu peso na distribuição de pastas ministeriais, mais coalescente é a coalizão. as chances são altas de se ter estabilidade e fluxo decisório favorável ao governo no âmbito do Legislativo”. Olhando pelo retrovisor, isso é verdade, mas os autores logo reconhecem que a situação é hoje muito diferente de 20 anos atrás.
A eleição de 2002 marcou a primeira alternância ideológica na Presidência da República, e os anos que se seguiram foram de estabilidade e construção institucional. Em 2022 o país assistiu um novo processo de alternância, mas dessa vez os resultados foram desastrosos. Essa é a primeira diferença a ser destacada: o governo Bolsonaro se incumbiu da tarefa de “descontruir e desfazer muita coisa” (Marin, 2019MARIN, D. "Temos que desconstruir muita coisa". Veja, São Paulo, 19 mar. 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/temos-de-desconstruir-muita-coisa-diz-bolsonaro-a-americanos-de-direita. Acesso em: 20 jun. 2023.
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), referindo-se a uma suposta herança comunista deixada pelos governos anteriores. E se lançou à tarefa, fazendo com que Lula 3 herdasse um cenário de terra arrasada em várias áreas da administração pública.
A esse cenário, como este artigo procurou evidenciar, devem ser acrescentados outros problemas para se entender as perspectivas abertas ao novo governo. Na relação entre os poderes Executivo e Legislativo, a balança se deslocou a favor do segundo. O Congresso ampliou seus poderes alocativos e se mostrou capaz de formular e aprovar uma agenda própria, independente da concordância do governo. Em especial, as emendas parlamentares ao Orçamento da União ganharam relevância nesse novo jogo. Tornaram-se impositivas, enfraquecendo um poderoso instrumento de barganha do Executivo, e em 2020, com a introdução das emendas de relator, o valor que os parlamentares tinham direito a distribuir para suas bases quadruplicou em comparação com 2014. Tendo garantido um volume considerável de recursos, deputados e senadores ampliaram seu grau de autonomia.
No processo de mudanças, deve ser destacado ainda o empoderamento da presidência da Câmara a partir da gestão de Eduardo Cunha. Se Artur Lira não chegou a romper com o governo, como fez o ex-deputado carioca, ele mostrou-se um aliado cujas faturas são altas. Dotado de recursos para influenciar de forma decisiva na agenda legislativa e com ascendência direta sobre um elevado número de deputados para além de seu partido, Lira tem condição de se apresentar como fator decisivo nas votações de interesse do governo. Em troca de sua boa vontade, pretende manter controle sob parte do finado “orçamento secreto” e exercer influência, via aliados, sobre áreas de governo.
O congresso, por sua vez, nunca esteve tão à direita. Essa não será a primeira vez que Lula terá que governar com um Legislativo no qual a maioria dos membros possui preferências relativamente distantes das suas e/ou de seu partido. Exceção feita ao primeiro ano de Lula, em 2003, os governos petistas nunca puderam se dar ao luxo de montar uma coalizão minoritária e contar com partidos que, mesmo sem participar do ministério, fossem politicamente próximos para contribuir para a aprovação de suas propostas. A construção de uma coalizão majoritária sempre foi um imperativo. Mas hoje a situação é mais dramática. Como mostraram os Gráficos 1 e 2, as eleições de 2002 e 2006 permitiram aos partidos de centro e de esquerda eleger 65,7% e 70,5% dos deputados, e no Senado suas bancadas controlavam 74,0% e 70,3% no início das legislaturas. Mesmo que nas duas ocasiões nem todo o centro apoiasse o governo, o “ambiente” político contrasta com o atual onde essas mesmas forças elegeram apenas 38,2% na Câmara e iniciaram a legislatura com 35,7% dos votos no Senado.
Se a eleição de Bolsonaro foi o resultado não esperado da crise aberta em 2013, a volta de Lula representa a completa reversão das expectativas difundidas entre os partidos de centro e de direita em função do impeachment de Dilma e da avassaladora derrota do PT nas eleições municipais de 2016. Mais do que uma provocação ou a saudação de uma nova alternância no governo, o “tchau, querida” carregava a expectativa de um declínio acentuado ou mesmo o fim do petismo – naquele mesmo ano, o ministro Gilmar Mendes chegou a abrir uma representação, no TSE, que poderia levar à cassação do registro do partido. Contudo, a sequência das eleições frustrou os que antecipavam tal desfecho, ao mesmo tempo que possibilitou aos partidos de direita a conquista de uma ampla maioria parlamentar. O resultado líquido é que parte da base governista no Congresso apenas tolera, mas não nutre qualquer simpatia pelo governo. Não é de estranhar que partidos da coalizão, com frequência, assumam ares de independência e exerçam seu poder de chantagem sobre o governo.
A ampla coalizão estruturada pelo governo foi um passo necessário, mas insuficiente para contornar os problemas. Tudo isso levado em conta, até onde pode ir o governo Lula? Alguns limites parecem claros. Reformas constitucionais necessitarão de coesão da base e algum apoio dos independentes o que, como se viu, não será fácil. E mesmo iniciativas que não necessitem quórum qualificado podem esbarrar no fato de que o apoio da centro-direita incorporada à coalizão se manterá como ponto de interrogação.
