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A economia solidária além da questão do trabalho

La economía solidaria más allá de la cuestión laboral

Resumo

Neste ensaio, propomos discutir as limitações da abordagem ortodoxa de trabalho em relação à economia solidária adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela visão clássica da sociologia do trabalho. Para iniciar a argumentação, mostramos que a economia solidária foi analisada pela sociologia do trabalho tradicional, tanto no Brasil quanto na França, como uma ilusão da qual os atores são vítimas. Já a OIT, ainda que apresente ultimamente uma perspectiva em contraste, se encarcera numa noção de trabalho decente na economia solidária que mantém um quadro de referência comum com a perspectiva conservadora da sociologia do trabalho. Na segunda parte, apresentamos 2 práticas que expõem quanto a economia solidária não pode ser reduzida à dimensão econômica de modo de produção e das relações de trabalho, bem como que existe uma dimensão política emancipadora inerente a ela, nos casos do Conjunto Palmeiras (Brasil) e do movimento das Régies de quartier (França). Com base nessas emergências práticas, na terceira seção, buscamos especificar as estruturas teóricas que não se limitam a compreender as modalidades de implementação do trabalho na economia solidária, permitindo uma integração mais ampla das múltiplas dimensões. Desse modo, 3 enfoques teóricos são relacionados: as epistemologias do Sul, a abordagem substantiva da ação econômica e a noção de democracia deliberativa. Ao fim, abre-se a reflexão para que a sociologia do trabalho e a OIT avancem e reconfigurem suas abordagens de referência sobre o trabalho e a economia solidária para uma concepção ampliada, substantiva e heterodoxa.

Palavras-chave:
Economia solidária; Epistemologias do Sul; Sociologia das emergências; Economia substantiva; Democracia deliberativa

Resumen

En este ensayo nos proponemos discutir las limitaciones del enfoque ortodoxo del trabajo en la economía solidaria adoptado por la Organización Internacional del Trabajo (OIT) y la visión clásica de la sociología del trabajo. Inicialmente, mostramos que la economía solidaria ha sido analizada por la sociología tradicional del trabajo, en Brasil y en Francia, como una ilusión de la que los actores son víctimas. La OIT, aunque últimamente presente una perspectiva opuesta, se encierra en una noción de trabajo decente en la economía solidaria que mantiene un marco de referencia común con la perspectiva conservadora de la sociología del trabajo. En la segunda parte, presentamos 2 prácticas - los casos del Conjunto Palmeiras (Brasil) y de las Régies de quartier (Francia) - que exponen cómo la economía solidaria no puede reducirse a la dimensión económica del modo de producción y de las relaciones laborales y que ella tiene una dimensión política emancipadora inherente. A partir de estas emergencias prácticas, en la tercera sección tratamos de precisar los marcos teóricos que no se limitan a comprender las modalidades de implementación del trabajo en la economía solidaria, sino que permiten una integración más amplia de múltiples dimensiones. Así, se relacionan 3 enfoques teóricos: las Epistemologías del Sur, el enfoque sustantivo de la acción económica y la concepción de la democracia deliberativa. Al final, tenemos la reflexión para que la sociología del trabajo y la OIT avancen y reformulen sus referencias sobre el trabajo y la economía solidaria hacia una concepción ampliada, sustantiva y heterodoxa.

Palabras clave:
Economía solidaria; Epistemologías del sur; Sociología de las emergencias; Economía sustantiva; Democracia deliberativa

Abstract

In this essay, we discuss the limitations of the orthodox approach of labor regarding solidarity economy, adopted by the International Labour Organization (ILO), and by the classical view of the sociology of work. Initially, we show that solidarity economy has been analyzed by the traditional sociology of work, both in Brazil and France, as an illusion of which participants are victims. ILO, although adopting lately a contrasting perspective, is restricted to a conception of decent work in solidarity economy that also keeps a common reference framework with the conservative perspective of the sociology of work. In the second part, we present two practices that show that solidarity economy cannot be reduced to the economic dimension of the production mode and labor relations, and that there is an inherent emancipatory political dimension - the cases of Conjunto Palmeiras (Brazil) and the Régies de quartier movement (France). From these cases, in the third section we identify the theoretical frameworks that not only understand the modes of work implementation in solidarity economy, but allow a wider integration of solidarity economy multiple dimensions. Therefore, we present three theoretical approaches: the Epistemologies of the South, the approach of substantive economic action, and the deliberative democracy perspective. At the end, we open up the reflection on the direction in which the sociology of work and the ILO can develop and reconfigure their reference approaches to work in an expanded, substantive and heterodox understanding of the solidarity economy.

Keywords:
Solidarity economy; Epistemology of the South; Sociology of emergences; Substantive economy; Deliberative democracy

INTRODUÇÃO

Este ensaio propõe uma revisão crítica da base teórica clássica de análise da economia solidária pela sociologia do trabalho e apresenta uma discussão das limitações da perspectiva ortodoxa de trabalho em relação à economia solidária1 1 Ainda que a abordagem dos documentos da OIT e os estudos mais referenciados da sociologia do trabalho clássica adotem a terminologia “economia social e solidária”, preferimos conduzir o ensaio com o termo “economia solidária”, que tem uma tradição mais forte e eloquente no Brasil (Laville et al., 2005; Silva, 2018), assim como uma trajetória longa de uso, empreendimentos e pesquisa na França (Combes et al., 2022; Hersent & Torres, 2014) e em âmbito internacional (Laville, 2009, 2023a; Silva Junior, 2022). adotada pela organização internacional do trabalho (OIT). Como apontamento que exploramos ao longo do ensaio, analisamos que a sociologia do trabalho e a OIT precisam avançar e reconfigurar suas abordagens de referências clássicas sobre o trabalho e a economia solidária, visando a uma nova concepção, que seja ampliada, substantiva e heterodoxa.

Na primeira parte, registramos que a economia solidária foi analisada pela sociologia do trabalho tradicional, tanto no Brasil quanto na França, como uma ilusão da qual os atores são vítimas. Em outros termos, na visão clássica desse ramo da sociologia, os atores da economia solidária estão de fato a serviço do sistema dominante, ainda que convencidos de que atuam para a mudança social. Tal análise é agora questionada pelo relatório da OIT (International Labour Organization [ILO], 2022International Labour Organization. (2022). Reports of the general discussion committee: decent work and the social and solidarity economy. ILO.), que valoriza a mesma economia solidária, considerando-a uma promotora de trabalho decente.

O objetivo deste ensaio não é escolher entre uma ou outra dessas interpretações contraditórias, e sim destacar a incompletude epistemológica das 2 abordagens em relação à óptica reducionista de discutir a economia solidária na dimensão do trabalho. Assim, na segunda parte, apresentaremos 2 experiências emblemáticas da economia solidária em bairros populares na França e no Brasil: a do Conjunto Palmeiras, na cidade brasileira de Fortaleza, e a do movimento das Régies de quartier, desde seu surgimento até sua expansão por bairros populares no território francês. As ações realizadas pelas práticas de economia solidária desses 2 casos mostram quanto a economia solidária não pode ser reduzida à dimensão econômica de modo de produção e de relações de trabalho, bem como que existe uma dimensão política emancipadora inerente a ela.

