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Fatores associados à transferência de dióxido de carbono em um modelo experimental de lesão renal aguda grave e hipoventilação durante terapia de substituição renal contínua com alto teor de bicarbonato e suporte com membrana de oxigenação

RESUMO

Objetivo

Investigar os fatores que influenciam a transferência de dióxido de carbono em um sistema que integra uma membrana de oxigenação em série com terapia de substituição renal contínua com alto teor de bicarbonato em animais hipercápnicos.

Métodos

Em um ambiente experimental, induzimos lesão renal aguda grave e hipercapnia em cinco porcos Landrace fêmeas. Em seguida, iniciamos terapia de substituição renal contínua com alto teor de bicarbonato (40mEq/L) com uma membrana de oxigenação em série para manter o pH acima de 7,25. Em intervalos de 1 hora, 6 horas e 12 horas após o início da terapia de substituição renal contínua, realizamos uma titulação padronizada do fluxo de gás de varredura para quantificar a transferência de dióxido de carbono. Avaliamos os fatores associados à transferência de dióxido de carbono através da membrana pulmonar com um modelo linear misto.

Resultados

Realizamos 20 procedimentos de titulação do fluxo de gás de varredura, produzindo 84 medições de transferência de dióxido de carbono. A análise multivariada revelou associações entre os seguintes itens (coeficientes ± erros padrão): temperatura central (+7,8 ± 1,6 °C, p < 0,001), pressão parcial pré-membrana de dióxido de carbono (+0,2 ± 0,1mmHg, p < 0,001), nível de hemoglobina (+3,5 ± 0,6g/dL, p < 0,001), fluxo de gás de varredura (+6,2 ± 0,2L/minuto, p < 0,001) e saturação de oxigênio (-0,5% ± 0,2%, p = 0,019). Entre essas variáveis, e dentro das faixas fisiológicas avaliadas, o fluxo do gás de varredura foi o principal fator modificável que influenciou a eficácia da remoção de dióxido de carbono de baixo fluxo sanguíneo.

Conclusão

O fluxo do gás de varredura é a principal variável relacionada à remoção de dióxido de carbono durante a terapia de substituição renal contínua com um alto nível de bicarbonato acoplado a um oxigenador. Outras variáveis moduladoras da transferência de dióxido de carbono incluíram o nível de hemoglobina, a saturação de oxigênio, a pressão parcial de dióxido de carbono e a temperatura central. Esses resultados devem ser interpretados como exploratórios para informar outros estudos experimentais ou clínicos bem planejados.

Descritores
Dióxido de carbono; Bicarbonatos; Insuficiência respiratória; Injúria renal aguda; Terapia de substituição renal; Animais

ABSTRACT

Objective

To investigate the factors influencing carbon dioxide transfer in a system that integrates an oxygenation membrane in series with high-bicarbonate continuous veno-venous hemodialysis in hypercapnic animals.

Methods

In an experimental setting, we induced severe acute kidney injury and hypercapnia in five female Landrace pigs. Subsequently, we initiated high (40mEq/L) bicarbonate continuous veno-venous hemodialysis with an oxygenation membrane in series to maintain a pH above 7.25. At intervals of 1 hour, 6 hours, and 12 hours following the initiation of continuous veno-venous hemodialysis, we performed standardized sweep gas flow titration to quantify carbon dioxide transfer. We evaluated factors associated with carbon dioxide transfer through the membrane lung with a mixed linear model.

Results

A total of 20 sweep gas flow titration procedures were conducted, yielding 84 measurements of carbon dioxide transfer. Multivariate analysis revealed associations among the following (coefficients ± standard errors): core temperature (+7.8 ± 1.6 °C, p < 0.001), premembrane partial pressure of carbon dioxide (+0.2 ± 0.1/mmHg, p < 0.001), hemoglobin level (+3.5 ± 0.6/g/dL, p < 0.001), sweep gas flow (+6.2 ± 0.2/L/minute, p < 0.001), and arterial oxygen saturation (-0.5 ± 0.2%, p = 0.019). Among these variables, and within the physiological ranges evaluated, sweep gas flow was the primary modifiable factor influencing the efficacy of low-blood-flow carbon dioxide removal.

