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Movimentos sociais: ativismo gera emancipação?

Resumo

A teoria de Alain Touraine sobre os Movimentos Sociais (MS) os caracteriza por possuírem uma identidade coletiva própria, adversário definido e uma aposta disputada por estes dois adversários. Este artigo tem como tese que a teoria de Touraine sobre MSs não contempla em si o seu lema principal: a Emancipação. Nesse sentido, acredita-se que as ideias de Boaventura de Sousa Santos podem contribuir para identificar MSs com potencial emancipatório. Como forma de ilustrar estes conceitos, são apresentados exemplos de MSs no Brasil e no mundo, analisando-os à luz das teorias citadas.

Palavras-chave:
Movimentos Sociais; Emancipação; Boaventura de Sousa Santos; Alain Touraine

Abstract

Alain Touraine’s theory on social movements (SMs) characterizes them as having their own collective identity, a defined opponent, and a dispute between these two opponents. This paper considers that Touraine’s theory on SMs does not contemplate their main motto: Emancipation. It is believed that Boaventura de Sousa Santos’ ideas can contribute to identifying SMs with emancipatory potential. To make these concepts concrete, examples of SMs are presented in Brazil and worldwide and analyzed in light of the two cited theories.

Keywords:
Social Movements; Emancipation; Boaventura de Sousa Santos; Alain Touraine

Resumen

La teoría de Alain Touraine sobre los movimientos sociales (MS)los caracteriza por tener una identidad colectiva propia, oponente definido y una apuesta disputada por estos dos oponentes. La tesis de este artículo es que la teoría de Touraine sobre los MS no incluye el lema principal de los MS: la emancipación. En este sentido, se considera que las ideas de Boaventura de Sousa Santos pueden contribuir a identificar los MS con potencial emancipador. Como forma de materializar estos conceptos, se presentan ejemplos de MS en Brasil y en el mundo, utilizando las dos teorías mencionadas.

Palabras clave:
Movimientos sociales; Emancipación; Boaventura de Sousa Santos; Alain Touraine

INTRODUÇÃO

As teorias sobre os Movimentos Sociais (MSs) têm como principal teórico Alain Touraine. Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.) considera que os Movimentos Sociais Tradicionais, baseados na Luta de Classes (MSTs) defendem que os meios de produção sejam propriedade dos trabalhadores, a fim de melhorar as suas condições materiais de vida. Em contrapartida, a partir da década de 1960, Touraine relatou o surgimento dos Novos Movimentos Sociais (NMSs), que possuem foco em diretrizes identitárias e humanitárias. Eles se distinguem por três características: (1) têm uma Identidade Coletiva própria; (2) têm um Oponente definido e (3) têm um Objeto de Disputa (OD) entre os dois oponentes (Touraine, 1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.).

Este artigo tem como tese que as características citadas não contemplam em si o lema principal dos MSs: a Emancipação. Neste sentido, acredita-se que as ideias de Boaventura de Sousa Santos podem contribuir para identificar o MSs com potencial emancipatório. Como forma de exemplificar estes conceitos, são compilados alguns casos ao redor do mundo. A seção seguinte apresenta as principais contribuições sobre MSs.

PRINCIPAIS TEORIAS SOBRE MOVIMENTOS SOCIAIS

Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.) definiu os Movimentos Sociais (MSs) como a ação coletiva de atores com grande poder na sociedade e de atores das lutas de classes em busca de Historicidade em termos sociais. Para o autor, a Historicidade é constituída por orientações culturais majoritárias pelas quais a sociedade organiza normativamente suas relações com seu Meio Ambiente. Na visão dele, o funcionamento da sociedade é regido pela Historicidade, pelas suas relações sociais e pelos seus MSs. Ele considera que os MSs não são apenas reativos às situações, mas também agem ativamente para produzi-las (Touraine, 1984bTouraine, A. (1984b). Le retour de l’acteur: essai de sociologie. Fayard.).

Ele coloca os Novos Movimento Sociais (NMSs) como o centro da análise sociológica, em lugar dos Movimentos Sociais Tradicionais (MSTs). Para Touraine (2004aTouraine, A. (2004a). La sociologie après la sociologie. Revue du MAUSS, 24(2), 51-61. https://doi.org/10.3917/rdm.024.0051
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), o estudo dos MSs ganhou impulso na década de 1960, devido aos movimentos nos EUA em favor dos Direitos Civis, contra a Guerra do Vietnã e outros MSs contemporâneos ao redor do mundo. Ele argumenta que os NMSs estão no “coração da vida social” (Touraine, 1978, p. 99) porque criam conflitos, instituições e novas relações sociais (Touraine, 1965Touraine, A. (1965). Sociologie de l’action. Editions du Seuil.). Além disso, Touraine (1984a) afirmou que quando se quer analisar a sociedade considerando a sua complexidade e a natureza das forças que podem transformá-la, deve-se ter como elementos centrais a Historicidade e os MSs.