Seguindo essas realidades, na terceira parte do ensaio, buscamos especificar os enfoques teóricos apropriados para compreender o que, na economia solidária, vai além do trabalho. Em nossa concepção, é necessário aplicar uma sociologia das emergências (Santos, 2002Santos, B. S. (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, 237-280. https://hdl.handle.net/10316/10810
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), como recomendado pelas epistemologias do Sul, e associar uma abordagem substantiva ampliada aos repertórios da ação econômica e da dimensão democrática da economia solidária.

A SOCIOLOGIA ORTODOXA E A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO: ANÁLISES OPOSTAS, MAS UM QUADRO DE REFERÊNCIA COMUM

Uma sociologia pós-bourdieusiana tem se encarregado de analisar a economia solidária, conforme apontam Hély (2009Hély, M. (2009). Les métamorphoses du monde associatif. PUF.), Hély e Moulévrier (2013). Nessas análises, a economia solidária é geralmente afirmada como uma ilusão para os trabalhadores que pensam que estão fazendo um trabalho emancipatório e não percebem até que ponto estão participando da desvinculação do Estado. De acordo com tal posicionamento, longe de apresentar-se como uma alternativa, a economia solidária ratifica a precarização do trabalho e contribui para a retirada dos serviços públicos. Nesses termos, funções antes desempenhadas por funcionários públicos são confiadas aos membros de organizações de economia solidária, muito menos protegidos e cujos empregos são precários. Essa perspectiva de análise afirma que trabalhadores, voluntários e funcionários dessas instituições são inconscientemente submetidos à lógica neoliberal que eles pensam combater, além de formarem o novo exército de reserva do mercado de trabalho.

Algumas críticas à economia solidária feitas por referenciais marxistas no Brasil apresentam esse mesmo conteúdo. Por exemplo, em Wellen (2008Wellen, H. A. R. (2008). Contribuição à crítica da economia solidária. Revista Katálysis, 11(1), 105-115. https://www.scielo.br/j/rk/a/XmKt4Mbf9hqJpwHGymqZdqp/
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, 2012Wellen, H. A. R. (2012). Para a crítica da economia solidária. Outras Expressões.)2 2 Nossa intenção não é centrar o ensaio na desconstrução de análises de um autor de modo específico. Ao contrário, buscamos apresentar um modelo de crítica à economia solidária no Brasil que simboliza com precisão uma parte da nossa argumentação. Assim, optamos por Wellen, que reúne, em documentos e artigos, a completude das limitações de análises que expusemos e vamos ainda explorar. Não há foco nesse autor e em sua obra, e sim nas bases epistemológicas que ele e outros têm por opção referencial. , 2 críticas se destacam: a de que a economia solidária teria parte na restruturação produtiva do capital, nos processos de terceirização e na precarização das relações de trabalho, e a de que ela geraria empregos e renda para os trabalhadores, mas não construiria um projeto de emancipação política ou humana. Há outras análises críticas à economia solidária feitas por Wellen (2008Wellen, H. A. R. (2008). Contribuição à crítica da economia solidária. Revista Katálysis, 11(1), 105-115. https://www.scielo.br/j/rk/a/XmKt4Mbf9hqJpwHGymqZdqp/
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, p. 109), de forma mais precisa, como a que impugna a contribuição da economia solidária para a emancipação segundo relações construídas sobre bases de solidariedade, reciprocidade e associativismo comunitário, local ou territorial, bem como a que condena a capacidade da economia solidária de amparar-se e estruturar uma ordem racional distinta da racionalidade determinada pelo mercado.

Em Laville e Frère (2023Laville, J.-L., Frère, B. (2023). A fábrica da emancipação: repensar a crítica do capitalismo a partir das experiências democráticas, ecológicas e solidárias. Ateliê de Humanidades Editorial.), encontra-se uma razoável exposição de argumentos que refutam e contrapõem essas análises. Com base numa genealogia da teoria crítica, nas fragilidades das teses do passado e nos desafios para refletir a emancipação no futuro, eles mostram como uma teoria crítica renovada deve refletir a emancipação. Desse modo, Laville e Frère (2023Laville, J.-L., Frère, B. (2023). A fábrica da emancipação: repensar a crítica do capitalismo a partir das experiências democráticas, ecológicas e solidárias. Ateliê de Humanidades Editorial.) indicam que a economia solidária é uma das formas práticas de condução para a emancipação, quando articula dimensões que não somente a econômica e princípios de regulação que não apenas o de mercado, bem como tem seu fundamento numa racionalidade constituída no agir comunicativo e uma atuação na esfera pública ampliada.

Para os críticos que compõem a sociologia do trabalho clássica, as ações da economia solidária não são suficientes para romper com a ordem do capital, sendo vetores para a precarização do trabalho. Além disso, as organizações da economia solidária, de acordo com tal perspectiva, não geram resultados econômicos suficientes para resolver os problemas econômicos locais ou territoriais. Nesse contexto, argumentam que os recursos gastos na implementação de ações e políticas públicas de economia solidária poderiam ser investidos em outras ações mais diretas, geradoras de renda e de fortalecimento da economia pelas autoridades públicas.

Em paralelo, a OIT (ILO, 2022International Labour Organization. (2022). Reports of the general discussion committee: decent work and the social and solidarity economy. ILO.) oferece uma visão contrastante, definindo a economia solidária como a soma de:

empresas, organizações e outras entidades que estão engajadas em atividades econômicas, sociais e ambientais para servir o interesse coletivo e/ou o interesse geral, que se baseiam nos princípios da cooperação voluntária e da ajuda mútua, da governança democrática e/ou participativa, da autonomia e independência, e a primazia das pessoas e primado das pessoas e da finalidade social sobre o capital na distribuição e utilização de bens, excedentes e/ou lucros. As entidades da economia solidária buscam a viabilidade e sustentabilidade a longo prazo, bem como a transição da economia informal para a formal, e são ativas em todos os setores da economia. [...] Dependendo das conjunturas nacionais, a economia solidária compreende cooperativas, associações, sociedades mutualistas, fundações, empresas sociais, grupos solidários e outras entidades que operam de acordo com seus valores e princípios.

É surpreendente que essas 2 interpretações não se questionem mutuamente. Como já afirmado, não é nosso propósito eleger uma ou outra, e sim colocar em evidência a insuficiência epistemológica dessas abordagens.

Apesar das constatações opostas, no entanto, ambas as abordagens se reportam a uma matriz epistemológica que tem as mesmas limitações. A primeira limitação é o foco na organização e na empresa. Os resultados obtidos são identificados só em empresas que compartilham certas características organizacionais, como a limitação da lucratividade e do poder conferido ao capital. Seja para condenar a economia solidária, do lado da sociologia do trabalho ortodoxa, seja para sublinhar suas contribuições, do lado da OIT, as características apresentadas são de organizações e empresas coletivas de economia solidária. Isso não permite que a dimensão institucional das ações seja incorporada, no que se refere ao significado atribuído coletivamente, e não à forma como a produção é realizada. Também não integra o interesse por mudanças institucionais que podem ser reivindicadas por alguns promotores de iniciativas.

A segunda limitação é que a avaliação é efetuada unicamente em relação ao trabalho assalariado, seja para denunciar sua degradação, seja para valorizar seu respeito ao trabalho decente. Ambas as limitações têm uma orientação quantitativa e objetivista por meio da qual as ações são avaliadas. As principais críticas aos resultados das organizações de economia solidária, em particular, e do movimento de economia solidária, em geral, se baseiam em análises quantitativas que, em geral, consideram de maneira desmedida os impactos econômicos, como valor da renda individual ou familiar, taxa de empregos criados, quantidade e tamanho das empresas, etc. Entretanto, avaliar as estruturas da economia solidária de acordo com a mesma lógica, a mesma escala e os mesmos indicadores das empresas com fins lucrativos é um erro metodológico e de concepção.