Conclusion

Sweep gas flow is the main carbon dioxide removal-related variable during continuous veno-venous hemodialysis with a high bicarbonate level coupled with an oxygenator. Other carbon dioxide transfer modulating variables included the hemoglobin level, arterial oxygen saturation, partial pressure of carbon dioxide and core temperature. These results should be interpreted as exploratory to inform other well-designed experimental or clinical studies.

Keywords
Carbon dioxide; Bicarbonates; Respiratory insufficiency; Acute kidney injury; Renal replacement therapy; Animal

INTRODUÇÃO

Os circuitos extracorpóreos de baixo fluxo são eficazes na remoção de dióxido de carbono (CO2), devido à sua alta difusibilidade de CO2.(11. Brunston RL Jr, Tao W, Bidani A, Cardenas VJ Jr, Traber DL, Zwischenberger JB. Determination of low blood flow limits for arteriovenous carbon dioxide removal. ASAIO J. 1996;42(5):M845-9.) Esses sistemas têm sido empregados como terapias de resgate em ambientes clínicos.(22. Terragni P, Maiolo G, Ranieri VM. Role and potentials of low-flow CO(2) removal system in mechanical ventilation. Curr Opin Crit Care. 2012;18(1):93-8.) No entanto, o uso de membranas de oxigenação biocompatíveis menores (< 0,8m2) é insuficiente para corrigir adequadamente a acidose respiratória grave.(33. Strassmann S, Merten M, Schäfer S, de Moll J, Brodie D, Larsson A, et al. Impact of sweep gas flow on extracorporeal CO2 removal (ECCO 2 R). Intensive Care Med Exp. 2019;7(1):17.,44. Karagiannidis C, Strassmann S, Brodie D, Ritter P, Larsson A, Borchardt R, et al. Impact of membrane lung surface area and blood flow on extracorporeal CO2 removal during severe respiratory acidosis. Intensive Care Med Exp. 2017;5(1):34.) Por outro lado, dialisatos com alto teor de bicarbonato (40mEq/L) em terapia de substituição renal contínua (TSRC) melhoram o controle do pH em modelos de bancada de lesão renal aguda hipercápnica.(55. Romano TG, Azevedo LC, Mendes PV, Costa EL, Park M. Effect of continuous dialysis on blood pH in acidemic hypercapnic animals with severe acute kidney injury: a randomized experimental study comparing high vs. low bicarbonate affluent. Intensive Care Med Exp. 2017;5(1):28.) A combinação de membranas de oxigenação de superfície menor em série e TSRC com alto teor de bicarbonato pode ser uma intervenção em pacientes com insuficiência respiratória e lesão renal aguda, embora sua eficácia tenha sido pouco explorada em estudos de bancada.

Nosso objetivo foi investigar os fatores que influenciam a transferência de CO2 em um sistema que integra uma membrana de oxigenação em série e TSRC com alto teor de bicarbonato em animais hipercápnicos.

MÉTODOS

Trata-se de análise secundária planejada de um experimento realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, aprovada pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA-17699/2022). No momento da publicação deste manuscrito, os resultados do estudo primário não tinham sido publicados.

Instrumentação

O estudo priorizou o bem-estar animal, sendo os animais anestesiados e instrumentados conforme já descrito.(55. Romano TG, Azevedo LC, Mendes PV, Costa EL, Park M. Effect of continuous dialysis on blood pH in acidemic hypercapnic animals with severe acute kidney injury: a randomized experimental study comparing high vs. low bicarbonate affluent. Intensive Care Med Exp. 2017;5(1):28.) Após a anestesia, posicionamos uma linha venosa central, um cateter 12F de 16cm de diálise venosa (Arrow™, PA, Estrados Unidos), um cateter Swan-Ganz (Edwards Lifesciences, Irvine, Estrados Unidos) e uma linha arterial. Realizou-se uma laparotomia mediana seguida de uma cistostomia para confirmar a anúria, e o hilo renal foi ligado em bloco. Os animais foram estabilizados por 1 hora após a cirurgia.

Protocolo de hipercapnia

Após a estabilização, coletamos dados basais e induzimos a hipercapnia reduzindo o volume corrente para dois terços e ajustando a frequência respiratória para 40mrm. Após 1 hora, iniciamos a TSRC em série com um oxigenador. Nas 12 horas seguintes, ajustamos o volume corrente de hora em hora para atingir um pH arterial > 7,25, visando a um volume corrente mínimo de 3,5mL/kg. Durante esse período, foi mantido o suporte extracorpóreo, e os dados clínicos e laboratoriais foram coletados a cada hora.

