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Inovação social rural em práticas de economia solidária no coletivo Cooptar no Sul do Brasil

Innovación social rural en prácticas de economía solidaria en el colectivo Cooptar en el sur de Brasil

Resumo

As disputas pela terra e a luta pelo direito ao trabalho e à vida digna de trabalhadores rurais vêm de longa data no Brasil, reconfiguradas na atualidade pelas formas renovadas de exclusão que caracterizam o “novo rural”. A inovação social rural (ISR) compõe um processo amplo de mudanças sociais, capaz de contribuir para o enfrentamento de desafios e simultaneamente promover inclusão social e superação de desigualdades. Este artigo visa compreender o potencial transformador das ISRs desenvolvidas na Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata Ltda. (Cooptar), um coletivo decorrente de um dos assentamentos agrários formados na ocupação da Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O estudo de caso se valeu de pesquisa documental, observação, 24 entrevistas semiestruturadas com as famílias cooperativadas e com técnicos externos, bem como de análise de conteúdo. Os achados evidenciaram que, mediante processos de formação permanente e de protagonismo dos membros do coletivo, a Cooptar existe e segue se renovando há 33 anos em suas relações interpessoais e familiares (enfrentamento do individualismo e da desigualdade de gênero), práticas de economia solidária (propriedade coletiva e autogestão) e diversificações nos processos produtivos, constituindo uma verdadeira cultura de inovação social transformadora e solidária.

Palavras-chave:
Inovação social rural; Cultura de inovação; Cooperação agrícola; Práticas organizativas; Assentamento agrário

Resumen

Las disputas por la tierra y la lucha por el derecho al trabajo y a la vida digna de los trabajadores rurales tienen lugar desde hace mucho tiempo en Brasil, reconfigurándose actualmente en nuevas formas de exclusión que caracterizan la “nueva ruralidad”. La innovación social rural (ISR) comprende un amplio proceso de cambio social, capaz de contribuir a enfrentar los desafíos, posibilitar la inclusión social y la superación de las desigualdades. Este artículo tuvo como objetivo comprender el potencial transformador de las ISR desarrolladas en la Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata Ltda. (Cooptar), colectivo resultante de uno de los asentamientos agrarios formados a partir de la ocupación de la Hacienda Annoni en Rio Grande do Sul por el Movimiento de Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST). Metodológicamente, el estudio de caso utilizó investigación documental, observación, 24 entrevistas semiestructuradas con familias asociadas a la cooperativa y técnicos externos, y análisis de contenido. Los hallazgos mostraron que, a través de procesos de formación permanente y protagonismo de los integrantes del colectivo, Cooptar existe y sigue renovándose hace 33 años en sus relaciones interpersonales y familiares (enfrentando el individualismo y la desigualdad de género), prácticas de economía solidaria (propiedad colectiva y autogestión) y diversificación en los procesos productivos, constituyendo una verdadera cultura de innovación social transformadora y solidaria.

Palabras clave:
Innovación social rural; Cultura de innovación; Cooperación agrícola; Prácticas organizacionales; Asentamiento agrário

Abstract

Disputes over land and the struggle for the right to work and dignified life for rural workers have been going on for a long time in Brazil. They are currently reconfigured based on new forms of exclusion that characterize the “new rural.” Rural social innovation (RSI) comprises a broad process of social change, capable of contributing to dealing with challenges and, providing opportunities for social inclusion and overcoming inequalities. This article aimed to understand the transforming potential of the RSI developed at the Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata Ltda. (Cooptar), a Collective resulting from one of the agrarian settlements formed from the occupation of the Annoni Farm in Rio Grande do Sul by the Landless Rural Workers Movement (MST). Methodologically, the case study was based on documental research, observation, 24 semi-structured interviews with cooperative families and external technicians, and content analysis. The findings showed that, through processes of ongoing training and protagonism of the members of the collective, Cooptar exists and has been self-renewing for 33 years in its interpersonal and family relationships (confronting individualism and gender inequality), practices of solidarity economy (collective ownership and self-management) and diversification in production processes, constituting a true culture of transformative and solidary social innovation.

Keywords:
Rural social innovation; Innovation culture; Agricultural cooperation; Organizational practices; Agrarian settlement

INTRODUÇÃO

O debate sobre inovação social (IS) está presente em agendas globais, acadêmicas, e em políticas públicas (Pazetto et al., 2022Pazetto, A. Z., Nunes, N. A., Gonçalves, G. L., & Menezes, S. B. (2022). Abordando o espectro da inovação social: uma discussão teórico-conceitual. Revista de Ciências da Administração, 24(63), 88-101. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2022.e90394
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), como forma de mitigar os problemas sociais e melhorar o bem-estar de comunidades, aumentando o capital territorial (Ravazzoli et al., 2021Ravazzoli, E., Torre, C. D., Re, R. D., Govigli, V. M., Secco, L., Górriz-Mifsud, E., Pisani, E., Barlagne, C., Baselice, A., Bengoumi, M., Dijskhoorn-Dekker, M., Labidi, A., Lopolito, A., Melnykovych, M., Perlik, M., Polman, N., Sarkki, S., Vassilopoulos, A., Koundouri, P., Miller, D., Streifeneder, T., & Nijnik, M. (2021). Can social innovation make a change in European and Mediterranean marginalized areas? Social innovation impact assessment in agriculture, fisheries, forestry, and rural development. Sustainability, 13(4), 1823. https://doi.org/10.3390/su13041823
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). O interesse pela temática se deve especialmente às possibilidades de aplicação em questões complexas e emergenciais da atualidade - exclusão, alienação, opressão econômica e degradação ambiental, entre outras -, bem como pelo potencial transformador da sociedade.

O contexto rural na contemporaneidade é marcado por mudanças estruturais e socioeconômicas que configuram o “novo rural”, definido sinteticamente como a ampliação de atividades não agrícolas derivadas da crescente urbanização do meio rural e da preservação do meio ambiente. Tais atividades se estruturam em torno de moradia, turismo, lazer e prestação de serviços, envolvendo também hobbies pessoais ou pequenos negócios agropecuários intensivos, como piscicultura, horticultura, floricultura, fruticultura de mesa, criação de pequenos animais, etc. Não se trata exatamente de novas atividades, porém elas foram praticamente recriadas a partir de demandas de nichos emergentes ou de uma diferenciação dos mercados tradicionais dessas mesmas atividades, significando uma etapa da diferenciação social e econômica das famílias agrícolas. A modernização e a mecanização da agropecuária, assim como o exército de trabalhadores excluídos desse processo e relegados a uma subsistência rudimentar, também compõem esse novo rural (Silva et al., 2002Silva, J. G., Del Grossi, M., & Campanhola, C. (2002). O que há de realmente novo no rural brasileiro. Cadernos de Ciência & Tecnologia, 19(1), 37-67. http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2002.v19.8795
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). Todas essas mudanças afetam o bem-estar da população rural e indicam processos de desagrarização dos territórios rurais (Neumeier, 2016Neumeier, S. (2016). Social innovation in rural development: identifying the key factors of success. The Geographical Journal, 183(1), 34-46. https://doi.org/10.1111/geoj.12180
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). Em assentamentos agrários, as adversidades do novo rural estão sendo ativamente enfrentadas e superadas com inovação social rural (ISR) (Schermer & Kroismayr, 2020Schermer, M., & Kroismayr, S. (2020). Social innovation in rural areas. Österreichische Zeitschrift Soziologie, 45, 1-6. https://doi.org/10.1007/s11614-020-00398-w
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), fenômeno social que requer aprofundamento teórico (Santo & Andion, 2022Santo, A. L., & Andion, M. C. (2022). Inovação social rural: aprendizados em uma experiência brasileira. In Anais do 46º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.).