Essa orientação se refere a um objetivismo segundo o qual um observador pode se livrar da linguagem das concepções comuns para acessar uma análise por meio de métodos que apreendem a economia solidária mediante dados quantitativos, sem conceder a palavra a seus atores. Desse ponto de vista, a sociologia do trabalho francesa e brasileira, citada antes, são emblemáticas, uma vez que estabelece correlações entre uma diminuição do número de funcionários do serviço público e um aumento do número de empregos nas associações. Os usuários de tal método pensam que estão provando sua neutralidade axiológica e afirmam ser científicos, livres de qualquer reprovação, pois estão meramente descrevendo o “real”, que é inacessível para as pessoas comuns. A lucidez do pesquisador se opõe, portanto, à credulidade do ator. Desde Engels, referindo-se ao socialismo pioneiro como uma utopia para qualificar seu socialismo como científico, o argumento é bem conhecido.

Como o cientista pode detectar a verdade histórica, ele se sente superior a todas as outras análises que, para ele, não são sérias mesmo que estejam embrulhadas num “verniz de cientificidade e respeitabilidade” (Hély & Moulévrier, 2013Hély, M., & Moulévrier, P. (2013). L’Économie sociale et solidaire: de l’Utopie aux pratiques. La Dispute., p. 6). Eles são limitados ao nível de preconceitos. Uma vez que o pesquisador tem o monopólio da interpretação, por que deveria se engajar num debate democrático? O colega que não concorda é rapidamente tratado como um ‘intelectual militante’, um traidor à causa científica. Com essa posição, que toma mais do positivismo de Comte do que de Marx, a economia solidária é culpada porque está manchada pela impureza pela qual são responsáveis aqueles que misturam análise acadêmica e discurso programático, bem como projeto científico e projeto político.

AS EMERGÊNCIAS QUE VÃO ALÉM DAS ESTRUTURAS ANALÍTICAS HABITUAIS

A incompletude epistemológica das abordagens mencionadas na seção anterior está ligada a uma visão organizacional e empresarial típica da economia social ou do cooperativismo tradicional, aliada a uma postura analítica herdada da ciência clássica que privilegia a observação distante como garantia de objetividade. São essas premissas que estão sendo desafiadas tanto pelas emergências práticas emanadas da economia solidária, que reabilitam a dimensão política de sua mobilização, quanto pelas emergências teóricas provenientes de uma ciência que já não se faz sobre os atores, assumindo-os como objetos de conhecimento, mas com os atores, cruzando o conhecimento acadêmico com seu conhecimento mais experiencial.

Comecemos por compreender o conteúdo das emergências práticas, tomando um exemplo do Brasil e da França, antes de chegarmos às emergências teóricas na terceira seção. No lado brasileiro, será discutido o caso do Conjunto Palmeiras, bairro da cidade de Fortaleza, no Nordeste do país. Trata-se de um local emblemático da economia solidária no Brasil, graças às conquistas da associação de moradores, ao desenvolvimento de espaços públicos de participação e à experiência pioneira de um banco comunitário e sua moeda local que são referências no país, inclusive para as políticas públicas da secretaria nacional de economia solidária (Senaes). Do lado francês, será apresentado o movimento das Régies de quartier. A partir do pioneiro caso do bairro Alma Gare, na cidade de Roubaix, no norte da França, as Régies de quartier são reconhecidas por seu impacto na mobilização local, na reestruturação urbana e na construção de um movimento que fomenta o engajamento e a participação ativa dos cidadãos nas decisões e nas ações públicas de seu interesse.

O Conjunto Palmeiras no Brasil: de bairro da economia solidária à contribuição na política pública nacional

O bairro Conjunto Palmeiras fica na periferia de Fortaleza, a quinta cidade mais populosa do Brasil (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2021Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2021). Portal cidades@. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ce/fortaleza.html.
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). Quem chega ao bairro, ao entrar pela rua principal, lê num muro que o Conjunto Palmeiras é “o bairro da economia solidária”. Nessa mesma rua fica a sede da associação de moradores do bairro, a Asmoconp, fundada em 1981. Nela, originou-se, em 1998, um emblemático projeto de economia solidária do Brasil: o Banco Palmas, primeiro banco comunitário (BCD) do país (Cheng & Silva Junior, 2023Silva Junior, J. T. (2023). Participation, governance, collective action, democracy and the social and solidarity economy. In I. Yi(Ed.), Encyclopedia of the social and solidarity economy. Edward Elgar Publishing.). No topo da fachada da sede do Banco Palmas há outra frase marcante: “Ninguém supera a pobreza sozinho”, atribuída ao economista Paul Singer.3 3 Professor e pesquisador brasileiro (de origem austríaca), Paul Singer é uma das principais referências acadêmicas em economia solidária no Brasil. Ele também aportou sua competência profissional como secretário titular na Senaes/Governo Federal do Brasil, entre 2003 e 2016. Falecido em 2018, sua vasta produção acadêmica pode ser acessada em: http://paulsinger.com.br/. Frases como essas dão pistas sobre o protagonismo e o empoderamento dos moradores do bairro, que construíram ativamente sua história enfrentando inúmeros desafios para melhorar as condições de vida. No início da fundação do Conjunto Palmeiras, em 1973, as condições de vida eram insalubres, e os moradores precisaram se mobilizar por décadas para urbanizar o bairro. Passados 50 anos, o Conjunto Palmeiras é mais bem assistido por serviços públicos. Lá existem escolas, centros de lazer, espaços esportivos, creches, postos de saúde, transporte coletivo, entre outros serviços de acesso aos cidadãos.

Até 1976, contudo, a única escola local funcionava num curral de criação de bovinos. Não havia ruas pavimentadas, água encanada, energia elétrica, saneamento e transporte público. As casas eram erguidas com barro, papelão, restos de madeira ou outros materiais a que os moradores pudessem ter acesso sem custo. O Conjunto Palmeiras foi criado próximo a um rio, por isso o bairro facilmente alagava. A abundância das palmeiras de carnaúba contribuiu para dar o nome ao local. Entre 1973 e 1988, a mobilização da população para a resolução desses problemas ganhou força e visibilidade. Nesse período, por meio de manifestações nas ruas, ocupações de edifícios públicos, ameaças de invasão à sede dos governos e greves de fome, os habitantes chamaram a atenção do poder público para os problemas do bairro. Essas lutas, pressões e ações caracterizam a história do bairro e não se deram sem uma considerável organização social. Alguns episódios são destaques da memória histórica local e difundidos com orgulho pelos moradores.

Em 1981, foi criada a associação dos moradores do conjunto palmeiras (Asmoconp), cujo processo de constituição deu fôlego às lutas políticas dos moradores, aos movimentos sociais no bairro e à organização da comunidade para as numerosas reivindicações. É o caso da mobilização de 1988, que não apenas os levou a conseguir água tratada e canalizada, mas lhes mostrou que, organizados, poderiam obter tudo de que precisavam para urbanizar o bairro.

