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Influência da obesidade na mortalidade, na duração da ventilação mecânica e na mobilidade de pacientes críticos com COVID-19

RESUMO

Objetivo

Identificar a influência da obesidade na mortalidade, no tempo de desmame da ventilação mecânica e na mobilidade na alta da unidade de terapia intensiva em pacientes com COVID-19.

Métodos

Trata-se de estudo de coorte retrospectivo realizado entre março e agosto de 2020. Foram incluídos todos os pacientes adultos internados na unidade de terapia intensiva com necessidade de suporte ventilatório e diagnosticados com COVID-19. Os desfechos incluíram mortalidade, duração da ventilação mecânica e mobilidade na alta da unidade de terapia intensiva.

Resultados

Identificamos 429 pacientes, dos quais 36,6% estavam acima do peso e 43,8% eram obesos. Em comparação com os pacientes com índice de massa corporal normal, os pacientes com sobrepeso e obesidade apresentaram menor mortalidade (p = 0,002) e maior sobrevida na unidade de terapia intensiva (log-rank p < 0,001). Em comparação com pacientes com índice de massa corporal normal, aqueles com sobrepeso tiveram risco 36% menor de morte (p = 0,04), enquanto os pacientes com obesidade apresentaram risco 23% menor (p < 0,001). Não houve associação entre obesidade e duração da ventilação mecânica. O nível de mobilidade na alta da unidade de terapia intensiva não diferiu entre os grupos e apresentou correlação inversa moderada com o tempo de internação na unidade de terapia intensiva (r = -0,461; p < 0,001).

Conclusão

Os pacientes com sobrepeso e obesidade tiveram menor mortalidade e maior tempo de sobrevida na unidade de terapia intensiva. A duração da ventilação mecânica e o nível de mobilidade na alta da unidade de terapia intensiva não diferiram entre os grupos.

Obesidade; COVID-19; SARS-CoV-2; Infecções por coronavírus; Mortalidade; Reabilitação; Respiração artificial; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective

To identify the influence of obesity on mortality, time to weaning from mechanical ventilation and mobility at intensive care unit discharge in patients with COVID-19.

Methods

This retrospective cohort study was carried out between March and August 2020. All adult patients admitted to the intensive care unit in need of ventilatory support and confirmed to have COVID-19 were included. The outcomes included mortality, time on mechanical ventilation, and mobility at intensive care unit discharge.

Results

Four hundred and twenty-nine patients were included, 36.6% of whom were overweight and 43.8% of whom were obese. Compared with normal body mass index patients, overweight and obese patients had lower mortality (p = 0.002) and longer intensive care unit survival (log-rank p < 0.001). Compared with patients with a normal body mass index, overweight patients had a 36% lower risk of death (p = 0.04), while patients with obesity presented a 23% lower risk (p < 0.001). There was no association between obesity and time on mechanical ventilation. The level of mobility at intensive care unit discharge did not differ between groups and showed a moderate inverse correlation with length of stay in the intensive care unit (r = -0.461; p < 0.001).

Conclusion

Overweight and obese patients had lower mortality and higher intensive care unit survival rates. The duration of mechanical ventilation and mobility level at intensive care unit discharge did not differ between the groups.

Keywords
Obesity; COVID-19; SARS-CoV-2; Coronavirus infections; Mortality; Rehabilitation; Respiration, artificial; Intensive care units

INTRODUÇÃO

A doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19), causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), evoluiu rapidamente para uma pandemia global. São mais de 770 milhões de casos confirmados e aproximadamente 6,9 milhões de mortes em todo o mundo.(11. World Health Organization (WHO). Number of COVID-19 cases reported to WHO. Geneve: WHO; 2023 [cited 2023 Sep 4]. Available from: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int/...
) O Brasil é o terceiro maior país em número de casos confirmados (mais de 37,7 milhões) e o segundo pior em número de mortes por complicações da doença (mais de 700 mil), sendo identificado como o epicentro da pandemia em diversos momentos.(11. World Health Organization (WHO). Number of COVID-19 cases reported to WHO. Geneve: WHO; 2023 [cited 2023 Sep 4]. Available from: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int/...
)

A pandemia da COVID-19 coincidiu com outra epidemia global bem conhecida em nossa sociedade, a do sobrepeso e da obesidade. Várias metanálises examinaram a relação entre obesidade e desfechos adversos e revelaram risco maior de hospitalização,(22. Huang Y, Lu Y, Huang YM, Wang M, Ling W, Sui Y, et al. Obesity in patients with COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Metabolism. 2020;113:154378

3. Yang J, Tian C, Chen Y, Zhu C, Chi H, Li J. Obesity aggravates COVID-19: an updated systematic review and meta-analysis. J Med Virol. 2021;93(5):2662-74.
-44. Cai Z, Yang Y, Zhang J. Obesity is associated with severe disease and mortality in patients with coronavirus disease 2019 (COVID-19): a meta-analysis. BMC Public Health. 2021;21(1):1505.) internação em unidade de terapia intensiva (UTI),(22. Huang Y, Lu Y, Huang YM, Wang M, Ling W, Sui Y, et al. Obesity in patients with COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Metabolism. 2020;113:154378

3. Yang J, Tian C, Chen Y, Zhu C, Chi H, Li J. Obesity aggravates COVID-19: an updated systematic review and meta-analysis. J Med Virol. 2021;93(5):2662-74.