Suporte metabólico e respiratório extracorpóreo

Usamos um filtro de diálise Fx80 (Fresenius Kabi LTDA) com 30mL/kg de dialisato e uma taxa de fluxo sanguíneo de 3 a 4mL/kg/minuto. A heparina do filtro pré-diálise foi administrada em bólus de 15 a 20UI/kg, seguida de uma infusão horária na mesma taxa. A composição do dialisato sem fosfato foi [Na+] = 140,05mEq/L, [Cl-] = 103,85mEq/L, [K+] = 3,81mEq/L e [HCO3-] = 40,02mEq/L. O dialisato com alto teor de bicarbonato teve como objetivo otimizar o componente metabólico do pH(55. Romano TG, Azevedo LC, Mendes PV, Costa EL, Park M. Effect of continuous dialysis on blood pH in acidemic hypercapnic animals with severe acute kidney injury: a randomized experimental study comparing high vs. low bicarbonate affluent. Intensive Care Med Exp. 2017;5(1):28.) para permitir uma redução mais rápida do volume corrente quando combinado com o efeito de descarboxilação do oxigenador.

A descarboxilação foi feita com o oxigenador Biocube2000 (Nipro Medical Ltda), que possui uma superfície de troca de 0,4m2 de fibras de polimetilpenteno. O fluxo de gás de varredura (SGF- sweep gas flow) foi mantido em 10L/minuto usando apenas oxigênio (FdO2 = 100%).

Medição da transferência de dióxido de carbono

Quantificamos a transferência de CO2 estimando a pressão parcial de CO2 e o volume de gás exalado da saída do oxigenador, garantindo que não houvesse vazamento de gás. A pressão parcial de CO2 foi estimada usando um sensor infravermelho de CO2 expirado (ETCO2) integrado ao monitor multiparamétrico DX 2020 (Dixtal Ltda, São Paulo, Brasil).

O volume de gás exalado por minuto foi medido com um medidor de fluxo ajustável de precisão micrométrica conectado a um misturador de oxigênio e ar Sechrist 3500 (Sechrist Industries INC, Anaheim, CA, Estados Unidos).

A transferência de CO2 foi definida como a proporção de gás exalado por minuto, incluindo a pressão parcial de CO2 medida, estimada da seguinte forma: transferência de CO2 = (ETCO2/pressão barométrica) × (volume de gás/minuto). Os resultados são expressos em mL/minuto, considerando a pressão barométrica média de 700mmHg em São Paulo. Essa metodologia é consistente com as técnicas empregadas por Theodor Kolobow(66. Kolobow T, Gattinoni L, Tomlinson TA, Pierce JE. Control of breathing using an extracorporeal membrane lung. Anesthesiology. 1977;46(2):138-41.) e foi mais refinada e testada por nosso grupo de pesquisa.(77. Park M, Costa EL, Maciel AT, Silva DP, Friedrich N, Barbosa EV, et al. Determinants of oxygen and carbon dioxide transfer during extracorporeal membrane oxygenation in an experimental model of multiple organ dysfunction syndrome. PLoS One. 2013;8(1):e54954.)

Protocolo de titulação do fluxo de gás de varredura

Realizou-se a titulação do SGF (SGFt) usando níveis predefinidos de SGF que variavam de 0 a 10L/minuto, um fluxômetro de precisão de oxigênio micro/macrométrico e um regulador de fluxo (Prevtech, São Paulo, SP, Brasil). Para cada medição do SGF, o fluxo foi reduzido de um valor inicial de 10L/minuto para o nível especificado. Observamos a curva e o valor do ETCO2 até a estabilização por 10 segundos, momento em que o ETCO2 foi registrado como a pressão parcial de CO2 exalado em equilíbrio naquele SGF. Nos casos em que o ETCO2 não era detectável em um determinado SGF, considerou-se a pressão parcial de CO2 anterior como o ponto mais baixo e a transferência de CO2 como o platô.

A SGFt foi predefinida e realizada em 1, 6 e 12 horas nos animais, com medições adicionais realizadas conforme necessário.