Nos anos 1990, outras 26 associações foram fundadas no bairro com diferentes objetivos: produção coletiva, assistência a crianças e adolescentes, ensino e artes, entre outras. Elas se reuniram na União das associações e grupos organizados do conjunto palmeiras (Uagoconp) e lá desempenhavam o papel de discutir as diretrizes para diagnosticar e solucionar os problemas comuns do bairro. Com isso, as estruturas de economia solidária locais ampliaram sua missão e agiram em prol da melhoria das condições gerais de vida do Conjunto Palmeiras. Assuntos como habitação, saúde, assistência social, meio ambiente, cultura, educação, trabalho e emprego foram discutidos e compartilhados. Pressões, passeatas e seminários de discussão foram feitos, e novas conquistas foram alcançadas, a exemplo da energia elétrica, do transporte público e do saneamento básico. Os grupos organizados, formal ou informalmente, ao longo da história do bairro foram fundamentais para a conquista dos direitos básicos da população local e das melhorias necessárias para a vida no lugar. No fim dos anos 2010, as associações do Conjunto Palmeiras criaram o fórum socioeconômico local (Fecol), um espaço de discussão mensal em que compartilhavam problemas, buscavam soluções e definiam responsabilidades em relação aos desafios locais.

No caso do Conjunto Palmeiras, o processo de solidariedade, cooperação e democracia local foi basilar para a constituição e a consolidação das organizações de economia solidária no bairro. As organizações de economia solidária são fortemente centradas na gestão democrático, no engajamento cidadão e na emancipação política, econômica e social dos moradores. Uma dessas estruturas se destaca: o Banco Palmas, fundado pela preocupação de gerar trabalho e renda no bairro, em 1998. Portanto, o Banco Palmas foi resultado da ação da Asmoconp, que, por sua vez, foi consequência do engajamento político e transformador dos moradores. Ela começou um processo consultivo, envolvendo moradores, comerciantes, produtores e líderes do bairro, visando buscar alternativas para fortalecer a economia local e facilitar a circulação de renda no Conjunto Palmeiras. Gerar oportunidades de trabalho para os moradores era um foco, sempre associado a potencializar a relação e a subordinação da dimensão econômica às dimensões social e, sobretudo, política.

Do ponto de vista do desenvolvimento territorial integrado, o Banco Palmas intencionou usar as finanças solidárias como ferramenta para construir e fortalecer a dinâmica econômica local, por meio do investimento em atividades produtivas, de consumo, de formação e de empoderamento político. Como uma organização de economia solidária, este BCD constituiu-se baseado na gestão democrática das decisões e dos recursos, com ênfase no diálogo e na horizontalidade das relações, tendo a autoridade decisória compartilhada entre os participantes da ação.

Com esses propósitos básicos, as organizações de economia solidária do Conjunto Palmeiras vêm construindo uma metodologia de atuação no bairro que estimula ou cria e recria uma série de ações de desenvolvimento do território, mais ou menos duradouras, dependendo da demanda da comunidade. Um aspecto a ser registrado é que se trata de uma abordagem multidimensional de desenvolvimento. A economia solidária é um caminho para a geração de renda e a reorganização do trabalho, como efeito de uma ação de desenvolvimento que coloca à frente a justiça social, a democracia e a emancipação (Silva Junior, 2023Silva Junior, J. T. (2023). Participation, governance, collective action, democracy and the social and solidarity economy. In I. Yi(Ed.), Encyclopedia of the social and solidarity economy. Edward Elgar Publishing.). Um importante exemplo dessa metodologia de atuação no bairro é a moeda social, complementar ao real (R$ - Moeda nacional oficial do Brasil) e administrada pelo Banco Palmas.

Conforme Rigo (2020Rigo, A. S. (2020). Community currency. In R. List, H. Anheier, & S. Toepler(Eds.), International encyclopedia of civil society. Springer Publisher.), a moeda social, nesse contexto, serve a 2 propósitos básicos: como instrumentos de incentivo ao consumo, os quais se tornam legítimos no local, e como estimulantes de um novo tipo de relação com o dinheiro, pois o intuito é refletir sobre um novo tipo de organização da vida econômica local, diferente daquela baseada nas trocas mercantis e no interesse único de satisfação pessoal e material. Assim, as moedas sociais, além de distribuírem a riqueza, são, principalmente, instrumentos de conscientização e emancipação política e econômica.

O movimento comunitário de participação cidadã em torno da economia solidária no Conjunto Palmeiras influenciou o processo de construção da política pública nacional brasileira de finanças solidárias, em especial entre 2005 e 2015. O reconhecimento da experiência desse bairro e da metodologia de atuação do Banco Palmas no território guiou a expansão da experiência para vários bairros e cidades no Brasil, financiada pela Senaes/Ministério do Trabalho e Emprego. Nesse processo, vários bancos comunitários foram implantados em todo o país e se organizaram em torno da rede brasileira de bancos comunitários (RBBC), organização de economia solidária surgida da disseminação de experiências como a desenvolvida originalmente no Conjunto Palmeiras e que conta com 148 BCD associados em todo o país (Pupo, 2022Pupo, C. G. P. (2022). Finanças solidárias no Brasil: bancos comunitários, moedas locais e a força dos lugares (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Certamente, podemos inferir que a história do Conjunto Palmeiras ensina economia solidária e que a gestão democrática substantiva contribui para processos mais amplos de emancipação social.

As Régies de quartier na França: do bairro de l’Alma Gare à construção de um movimento nacional de cidadania ativa na ação pública

No fim dos anos 1970, a corrente da autogestão se afirmou no campo intelectual. Os protestos surgiram diante da discriminação sofrida pelas classes trabalhadoras não só nas empresas, mas também nos lugares onde elas habitavam. No bairro Alma Gare, na cidade de Roubaix, região metropolitana de Lille, os moradores se reagruparam para melhorar os serviços de manutenção e limpeza do bairro, tornando-os compatíveis com suas demandas e necessidades. A perspectiva de reestruturação urbana e a reabilitação de edifícios que estavam insalubres provocou uma mobilização local apoiada por membros da confédération syndicale du cadre de vie (CSCV) e outras. O objetivo era possibilitar o realojamento no local em boas condições de habitação.

Essa primeira batalha geradora de aprendizagem estimulou a reflexão sobre o que a cidade representa para os cidadãos, sobre o lugar que eles queriam ter nela e a forma como poderiam contribuir para seu funcionamento. Um atelier populaire d’urbanisme (APU) foi criado por iniciativa dos habitantes com planejadores urbanos, técnicos e representantes do poder público da cidade, a fim de intervir na renovação do bairro. Em 1980, surgiu a iniciativa de uma régie4 4 O termo régie não se refere à ideia de um sistema de gestão, mas o toma emprestado do vocabulário/léxico do ambiente técnico do entretenimento e do espetáculo. Se o bairro é um “teatro” da vida urbana, os habitantes decidiram ser os “atores”, enquanto a régie seria o ambiente ou a ferramenta para assegurar a encenação da vida real com qualidade técnica (Bouzols, 1999). de quartier para enfrentar o estado de insalubridade que tornava difícil viver naquele conjunto de edifícios com 173 habitações.

Para Bouzols (1999Bouzols, C. (1999). Régie de quartier: entre l’Expérimentation des politiques urbaines et l’innovation sociale. Revue Fondations, 9, 173-183.), ao colocar os habitantes no centro, o projeto mostrou claramente suas raízes de autogestão, atestadas pela presença da CSCV, que dava prioridade à satisfação da demanda social, como emanada da sociedade civil. Além disso, alguns participantes propunham experimentar uma nova maneira de operar para a limpeza e a manutenção dos edifícios. Tratava-se de dividir as tarefas de limpeza por entrada e confiar a um residente de cada piso a responsabilidade de limpar as escadarias e os corredores. Os resultados obtidos foram muito convincentes, uma vez que o nível elevado de participação dos moradores nas tarefas diárias de limpeza e manutenção ofereceu a dupla vantagem de uma melhor qualidade de trabalho e maior respeito por parte dos outros moradores, melhorando significativamente o clima social e a imagem do bairro.