4. Cai Z, Yang Y, Zhang J. Obesity is associated with severe disease and mortality in patients with coronavirus disease 2019 (COVID-19): a meta-analysis. BMC Public Health. 2021;21(1):1505.

5. Ho JS, Fernando DI, Chan MY, Sia CH. Obesity in COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Ann Acad Med Singap. 2020;49(12):996-1008.
-66. Földi M, Farkas N, Kiss S, Zádori N, Váncsa S, Szakó L, Dembrovszky F, Solymár M, Bartalis E, Szakács Z, Hartmann P, Pár G, Eross B, Molnár Z, Hegyi P, Szentesi A; KETLAK Study Group. Obesity is a risk factor for developing critical condition in COVID-19 patients: a systematic review and meta-analysis. Obes Rev. 2020;21(10):e13095.) necessidade de ventilação mecânica (VM) invasiva(22. Huang Y, Lu Y, Huang YM, Wang M, Ling W, Sui Y, et al. Obesity in patients with COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Metabolism. 2020;113:154378

3. Yang J, Tian C, Chen Y, Zhu C, Chi H, Li J. Obesity aggravates COVID-19: an updated systematic review and meta-analysis. J Med Virol. 2021;93(5):2662-74.
-44. Cai Z, Yang Y, Zhang J. Obesity is associated with severe disease and mortality in patients with coronavirus disease 2019 (COVID-19): a meta-analysis. BMC Public Health. 2021;21(1):1505.,66. Földi M, Farkas N, Kiss S, Zádori N, Váncsa S, Szakó L, Dembrovszky F, Solymár M, Bartalis E, Szakács Z, Hartmann P, Pár G, Eross B, Molnár Z, Hegyi P, Szentesi A; KETLAK Study Group. Obesity is a risk factor for developing critical condition in COVID-19 patients: a systematic review and meta-analysis. Obes Rev. 2020;21(10):e13095.) e morte hospitalar.(22. Huang Y, Lu Y, Huang YM, Wang M, Ling W, Sui Y, et al. Obesity in patients with COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Metabolism. 2020;113:154378

3. Yang J, Tian C, Chen Y, Zhu C, Chi H, Li J. Obesity aggravates COVID-19: an updated systematic review and meta-analysis. J Med Virol. 2021;93(5):2662-74.

4. Cai Z, Yang Y, Zhang J. Obesity is associated with severe disease and mortality in patients with coronavirus disease 2019 (COVID-19): a meta-analysis. BMC Public Health. 2021;21(1):1505.
-55. Ho JS, Fernando DI, Chan MY, Sia CH. Obesity in COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Ann Acad Med Singap. 2020;49(12):996-1008.) No entanto, as medidas de heterogeneidade do desfecho de morte foram moderadas ou substanciais, e alguns autores argumentam a favor da existência de um “paradoxo da obesidade”, no qual indivíduos com sobrepeso apresentam um risco maior de desenvolver a forma grave da doença, enquanto a mortalidade é semelhante ou menor do que a de pacientes não obesos.(77. Deng L, Zhang J, Wang M, Chen L. Obesity is associated with severe COVID-19 but not death: a dose-response meta-analysis. Epidemiol Infect. 2021;149:e144.

8. Arbel Y, Fialkoff C, Kerner A, Kerner M. Can reduction in infection and mortality rates from coronavirus be explained by an obesity survival paradox? An analysis at the US statewide level. Int J Obes (Lond). 2020;44(11):2339-42.

9. Auld SC, Caridi-Scheible M, Blum JM, Robichaux C, Kraft C, Jacob JT, Jabaley CS, Carpenter D, Kaplow R, Hernandez-Romieu AC, Adelman MW, Martin GS, Coopersmith CM, Murphy DJ; and the Emory COVID-19 Quality and Clinical Research Collaborative. ICU and ventilator mortality among critically ill adults with coronavirus disease 2019. Crit Care Med. 2020;48(9):e799-804.
-1010. Wolf M, Alladina J, Navarrete-Welton A, Shoults B, Brait K, Ziehr D, et al. Obesity and critical illness in COVID-19: respiratory pathophysiology. Obesity (Silver Spring). 2021;29(5):870-8.)

Os estudos sobre a COVID-19 têm se concentrado na melhora da sobrevida dos pacientes em terapia intensiva, sendo insuficientes as pesquisas sobre as morbidades e as limitações funcionais relacionadas a essa doença em sua forma crítica decorrentes da imobilização prolongada no leito, das longas permanências em VM e de todo suporte na UTI. Em diferentes perfis de pacientes críticos, a mobilização é segura, viável e benéfica.(1111. Adler J, Malone D. Early mobilization in the intensive care unit: a systematic review. Cardiopulm Phys Ther J. 2012;23(1):5-13.)Nas UTIs não COVID-19, existem potenciais barreiras que dificultam a reabilitação,(1212. Dubb R, Nydahl P, Hermes C, Schwabbauer N, Toonstra A, Parker AM, et al. Barriers and strategies for early mobilization of patients in intensive care units. Ann Am Thorac Soc. 2016;13(5):724-30.) e a pandemia trouxe desafios adicionais, como a necessidade de medidas rigorosas de controle de infecções,(1313. Korupolu R, Francisco GE, Levin H, Needham DM. Rehabilitation of critically ill COVID-19 survivors. J Int Soc Phys Rehab Med. 2020;3(2):45-52.) a limitação de recursos físicos e humanos para auxiliar na reabilitação, a elevada proporção de pacientes com um alto índice de massa corporal (IMC)(1414. McWilliams D, Weblin J, Hodson J, Veenith T, Whitehouse T, Snelson C. Rehabilitation levels in patients with COVID-19 admitted to intensive care requiring invasive ventilation. An observational study. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(1):122-9.) e a necessidade constante de liberar leitos para atender à crescente demanda por novas internações. Assim, o foco principal é colocado na estabilidade, na sobrevivência e na alta precoce da UTI e do hospital, sendo a reabilitação, especialmente na UTI, potencialmente negligenciada.(1414. McWilliams D, Weblin J, Hodson J, Veenith T, Whitehouse T, Snelson C. Rehabilitation levels in patients with COVID-19 admitted to intensive care requiring invasive ventilation. An observational study. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(1):122-9.)