Análise estatística

Os dados clínicos são apresentados como medianas [IQ25 - 75%]. As associações de SGF e a transferência de CO2 com outros possíveis fatores de influência são apresentadas em diagramas de espaguete e gráficos de aranha, respectivamente. Usando modelos lineares mistos com cada animal como um fator aleatório para considerar as observações agrupadas, analisamos as medições ao longo do tempo e a associação multivariável de possíveis fatores independentes com a transferência de CO2, empregando a eliminação retroativa para essa última. Esses fatores, extraídos de literatura prévia,(66. Kolobow T, Gattinoni L, Tomlinson TA, Pierce JE. Control of breathing using an extracorporeal membrane lung. Anesthesiology. 1977;46(2):138-41.

7. Park M, Costa EL, Maciel AT, Silva DP, Friedrich N, Barbosa EV, et al. Determinants of oxygen and carbon dioxide transfer during extracorporeal membrane oxygenation in an experimental model of multiple organ dysfunction syndrome. PLoS One. 2013;8(1):e54954.

8. Sun L, Kaesler A, Fernando P, Thompson AJ, Toomasian JM, Bartlett RH. CO2 clearance by membrane lungs. Perfusion. 2018;33(4):249-53.

9. Besen BA, Romano TG, Zigaib R, Mendes PV, Melro LM, Park M. Oxygen delivery, carbon dioxide removal, energy transfer to lungs and pulmonary hypertension behavior during venous-venous extracorporeal membrane oxygenation support: a mathematical modeling approach. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(2):113-21.
-1010. Schmidt M, Tachon G, Devilliers C, Muller G, Hekimian G, Bréchot N, et al. Blood oxygenation and decarboxylation determinants during venovenous ECMO for respiratory failure in adults. Intensive Care Med. 2013;39(5):838-46.) incluíram pressão parcial de CO2 (PCO2) pré-membrana, níveis de hemoglobina, saturação de oxigênio (SaO2), SGF e temperatura central,(66. Kolobow T, Gattinoni L, Tomlinson TA, Pierce JE. Control of breathing using an extracorporeal membrane lung. Anesthesiology. 1977;46(2):138-41.

7. Park M, Costa EL, Maciel AT, Silva DP, Friedrich N, Barbosa EV, et al. Determinants of oxygen and carbon dioxide transfer during extracorporeal membrane oxygenation in an experimental model of multiple organ dysfunction syndrome. PLoS One. 2013;8(1):e54954.

8. Sun L, Kaesler A, Fernando P, Thompson AJ, Toomasian JM, Bartlett RH. CO2 clearance by membrane lungs. Perfusion. 2018;33(4):249-53.

9. Besen BA, Romano TG, Zigaib R, Mendes PV, Melro LM, Park M. Oxygen delivery, carbon dioxide removal, energy transfer to lungs and pulmonary hypertension behavior during venous-venous extracorporeal membrane oxygenation support: a mathematical modeling approach. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(2):113-21.
-1010. Schmidt M, Tachon G, Devilliers C, Muller G, Hekimian G, Bréchot N, et al. Blood oxygenation and decarboxylation determinants during venovenous ECMO for respiratory failure in adults. Intensive Care Med. 2013;39(5):838-46.) com a PaCO2 servindo como substituta para a PCO2 pré-membrana. O fluxo sanguíneo, um fator independente em estudos de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) com variações de fluxo mais altas,(77. Park M, Costa EL, Maciel AT, Silva DP, Friedrich N, Barbosa EV, et al. Determinants of oxygen and carbon dioxide transfer during extracorporeal membrane oxygenation in an experimental model of multiple organ dysfunction syndrome. PLoS One. 2013;8(1):e54954.,99. Besen BA, Romano TG, Zigaib R, Mendes PV, Melro LM, Park M. Oxygen delivery, carbon dioxide removal, energy transfer to lungs and pulmonary hypertension behavior during venous-venous extracorporeal membrane oxygenation support: a mathematical modeling approach. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(2):113-21.) foi excluído da análise multivariável da TSRC devido às baixas taxas de fluxo. A análise estatística foi realizada com o programa R.(1111. The R Project for Statistical Computing. [cited 2023 Dec 17]. Available from: https://www.r-project.org/
https://www.r-project.org/...
)

RESULTADOS

Incluímos cinco animais com peso médio de 33,1kg (28,7 - 35,0kg) e realizamos 20 procedimentos de SGFt e 84 medições de transferência de CO2. As características hemodinâmicas, respiratórias e metabólicas anteriores à SGFt estão detalhadas na tabela 1. O volume corrente diminuiu com um aumento significativo na PaCO2, embora o pH tenha permanecido acima de 7,25.