Se as régies de quartier não foram enquadradas por um regramento público posterior ou não estavam satisfeitas com um localismo que as restringiam, foi porque a criação do comité national de liaison des Régies de Quartier (CNLRQ), em 1988, formou uma rede agrupando as 6 régies pioneiras “para se distanciar do local e se juntar a um movimento nacional” (Bouzols, 1999Bouzols, C. (1999). Régie de quartier: entre l’Expérimentation des politiques urbaines et l’innovation sociale. Revue Fondations, 9, 173-183., p. 174). O CNLRQ permitiu um agrupamento que não esteve livre de dificuldades, já que as régies, cujo número aumentava na época, estavam sujeitas às tentativas de instrumentalização pelos poderes públicos. Para resistir a isso, o CNLRQ adotou uma declaração em 22 de junho de 1991, cujo preâmbulo afirmava: “O objetivo desta declaração é propor um método claro de filiação para as régies de quartier. Ela se propõe, especialmente, por meio do compromisso dessas entidades, à atribuição da marca coletiva Régie de quartier, que é mantida pelo CNLRQ” (assemblée générale du [CNLRQ], 1991Assemblée Générale du CNLRQ. (1991). Charte nationale des régies de quartier du 22 juin 1991. https://www.lemouvementdesregies.org/sites/default/files/medias/fichiers/charte1.pdf
https://www.lemouvementdesregies.org/sit...
). Por conseguinte, uma marca foi registrada no institut national de la propriété industrielle (Inpi) e a posse coletiva foi atestada pela passagem da nomeação de régies para Régies.5 5 A adoção da letra maiúscula inicial indica que as Régies de quartier estão sujeitas a uma marca registrada cuja propriedade coletiva pertence à rede Le Mouvement des Régies, nova denominação do CNLRQ depois de 2022.

A certificação com uma marca era uma abordagem profundamente original, num momento em que outras entidades de inserção econômica oriundas da sociedade civil estavam incluídas no código do trabalho francês. O CNLRQ conseguiu criar, portanto, outra relação com as políticas públicas, baseada na negociação com um movimento inteiro. Bouzols (1999Bouzols, C. (1999). Régie de quartier: entre l’Expérimentation des politiques urbaines et l’innovation sociale. Revue Fondations, 9, 173-183., p. 174) afirma que “a certificação parece ser uma forma do CNLRQ se proteger contra possíveis abusos na constituição das entidades e exercer um controle relativo sobre as Régies criadas localmente. Além disso, a novidade e a natureza exemplar a certificação conferem uma nova força simbólica”. Essa abordagem incomum teve como objetivo evitar a desapropriação da ideia e a banalização dos propósitos de constituição de uma Régie de quartier. Conforme Bavoux, Berthet, Marion e Minet (1994Bavoux, P., Berthet, J.-M., Marion, F., & Minet, B. (1994). De l’Expérimentation à l’Exemplaire ou la question de la normalisation. Trajectoires.), esse procedimento inicialmente, desorientava as administrações públicas. Contudo, também ampliava a vontade de contribuir para uma nova geração de ação pública que não mais fosse prerrogativa do poder público, e sim emanada de uma cooperação e de conflitos com movimentos de cidadania.

Diante da pressão quantitativa, a preocupação consistia em favorecer a dimensão qualitativa dos projetos, recusando-se a modelá-los ou mesmo cloná-los e procurando, em vez disso, agir em direção à unidade em torno de um comitê nacional que garanta a autonomia do movimento e a diversidade por meio do respeito às realidades locais. Para esse fim, vários instrumentos criados se complementam: um guia metodológico produzido pela Acadie6 6 A Acadie é uma cooperativa fundada em 1978 que reúne geógrafos, urbanistas, sociólogos e cientistas políticos especializados no acompanhamento de políticas públicas territoriais. em colaboração com o CNLRQ; um processo de avaliação por especialistas para o qual foram agregados cerca de uma dezena de escritórios de estudos; e um programa ambicioso para fortalecer os atores em sua capacidade de fazer o sistema funcionar e de investir nele. A orientação é que não é uma questão simplesmente de criar uma Régie de quartier a qualquer preço, e sim de qualificar os projetos e seus atores ao mesmo tempo.

Um manifesto elaborado na assembleia geral da CNLRQ, em maio de 1993, complementou a declaração de 1991, protestando contra as imagens negativas veiculadas sobre os subúrbios e sobre os mecanismos de exclusão, querendo mostrar e explicar tudo o que era positivo, dinâmico e construído nesses bairros populares. No manifesto, a lógica do movimento era exposta a partir da Régie de quartier como um lugar de vida dirigido principalmente pelos habitantes, cuja participação se dava em 2 níveis: como empregados e assumindo funções nos diversos órgãos da entidade. Ao mesmo tempo, também era reafirmada a função da Régie como ponto de encontro dos atores institucionais e sua importância na intervenção econômica local (assemblée générale du [CNLRQ], 1993Assemblée Générale du CNLRQ. (1993). Le manifeste des régies de quartier du 15 et 16 mai 1993. https://www.lemouvementdesregies.org/sites/default/files/medias/fichiers/manifeste1.pdf
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).

As emergências práticas não estão condenadas a reproduzir o que já existe. Elas são, em parte, o resultado de uma práxis instituinte, isto é, os membros dos coletivos envolvidos podem promulgar suas próprias regras. A práxis instituinte é uma atividade consciente de instituição e de autoprodução de um sujeito coletivo, nos termos expostos por Dardot e Laval (2014Dardot, P., & Laval, C. (2014), Commun - essai sur la révolution au 21e Siècle. La Découverte., pp. 440-445). Esse sujeito realiza tanto a atividade que estabelece um novo sistema de regras quanto a atividade que busca reavivar constantemente tal entidade. Assim, a gestão da sociedade por ela mesma se torna o motor da institucionalização e da “reinvenção permanente da instituição pela qual o grupo que a criou pode neutralizar sua inércia” (Dardot & Laval, 2014Dardot, P., & Laval, C. (2014), Commun - essai sur la révolution au 21e Siècle. La Découverte., p. 446). Se nos ativermos a uma sociedade que sistematicamente determina as pessoas, a institucionalização não tem sentido. Não adianta agir se tudo for decidido com antecedência e se os meta-atores (sociedade, capitalismo) determinarem como os dados terminarão antes de serem jogados. É esse determinismo que deve ser abandonado. A crítica negativa de uma sociedade já instituída não é mais suficiente. Precisamos seguir os próprios atores em sua prática, e não apenas condenar a violência infligida a eles por estruturas institucionais preestabelecidas.

EPISTEMOLOGIAS QUE SÃO PERTINENTES POR SEREM SENSÍVEIS ÀS EMERGÊNCIAS

Ao nos referimos aos 2 casos, os procedimentos que avaliam a economia solidária a partir do trabalho assalariado nas organizações ocultam 3 níveis significativos a serem considerados:

  1. As lutas políticas que têm seu papel no reconhecimento das pessoas implicadas - o vínculo delas não pode ser confundido com um trabalho não pago, que é sinônimo de exploração.