Até o momento, são controversos os dados publicados sobre a mortalidade hospitalar da população obesa internada na UTI por COVID-19 e não há evidências suficientes sobre o tempo que essa população permanece em VM ou sua mobilidade na alta da UTI. O fato de a obesidade ser altamente prevalente na população e ser fator de risco para a necessidade de hospitalização e VM é preocupante. Assim, o objetivo deste estudo foi identificar a influência da obesidade na mortalidade, no tempo de VM e no nível de mobilidade na alta da UTI em pacientes com COVID-19.

MÉTODOS

Desenho do estudo

Este estudo de coorte retrospectivo utilizou prontuários de pacientes com infecção confirmada por SARS-CoV-2 internados consecutivamente de 1º de março a 31 de agosto de 2020 nas UTIs COVID-19 do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, referência no atendimento de pacientes com COVID-19 de alta complexidade no Rio Grande do Sul. O Comitê de Ética em Pesquisa Institucional aprovou este estudo (CAAE: 35513220.5.0000.5327), que segue a Declaração de Helsinque. A natureza observacional e retrospectiva da pesquisa dispensou a necessidade do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Sujeitos

A amostra incluiu pacientes com diagnóstico da COVID-19 confirmado por transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR), de ambos os sexos, com idade superior a 18 anos, internados na UTI COVID-19 e com necessidade de suporte ventilatório (invasivo ou não invasivo) por mais de 24 horas. Foram excluídos do estudo pacientes com dados incompletos em prontuários que impossibilitassem a avaliação do IMC, com limitações funcionais prévias ou que foram transferidos para outro hospital durante a VM. Este estudo foi realizado durante a primeira onda da pandemia da COVID-19, quando as vacinas ainda estavam em desenvolvimento, de modo que os pacientes incluídos não tinham sido vacinados.

Coleta de dados

Os pesquisadores realizaram a coleta de dados analisando e lendo minuciosamente os prontuários médicos eletrônicos dos pacientes, que foram extraídos para uma planilha com acesso restrito aos colaboradores do estudo. Foram coletados dados demográficos e antropométricos, comorbidades prévias, tabagismo e consumo de álcool e escore de gravidade através do Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3). Com relação às terapias, foram coletados dados sobre suporte ventilatório, hemodiálise, oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), óxido nítrico, posicionamento em decúbito ventral, sedativos, bloqueadores neuromusculares e corticosteroides. Para caracterizar a evolução clínica na UTI, verificamos o tempo de internação na UTI e no hospital, o tempo de repouso no leito (definido como os dias decorridos entre a admissão à UTI e a primeira saída do leito), os escores de mobilidade, a duração da VM, o tempo de internação hospitalar e a mortalidade na UTI.

A obesidade foi definida de acordo com o IMC, com peso e altura medidos nas primeiras 24 horas de admissão à UTI pelo nutricionista responsável. Os pacientes foram classificados em três grupos, de acordo com a classificação proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS): IMC normal (IMC 18,5 - 24,9kg/m2), sobrepeso (IMC 25 - 29,9kg/m2) e obesidade (IMC ≥ 30kg/m2).(1515. World Health Organization (WHO). Noncommunicable diseases. Obesity. Geneve: WHO; c2024 [cited 2021 Oct 11]. Available from:)

Desfechos

O desfecho primário foi a mortalidade na UTI. Os desfechos secundários incluíram a duração da VM, definida como os dias decorridos entre o início e o fim da VM invasiva e o nível de mobilidade avaliado no último atendimento fisioterapêutico na UTI, usando os seguintes escores:

  • O Perme Escore compreende 15 itens agrupados em sete categorias (estado mental, possíveis barreiras à mobilidade, força funcional, mobilidade no leito, transferências, marcha e resistência). A pontuação final varia de zero a 32, sendo que uma pontuação alta indica poucas barreiras potenciais de mobilidade e menor necessidade de assistência.(1616. https://www.who.int/health-topics/noncommunicable-diseases/obesity#tab=tab_1
    https://www.who.int/health-topics/noncom...
    )

  • A Escala de Mobilidade em UTI é um instrumento de domínio único com pontuação de zero a dez, sendo que uma pontuação de zero é interpretada como um paciente capaz de realizar apenas exercícios passivos no leito e uma pontuação de dez significa que o paciente pode caminhar sem ajuda.(1616. https://www.who.int/health-topics/noncommunicable-diseases/obesity#tab=tab_1
    https://www.who.int/health-topics/noncom...
    )