O objetivo deste artigo é compreender o potencial transformador das ISRs desenvolvidas pela Cooptar, um coletivo decorrente de um dos assentamentos agrários formados na ocupação da Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul, liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em meados da década de 1980. Para tanto, foram definidos os seguintes objetivos específicos: identificar os elementos que contribuíram para fomentar a IS no coletivo, caracterizar a IS na história de formação do coletivo e refletir sobre as formas contra-hegemônicas da economia solidária no papel do indivíduo no coletivo, na ação de líderes e na autonomia do coletivo.

A ISR se apresenta como tema de pesquisa no campo das ciências sociais, sobretudo em estudos sociais rurais, administração rural e história rural. Trata-se de um tema emergente e complexo (Bonavigo & Bavaresco, 2008Bonavigo, E. A., & Bavaresco, P. A. (2008). Fazenda Annoni: da ocupação ao assentamento definitivo. In J. C. Tedesco, & J. J. Carini(Orgs.), Conflitos agrários no norte gaúcho (1980-2008). EST.) que envolve uma multiplicidade de práticas sociais, econômicas e políticas. A experiência pesquisada nos conduziu à incorporação de dois referenciais, de modo que a ISR pudesse ser apreendida em sua plenitude. Em primeiro lugar, a noção de IS transformadora como aquela que, além de atender uma necessidade social, altera relações de poder e promove autonomia. Em segundo lugar, as práticas da economia solidária - já vinculadas à IS transformadora em referências bibliográficas sobre o tema - foram imprescindíveis para a elucidação de sentidos e dinâmicas promotores de protagonismo, de autonomia e da própria ISR na Cooptar, fenômeno social construído pelo coletivo e enraizado no processo histórico de sua formação, na liderança compartilhada e na autonomia conferida aos sujeitos envolvidos.

A relevância do estudo se dá pela introdução do tema ISR na pauta das discussões sobre IS como recurso para auxiliar na compreensão das particularidades que envolvem a busca por soluções para os problemas sociais no novo rural. Este artigo contribui também para o desenvolvimento do campo de estudos da ISRs em práticas de economia solidária e de transformação social no contexto brasileiro. Ademais, a literatura sobre IS, na perspectiva transformadora, tem sido desenvolvida com base nas experiências nos países do Norte (Avelino et al., 2019; Klein et al., 2016Klein, J. L., Camus, A., Jetté, C., Champagne, C., & Roy, M. (2016). La transformation sociale par l’Innovation sociale. L’Universitédu du Québec.). Estudos do Sul global ainda são escassos (Ferrarini, 2019Ferrarini, A. V. (2019). Ethos of social innovation: in search of a decolonizing analysis. In S. Baneerje, S. Carney, & L. Hulgard (Orgs.), People centered social innovation: global perspectives on an emerging paradigm (Vol. 1, pp. 89-109). Routledge., 2022) e envolvem considerar a inovação na dimensão analítica da criação de valor social e de soluções para problemas sociais contemporâneos, conforme proposto no presente artigo.

REFERENCIAL TEÓRICO

Inovação social: conceitos e perspectivas

Apesar do brilho de novidade, práticas socialmente inovadoras estão presentes na história, percebidas em ações criativas voltadas à satisfação de necessidades, à busca por melhores condições de vida (Cajaiba-Santana, 2014Cajaiba-Santana, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. a conceptual framework. Technological Forecasting & Social Change, 82, 42-51. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2013.05.008
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), ao aperfeiçoamento de práticas sociais (Taylor, 1970Taylor, J. B. (1970). Introducing social innovation. The Journal of Applied Behavioral Science, 6(1), 69-77. https://doi.org/10.1177/002188637000600104
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), bem como ao fomento ao desenvolvimento sustentável, à inclusão, à equidade e à garantia de direitos (Kusumastuti et al., 2023Kusumastuti, R., Silalahi, M., Sambadodo, M. T., & Jowono, V. (2023). Understanding rural context in the social innovation knowledge structure and its sector implementations. Management Review Quarterly, 73, 1873-1901. https://doi.org/10.1007/s11301-022-00288-3
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). O que parece ser novo na IS são os significados e os papéis conferidos aos preceitos científicos e econômicos da modernidade (Ferrarini, 2019Ferrarini, A. V. (2019). Ethos of social innovation: in search of a decolonizing analysis. In S. Baneerje, S. Carney, & L. Hulgard (Orgs.), People centered social innovation: global perspectives on an emerging paradigm (Vol. 1, pp. 89-109). Routledge.), tornando-a um fenômeno contemporâneo representativo da capacidade do coletivo em transformar a realidade local. Assim, a IS é uma forma de mitigar os problemas sociais ou “um caminho de resistência e contraposição às desigualdades e à apatia social com relação ao sofrimento alheio” (Pazetto et al., 2022Pazetto, A. Z., Nunes, N. A., Gonçalves, G. L., & Menezes, S. B. (2022). Abordando o espectro da inovação social: uma discussão teórico-conceitual. Revista de Ciências da Administração, 24(63), 88-101. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2022.e90394
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, p. 88). Ademais, a IS gera benefícios para a sociedade (Cloutier, 2003Cloutier, J. (2003). Qu’est-ce que l’innovation sociale? Document d’introduction (Collection Collection Études théoriques, nº ET0314). CRISES. https://www.socioeco.org/bdf_fiche-document-321_pt.html
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; Murray et al., 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. Nesta/The Young Foundation.) e contribui para o desenvolvimento local na medida em que está relacionada com o modo de habitar o território (Sarate & Piccinini, 2019Sarate, J. A., & Piccinini, V. C. (2019). Inovação social e desenvolvimento territorial. Gestão & Regionalidade, 35(105), 105-122. https://doi.org/10.13037/gr.vol35n105.3847
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).

A pesquisa sobre IS recebeu aportes teóricos de diferentes áreas do conhecimento, desenvolvendo-se num contexto inter e transdisciplinar, contribuindo para formar um campo de pesquisa com diversidade de métodos e ferramentas de investigação (Cajaiba-Santana, 2014Cajaiba-Santana, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. a conceptual framework. Technological Forecasting & Social Change, 82, 42-51. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2013.05.008
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; Taylor, 1970Taylor, J. B. (1970). Introducing social innovation. The Journal of Applied Behavioral Science, 6(1), 69-77. https://doi.org/10.1177/002188637000600104
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). A complexidade metodológica do campo empírico se apresenta na definição dos níveis da pesquisa (Cloutier, 2003Cloutier, J. (2003). Qu’est-ce que l’innovation sociale? Document d’introduction (Collection Collection Études théoriques, nº ET0314). CRISES. https://www.socioeco.org/bdf_fiche-document-321_pt.html
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) e no reconhecimento de que ecossistemas de IS podem contribuir ou inibir o desenvolvimento da IS pretendida.

Considerando as possibilidades de explorar empiricamente o tema, há de considerar as diferentes definições de IS, como novas ideias ou combinação de ideias que se apresentam por meio de produtos, serviços e métodos (Murray et al., 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. Nesta/The Young Foundation.), práticas de intervenções (Taylor, 1970Taylor, J. B. (1970). Introducing social innovation. The Journal of Applied Behavioral Science, 6(1), 69-77. https://doi.org/10.1177/002188637000600104
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), programas de formação profissional, modelos de negócios, estratégias para o desenvolvimento sustentável (Monteiro, 2019Monteiro, A. (2019). O que é a inovação social? Maleabilidade conceitual e implicações práticas. Dados, 62(3), e20170009. https://doi.org/10.1590/001152582019187
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), trabalhos colaborativos e projetos de transferência de tecnologias (Cajaiba-Santana, 2014Cajaiba-Santana, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. a conceptual framework. Technological Forecasting & Social Change, 82, 42-51. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2013.05.008
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; Klein et al., 2016Klein, J. L., Camus, A., Jetté, C., Champagne, C., & Roy, M. (2016). La transformation sociale par l’Innovation sociale. L’Universitédu du Québec.; Santo & Andion, 2022Santo, A. L., & Andion, M. C. (2022). Inovação social rural: aprendizados em uma experiência brasileira. In Anais do 46º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.), com poder de enfrentamento de situações complexas das sociedades contemporâneas.