Tabela 1
Variáveis fisiológicas respiratórias, hemodinâmicas e metabólicas imediatamente antes da titulação do fluxo de gás de varredura da membrana

A análise multivariável produziu os seguintes resultados [coeficiente ± erro padrão (valor de p)]: um intercepto = -271,6 ± 63,4 (p < 0,001), uma temperatura central (ºC) = +7,8 ± 1,6 (p < 0,001), PCO2 pré-membrana (mmHg) = +0,2 ± 0,1 (p < 0,001), nível de hemoglobina (g/dL) = +3,5 ± 0,6 (p < 0,001), SaO2 (%) = -0,5 ± 0,2 (p = 0,019) e SGF (L/minuto) = +6,2 ± 0,2 (p < 0,001).

A figura 1, com vários painéis, ilustra a relação entre o SGF e a transferência de CO2. O painel A demonstra o aumento esperado na transferência de CO2 à medida que o SGF aumenta, enfatizando a associação entre cada animal. O painel B concentra-se em cada intervalo de tempo, e os intervalos posteriores demonstram maior transferência de CO2. Por fim, o painel C apresenta um gráfico de aranha das associações não ajustadas entre outros fatores e a transferência de CO2, enquanto o painel D fornece uma visão ampliada das coordenadas quase nulas do painel C.

Figura 1
Transferência de dióxido de carbono através da membrana de oxigenação, conforme as variáveis relacionadas à transferência.

DISCUSSÃO

Nossos resultados indicam que a transferência de CO2 usando uma membrana de oxigenação de 0,4m2 em um sistema TSRC de baixo fluxo sanguíneo pode atingir taxas de transferência de 80 a 90mL/minuto. Níveis mais altos de SGF, temperatura, PaCO2, hemoglobina e SaO2 mais baixa foram associados a taxas mais altas de transferência de CO2. A importância clínica de cada uma dessas variáveis depende de seu poder de manipulação no leito dentro de faixas fisiológicas viáveis.

A alta difusibilidade do CO2 aumenta sua capacidade de convecção através da membrana, tornando o SGF uma variável ajustável crucial na remoção de CO2 de baixo fluxo.(11. Brunston RL Jr, Tao W, Bidani A, Cardenas VJ Jr, Traber DL, Zwischenberger JB. Determination of low blood flow limits for arteriovenous carbon dioxide removal. ASAIO J. 1996;42(5):M845-9.,33. Strassmann S, Merten M, Schäfer S, de Moll J, Brodie D, Larsson A, et al. Impact of sweep gas flow on extracorporeal CO2 removal (ECCO 2 R). Intensive Care Med Exp. 2019;7(1):17.,77. Park M, Costa EL, Maciel AT, Silva DP, Friedrich N, Barbosa EV, et al. Determinants of oxygen and carbon dioxide transfer during extracorporeal membrane oxygenation in an experimental model of multiple organ dysfunction syndrome. PLoS One. 2013;8(1):e54954.,88. Sun L, Kaesler A, Fernando P, Thompson AJ, Toomasian JM, Bartlett RH. CO2 clearance by membrane lungs. Perfusion. 2018;33(4):249-53.) Contudo, o baixo intervalo das variações das outras variáveis independentes nos impede de determinar a real importância do impacto de cada variável na transferência de CO2. Além disso, com uma alta concentração de bicarbonato no fluido administrado antes da membrana de oxigenação (no filtro de diálise), esperamos um aumento local na produção de CO2, resultando, em última análise, em um aumento na pressão parcial de CO2 da membrana de pré-oxigenação e em uma maior transferência de CO2.(1212. Park M, Mendes PV, Costa EL, Barbosa EV, Hirota AS, Azevedo LC. Factors associated with blood oxygen partial pressure and carbon dioxide partial pressure regulation during respiratory extracorporeal membrane oxygenation support: data from a swine model. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(1):11-8.)