Análise estatística

A normalidade da distribuição dos dados foi avaliada por inspeção visual de histogramas e gráficos Q-Q. As variáveis categóricas são descritas como frequências e porcentagens, enquanto as contínuas são apresentadas como média e desvio-padrão ou mediana e quartis 1 e 3. O teste de independência do qui-quadrado de Pearson e o teste exato de Fischer foram usados para comparar as variáveis categóricas dos dados demográficos e das características clínicas entre os três grupos de IMC. Para verificar as associações de variáveis contínuas entre os grupos, usamos a análise de variância (Anova) unidirecional para dados normalmente distribuídos e o teste de Kruskal-Wallis para dados não paramétricos. Quando necessário, realizou-se análise post hoc de comparações múltiplas com correção de Bonferroni. Os tempos de sobrevida entre os grupos de IMC foram comparados usando estimativas de Kaplan-Meier e o teste log-rank para a igualdade das curvas de sobrevida. As correlações entre as variáveis foram estabelecidas usando o coeficiente de correlação de Spearman. Na análise das associações entre IMC e mortalidade na UTI, foi usado um modelo de regressão de Poisson com variância robusta para análises univariadas e multivariadas. Os resultados são apresentados como risco relativo e intervalo de confiança de 95% (IC95%). Utilizou-se o Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 18, e adotou-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Durante o período do estudo, 536 pacientes foram admitidos na UTI com o diagnóstico da COVID-19, sendo 454 elegíveis. Desses, foram incluídos 429 pacientes: 43,8%com obesidade, 36,6% com sobrepeso e 19,6% tinham IMC normal (Figura 1).

Figura 1
Seleção dos pacientes incluídos no estudo.

UTI - unidade de terapia intensiva; VM - ventilação mecânica.


A média de idade geral foi de 58 anos; os pacientes com sobrepeso e obesidade eram mais jovens e apresentaram escore de gravidade mais baixo na admissão à UTI por meio do SAPS 3 do que os pacientes com IMC normal. Os dados de caracterização da amostra, as terapias instituídas, a mobilidade e os dados de mortalidade são apresentados na tabela 1.

Tabela 1
Características da população do estudo

A taxa de mortalidade na UTI foi de 42,4% e, nos pacientes com IMC normal, foi de 61,9%. Em comparação com os pacientes com IMC normal, os pacientes com sobrepeso e obesidade tiveram maior tempo de sobrevida na UTI (log-rank < 0,001) (Figura 2). De acordo com o modelo de regressão multivariável de Poisson, o sobrepeso e a obesidade foram fatores de proteção significativos contra a mortalidade nas UTIs de pacientes que necessitaram de VM (p = 0,04 e p < 0,001, respectivamente). Assim, os pacientes com sobrepeso tiveram risco 36% menor de evoluir ao óbito do que os pacientes com IMC normal, enquanto nos pacientes com obesidade, a taxa foi de 23%. A pontuação SAPS 3 foi apresentada como fator de risco independente para mortalidade (p < 0,001), e cada ponto adicional na pontuação representou risco de 2% de morte na UTI para pacientes que necessitavam de VM. Na análise univariada, a idade e o diabetes foram fatores de risco para mortalidade (p < 0,001 e p = 0,02, respectivamente), mas perderam o efeito após os ajustes da análise multivariada. A duração da VM não contribuiu para a mortalidade na UTI (Tabela 2).

Figura 2
Curva de Kaplan-Meier do tempo de sobrevida na unidade de terapia intensiva por grupo de índice de massa corporal (log-rank p < 0,001).

IMC - índice de massa corporal; UTI - unidade de terapia intensiva.


Tabela 2
Riscos relativos ajustados à associação entre a categoria do índice de massa corporal e a mortalidade somente para pacientes em ventilação mecânica

No geral, 83,4% dos pacientes precisaram de VM por um tempo total de VM mediano de 15 dias (8 - 26), e não houve diferença entre os três grupos (Figura 3). Nos sobreviventes, a duração da VM não diferiu entre os grupos (Tabela 1).

Figura 3
Duração da ventilação mecânica em sobreviventes segundo o grupo índice de massa corporal.

IMC - índice de massa corporal; VM - ventilação mecânica.


Ao comparar os dados de mobilidade, não foram observadas diferenças entre os pacientes com obesidade, sobrepeso e IMC normal (Tabela 1). A mediana de tempo para a primeira saída do leito em todos os grupos foi de 8 dias (3 - 18). No momento da alta da UTI, a pontuação média do Perme foi de 20 ± 8 pontos, indicando que uma pontuação mais alta corresponde a uma menor necessidade de assistência para mobilização. O nível de mobilidade alcançado na Escala de Mobilidade da UTI foi 5 (4 - 7), o que significa que 50% dos pacientes eram capazes de transferir ativamente o peso de uma perna para outra até uma cadeira. Não houve associação entre o IMC e a mobilidade na alta da UTI (escore Perme e Escala de Mobilidade em UTI) ou entre o IMC e o tempo de saída do leito. No entanto, o tempo de internação na UTI apresentou uma correlação inversa moderada com o escore Perme (r = -0,461, p < 0,001) (Figura 4), e o padrão dessa associação permaneceu semelhante quando os grupos foram analisados separadamente.