  2. O desenvolvimento territorial que implica em ultrapassar o quadro das organizações de modo isolado para incorporar uma dinâmica integrada de redes de organizações no espaço.

  3. A mudança institucional gerada que reenvia à uma dinâmica no tempo - a criação de 2 modelos de ação, como os bancos comunitários e as Régies de quartier, necessitam de várias décadas de mobilização, articulação e negociação com o poder público, numa relação de conflito e cooperação.

Assim, a fim de descrever as emergências práticas, torna-se necessário recorrer a estruturas teóricas que não se limitam a compreender as modalidades de implementação do trabalho na economia solidária, permitindo uma integração mais ampla das múltiplas dimensões das experiências expostas. Desse modo, 3 fontes de inspiração teóricas podem ser mencionadas: as epistemologias do Sul, que recomendam vigilância com relação a ausências ou partes da realidade historicamente invisibilizadas, a fim de considerar as emergências de forma diferente, não se concentrando em suas deficiências ou insuficiências, como o pensamento crítico ocidental muitas vezes faz, e sim em suas ambivalências, que lhes são inerentes, e nas potencialidades que elas carregam; o marco teórico da economia substantiva, que coloca o trabalho numa reflexão mais ampla sobre a pluralidade dos princípios econômicos; e a estrutura da democracia substantiva, que detalha o registro da ação política comum.

As epistemologias do Sul

As estruturas analíticas propostas pela sociologia ortodoxa ou pela OIT fazem parte de uma epistemologia do Norte, no sentido de que as realidades são deslocadas e objetivadas. É por isso que é preferível outra epistemologia, que integre os atores no processo investigativo como contribuintes para uma reflexão coletiva. Essa abordagem pragmática é sustentada pelas epistemologias do Sul, que se posicionam contra o propósito universalista de um conhecimento dominante e querem encontrar formas de respeitar a diversidade do mundo.

As epistemologias do Sul não refletem uma reivindicação para nenhuma região do mundo. Aqui é essencial esclarecer um mal-entendido: o Sul não é uma entidade geográfica; ao contrário, trata-se de uma metáfora do sofrimento humano causado pela ordem mundial dominante e uma valorização da resistência que ela gera. É verdade que as populações que têm sido e são mais afetadas pelas desigualdades e por discriminações causadas pelo capitalismo e pelo colonialismo vivem no hemisfério Sul. Mas o Sul também existe no Norte, assim como nos países do Sul as oligarquias se beneficiam da ordem dominante. Repensar a justiça global é uma tarefa necessária, que deve ser realizada na escala do planeta inteiro, e não pode consistir em defender um único caminho ou um contraprojeto simétrico ao que o neoliberalismo gostaria de ser hoje. É uma questão de fundar um diálogo sobre tradução intercultural. O objetivo, como dizem os Zapatistas, é ‘um mundo no qual haja espaço para muitas pessoas’. Levar em conta a pluralidade é parte do processo. Não se trata de apontar um caminho a seguir nem de um mapeamento das resistências no trabalho, e sim de abrir-se à diversidade. Se a teoria ocidental está se esgotando, não é apenas por causa dos artifícios do capitalismo, mas também por causa de seus limites, inerentes ao seu propósito uniformizador.

Afastando-se dessa postura consensual, a sociologia das emergências defendida pelas epistemologias do Sul indica o estudo do potencial emancipatório de uma grande diversidade de práticas alternativas que emergem num sistema predominantemente capitalista, segundo os termos de Mauss (1987Mauss, M. (1987). Écrits politiques. Fayard.). Mesmo que sejam constantemente ameaçadas pela marginalização, elas testemunham que não só ‘outro mundo é possível’ - para citar a famosa formulação do Fórum Social Mundial, mas também que ele já existe numa multiplicidade de experiências, às vezes frágeis, porém também reais. Trata-se de ir além da hermenêutica do ceticismo e não mais desprezar as iniciativas que combatem a hegemonia capitalista, afirmando, em meio a dificuldades, a lógica da reciprocidade, da igualdade e da solidariedade.

A sociologia das emergências está atenta a essas ações, que são estudadas com base em casos práticos de vários países da América do Sul, da Ásia e da Europa (Santos, 2006Santos, B. S. (2006). Another production is possible: beyond the capitalist canon. Verso.). Com base nesses casos, são formuladas teses que enfatizam que, de um ponto de vista econômico, tais iniciativas devem ser realizadas dentro e fora do Estado e do mercado. Sua sustentabilidade e seu sucesso dependem, em grande parte, de sua inserção em redes de cooperação e apoio mútuo. Além disso, sua dimensão econômica é inseparável de uma dimensão política. A radicalização da democracia econômica anda de mãos dadas com a radicalização da democracia participativa, e o futuro dos processos de transformação econômica está ligado à sua relação com as dinâmicas políticas, culturais e sociais.

O que surge, então, é o escopo heurístico dessa sociologia das emergências. Havia uma tradição de empresas não capitalistas cuja teorização no Norte correspondia à economia social. O aparecimento conjunto na América do Sul e na Europa de uma economia designada como solidária (Laville et al., 2005) oferece a oportunidade de uma coelaboração que pode renovar consideravelmente as abordagens de ambos os lados do Atlântico. As epistemologias do Sul permitem aprofundar um diálogo intercultural já iniciado pelas análises da economia substantiva e da democracia substantiva por autores de ambos os continentes e hemisférios.

Uma economia substantiva baseada no trabalho e no buen vivir 7 7 O buen vivir é uma perspectiva de concepção de vida conflagrada na cristalização de uma alternativa questionadora do modo contemporâneo de produção e consumo, da atuação gerencial do Estado e, principalmente, do discurso convencional do desenvolvimento sustentável, como crença de que o binômio desenvolvimento-progresso será capaz de enfrentar os desafios sociais, ambientais e econômicos globais (Acosta & Abarca, 2018).

No que diz respeito à economia, a abordagem ortodoxa pode ser descrita como formal. Ela coloca a escassez no centro da análise e faz do interesse material a base das escolhas individuais. Essa abordagem também contém uma falácia econômica que confunde a economia com mecanismos de mercado, razão pela qual a economia solidária não pode ser incluída. Em contraste, a economia solidária reivindica uma abordagem substantiva na qual a economia se baseia em vários princípios de comportamento econômico - mercado, mas também redistribuição, reciprocidade e domesticidade. Polanyi (2008Polanyi, K. (2008). Essais. Seuil., 2011Polanyi, K. (2011). La subsistance de l’homme: la place de l’économie dans l’histoire et la société. Flammarion.) é creditado por destacar as diferenças entre as 2 abordagens, assim como por sintetizar observações antropológicas que ajudam a consolidar a proposta heterodoxa de uma economia substantiva. Entretanto, concentrado na crítica da modernidade como sociedade de mercado, ele não mobilizou essa estrutura analítica pluralista para a compreensão das economias contemporâneas.