Tais definições, por si só, não elucidam uma problemática que se impôs ao tema. Por algum tempo, a IS foi reconhecida pelos benefícios gerados (produtos), sem que muita atenção fosse dada à maneira como eles eram produzidos (processo). O risco, nesse caso, é que o processo poderia ser orientado de cima para baixo, em ambientes paternalistas, sem a ambição de oportunizar a participação dos segmentos interessados. Na tentativa de superação desse impasse, Mulgan (2007Mulgan, G. (2007). Social innovation: what it is, why it matters and how it can be accelerated. Said Business School.) e Murray et al. (2010Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. Nesta/The Young Foundation.) definiram a IS, em perspectiva integrada, como a combinação do produto com o processo, enfatizando o caráter participativo da inovação aberta e colaborativo da aprendizagem. Portanto, o produto da inovação social não pode ser isolado do processo ou da forma como a inovação foi organizada (Hulgård & Ferrarini, 2010Hulgård, L., & Ferrarini, A. V. (2010). Inovação social: rumo a uma mudança experimental na política pública? Revista Ciências Sociais Unisinos, 46(2), 256-263. https://doi.org/10.4013/691
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).

Para facilitar a pesquisa nesse vasto campo, Cloutier (2003Cloutier, J. (2003). Qu’est-ce que l’innovation sociale? Document d’introduction (Collection Collection Études théoriques, nº ET0314). CRISES. https://www.socioeco.org/bdf_fiche-document-321_pt.html
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) classifica a IS em quatro dimensões analíticas: o objeto em si, sua natureza; seu processo de criação e implementação; o alvo das mudanças; e os resultados obtidos. Em sua dinâmica ou processo, a IS tende a promover uma perspectiva emancipatória ao incentivar o protagonismo coletivo, a participação democrática e o compartilhamento de múltiplos conhecimentos, valorizando saberes individuais e coletivos (Cajaiba-Santana, 2014Cajaiba-Santana, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. a conceptual framework. Technological Forecasting & Social Change, 82, 42-51. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2013.05.008
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; Klein et al., 2016Klein, J. L., Camus, A., Jetté, C., Champagne, C., & Roy, M. (2016). La transformation sociale par l’Innovation sociale. L’Universitédu du Québec.). O protagonismo coletivo ressignifica as relações humanas e as estruturas de poder, estimula aspirações e mobiliza cidadãos a projetarem novas formas de atuação e novos arranjos de conhecimento (Avelino et al., 2017Avelino, F., Wittmayer, J. M., Kemp, R., & Haxeltine, A. (2017). Game-changers and transformative social innovation. Ecology and Society, 22(4), 41. https://doi.org/10.5751/ES-09897-220441; Cajaiba-Santana, 2014Cajaiba-Santana, G. (2014). Social innovation: moving the field forward. a conceptual framework. Technological Forecasting & Social Change, 82, 42-51. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2013.05.008
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).

Entendida inicialmente como uma lente agnóstica pela qual se examina a busca de mudanças sociais positivas (Phills et al., 2008Phills, J. A. Jr., Deiglmeier, K., & Miller, D. T. (2008). Rediscovering social innovation. Stanford Social Innovation Review, 6(4), 34-43. https://ssir.org/articles/entry/rediscovering_social_innovation#
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), a IS se tornou facilitadora do engajamento de indivíduos, grupos e comunidades, desafiando fronteiras entre disciplinas, marcos regulatórios e dicotomias tradicionais. No entanto,

a inovação social não pode ser separada do contexto político mais amplo em que ela se desenvolve e da polissemia de sentidos que emergem em meio à complexidade de uma sociedade que é reprodutora de desigualdades em larga escala e de degradação ambiental indiscriminada (Ferrarini, 2022Ferrarini, A. V. (2022). Inovação social e ciências sociais: epistemologias e práticas transformadoras no Sul global. In A. V. Ferrarini, & A. C. Bueno(Orgs.), Inovação social: diálogos teóricos e práticas integradas. Unisinos., p. 17).

Em meio a contextos e intencionalidades distintas, a primeira fonte de imprecisões da IS consiste em sua gênese homóloga à inovação tecnológica, engendrada sob a lógica mercantil, com o propósito de maximização de lucros. Portanto, ainda que os significados atribuídos à IS variem muito nos documentos estratégicos e políticos, é comum sua interpretação em termos econômicos e, por vezes, mercadológicos. A segunda fonte de imprecisões se refere à atribuição de sentido ao “social” da inovação. “O que é necessário é um conceito de IS como um processo societal complexo, mais do que uma mera definição classificatória de uma ação ou produto” (Brandsen et al., 2016Brandsen, T., Evers, A., Cattacin, S., & Zimmer, A. (2016). Social innovation: a sympathetic and critical interpretation. In T. Brandsen, S. Cattacin, A. Evers, & A. Zimmer (Eds.), Social innovations in the urban context(pp. 3-18). Springer International Publishing., p. 5). A complexidade do sentido do social se vincula à diversidade da direção da mudança social esperada, que, em síntese, se refere a projetos de vida em comum, em disputa na sociedade. Tal complexidade não invalidou ou descredibilizou a IS; ao contrário, estimulou estudiosos do tema a discriminarem as práticas e aprofundarem o debate. Uma das elaborações resultantes foi a distinção entre duas correntes ou escolas de IS: a instrumental, também denominada tecnocrática ou neoliberal, e a transformadora ou democrática (Montgomery, 2016Montgomery, T. (2016). Are social innovation paradigms incommensurable?Voluntas, 27, 1979-2000. https://doi.org/10.1007/s11266-016-9688-1
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).

Abordada principalmente nos estudos organizacionais, a perspectiva instrumental se restringe ao atendimento das demandas sociais. Ela evidencia o processo criativo dos atores sociais envolvidos, em muitos casos vinculados à filantropia e a soluções individuais aos problemas sociais. Parte dos pesquisadores que assumem essa perspectiva se concentra na geração de renda e no acesso a bens de consumo e serviços para populações vulneráveis ou para aumentar seu bem-estar (Monteiro, 2019Monteiro, A. (2019). O que é a inovação social? Maleabilidade conceitual e implicações práticas. Dados, 62(3), e20170009. https://doi.org/10.1590/001152582019187
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; Murray et al., 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. Nesta/The Young Foundation.). Nesse caso, a agenda para a IS é gerida em termos de novos mercados e de competição, incluindo nela um projeto político de reengenharia do Estado e de “privatização suave” de serviços que eram do domínio do Estado-providência (Kerstenetzky como citado em Monteiro, 2019Kerstenetzky, C. L.(2012). Sobre a “crise” do Estado de bem-estar: retração, transformação fáustica ou o quê? Dados, 55(2), 447-485. https://doi.org/10.1590/S0011-52582012000200006
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).