Níveis elevados de hemoglobina facilitam uma melhor ligação e transporte de CO2, e uma SaO2 mais baixa está associada a uma maior transferência de CO2.(1313. Perin D, Cruz RJ Jr, Silva E, Poli-de-Figueiredo LF. Low hematocrit impairs gastric mucosal CO2 removal during experimental severe normovolemic hemodilution. Clinics (Sao Paulo). 2006;61(5):445-52.) Além disso, temperaturas mais altas podem aumentar a taxa metabólica sistêmica e a produção de CO2 (VCO2), contribuindo para uma maior transferência de CO2, embora o efeito da temperatura sobre a anidrase carbônica seja mínimo dentro dos limites fisiológicos.(1414. Sanyal G, Maren TH. Thermodynamics of carbonic anhydrase catalysis. A comparison between human isoenzymes B and C. J Biol Chem. 1981;256(2):608-12.) A hemoglobina poderia ser aumentada mais facilmente para aumentar a transferência de CO2 (3,5mL/minuto por aumento de g/dL na hemoglobina), enquanto os efeitos da SaO2 seriam insignificantes dentro das faixas usuais de saturação, não sendo geralmente desejável a manipulação da temperatura para aumentar a transferência de CO2.

É importante ressaltar que o aumento da PaCO2 é um segundo modulador importante do aumento da transferência de CO2. Nesse experimento, os níveis mais altos de PaCO2 ocorreram com o passar do tempo, à medida que a hipoventilação se instalou e os níveis de bicarbonato arterial aumentaram devido ao dialisato com alto teor de bicarbonato. A alta concentração de bicarbonato no dialisato, que aumentou maciçamente a concentração de CO2 devido à conservação da massa, poderia explicar parcialmente a alta transferência de CO2.(99. Besen BA, Romano TG, Zigaib R, Mendes PV, Melro LM, Park M. Oxygen delivery, carbon dioxide removal, energy transfer to lungs and pulmonary hypertension behavior during venous-venous extracorporeal membrane oxygenation support: a mathematical modeling approach. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(2):113-21.) No entanto, a PaCO2, um substituto da PCO2 pré-membrana, ainda está relacionada à transferência de CO2, apesar da massa muito baixa de CO2. Essa combinação do dialisato com alto teor de bicarbonato em série e a remoção de CO2 pode ser a chave para melhorar a transferência de CO2.

Este estudo tem limitações. Primeiramente, ele não foi projetado para essa finalidade específica. Em segundo lugar, a amostra foi pequena, embora os resultados tenham sido consistentes entre os animais. Em terceiro lugar, apesar do uso de um modelo misto, há instâncias assimétricas de SGFt entre os animais. Em quarto lugar, a variação do SGF durante a SGFt poderia modificar a PCO2 pré-membrana, levando a um fenômeno de carry-over. No entanto, a cinética da PCO2 arterial em sistemas de baixo fluxo é muito mais lenta.(1515. Mendes PV, Park M, Maciel AT, E Silva DP, Friedrich N, Barbosa EV, et al. Kinetics of arterial carbon dioxide during veno-venous extracorporeal membrane oxygenation support in an apnoeic porcine model. Intensive Care Med Exp. 2016;4(1):1.) Em quinto lugar, durante a descarboxilação, o débito cardíaco é uma variável importante(1010. Schmidt M, Tachon G, Devilliers C, Muller G, Hekimian G, Bréchot N, et al. Blood oxygenation and decarboxylation determinants during venovenous ECMO for respiratory failure in adults. Intensive Care Med. 2013;39(5):838-46.) e um modulador da PaCO2 arterial, mas não da transferência de CO2 após o equilíbrio.(1212. Park M, Mendes PV, Costa EL, Barbosa EV, Hirota AS, Azevedo LC. Factors associated with blood oxygen partial pressure and carbon dioxide partial pressure regulation during respiratory extracorporeal membrane oxygenation support: data from a swine model. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(1):11-8.) Em sexto lugar, não medimos o pH pós-membrana, que pode estar associado à hemólise. E, em sétimo lugar, o SGF foi a única variável independente titulada durante o experimento.

CONCLUSÃO

Neste estudo, reafirmamos a importância do fluxo de gás de varredura na remoção de dióxido de carbono de baixo fluxo durante a terapia de substituição renal contínua com alto teor de bicarbonato. Outras variáveis moduladoras da transferência de dióxido de carbono incluíram o nível de hemoglobina, a saturação de oxigênio, a pressão parcial de dióxido de carbono e a temperatura central. Esses resultados devem ser interpretados como exploratórios para informar outros estudos experimentais ou clínicos bem planejados.

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Editado por

Editor responsável: Felipe Dal-Pizzol https://orcid.org/0000-0003-3003-8977

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2024
  • Aceito
    26 Mar 2024
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