Figura 4
Correlação do Escore de Mobilidade em Unidade de Terapia Intensiva de Perme na alta da unidade de terapia intensiva com o tempo de internação na unidade de terapia intensiva (r = -0,461; p < 0,001).

UTI - unidade de terapia intensiva.


DISCUSSÃO

Este estudo unicêntrico avaliou a influência da obesidade na mortalidade, na duração da VM e no nível de mobilidade na alta da UTI em pacientes graves diagnosticados com COVID-19. Além de apresentarem taxas de mortalidade mais baixas, os pacientes com sobrepeso e obesidade também tiveram maior tempo de sobrevida na UTI do que os pacientes com IMC normal. O sobrepeso e a obesidade foram considerados fatores de proteção para prever a mortalidade na UTI após o ajuste para fatores de confusão. Não houve associação entre obesidade e duração da VM. O nível de mobilidade na alta da UTI não diferiu entre os grupos e mostrou correlação inversa moderada com o tempo de internação na UTI.

A prevalência de pacientes com obesidade internados na UTI por COVID-19 foi alta no presente estudo (43,8%), como também descrito em publicações anteriores.(1717. Kawaguchi YM, Nawa RK, Figueiredo TB, Martins L, Pires-Neto RC. Perme Intensive Care Unit Mobility Score and ICU Mobility Scale: translation into Portuguese and cross-cultural adaptation for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2016;42(6):429-34.

18. Nakeshbandi M, Maini R, Daniel P, Rosengarten S, Parmar P, Wilson C, et al. The impact of obesity on COVID-19 complications: a retrospective cohort study. Int J Obes (Lond). 2020;44(9):1832-7.

19. Simonnet A, Chetboun M, Poissy J, Raverdy V, Noulette J, Duhamel A, Labreuche J, Mathieu D, Pattou F, Jourdain M; LICORN and the Lille COVID-19 and Obesity study group. High prevalence of obesity in severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (SARS-CoV-2) requiring invasive mechanical ventilation. Obesity (Silver Spring). 2020;28(7):1195-9.
-2020. Dana R, Bannay A, Bourst P, Ziegler C, Losser MR, Gibot S, et al. Obesity and mortality in critically ill COVID-19 patients with respiratory failure. Int J Obes (Lond). 2021;45(9):2028-37.) A obesidade é um fator independente associado a um risco aumentado de admissão à UTI por COVID-19.(2020. Dana R, Bannay A, Bourst P, Ziegler C, Losser MR, Gibot S, et al. Obesity and mortality in critically ill COVID-19 patients with respiratory failure. Int J Obes (Lond). 2021;45(9):2028-37.) Em uma coorte retrospectiva, aproximadamente metade dos indivíduos admitidos à UTI com SARS-CoV-2 tinha IMC ≥ 30kg/m2, o que difere da distribuição observada em anos anteriores de hospitalização por causas pulmonares, nos quais a prevalência de obesidade foi de apenas 25,8%.(1818. Nakeshbandi M, Maini R, Daniel P, Rosengarten S, Parmar P, Wilson C, et al. The impact of obesity on COVID-19 complications: a retrospective cohort study. Int J Obes (Lond). 2020;44(9):1832-7.) No estudo de van der Voort et al., 90% dos pacientes infectados com SARS-CoV-2 com insuficiência respiratória tinham IMC superior a 25kg/m2, e a gravidade da doença aumentava significativamente com o aumento do IMC.(2121. Suresh S, Siddiqui M, Abu Ghanimeh M, Jou J, Simmer S, Mendiratta V, et al. Association of obesity with illness severity in hospitalized patients with COVID-19: a retrospective cohort study. Obes Res Clin Pract. 2021;15(2):172-6.) Em um estudo de caso-controle 1:2 pareado, os pacientes com obesidade tinham maior probabilidade de desenvolver doença grave por SARS-CoV-2 e exigir tratamento intensivo após a exclusão de fatores de confusão.(2222. van der Voort PH, Moser J, Zandstra DF, Muller Kobold AC, Knoester M, Calkhoven CF, et al. Leptin levels in SARS-CoV-2 infection related respiratory failure: A cross-sectional study and a pathophysiological framework on the role of fat tissue. Heliyon. 2020;6(8):e04696.)

A obesidade pode aumentar a gravidade da doença e possivelmente predispor indivíduos mais jovens à necessidade de hospitalização e admissão à UTI.(1818. Nakeshbandi M, Maini R, Daniel P, Rosengarten S, Parmar P, Wilson C, et al. The impact of obesity on COVID-19 complications: a retrospective cohort study. Int J Obes (Lond). 2020;44(9):1832-7.,2323. Russo A, Pisaturo M, Zollo V, Martini S, Maggi P, Numis FG, et al. Obesity as a risk factor of severe outcome of COVID-19: a pair-matched 1:2 case-control study. J Clin Med. 2023;12(12):4055.) Embora não tenhamos avaliado o risco de admissão à UTI, além da alta prevalência de obesidade, os pacientes com sobrepeso eram mais jovens do que aqueles com IMC normal. Kass et al. relataram correlação inversa entre idade e IMC em uma população de 265 pacientes admitidos à UTI com COVID-19, na qual indivíduos mais jovens hospitalizados tinham maior probabilidade de serem obesos.(2424. Lighter J, Phillips M, Hochman S, Sterling S, Johnson D, Francois F, et al. Obesity in patients younger than 60 years is a risk factor for COVID-19 hospital admission. Clin Infect Dis. 2020;71(15):896-7.)