Na perspectiva transformadora, a IS tem um sentido mais amplo, que perpassa o atendimento de necessidades sociais, visando à transformação da realidade, dos paradigmas mentais e das formas de interpretação de determinada sociedade, conduzindo a novas formas de desenvolvimento (Avelino et al., 2017Avelino, F., Wittmayer, J. M., Kemp, R., & Haxeltine, A. (2017). Game-changers and transformative social innovation. Ecology and Society, 22(4), 41. https://doi.org/10.5751/ES-09897-220441; Ferrarini, 2022Ferrarini, A. V. (2022). Inovação social e ciências sociais: epistemologias e práticas transformadoras no Sul global. In A. V. Ferrarini, & A. C. Bueno(Orgs.), Inovação social: diálogos teóricos e práticas integradas. Unisinos.; Klein et al., 2016Klein, J. L., Camus, A., Jetté, C., Champagne, C., & Roy, M. (2016). La transformation sociale par l’Innovation sociale. L’Universitédu du Québec.). A IS transformadora é essencialmente disruptiva e contra-hegemônica, sendo concebida como instrumento para politizar espaços que as estratégias neoliberais tenderem a despolitizar, num desafio à distribuição vertical do poder na sociedade e sua substituição por alternativas horizontais promotoras da verdadeira participação comunitária (Montgomery, 2016Montgomery, T. (2016). Are social innovation paradigms incommensurable?Voluntas, 27, 1979-2000. https://doi.org/10.1007/s11266-016-9688-1
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). Trata-se de práticas sociais que empoderam sujeitos e desenvolvem territórios (Neumeier, 2016Neumeier, S. (2016). Social innovation in rural development: identifying the key factors of success. The Geographical Journal, 183(1), 34-46. https://doi.org/10.1111/geoj.12180
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).

Essa visão alternativa de IS tem sido amadurecida no prolongamento de uma forte tradição para encarar o desenvolvimento local e as iniciativas da economia social e solidária como vias para a coconstrução de políticas públicas, para o desenvolvimento de uma economia plural e para o ensaio de formas renovadas de democracia (Klein et al., 2016Klein, J. L., Camus, A., Jetté, C., Champagne, C., & Roy, M. (2016). La transformation sociale par l’Innovation sociale. L’Universitédu du Québec.; Monteiro, 2019Monteiro, A. (2019). O que é a inovação social? Maleabilidade conceitual e implicações práticas. Dados, 62(3), e20170009. https://doi.org/10.1590/001152582019187
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). É essa distinção mais clara e recente entre perspectivas instrumental e transformadora que conectou economia solidária e IS, daí a importância e o desafio deste estudo em contribuir com o diálogo de saberes, para o enriquecimento mútuo dos aportes teóricos e empíricos de ambos os campos.

Apesar de conceitual e ético-politicamente distintas, no plano das práticas, as ISs instrumentais e transformadoras se entrecruzam e podem se complementar sob certas condições (Monteiro, 2019Monteiro, A. (2019). O que é a inovação social? Maleabilidade conceitual e implicações práticas. Dados, 62(3), e20170009. https://doi.org/10.1590/001152582019187
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). Uma forma dessa integração é observada em práticas sociais deflagradas diante de uma necessidade básica urgente. Por exemplo, durante a pandemia de COVID-19, campanhas de doação de alimentos avançaram para a formação de redes sustentáveis de produção e consumo (Ferrarini, 2022Ferrarini, A. V. (2022). Inovação social e ciências sociais: epistemologias e práticas transformadoras no Sul global. In A. V. Ferrarini, & A. C. Bueno(Orgs.), Inovação social: diálogos teóricos e práticas integradas. Unisinos.), transitando da dependência para a autonomia.

Economia Solidária e Inovação Social

A economia solidária é uma proposta contra-hegemônica baseada nos princípios de solidariedade, autogestão e cooperação, com precedência do coletivo sobre o individual (Gaiger, 2009Gaiger, L. I. (2009). Antecedentes e expressões atuais da economia solidária. Revista Crítica de Ciências Sociais, 84, 81-99. https://doi.org/10.4000/rccs.401
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). Sua origem está relacionada com a construção de alternativas por parte de trabalhadores desempregados, a partir de meados da década de 1980, na América Latina, mas também expressa o desejo por formas coletivas de organização da produção e da vida. No entanto, a economia solidária também tem raízes em modos ancestrais de produção coletiva do Sul global e na organização de pequenos agricultores em meio rural, onde é predominante no Brasil. As iniciativas econômicas solidárias se apresentam sob a forma de empreendimentos do tipo cooperativa, associação, grupos informais ou arranjos mais complexos em torno de cadeias produtivas, comércio justo, crédito solidário e moeda local. Tais empreendimentos são caracterizados por propriedade coletiva dos meios de produção, socialização dos recursos e adoção dos princípios de equidade e solidariedade, que estimulam sistemas mais amplos de reciprocidade e novo valor à noção de justiça. No regime de autogestão, as decisões nos empreendimentos são tomadas de forma coletiva, com o mesmo poder de voto (Gaiger et al., 2018Gaiger, L. I., Ferrarini, A., & Veronese, M. (2018). O conceito de empreendimento econômico solidário: por uma abordagem gradualista. Dados, 61(1), 137-169. https://doi.org/10.1590/001152582018149
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).

Sob tais princípios, a economia solidária expressa uma racionalidade econômica substantiva, cuja finalidade é a reprodução ampliada da vida, e não do capital. Na perspectiva substantivista, a economia não é uma esfera regida centralmente pelo princípio do mercado, “em que as contas precisam fechar a qualquer custo”, e sim pelo princípio de reciprocidade (Polanyi, 2012Polanyi, K. (2012). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Contraponto.). Ademais, a reciprocidade não se restringe ao interior do empreendimento; ela também expressa preocupação com a comunidade e com o meio ambiente. Portanto, a dinâmica produtiva é parte da vida. Nos empreendimentos de economia solidária, as ações conectam as práticas econômicas às sociais, estimulando a participação e o engajamento em questões da comunidade (Gaiger, 2009Gaiger, L. I. (2009). Antecedentes e expressões atuais da economia solidária. Revista Crítica de Ciências Sociais, 84, 81-99. https://doi.org/10.4000/rccs.401
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).

Por ser contra-hegemônica, a economia solidária desenvolveu ISs ao longo de toda a sua trajetória, a fim de viabilizar um modo não capitalista de produzir e de gerir um empreendimento em meio a uma economia de mercado, em geral com parcos recursos e interiorizando seus próprios custos sociais e ambientais. A análise das práticas da economia solidária evidencia elementos da IS, com destaque para solidariedade forte (Laville, 2016Laville, J. L. (2016). L’Économie sociale et solidaire, l’Entrepreneuriat social et l’Innovation socieale: une mise en perspective historique. In J. L. Klein, A. Camus, C. Jetté, C. Champagne, & M. Roy(Orgs.), La transformation sociale par l’innovation sociale. L’Université du Québec.), colaboração, reciprocidade e confiança no desenvolvimento de vínculos sociais e de possibilidades de mudança social.

Inovação Social Rural

Os estudos sobre ISR são recentes e vêm em clara ascendência (Kusumastuti et al., 2023Kusumastuti, R., Silalahi, M., Sambadodo, M. T., & Jowono, V. (2023). Understanding rural context in the social innovation knowledge structure and its sector implementations. Management Review Quarterly, 73, 1873-1901. https://doi.org/10.1007/s11301-022-00288-3
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), revelando a importância desse fenômeno para o desenvolvimento sustentável e a vida em comunidade em meio rural (Ravazzoli et al., 2021Ravazzoli, E., Torre, C. D., Re, R. D., Govigli, V. M., Secco, L., Górriz-Mifsud, E., Pisani, E., Barlagne, C., Baselice, A., Bengoumi, M., Dijskhoorn-Dekker, M., Labidi, A., Lopolito, A., Melnykovych, M., Perlik, M., Polman, N., Sarkki, S., Vassilopoulos, A., Koundouri, P., Miller, D., Streifeneder, T., & Nijnik, M. (2021). Can social innovation make a change in European and Mediterranean marginalized areas? Social innovation impact assessment in agriculture, fisheries, forestry, and rural development. Sustainability, 13(4), 1823. https://doi.org/10.3390/su13041823
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). O aporte da ISR é o mesmo da IS em geral, vinculado a processos de aprendizagem e protagonismo coletivos (Bock, 2016Bock, B. B. (2016). Rural marginalization and the role of social innovation: a turn towards nexogenous development and rural reconnection. Sociologia Ruralis, 56(4), 552-573. https://doi.org/10.1111/soru.12119
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; Neumeier, 2016Neumeier, S. (2016). Social innovation in rural development: identifying the key factors of success. The Geographical Journal, 183(1), 34-46. https://doi.org/10.1111/geoj.12180
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), entre outros já referidos. A construção do campo de estudos da ISR se dá com base na análise das práticas socialmente inovadoras em sua relação com as especificidades do contexto rural, com as questões que demarcam o novo rural e com os sujeitos que empreendem tais inovações. Assim, Santo e Andion (2022Santo, A. L., & Andion, M. C. (2022). Inovação social rural: aprendizados em uma experiência brasileira. In Anais do 46º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.), ao fazerem a revisão sistemática da literatura sobre ISR, constataram que a maioria dos pesquisadores considera a comunidade como ator principal no desenvolvimento da ISR.