A contribuição dos autores sul-americanos é decisiva a esse respeito - em particular, seus estudos acerca da economia popular concebida como uma economia do trabalho, que constituiu uma das bases essenciais para a gênese da economia solidária (Coraggio, 2011Coraggio J. L. (2011). Economía social y solidaria - el trabajo antes que el capital. Abya-Yala.; Quijano, 2008Quijano, A. (2008). Solidaridad y capitalismo colonial moderno. Otra Economía, 2(2), 12-16. https://revistas.unisinos.br/index.php/otraeconomia/article/view/1077
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; Razeto, 1993Razeto, L. (1993). Los caminos de la economía de solidaridad. Vivarium.). Além disso, práticas institucionais inovadoras, como as constituições bolivianas e equatorianas, fornecem elementos importantes para a concretização jurídica de uma economia solidária integrada numa economia plural e vista como meio para alcançar o buen vivir (Acosta, 2016Acosta, A. (2016). Le bien vivre comme alternative au développement. In J.-L. Laville, & J.-L. Coraggio (Eds.), Les gauches du XXIe siècle: un dialogue Nord-Sud. Le Bord de l’Eau. (Collection Diagnostics).). Reconhecidas pela referência ao buen vivir, filosofias andinas da vida, como a suma qamaña - expressão similar ao buen vivir em língua da etnia aimará, ou sumak kawsay - expressão similar ao buen vivir em quechua, língua de povos originários da América andina, convergem com a ideia de subsistência expressa por Polanyi (2011Polanyi, K. (2011). La subsistance de l’homme: la place de l’économie dans l’histoire et la société. Flammarion.), associando a preocupação pela reprodução da vida com a atenção à felicidade no sentido entendido em Aristóteles (2021Aristóteles. (2021). Ética a Nicômaco. Principis.).

Os debates também foram abertos por estudos feministas. Estudos sobre provisionamento e cuidados - atividades necessárias à preservação da vida - advogam a vinculação entre produção - que é objeto de estudo na economia ortodoxa - e reprodução que se torna visível numa economia substantiva estruturada por relações de gênero (Hillenkamp et al., 2014Hillenkamp, I., Guérin, I., & Verschuur, C. (2014). Économie solidaire et théories féministes: pistes pour une convergence nécessaire. Revista de Economia Solidária, 7, 4-43. http://hal.ird.fr/ird-01197164
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). Decifrar as combinações empiricamente observáveis entre princípios de integração econômica pode ajudar a conciliar emancipação e proteção, detalhando as ambivalências do princípio econômico da domesticidade e os efeitos de uma mudança para a reciprocidade, ou seja, do confinamento em dependências privadas à abertura para atividades coletivamente reconhecidas de cuidado com os outros.

O quadro de análise da economia substantiva, portanto, permite situar a originalidade econômica, além do trabalho, na hibridação de princípios econômicos, recorrendo à domesticidade, à reciprocidade e à redistribuição.

Uma democracia substantiva, baseada na deliberação e na intersubjetividade

No que diz respeito à política, uma primeira tradição de pensamento a remete ao poder público. Numa sociedade democrática, deveria haver um monopólio da violência legítima, conforme preconiza Weber (2021Weber, M. (2021). Política como vocação e ofício. Ed. Vozes.), em que um órgão coordenador (o Estado) deve garantir que a sociedade não seja uma guerra de todos contra todos e que as regras da vida em coletividade sejam respeitadas. Porém, uma segunda tradição do pensamento político insiste na esfera pública como lugares onde as pessoas se reúnem para tentar definir as regras de um mundo comum. A importância dada à esfera pública caracteriza os escritos de Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Essa orientação rompe com um paradigma agregador baseado na expressão de preferências individuais e compreende a democracia de maneira formal, ou seja, por uma seleção entre várias opções autorizadas pelo voto. Tal perspectiva estende o processo político aos fóruns que fazem parte de um paradigma deliberativo e enfatiza a intersubjetividade na formação de opiniões e decisões (Silva Junior, J. T, 2023Silva Junior, J. T. (2023). Participation, governance, collective action, democracy and the social and solidarity economy. In I. Yi(Ed.), Encyclopedia of the social and solidarity economy. Edward Elgar Publishing.).

Para Habermas (1997aHabermas, J. (1997a). L’Espace public: archéologie de la publicité comme dimension constitutive de la société bourgeoise. Payot., 1997cHabermas, J. (1997c). Préface à l’édition de 1990. In J. Habermas(Ed.), L’Espace public: archéologie de la publicité comme dimension constitutive de la société bourgeoise. Payot.), a pluralização da política tem um duplo sentido. Tanto ele quanto Arendt (1958Arendt, H. (1961). Condition de l’homme moderne. Calmann-L.vy.) identificaram que a democracia implica uma ação comum e o diálogo sobre a polis, e portanto pressupõe um espaço público que não se confunde com o poder público. A partir dos anos 1990, Habermas acrescentou que a diversidade existe num espaço público dividido em vários componentes.8 8 Os textos de Habermas sobre espaços públicos, agir comunicativo e democracia deliberativa usados para esses ensaios estão bem mais detalhados, analisados e discutidos no capítulo 2 de Laville e Frère (2023). Nesse novo quadro teórico, a sociedade é cheia de espaços públicos que são continuamente formados por problemas do cotidiano. Ele enfatiza o potencial para a democracia deliberativa possuído por esses espaços públicos. Ao lado da esfera pública, que é invadida por imperativos sistêmicos e entrelaçada com eles, há uma esfera pública autônoma em perpétua formação. O filósofo, de acordo com Claus Offe, insiste nas relações de associação, em torno das quais “espaços públicos autônomos podem se cristalizar” (Habermas, 1997bHabermas, J. (1997b). Droit et démocratie - entre faits et normes. Gallimard., p. 394). Por meio da noção de relação de associação, que é citada sem definição, Habermas reconhece a importância dessas ações coletivas voluntárias que podem promover trocas comunicativas, pois são constituídas com base nos princípios de livre associação e igualdade entre os fundadores. Consequentemente, por associações, ele não se refere apenas àquelas reconhecidas por lei, mas também a todos os grupos informais ou formais que permitem o exercício da liberdade positiva.

A singular contribuição dos autores sul-americanos nesse campo (Cançado et al., 2019Cançado, A. C., Tenório, F. G. &, Pereira, J. R. (2019). Gestión social: epistemología de un paradigma. Universidad del Azuay/Casa Editora.; França Filho & Boullosa, 2015França Filho, G. C., & Boullosa, R. F. (2015). Social management and para-economy. In J.-L. Laville, D. R. Young, & P. Eynaud(Ed.), Civil society, the third sector and social enterprise - governance and democracy. Routledge.; Silva Junior, 2023Silva Junior, J. T. (2023). Participation, governance, collective action, democracy and the social and solidarity economy. In I. Yi(Ed.), Encyclopedia of the social and solidarity economy. Edward Elgar Publishing.; Tenório & Araújo, 2020Tenório, F. G., & Araújo, E. T. (2020). Reinforcing the concept of social management. Cadernos EBAPE.BR, 18(4), 891-905. https://doi.org/10.1590/1679-395120200105x
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) está na capacidade de ultrapassar as fronteiras entre as esferas política e econômica, muitas vezes erguidas por concepções influenciadas por Arendt (1958Arendt, H. (1961). Condition de l’homme moderne. Calmann-L.vy.) e Habermas (1997aHabermas, J. (1997a). L’Espace public: archéologie de la publicité comme dimension constitutive de la société bourgeoise. Payot., 1997bHabermas, J. (1997b). Droit et démocratie - entre faits et normes. Gallimard., 1997cHabermas, J. (1997c). Préface à l’édition de 1990. In J. Habermas(Ed.), L’Espace public: archéologie de la publicité comme dimension constitutive de la société bourgeoise. Payot.), que privilegiam a autonomia do político e desconfiam de sua desvirtuação pelo econômico. Ao ampliar a observação de Fraser (2005Fraser, N. (2005). Qu’est-ce que la justice sociale? Reconnaissance et redistribution. La Découverte.) de que as esferas públicas populares tratam necessariamente de questões socioeconômicas, as epistemologias do Sul aprofundam os processos de deslegitimação que enfrentam as iniciativas que querem melhorar a vida cotidiana por meio da dinâmica democrática. Por exemplo, iniciativas e projetos de mulheres podem ser espaços de produção, mas também lugares de socialização e até uma esfera pública, com a particularidade de combinar, em maior ou menor grau, atividade econômica, justiça social e ação política (Cheng & Silva Junior, 2023Cheng, K. R., & Silva Junior, J. T. (2023). The role of solidarity in women’s empowerment: narratives from northeast Brazil. Voluntas. International Journal of Voluntary and Nonprofit Organizations, 34(5), 911-921. https://doi.org/10.1007/s11266-022-00539-7; Guérin et al., 2011Guérin, I., Hersen, M., & Fraisse, L. (2011). Femmes, économie et développement. Érès.).