A associação entre obesidade e um maior risco de morte é controversa. Alguns estudos defendem a existência de um “paradoxo da obesidade”, no qual os pacientes com obesidade têm um risco aumentado de quadro crítico, porém uma mortalidade semelhante à dos pacientes sem obesidade.(77. Deng L, Zhang J, Wang M, Chen L. Obesity is associated with severe COVID-19 but not death: a dose-response meta-analysis. Epidemiol Infect. 2021;149:e144.

8. Arbel Y, Fialkoff C, Kerner A, Kerner M. Can reduction in infection and mortality rates from coronavirus be explained by an obesity survival paradox? An analysis at the US statewide level. Int J Obes (Lond). 2020;44(11):2339-42.

9. Auld SC, Caridi-Scheible M, Blum JM, Robichaux C, Kraft C, Jacob JT, Jabaley CS, Carpenter D, Kaplow R, Hernandez-Romieu AC, Adelman MW, Martin GS, Coopersmith CM, Murphy DJ; and the Emory COVID-19 Quality and Clinical Research Collaborative. ICU and ventilator mortality among critically ill adults with coronavirus disease 2019. Crit Care Med. 2020;48(9):e799-804.
-1010. Wolf M, Alladina J, Navarrete-Welton A, Shoults B, Brait K, Ziehr D, et al. Obesity and critical illness in COVID-19: respiratory pathophysiology. Obesity (Silver Spring). 2021;29(5):870-8.,2020. Dana R, Bannay A, Bourst P, Ziegler C, Losser MR, Gibot S, et al. Obesity and mortality in critically ill COVID-19 patients with respiratory failure. Int J Obes (Lond). 2021;45(9):2028-37.) Antes do nosso estudo, algumas coortes retrospectivas analisaram a mortalidade de pacientes obesos na UTI e, de forma semelhante aos nossos dados, constataram que a proporção de sobreviventes foi maior(99. Auld SC, Caridi-Scheible M, Blum JM, Robichaux C, Kraft C, Jacob JT, Jabaley CS, Carpenter D, Kaplow R, Hernandez-Romieu AC, Adelman MW, Martin GS, Coopersmith CM, Murphy DJ; and the Emory COVID-19 Quality and Clinical Research Collaborative. ICU and ventilator mortality among critically ill adults with coronavirus disease 2019. Crit Care Med. 2020;48(9):e799-804.) ou semelhante(1010. Wolf M, Alladina J, Navarrete-Welton A, Shoults B, Brait K, Ziehr D, et al. Obesity and critical illness in COVID-19: respiratory pathophysiology. Obesity (Silver Spring). 2021;29(5):870-8.,2525. Kass DA, Duggal P, Cingolani O. Obesity could shift severe COVID-19 disease to younger ages. Lancet. 2020;395(10236):1544-5.

26. Pouwels S, Ramnarain D, Aupers E, Rutjes-Weurding L, van Oers J. Obesity may not be associated with 28-day mortality, duration of invasive mechanical ventilation and length of intensive care unit and hospital stay in critically ill patients with severe acute respiratory syndrome coronavirus-2: a retrospective cohort study. Medicina (Kaunas). 2021;57(7):674.
-2727. Kooistra EJ, de Nooijer AH, Claassen WJ, Grondman I, Janssen NA, Netea MG, van de Veerdonk FL, van der Hoeven JG, Kox M, Pickkers P; RCI-COVID-19 study group l. A higher BMI is not associated with a different immune response and disease course in critically ill COVID-19 patients. Int J Obes (Lond). 2021;45(3):687-94.) nos pacientes obesos. Essa menor taxa de mortalidade em pacientes obesos na UTI pode estar relacionada ao paradoxo da obesidade como um efeito protetor ou ao viés de seleção de pacientes com obesidade menos grave admitidos à UTI e às limitações inerentes aos estudos observacionais. As UTIs do presente estudo fazem parte do hospital de referência para assistência de alta complexidade a pacientes com COVID-19 no Rio Grande do Sul. Assim, pacientes com maior gravidade e/ou pacientes que se acredita terem maior probabilidade de complicações foram encaminhados para tratamento de alta complexidade, assim como pacientes com maior probabilidade de recuperação.

Várias metanálises examinaram a relação entre a obesidade e o aumento do risco de morte hospitalar,(22. Huang Y, Lu Y, Huang YM, Wang M, Ling W, Sui Y, et al. Obesity in patients with COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Metabolism. 2020;113:154378

3. Yang J, Tian C, Chen Y, Zhu C, Chi H, Li J. Obesity aggravates COVID-19: an updated systematic review and meta-analysis. J Med Virol. 2021;93(5):2662-74.

4. Cai Z, Yang Y, Zhang J. Obesity is associated with severe disease and mortality in patients with coronavirus disease 2019 (COVID-19): a meta-analysis. BMC Public Health. 2021;21(1):1505.