No contexto contemporâneo, a ISR compreende relações sociais, arranjos de governança na comunidade, atitudes, comportamentos e percepções que estimulam formas de ação colaborativa para atender necessidades coletivas (Neumeier, 2016Neumeier, S. (2016). Social innovation in rural development: identifying the key factors of success. The Geographical Journal, 183(1), 34-46. https://doi.org/10.1111/geoj.12180
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). Sobretudo, a ISR compõe um processo mais amplo de mudança social e de enfrentamento às problemáticas do despovoamento nas áreas rurais, inclusão social e superação da desigualdade social (Bock, 2016Bock, B. B. (2016). Rural marginalization and the role of social innovation: a turn towards nexogenous development and rural reconnection. Sociologia Ruralis, 56(4), 552-573. https://doi.org/10.1111/soru.12119
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; Bonavigo & Bavaresco, 2008Bonavigo, E. A., & Bavaresco, P. A. (2008). Fazenda Annoni: da ocupação ao assentamento definitivo. In J. C. Tedesco, & J. J. Carini(Orgs.), Conflitos agrários no norte gaúcho (1980-2008). EST.). A ausência de ISR, afirmam Neumeier (2016)Neumeier, S. (2016). Social innovation in rural development: identifying the key factors of success. The Geographical Journal, 183(1), 34-46. https://doi.org/10.1111/geoj.12180
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, Santo e Andion (2022Santo, A. L., & Andion, M. C. (2022). Inovação social rural: aprendizados em uma experiência brasileira. In Anais do 46º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.), pode ser uma limitação ao desenvolvimento das comunidades rurais.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A presente pesquisa foi desenvolvida no nível descritivo, orientada por um estudo de caso único (Yin, 2015Yin, R. (2015). Estudo de caso: planejamento e métodos(6a ed.). Bookman.). Partiu-se do paradigma interpretativista para compreender a realidade social, reconhecendo que a ISR é um fenômeno social construído coletivamente e enraizado no processo histórico de sua formação, na liderança coletiva e na autonomia de seus membros.

O campo empírico da pesquisa foi a Cooptar, uma das cooperativas de produção constituídas pelo MST nos assentamentos agrários desenvolvidos na Fazenda Annoni, os quais representam um marco histórico das lutas rurais no Rio Grande do Sul (Silva, 2018Silva, C. D. (2018). O símbolo histórico de um movimento pela terra: a desapropriação da Fazenda Annoni no Rio Grande do Sul. Revista Crítica Histórica, 9(18), 258-261. https://doi.org/10.28998/rchvl9n18.2018.0012
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). Criada em 1990 a partir de conflitos e resistências do MST, a Cooptar foi a única cooperativa daquela época que sobreviveu nos assentamentos da antiga Fazenda Annoni, o que, por si só, revela a pertinência de pesquisá-la como ISR. A forma de atuação da Cooptar e as capacidades em se reinventar e responder aos desafios durante sua trajetória a diferencia de outras experiências cooperativas orientadas e estimuladas pelo MST em diversas regiões do país.

O estudo de caso da Cooptar se valeu de pesquisa documental, observações, entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo. Seguiu-se as recomendações de Yin (2015Yin, R. (2015). Estudo de caso: planejamento e métodos(6a ed.). Bookman.) para a seleção de fontes e coleta de dados (documentos e entrevistas) que permitissem apreender o contexto histórico do coletivo e o papel do MST na sua estruturação e formalização, bem como possibilitassem a triangulação de fontes. As entrevistas foram realizadas de janeiro a março de 2020, com 24 informantes-chave, sendo 20 participantes internos (PI) - fundadores da Cooptar e seus filhos - e 4 participantes externos (PE) - profissionais que acompanharam a trajetória de constituição da Cooptar. Os filhos dos fundadores foram considerados informantes-chave pelo caráter familiar da iniciativa. O conteúdo das entrevistas foi transcrito em arquivos Word e submetido à análise combinada com os registros de campo e documentos coletados, usando análise de conteúdo e categorial (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.). Para gerar relatórios de cada categoria, foi usado o software Atlas.ti (versão 8.0). As categorias analíticas foram definidas a priori, com base na literatura. As evidências empíricas sinalizaram outras categorias, as quais foram incorporadas no processo analítico, como consta no Quadro 1.

Quadro 1
Categorias de análise

À luz dessas categorias, a triangulação de fontes e dados possibilitou a compreensão das ISRs e dos elementos que impulsionaram as mudanças sociais da Cooptar.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Contexto de ocupação da Fazenda Annoni e período do acampamento

A década de 1970 foi marcada pela intensificação do regime ditatorial e pela modernização conservadora da agricultura brasileira, aprofundando a concentração fundiária e o desemprego no campo. A alta demanda de capital empregada na modernização da agricultura privilegiou regiões e produtos, bem como potencializou desigualdades na ocupação do campo brasileiro, reprimindo inúmeras atividades econômicas de pequenos proprietários e transformando as relações sociais (Schneider & Escher, 2011Schneider, S., & Escher, F. (2011). A contribuição de Karl Polanyi para a sociologia do desenvolvimento rural. Sociologias, 13(27), 180-219. https://doi.org/10.1590/S1517-45222011000200008
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).

Em contraposição ao uso capitalista e excludente do campo, embates eclodiram em torno da luta pela terra e pela preservação de modos tradicionais e sustentáveis de vida e de produção dos pequenos agricultores e suas famílias. No caso da ocupação da Fazenda Annoni pelo MST, o planejamento e a organização das 1.500 famílias participantes se desenvolveram ao longo dos dois anos que antecederam outubro de 1985. Tratava-se de famílias que viviam do trabalho na terra, mas não tinham terra.

Era cruel para nós naquele período. [...] A terra que nossos pais tinham não era suficiente para dar continuidade, para nós seguirmos a vida com o mínimo de dignidade. Naquele período histórico, parece que se apresentavam duas grandes alternativas para nós: ou a gente partia para a luta para conseguir um pedaço de terra ou aderia àquilo que era o modismo no momento: a migração urbana (PI 1).

A estratégia de ocupação fez parte do processo de formação do MST no Rio Grande do Sul e se tornou marcante pela capacidade de mobilização social e resistência. Foi a primeira demonstração de força, seguida do reconhecimento e da consolidação do movimento (Bonavigo & Bavaresco, 2008Bonavigo, E. A., & Bavaresco, P. A. (2008). Fazenda Annoni: da ocupação ao assentamento definitivo. In J. C. Tedesco, & J. J. Carini(Orgs.), Conflitos agrários no norte gaúcho (1980-2008). EST.).