CONCLUSÃO

A sociologia do trabalho apresenta a economia solidária como dependente do neoliberalismo, ao passo que a OIT a coloca como resistente ao neoliberalismo. Concordamos em pensar que a economia solidária não pode ser vista escapando dessa relação com o neoliberalismo, mas pensamos que, para que isso ocorra, é necessário um marco de análise ampliado, conforme exposto na Figura 1.

Figura 1
A dupla dimensão da economia solidária

A economia solidária testemunha as ações em favor da diversidade. No atual equilíbrio de forças, as iniciativas específicas de cada continente só podem ser reforçadas pela integração de atores dos vários continentes, incluindo a América Latina e a Europa. A gravidade da situação também exige que os pesquisadores estabeleçam relações de trabalho com esses atores que evitem tanto a aclamação, por meio de uma retórica que se contente em retomar a palavra ‘militante’, quanto a reclamação, mediante uma denúncia que se limitaria a identificar as deficiências das experiências. De fato, enquanto as abordagens do Norte global tendem a desprezar essas iniciativas, as do Sul global perderiam toda a relevância se adotassem uma visão maximalista que as idealizasse, como afirma Wanderley (2015Wanderley, F. (2015). Desafíos teóricos y políticos de la economía social y solidaria: lecturas desde América Latina. Plural Editores.). Diante dessas 2 armadilhas simétricas, é a elucidação das ambivalências inerentes às práticas de economia solidária, realizadas conjuntamente por atores e pesquisadores, que é capaz de levar em conta a complexidade da realidade, mantendo-se lúcida sobre a modéstia das mudanças feitas e sem condenar as iniciativas à impotência.

A atenção dada às emergências muda a maneira como olhamos para as realidades atuais e leva a uma renovação dos debates, tornando visível o que foi deixado de fora da história oficial, como no caso da economia solidária. Nesses termos, é essencial evitar a visão preconceituosa, pois ela se concentra no assalariado, que emana tanto da sociologia do trabalho quanto da OIT, mesmo que ela leve a conclusões diferentes.

AGRADECIMENTOS

Este artigo compõe os resultados dos estudos de pós-doutoramento de Jeová Torres Silva Júnior no programa “Démocratie et Économie Plurielles”, coordenado por Jean-Louis Laville, no Collège d’études mondiales (CEM) da Fondation Maison des Sciences de l’Homme (FMSH), Paris, França. Jeová Torres Silva Junior agradece a autorização e apoio recebido Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal do Cariri (UFCA) par realizar os estudos pós-doutorais entre 2021 e 2023, na FMSH, assim como agradece a FMSH por ter aceitado recepcioná-lo neste período.

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  • Wellen, H. A. R. (2012). Para a crítica da economia solidária Outras Expressões.
  • 1
    Ainda que a abordagem dos documentos da OIT e os estudos mais referenciados da sociologia do trabalho clássica adotem a terminologia “economia social e solidária”, preferimos conduzir o ensaio com o termo “economia solidária”, que tem uma tradição mais forte e eloquente no Brasil (Laville et al., 2005; Silva, 2018), assim como uma trajetória longa de uso, empreendimentos e pesquisa na França (Combes et al., 2022; Hersent & Torres, 2014) e em âmbito internacional (Laville, 2009, 2023a; Silva Junior, 2022).
  • 2
    Nossa intenção não é centrar o ensaio na desconstrução de análises de um autor de modo específico. Ao contrário, buscamos apresentar um modelo de crítica à economia solidária no Brasil que simboliza com precisão uma parte da nossa argumentação. Assim, optamos por Wellen, que reúne, em documentos e artigos, a completude das limitações de análises que expusemos e vamos ainda explorar. Não há foco nesse autor e em sua obra, e sim nas bases epistemológicas que ele e outros têm por opção referencial.
  • 3
    Professor e pesquisador brasileiro (de origem austríaca), Paul Singer é uma das principais referências acadêmicas em economia solidária no Brasil. Ele também aportou sua competência profissional como secretário titular na Senaes/Governo Federal do Brasil, entre 2003 e 2016. Falecido em 2018, sua vasta produção acadêmica pode ser acessada em: http://paulsinger.com.br/.
  • 4
    O termo régie não se refere à ideia de um sistema de gestão, mas o toma emprestado do vocabulário/léxico do ambiente técnico do entretenimento e do espetáculo. Se o bairro é um “teatro” da vida urbana, os habitantes decidiram ser os “atores”, enquanto a régie seria o ambiente ou a ferramenta para assegurar a encenação da vida real com qualidade técnica (Bouzols, 1999).
  • 5
    A adoção da letra maiúscula inicial indica que as Régies de quartier estão sujeitas a uma marca registrada cuja propriedade coletiva pertence à rede Le Mouvement des Régies, nova denominação do CNLRQ depois de 2022.
  • 6
    A Acadie é uma cooperativa fundada em 1978 que reúne geógrafos, urbanistas, sociólogos e cientistas políticos especializados no acompanhamento de políticas públicas territoriais.
  • 7
    O buen vivir é uma perspectiva de concepção de vida conflagrada na cristalização de uma alternativa questionadora do modo contemporâneo de produção e consumo, da atuação gerencial do Estado e, principalmente, do discurso convencional do desenvolvimento sustentável, como crença de que o binômio desenvolvimento-progresso será capaz de enfrentar os desafios sociais, ambientais e econômicos globais (Acosta & Abarca, 2018Acosta, A., & Abarca, M. (2018). Buen vivir: an alternative perspective from the peoples of the global south to the crisis of capitalist modernity. In V. Satgar(Ed.), The climate crisis: South African and global democratic ecosocialist alternatives. Wits University Press. (Democratic Marxism Series).).
  • 8
    Os textos de Habermas sobre espaços públicos, agir comunicativo e democracia deliberativa usados para esses ensaios estão bem mais detalhados, analisados e discutidos no capítulo 2 de Laville e Frère (2023).
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

PARECERISTAS

  • 12
    Daniel Calbino Pinheiro (Universidade Federal de São João del-Rei, Sete Lagoas - MG / Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8260-6126
  • 13
    Fernando Guilherme Tenório (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro - RJ / Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4082-4410
  • RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES

    O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/91212/85730

Editado por

Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2023
  • Aceito
    06 Jul 2023
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