5. Ho JS, Fernando DI, Chan MY, Sia CH. Obesity in COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Ann Acad Med Singap. 2020;49(12):996-1008.
-66. Földi M, Farkas N, Kiss S, Zádori N, Váncsa S, Szakó L, Dembrovszky F, Solymár M, Bartalis E, Szakács Z, Hartmann P, Pár G, Eross B, Molnár Z, Hegyi P, Szentesi A; KETLAK Study Group. Obesity is a risk factor for developing critical condition in COVID-19 patients: a systematic review and meta-analysis. Obes Rev. 2020;21(10):e13095.,2828. Sprockel Díaz JJ, Coral Zuñiga VE, Angarita Gonzalez E, Tabares Rodríguez SC, Carrillo Ayerbe MP, Acuña Cortes IS, et al. Obesity and the obesity paradox in patients with severe COVID-19. Med Intensiva (Engl Ed). 2023;47(10):565-74.) no entanto, as medidas de heterogeneidade dos resultados de morte são moderadas ou substanciais. A revisão sistemática mais recente que abordou o efeito da obesidade na mortalidade revelou evidências de alta certeza de que a obesidade de classe III está associada a um risco aumentado de morte em pacientes com COVID-19, mas em casos leves de obesidade (classes I e II), esse fator pode não estar associado de forma independente.(2828. Sprockel Díaz JJ, Coral Zuñiga VE, Angarita Gonzalez E, Tabares Rodríguez SC, Carrillo Ayerbe MP, Acuña Cortes IS, et al. Obesity and the obesity paradox in patients with severe COVID-19. Med Intensiva (Engl Ed). 2023;47(10):565-74.)

Em relação à duração da VM, observamos, como em outros estudos, a necessidade de tempo prolongado em pacientes com COVID-19.(2929. Tadayon Najafabadi B, Rayner DG, Shokraee K, Shokraie K, Panahi P, Rastgou P, et al. Obesity as an independent risk factor for COVID-19 severity and mortality. Cochrane Database Syst Rev. 2023;5(5):CD015201.) No entanto, essa demanda por maior duração da VM não foi associada à obesidade, como no estudo de Pouwels et al. que, inclusive, relatou duração de VM semelhante aos nossos dados: 14 (8 - 23) dias.(2525. Kass DA, Duggal P, Cingolani O. Obesity could shift severe COVID-19 disease to younger ages. Lancet. 2020;395(10236):1544-5.) Kooistra et al., apesar de não terem encontrado diferença na duração da VM entre pacientes com e sem obesidade, relataram duração mediana de VM de 22 (16 - 40) dias.(2626. Pouwels S, Ramnarain D, Aupers E, Rutjes-Weurding L, van Oers J. Obesity may not be associated with 28-day mortality, duration of invasive mechanical ventilation and length of intensive care unit and hospital stay in critically ill patients with severe acute respiratory syndrome coronavirus-2: a retrospective cohort study. Medicina (Kaunas). 2021;57(7):674.)

Os dados sobre mobilidade imediatamente após quadros críticos em pacientes com COVID-19 são limitados, provavelmente refletindo a natureza da pandemia, quando as prioridades são a estabilização e a sobrevida desses pacientes. O estudo de Medrinal et al. revelou que os níveis de mobilidade na alta da UTI eram semelhantes aos nossos e concluiu, usando o Medical Research Council, que 69% dos sobreviventes da COVID-19 na UTI desenvolveram fraqueza muscular adquirida na UTI.(3030. Bain W, Yang H, Shah FA, Suber T, Drohan C, Al-Yousif N, et al. COVID-19 versus non-COVID-19 acute respiratory distress syndrome: comparison of demographics, physiologic parameters, inflammatory biomarkers, and clinical outcomes. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(7):1202-10.) Pesquisa realizada no mesmo hospital do presente estudo revelou que pacientes críticos com COVID-19 que desenvolveram fraqueza muscular adquirida na UTI apresentaram força e mobilidade comprometidas na alta hospitalar e aumento da dependência funcional 6 meses após a alta da UTI.(3131. Medrinal C, Prieur G, Bonnevie T, Gravier FE, Mayard D, Desmalles E, et al. Muscle weakness, functional capacities and recovery for COVID-19 ICU survivors. BMC Anesthesiol. 2021;21(1):64.,3232. Schmidt D, Piva TC, Glaeser SS, Piekala DM, Berto PP, Friedman G, et al. Intensive care unit-acquired weakness in patients with COVID-19: occurrence and associated factors. Phys Ther. 2022;102(5):pzac028.) Estudo retrospectivo realizado na Itália destacou comprometimento funcional significativo nesse perfil de paciente, com melhora substancial na alta hospitalar, por meio de um programa de reabilitação precoce.(3333. Schmidt D, Margarites AG, Alvarenga LP, Paesi PM, Friedman G, Sbruzzi G. Post-COVID-19 intensive care unit-acquired weakness compromises long-term functional status. Phys Ther. 2023;103(12):pzad117.)

Os pacientes com obesidade representam um desafio a mais para a reabilitação na UTI. O estudo prospectivo de McWilliams et al. descreveu a reabilitação de 110 sobreviventes da COVID-19 que necessitaram de VM e observou um impacto significativo do IMC no tempo até a primeira mobilização: os pacientes com IMC > 40kg/m2 levaram uma média de 8 dias a mais para se sentarem à beira do leito pela primeira vez, em comparação com aqueles com IMC < 25kg/m22. Huang Y, Lu Y, Huang YM, Wang M, Ling W, Sui Y, et al. Obesity in patients with COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Metabolism. 2020;113:154378.(1414. McWilliams D, Weblin J, Hodson J, Veenith T, Whitehouse T, Snelson C. Rehabilitation levels in patients with COVID-19 admitted to intensive care requiring invasive ventilation. An observational study. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(1):122-9.) Esse atraso não foi observado em nosso estudo; não houve diferença no número médio de dias de repouso no leito entre os diferentes grupos de IMC, mesmo com a gravidade evidenciada pela maior prevalência de uso de bloqueadores neuromusculares e posicionamento em decúbito ventral em pacientes com IMC > 25kg/m2. Deve-se observar que a reabilitação começou cedo, com os pacientes ainda intubados, pois o tempo mediano de repouso no leito foi de 8 dias, e a duração mediana da VM entre os sobreviventes foi de 14 dias.