Nesse processo, que era um muito de movimento e luta pela terra, a gente não definiu uma coisa e outra. Estava entrando na luta pela terra, mas também estava constituindo um movimento. [...] A gente já estava discutindo a organização do MST, fazendo o debate do congresso nacional [do MST], e assim por diante (PI 3).

A ação social foi apoiada por movimentos vinculados à Igreja Católica - Comissão Pastoral da Terra, Comunidades Eclesiais de Bases e Pastoral da Juventude Rural - e por partidos políticos de esquerda. A etapa inicial da ocupação foi o acampamento. As famílias ficaram em barracos de lonas, sem nenhuma infraestrutura para moradia, como saneamento básico e energia elétrica. Para algumas delas, essa situação durou mais de oito anos.

Não tinha nada aqui. Tinha só capim Annoni. Você olhava assim [...] Como vamos fazer? (PI 13).

Sem luz, de liquinho ou de vela, tudo assim foi. Também com a questão da água, a gente ia longe lavar roupa, subir com os baldes, porque não tinha água (PI 14).

Os assentados eram famílias de pequenos agricultores da região, assalariados rurais, pequenos arrendatários, meeiros, famílias atingidas pela barragem de Passo Real e famílias expulsas da Reserva Indígena de Nonoai. A primeira conquista do coletivo foi o título de permanência provisória na Fazenda Annoni, seguida pelo desafio de organizar o espaço ocupado mediante a escassez de alimentos e a precariedade das condições de saúde. O alcance dos objetivos coletivos exigia solidariedade e perseverança a cada dia (Caume, 2006Caume, D. J. (2006). O MST e os assentamentos de reforma agrária: a construção de espaços sociais modelares. Ed. UFG.; Dickel, 2019Dickel, S. L. (2019). A Fazenda Annoni no Rio Grande do Sul: disputa de direitos, luta pela terra e ação dos sujeitos. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, 8(2), 18-36. https://doi.org/10.51359/2238-8052.2019.240677
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). Em conjunto, os acampados decidiram formar equipes responsáveis pelo atendimento das necessidades básicas da coletividade, organizadas em grupos de dez famílias, pelo critério de similaridade cultural.

A vivência do acampamento mudou a dinâmica das práticas sociais. A família deixou de ser o principal espaço das decisões dos seus membros, passando a dar espaços de construções coletivas, a partir dos grupos de famílias, dos grupos de trabalho e das assembleias gerais, o que foi oportunizando também uma formação social e política na prática (Oliveira, 2021Oliveira, D. (2021). Inovação social no meio rural: do acampamento na antiga Fazenda Annoni até a Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata Ltda (Cooptar) (Tese de Doutorado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil., p. 76).

As percepções do “eu” deram espaço para a construção do “nosso”, na concepção de partilha, ajuda mútua e solidariedade. Angústias e ausências foram transformadas em aprendizagens coletivas, resiliência e protagonismo coletivo. O que impulsionou esse protagonismo foi a necessidade de pressionar a efetivação da reforma agrária e, ao mesmo tempo, gerar recursos para a subsistência das famílias (Oliveira, 2021Oliveira, D. (2021). Inovação social no meio rural: do acampamento na antiga Fazenda Annoni até a Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata Ltda (Cooptar) (Tese de Doutorado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil.). Para dar conta da complexidade do cotidiano, os acampados passaram a realizar práticas coletivas e debates que estimulavam ações fundamentadas na cooperação agrícola (Caume, 2006Caume, D. J. (2006). O MST e os assentamentos de reforma agrária: a construção de espaços sociais modelares. Ed. UFG.; Dickel, 2019Dickel, S. L. (2019). A Fazenda Annoni no Rio Grande do Sul: disputa de direitos, luta pela terra e ação dos sujeitos. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, 8(2), 18-36. https://doi.org/10.51359/2238-8052.2019.240677
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), na reciprocidade e na liderança coletiva, elementos característicos da ISR. Uma das práticas foi implementar uma nova estrutura organizacional pensada coletivamente, com formação de comissões e lideranças designadas para a administração do acampamento, descentralizando as ações. Essa estrutura de governança facilitou algumas ações operacionais, mas dificultou decisões intergrupais, assim como potencializou divergências de concepções, como na definição de critérios de escolha das famílias que seriam assentadas na Fazenda Annoni e aquelas que seriam assentadas em outras terras desapropriadas (Oliveira, 2021Oliveira, D. (2021). Inovação social no meio rural: do acampamento na antiga Fazenda Annoni até a Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata Ltda (Cooptar) (Tese de Doutorado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil.).

Entre experiências dolorosas, heterogêneas e antagônicas marcadas pela socialização no acampamento, líderes foram constituídos com diferentes percepções e posicionamentos de luta social, desde argumentos mais místicos e religiosos até posições de enfrentamento mais direto às estruturas de poder (Oliveira, 2021Oliveira, D. (2021). Inovação social no meio rural: do acampamento na antiga Fazenda Annoni até a Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata Ltda (Cooptar) (Tese de Doutorado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil.). A efetividade das mudanças sociais produzidas no acampamento ocorreu com a concessão legal dos lotes de terra pelas famílias acampadas, processo que se estendeu de 1987 a 1993, como descrito no quadro 2.

Quadro 2
Fases do processo de concessão legal das terras aos acampados na Fazenda Annoni

A quarta fase de concessão legal das terras, a mais longa, durou cinco anos, pois não havia terra disponível para todas as famílias acampadas. Frente ao impasse de assentamento das 37 famílias remanescentes, ficou acordado assentá-las na Fazenda Annoni, mas a elas foram destinados lotes menores e com solos degradados. Foi esse último coletivo que constituiu a Cooptar.

Constituição da Cooptar

O resgate do contexto de ocupação da Fazenda Annoni é importante para a compreensão da trajetória que culminou na fundação da Cooptar, em 1990, por 46 famílias de assentados. Alguns de seus fundadores foram líderes dessas experiências anteriores de luta pela democratização do país e por direitos sociais, tendo aportado sua bagagem de conhecimento e resiliência ao coletivo. A Cooptar está localizada no Assentamento 16 de Março e é resultado de processos de fortalecimento do coletivo.

Dentro do acampamento, já começamos a discutir esse negócio da cooperativa, de criar grupos coletivos. Foram criados diversos grupos. Éramos 10, tudo piazada (solteiro). Criamos um grupo. Dois saíram fora, ficamos em 8. Desses, fomos morar juntos. A partir dali criamos a cooperativa e discutimos com outros grupos para fazer um coletivo (PI 8).

Como cooperativa, a Cooptar seguiu os princípios do cooperativismo e, principalmente, a concepção e a orientação do MST quanto à forma de produção e à proposta política que transcende a geração de renda em direção à participação coletiva, ao debate político e à capacitação contínua. No entanto, no campo da produção econômica articulada à democracia política e à sustentabilidade ambiental, é significativo o aporte teórico-metodológico da economia solidária na pesquisa sobre empreendimentos, tipologias, dinâmicas e indicadores multidimensionais. A economia solidária supre uma lacuna do cooperativismo no estudo de pequenos empreendimentos com as características da Cooptar, dadas as mimetizações que muitas cooperativas produzem com relação a empresas de mercado.

Já o MST, apesar de fomentar inciativas econômicas solidárias e sustentáveis, é um movimento social cuja contribuição analítica - e mesmo a literatura sobre ele - enfatiza a dimensão política. Daí porque, mesmo atuando sob os princípios da economia solidária, os membros da Cooptar não buscaram referência no movimento de economia solidária e, portanto, não se autodefinem como tal. Para fins analíticos, no entanto, o aporte da economia solidária e sua vinculação recente com a IS se mostrou fértil para a elucidação da ISR neste estudo.