A rotina tenderá a ser um jogo de pressões e ameaças, demandando contínuas negociações e consequentes concessões. Nas áreas sensíveis ao conservadorismo majoritário, as iniciativas do governo sofrerão forte resistência ou mesmo interdição. Eventuais propostas de caráter mais regressivo aprovadas por iniciativa do Congresso – como no caso do marco temporal – podem obrigar o governo a recorrer ao veto ou em última instância à judicialização, gerando um tensionamento na relação com o Legislativo.
A derrota da extrema direita na eleição de 2022 evitou que o país enveredasse pelo caminho de um retrocesso institucional, mas, ao mesmo tempo, a direita, como um campo mais amplo, se consolidou como força amplamente majoritária no Congresso. Não é à toa que Artur Lira tenta preservar o espaço ganho no que se refere ao controle das emendas parlamentares, rota que permite alguma segurança em um país onde as eleições proporcionais carregam forte dose de imprevisibilidade. Levando-se em conta que a esquerda já demonstrou enorme dificuldade em crescer no Legislativo e que os partidos do centro “tradicional” deixaram de se mostrar competitivos, é pouco provável que no curto prazo a direita recue de forma expressiva no Congresso. Nesse cenário, as perspectivas de que eventuais governos de perfil progressista possam avançar em suas proposições tornam-se pouco promissoras.
REFERÊNCIAS
- ALMEIDA, A. A produção legislativa no pós-1988: tendências recentes e desafios. In: MONASTERIO, L.; NERI, M.; SOARES, S. (org.). Brasil em desenvolvimento 2014: estado, desenvolvimento e políticas públicas. Rio de Janeiro: IPEA, 2014. v. II, p. 247-260.
- APPLEBAUM, A. O crepúsculo da democracia: como o autoritarismo seduz e as amizades são desfeitas em nome da política. Rio de Janeiro: Record, 2021.
- BORGES, R. Bolsonaro promete ir ao Senado por impeachment de juízes do STF. El Pais Brasil, [s. l.], 14 ago. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-14/bolsonaro-promete-ir-ao-senado-por-impeachment-de-ministros-do-stf-extrapolam-os-limites-constitucionais.html Acesso em: 29 jun. 2023.
» https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-14/bolsonaro-promete-ir-ao-senado-por-impeachment-de-ministros-do-stf-extrapolam-os-limites-constitucionais.html - BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Sessão Deliberativa Extraordinária: votação do PDL n 0 98/2023. Plenário da Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 3 maio 2023a. Disponível em: https://www.camara.leg.br/presenca-comissoes/votacao-portal?reuniao=67898&itemVotacao=11426 Acesso em: 15 maio 2023.
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NOTAS
-
1
Texto original: “backsliding as we define it is ultimately the result of the actions of autocrats who gain executive office and control over the legislature”.
-
2
Foram considerados de esquerda: Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Rede Sustentabilidade (Rede). Foram considerados de centro: Partido Verde (PV), Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), Avante e Solidariedade. O Cidadania (CDD) foi classificado como esquerda até 2002 e depois passou a integrar o centro. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) era tido como centro até a eleição de 2014 e depois rumou para a direita. Os demais partidos foram considerados de direita. Os critérios adotados para o posicionamento dos partidos na escala estão em Melo (2023a).
- 3
-
4
Os relatórios e bancos de dados das pesquisas podem ser consultados em: https://www.institutodademocracia.org/a-cara-da-democracia.
-
5
A proposta havia sido formulada na legislatura anterior e já passara pelo Senado.
-
6
Como relatam Guimarães, Perlin e Maia (2019), Cunha instalou 70 comissões especiais em seu primeiro ano de mandato e abusou do poder de avocar proposições para o Plenário. Na discussão sobre a reforma política em 2015, o ex-deputado chegou a atropelar a própria Comissão Especial, indicando um relator ad hoc para a discussão em Plenário e conduzindo as votações em ritmo acelerado, recorrendo a emendas aglutinativas costuradas na boca do caixa.
-
7
A votação da Reforma Tributária não foi incluída na análise, uma vez que quando este artigo estava sendo finalizado, a Proposta de Emenda à Constituição nº 45/19 havia sido aprovada com folga na Câmara, mas ainda tramitava no Senado. Como era previsto que os senadores fizessem modificações, a proposta voltaria para a primeira casa.
-
8
Abstenções e ausências não entraram no computo. PP e Republicanos foram considerados como membros da coalizão governista apenas na votação do marco temporal no Senado, que ocorreu em setembro. Nas demais votações, os dois partidos foram tratados como independentes, assim como PSDB, PSC, Cidadania, Avante, Podemos, Solidariedade e Patriotas. A oposição compreendia o PL e o NOVO.
-
9
A votação obtida pelo governo no arcabouço fiscal só foi superada por ocasião da aprovação da reforma tributária: 382 votos no primeiro turno e 375 no segundo.
-
10
As derrotas do governo estão inseridas no contexto do conflito aberto entre o Senado e o STF. A votação relâmpago do marco temporal ocorreu menos de uma semana após o Supremo ter declarado a tese inconstitucional. O revés na indicação de Igor Roque teve a ver com proposta de realização de um seminário sobre o aborto na DPU. O seminário foi cancelado, mas abriu brecha para o questionamento do indicado. A situação piorou depois que ex-ministra Rosa Weber decidiu pautar o tema no STF. Seja como for, o Senado deixou de ser uma casa com a qual o governo não precisava se preocupar.
-
11
Quanto maior a proporcionalidade entre o peso parlamentar de cada partido da base governista e seu peso na distribuição de pastas ministeriais, mais coalescente é a coalizão.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Abr 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
04 Jul 2023 -
Aceito
01 Dez 2023