No momento da alta da UTI, 50% dos nossos pacientes atingiram o nível de mobilidade correspondente à transferência do leito para a cadeira, semelhante aos achados dos estudos de McWilliams et al. e Medrinal et al.(1414. McWilliams D, Weblin J, Hodson J, Veenith T, Whitehouse T, Snelson C. Rehabilitation levels in patients with COVID-19 admitted to intensive care requiring invasive ventilation. An observational study. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(1):122-9.,3030. Bain W, Yang H, Shah FA, Suber T, Drohan C, Al-Yousif N, et al. COVID-19 versus non-COVID-19 acute respiratory distress syndrome: comparison of demographics, physiologic parameters, inflammatory biomarkers, and clinical outcomes. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(7):1202-10.) Os níveis de mobilidade com alta dependência na alta da UTI, mesmo com o início da reabilitação precoce, podem refletir a gravidade da doença com a necessidade de VM prolongada, sedativos e bloqueadores neuromusculares. Outro fator a ser considerado é que a duração da VM e o tempo de internação na UTI é muito próximo, com medianas de 14 e 15 dias, respectivamente, o que sugere que a alta da UTI ocorre precocemente após a extubação para liberar leitos críticos devido à sobrecarga sem precedentes no sistema de saúde. A mobilidade em nosso estudo foi inversamente associada ao tempo de internação na UTI. Em estudo realizado por Timenetsky et al., os pacientes do grupo que apresentou melhor mobilidade na alta da UTI tiveram menor tempo de internação na UTI e menor duração da VM.(3434. Ricotti S, Petrucci L, Carenzio G, Carlisi E, Di Natali G, de Silvestri A, Lisi C; Covid Rehabilitation Group. Functional assessment and rehabilitation protocol in acute patients affected by SARS-CoV-2 infection hospitalized in the intensive care unit and in the medical care unit. Eur J Phys Rehabil Med. 2022;58(2):316-23.)

Nosso estudo tem limitações. Primeiro, existe a possibilidade de confusão residual devido ao desenho observacional. A mortalidade pode ser influenciada por muitos outros fatores potencializados pela pandemia, como disparidades socioeconômicas, diretivas antecipadas e decisões de assistência médica, dificuldade de acesso ao sistema de saúde e superlotação. Em segundo lugar, não medimos a gravidade do acometimento pulmonar usando o índice de oxigenação ou outros testes. Terceiro, os dados sobre os níveis de mobilidade foram coletados somente na alta da UTI, limitando quaisquer conclusões sobre a recuperação física geral. Além disso, o estudo foi realizado em um único hospital e pode não ser representativo de outras populações. Quarto, o estudo foi realizado durante a primeira onda da pandemia, quando as vacinas contra a SARS-CoV-2 estavam em desenvolvimento. Embora tenha sido um estudo em um único centro, a instituição era o centro de referência para tratamento intensivo de pacientes com COVID-19.

Apesar dessas limitações, este estudo também tem pontos fortes notáveis: tem um tamanho de amostra considerável; usa riscos relativos ao invés de razões de chances, que são frequentemente calculadas em outros estudos e podem exagerar a razão de risco; é um dos poucos a avaliar a relação entre obesidade e mobilidade em pacientes com COVID-19; e as principais considerações de resultados referem-se exclusivamente a pacientes que concluíram sua internação na UTI, o que permite convicção nas conclusões. Pesquisas futuras devem avaliar sistematicamente a força muscular e a funcionalidade para obter melhores conclusões sobre a recuperação física geral, auxiliando ainda mais as decisões de assistência médica. Além disso, os estudos devem avaliar melhor o impacto do sobrepeso/obesidade, principalmente nos desfechos de saúde, como mortalidade, já que a maioria das evidências engloba essa categoria em indivíduos com IMC normal.

CONCLUSÃO

Os resultados sugerem que os pacientes com sobrepeso e obesidade têm menor mortalidade e maior tempo de sobrevida na unidade de terapia intensiva do que os pacientes com índice de massa corporal normal, embora precisem mais frequentemente de terapias “agressivas” durante a infecção por SARS-CoV-2. Os pacientes com COVID-19 que necessitaram de ventilação mecânica por um período prolongado, independentemente da faixa de índice de massa corporal elevada, foram inversamente associados ao tempo de internação na unidade de terapia intensiva, mas o sobrepeso e a obesidade não influenciaram o nível de mobilidade ou assistência. Recomenda-se que os pacientes obesos sejam monitorados para evitar desfechos clínicos e funcionais desfavoráveis por meio da implementação de terapias de apoio e do início precoce de programas de reabilitação.

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Editado por

Editor responsável: Thiago Costa Lisboa https://orcid.org/0000-0003-4306-2212

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2023
  • Aceito
    14 Mar 2024
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