A Cooptar, desde sua constituição, demonstrou um conjunto de elementos típicos e identitários da economia solidária, como protagonismo coletivo dos assentados, práticas apoiadas em vínculos de solidariedade e reciprocidade, construção de sentido político emancipatório e indicadores econômicos amalgamados aos sociais. Este coletivo vivencia um sistema cooperativado de forma integral, no qual a terra e os meios de produção são de propriedade e de uso coletivo. A área de terra pertencente à Cooptar é formada por 203 hectares, onde atualmente são desenvolvidas as seguintes atividades produtivas e de autossustentação: bovinocultura leiteira, lavoura de grãos, agroindústria, autoconsumo, refeitório, creche, espaço de convivência, residência, esporte e lazer. Apesar de se denominar como cooperativa, a Cooptar se caracteriza como uma agrovila, desenvolvendo um conjunto de processos compartilhados, como cozinha, cuidados com as crianças e rodízios de tarefas. Em outras palavras, a autogestão e a externalização de ganhos vão além do empreendimento, constituindo relações de reciprocidade nas múltiplas dimensões da vida.

Ao longo de seu ciclo de vida, a Cooptar sofreu alterações no quadro de cooperados, contando hoje com 16 famílias de agricultores (42 cooperados). Com exceção dos filhos dos cooperados, os demais atuam na Cooptar desde a criação e residem na agrovila. A autogestão implica processos complexos, em que um indivíduo ou uma família precisa abrir mão ou redefinir práticas e valores em função da coletividade. No caso da Cooptar, muitas foram as mudanças empreendidas, mas duas mobilizaram intensamente e causaram o desligamento de muitas famílias. A primeira foi a repartição da renda com as mulheres e a participação igualitária nos processos decisórios, elementos que se chocaram contra a cultura rural tradicional.

Essa ideia de todo mundo participar da atividade econômica, todo mundo receber de forma igual: homem, mulher [...] No fim, teve gente que saiu da cooperativa porque tinha homem que não aceitava que a mulher recebesse igual a ele, porque ele vem de uma família patriarcal. Quem manda é o pai. A mãe não tinha nem renda. Então, a hora que ela começa a ganhar uma renda, ela começa a enfrentar, ter opinião. Teve pessoas que foram muito claras: saíram porque não conseguiram conviver com isso. Então, isso é uma revolução, e essa revolução você não faz assim (PI 3).

A segunda mudança emblemática se refere à alteração para a produção agrícola ecológica voltada à subsistência e à vida de qualidade. Outros desafios giram em torno de alterações nos processos produtivos. Primeiro foi a produção de grãos, depois implementaram a produção de leite, frigorífico, malharia, criação de suínos, enfim, mudanças que têm ciclos e geram incertezas.

A despeito das complexidades e dos desafios, a Cooptar é uma experiência exitosa, com sustentabilidade econômica e impacto socioambiental. No entanto, há um fator em especial que coroa o êxito dessa experiência: a segunda geração está fazendo formações universitárias que lhes possibilite retornar à comunidade e seguir inovando em processos cooperativos e sustentáveis. Quando jovens, a despeito de todos os apelos a uma vida urbana, planejam seu futuro para o retorno ao campo e à vida em comunidade, tem-se uma verdadeira mudança cultural.

Discussão dos resultados

A análise da experiência da Cooptar revelou elementos característicos das ISRs, conforme demonstrado na Figura 1. Os retângulos em verde representam as categorias selecionadas a partir da literatura da IS na perspectiva transformadora. Os retângulos em azul, por sua vez, representam as categorias de análise da literatura da economia solidária e os elementos identificados na Cooptar.

Figura 1
Elementos característicos da inovação social rural na Cooptar

A análise revelou que o contexto de crise, decorrente do desenvolvimento agrícola excludente, acelerou desigualdades e alijou agricultores e suas famílias dos processos de geração de renda, evidenciando uma situação crítica na luta pela terra. No primeiro momento de atuação, o coletivo vivenciou escassez de recursos, desgastes emocionais e incapacidade para gerar excedentes para a subsistência. No segundo momento, na terceira década de atuação, o frigorífico foi fechado por não atender a exigências legais e o coletivo viu sua renda comprometida, além de vivenciar forte desgaste emocional em razão de novos riscos e incertezas.

Nesse momento, os participantes da Cooptar foram desafiados a refletir criticamente sobre a situação vivenciada. O coletivo percebeu e interpretou esse momento crítico e o considerou uma aprendizagem coletiva. Conscientes das ameaças externas, elencaram seus pontos fracos: incapacidade gerencial e erro na opção pela monocultura, que seguia a lógica econômica do agronegócio e limitava recursos de subsistência. Na busca por alternativas, optaram por desenvolver a liderança coletiva. Avelino et al. (2017Avelino, F., Wittmayer, J. M., Kemp, R., & Haxeltine, A. (2017). Game-changers and transformative social innovation. Ecology and Society, 22(4), 41. https://doi.org/10.5751/ES-09897-220441) afirmam que a construção coletiva de alternativas para a superação das situações críticas são práticas de IS. Elas mobilizam o coletivo em direção a mudanças, evitam exclusões, reduzem falhas operacionais e consolidam resultados. A ISR “vai além de qualquer transposição de novas técnicas produtivas” (Santo & Andion, 2022Santo, A. L., & Andion, M. C. (2022). Inovação social rural: aprendizados em uma experiência brasileira. In Anais do 46º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil., p. 8), num processo social e coletivo de mudança contínua.

Na Cooptar, os discursos contra-hegemônicos do MST em relação à cooperação agrícola e ao desenvolvimento sustentável estimularam os agricultores a ressignificar ideais, objetivos e motivações. Considerando as características da economia solidária (Laville, 2016Laville, J. L. (2016). L’Économie sociale et solidaire, l’Entrepreneuriat social et l’Innovation socieale: une mise en perspective historique. In J. L. Klein, A. Camus, C. Jetté, C. Champagne, & M. Roy(Orgs.), La transformation sociale par l’innovation sociale. L’Université du Québec.), o coletivo foi ampliando sentidos (Ferrarini, 2019Ferrarini, A. V. (2019). Ethos of social innovation: in search of a decolonizing analysis. In S. Baneerje, S. Carney, & L. Hulgard (Orgs.), People centered social innovation: global perspectives on an emerging paradigm (Vol. 1, pp. 89-109). Routledge.) e compondo vivências, práticas e discursos próprios (Bonavigo & Bavaresco, 2008Bonavigo, E. A., & Bavaresco, P. A. (2008). Fazenda Annoni: da ocupação ao assentamento definitivo. In J. C. Tedesco, & J. J. Carini(Orgs.), Conflitos agrários no norte gaúcho (1980-2008). EST.), bem como construindo uma proposta de organização econômica e social, a qual, por si só, configura uma IS transformadora (Klein et al., 2016Klein, J. L., Camus, A., Jetté, C., Champagne, C., & Roy, M. (2016). La transformation sociale par l’Innovation sociale. L’Universitédu du Québec.; Laville, 2016; Ravazzoli et al., 2021Ravazzoli, E., Torre, C. D., Re, R. D., Govigli, V. M., Secco, L., Górriz-Mifsud, E., Pisani, E., Barlagne, C., Baselice, A., Bengoumi, M., Dijskhoorn-Dekker, M., Labidi, A., Lopolito, A., Melnykovych, M., Perlik, M., Polman, N., Sarkki, S., Vassilopoulos, A., Koundouri, P., Miller, D., Streifeneder, T., & Nijnik, M. (2021). Can social innovation make a change in European and Mediterranean marginalized areas? Social innovation impact assessment in agriculture, fisheries, forestry, and rural development. Sustainability, 13(4), 1823. https://doi.org/10.3390/su13041823
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).

Para Avelino et al. (2017Avelino, F., Wittmayer, J. M., Kemp, R., & Haxeltine, A. (2017). Game-changers and transformative social innovation. Ecology and Society, 22(4), 41. https://doi.org/10.5751/ES-09897-220441), as evidências da transformação social estariam nas mudanças de jogo e nas narrativas de mudança. Na Cooptar, constatou-se a criação de espaços para mudar narrativas e desenvolver novos comportamentos, percepções do contexto e padrão das práticas produtivas. A monocultura cedeu espaço à lógica da sustentabilidade, entre as quais se destacam: cultivo de subsistência, práticas de agroecologia, diversificação produtiva, gestão ambiental, novas tecnologias e implementação de novos processos de produção e de controle. Associam-se a essas práticas ações na dimensão social, como socialização de novos saberes, disseminação dos valores ecológicos e reconstrução de práticas com base na historicidade de seus membros.

A esse respeito, Bock (2016Bock, B. B. (2016). Rural marginalization and the role of social innovation: a turn towards nexogenous development and rural reconnection. Sociologia Ruralis, 56(4), 552-573. https://doi.org/10.1111/soru.12119
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) e Neumeier (2016Neumeier, S. (2016). Social innovation in rural development: identifying the key factors of success. The Geographical Journal, 183(1), 34-46. https://doi.org/10.1111/geoj.12180
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) afirmam que é com base em iniciativas coletivas para a (re)produção da vida em diversas frentes que se manifestam as ISRs, transformando a realidade do coletivo. Tal transformação na Cooptar ficou evidente a partir das seguintes características: (i) estruturas físicas do trabalho, das residências e do centro de convivência social, geridas de forma coletiva; (ii) economia das famílias: de dependência/escassez para empoderamento; (iii) superação da desigualdade de gênero através da atuação igualitária entre homens e mulheres; (iv) apoio para a formação técnica específica e acadêmica e; (vi) desenvolvimento de uma concepção de bem-estar rural.

Embasando-se em Avelino et al. (2017Avelino, F., Wittmayer, J. M., Kemp, R., & Haxeltine, A. (2017). Game-changers and transformative social innovation. Ecology and Society, 22(4), 41. https://doi.org/10.5751/ES-09897-220441), constatou-se que as práticas da economia solidária foram determinantes na geração das ISRs na Cooptar, contribuindo para a construção de nova cultura organizacional, transcendendo objetivos econômicos e possibilitando transformações sociais, no sentido explicitado por Ferrarini (2019Ferrarini, A. V. (2019). Ethos of social innovation: in search of a decolonizing analysis. In S. Baneerje, S. Carney, & L. Hulgard (Orgs.), People centered social innovation: global perspectives on an emerging paradigm (Vol. 1, pp. 89-109). Routledge.) e Laville (2016Laville, J. L. (2016). L’Économie sociale et solidaire, l’Entrepreneuriat social et l’Innovation socieale: une mise en perspective historique. In J. L. Klein, A. Camus, C. Jetté, C. Champagne, & M. Roy(Orgs.), La transformation sociale par l’innovation sociale. L’Université du Québec.).

Na Cooptar, relações e práticas sociais foram construídas coletivamente, desenvolvendo as percepções sobre diversidades, igualdade, solidariedade, relações de confiança e de respeito. Ao serem tratadas pelo e no coletivo, promoveram a formação de fortes vínculos sociais entre os participantes. Como afirma Gaiger (2009Gaiger, L. I. (2009). Antecedentes e expressões atuais da economia solidária. Revista Crítica de Ciências Sociais, 84, 81-99. https://doi.org/10.4000/rccs.401
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), essas práticas alteram radicalmente as relações sociais num coletivo, que passam a se perceber como uma “comunidade”, e não apenas como expectadores. A busca pela igualdade de direitos favoreceu a construção de processos democráticos ativos.

REFLEXÕES FINAIS

Os desafios que envolvem a busca pela vida digna de trabalhadores rurais são históricos e transcendem a própria subsistência. A luta pela terra e pela produção cooperativa e sustentável é também uma forma de resistência e de defesa da preservação da vida no campo, da produção de alimentos saudáveis aos brasileiros e do fortalecimento de vínculos sociais e das culturas locais. O valor social produzido é inestimável para o futuro do país. Neste artigo, esses desafios foram estudados e entendidos em seu potencial gerador de ISR. Para ser transformadora, uma IS provoca mudança sistêmica de cultura e de relações de poder, a partir de um contexto democrático para a expressão da diversidade de vozes e de práticas capazes de compor uma solução nova, efetiva e sustentável.

O caso da Cooptar expressa bem a complexidade de elementos contidos na ISR e deixa um legado de importantes aprendizagens. A análise do planejamento das ações de ocupação da Fazenda Annoni, das vivências no acampamento e da constituição da Cooptar revelou a capacidade do coletivo de promover mudanças estruturais não apenas em processos de trabalho, o que já não é fácil, mas também nos modos de vida, nas relações familiares e nos princípios morais. Valores comunitários e práticas ancestrais foram mobilizados e revitalizados pelo MST, pelas forças sociais, pelos líderes e pelas famílias que se engajaram em experiências democráticas pela garantia de direitos e de uma boa vida para todos.

Nesse processo, as principais transformações observadas foram, primeiramente, o desenvolvimento do sentido de coletividade, o qual não negou as individualidades; ao contrário, as valorizou para sua formação. Esses líderes foram fundamentais para conduzir democraticamente a implementação das transformações que se seguiram e que se revelaram como verdadeiras ISRs, como geração de recursos para a subsistência das famílias, produção cooperativada e ecológica, qualificação das estruturas físicas, redução das desigualdades de gênero e melhorias na qualidade de vida e no bem-estar em meio rural.

Tais transformações, sob a lente de categorias teóricas, possibilitaram a identificação dos elementos que contribuíram para fomentar a ISR no coletivo da Cooptar: situações críticas, discursos contra-hegemônicos, solidariedade, confiança, participação democrática, aprendizagens coletivas e protagonismo individual e coletivo. Constatou-se que esses elementos da ISR interagem entre si e geram mudanças estruturais no coletivo, as quais, por meio das aprendizagens coletivas, contribuem para gerar novos conjuntos de aprendizagens, num movimento em espiral. O protagonismo individual alimenta o coletivo na geração de mudanças, com solidariedade e confiança, o que transforma e empodera seus participantes. Teoricamente, uma contribuição relevante deste estudo foi o aprofundamento da ISR como fenômeno social contemporâneo no contexto do novo rural, vinculando-a ao construto da IS transformadora e aos valores e práticas da economia solidária.

Conforme explicitado no texto, foram inúmeros os impasses materiais e relacionais enfrentados pela Cooptar ao longo de sua trajetória. A autogestão não é um processo linear, e a experiência mostrou isso bem, porém as famílias integrantes se desafiaram a rever seus valores e práticas. Os vínculos de confiança e os processos de formação contínua foram determinantes na obtenção de resultados efetivos e na perenização da ISR. Mais do que produzir ISs para cada dilema, as famílias foram desenvolvendo uma cultura inovadora tão rica que os jovens hoje planejam dedicar suas vidas à continuidade e ao aprimoramento dessas práticas solidárias e democráticas. Um futuro promissor se descortina e deixa expectativas de que outros capítulos dessa história de luta e de superação serão escritos e legarão novas aprendizagens sobre inovar e transformar realidades, tanto nas formas de produzir quanto de viver no meio rural.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Campus Erechim

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  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

PARECERISTAS

  • 4
    Pedro de Almeida Costa (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre / RS - Brasil). ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2059-2555
  • 5
    Isaías Albertin de Moraes (Universidade Federal do ABC, São Paulo / SP - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1839-803X
  • 6
    Morgana Krieger (Universidade Federal da Bahia, Salvador / BA - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8444-6920
  • RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES

    O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/91212/85730

Editado por

Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2023
  • Aceito
    19 Jul 2023
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