Touraine (1985Touraine, A. (1985). An introduction to the study of social movements. Social research, 52(4), 749-787. https://www.jstor.org/stable/40970397) opõe-se frontalmente aos MSTs e à Sociologia Clássica, que trabalha com teorias de acção prevalentes nas sociedades ocidentais economicamente desenvolvidas (Parsons & Shils, 1951Parsons, T., & Shils, E. A. (1951). Toward a general Theory of Action. Harvard University Press.). De maneira oposta, Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.) compreende a sociedade como influenciada pela dialética entre duas forças: (1) a que transforma a Historicidade em organização, para consolidá-la na forma de ordem e poder e (2) a que rompe esta ordem constituída através de Orientações Culturais e conflitos. No segundo caso, estas forças se manifestam sob a forma de Inovações Culturais e MSs.

Em termos de Historicidade, Touraine (1965Touraine, A. (1965). Sociologie de l’action. Editions du Seuil.) considera que os MSs não podem ser analisados isolados dos seus contextos, pois fazem parte de um sistema de relações políticas, ou seja, relações sociais de poder que contribuem para modificar a própria sociedade. Em consequência, o autor defende que a análise de cada MS deve se basear no contexto histórico a que ele pertence.

Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.) relatou que, no contexto das sociedades industriais, os MSTs costumavam se mobilizar quando o regime político e econômico dominante ameaçava a existência cultural e física dos seus participantes. O autor argumentava que no contexto contemporâneo de aprofundamento das diferenças econômicas entre países centrais e emergentes, tem havido um aumento nas tendências de mobilização via NMSs. Eles diferem dos MSTs porque não buscam tomar o poder do Estado; em lugar disto, os NMSs buscam liderar os processos de Historicidade através de agendas identitárias e culturais.

Touraine (1984bTouraine, A. (1984b). Le retour de l’acteur: essai de sociologie. Fayard.) considera que os NMSs têm demonstrado a fragilidade, as contradições e os conflitos na ordem econômica dominante, convencionalmente considerada hegemônica e segura dos seus lucros e privilégios. Ele define os MSs como Conflitos Sociais em que está em jogo o Controle Social dos principais Padrões Culturais, ou seja, das normas que regem as relações sociais (Touraine, 1985Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.). Ele acredita que, para mudar a situação, a intenção precisa ser transformada em Ação Coletiva, caso contrário o MS entra em colapso (Touraine, 1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.).

Além disso, Touraine (1992) argumenta que, ao contrário dos MSTs, os NMSs procuram ser internamente democráticos e autogestionários. De forma mais ampla, os NMSs não pretendem promover o progresso na sociedade de uma forma evolutiva e unívoca, mas apresentando modos de vida alternativos o que, na visão de Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.), os constituem como os principais agentes de Mudança Social nas sociedades democráticas.

Em nível individual, Touraine (1992) acredita que os NMSs constituem as principais defesas do sujeito, na forma de Ação Coletiva contra o mercado, a precarização do trabalho e o Estado, caracterizados pela impessoalidade em termos de relações de poder e regulações. Além disso, ele defende que os NMSs protegem o direito de cada indivíduo ou grupo social de escolher e construir a sua própria existência, defendendo o patrimônio cultural, a língua, as crenças, os feitos e as esperanças que constituem a história e a cultura do seu país de origem e de seu povo.

Isto é consistente com sua posição anterior (Touraine, 1974Touraine, A. (1974). Mouvements sociaux et idéologies dans les sociétés dépendantes. Revue Tiers Monde, 15(57), 217-232. https://doi.org/10.3406/tiers.1974.1996
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), que considerou que os NMSs fundiram em si os movimentos de classe anticapitalistas contra a dominação estrangeira e os que são pró-modernização e integração nacional. Sem os NMSs, Touraine (1992) considerava que os sujeitos poderiam, por um lado, ser levados à alienação individual e, por outro, à conformação da individualidade à Historicidade. Na visão dele, cada MS deve respeitar a liberdade e a responsabilidade dos sujeitos que o compõem, promovendo sua autonomia e habilidades de forma a fomentar a transformação destes sujeitos em atores sociais.

Em vários trabalhos (p. ex. Touraine, 1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX., 2006Touraine, A. (2006). Los movimientos sociales. Revista Colombiana de Sociología, 27, 255-278. https://revistas.unal.edu.co/index.php/recs/article/view/7982
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) considera que um MS é constituído por três princípios: Identidade, Oponente e OD. Contudo, estes princípios dos MSs são apenas princípios orientadores para análise e não podem ser usados como critérios absolutos, pois haveria dificuldade em se identificar os MSs apenas em termos destes critérios.

Em termos da primeira característica, Touraine (2006Touraine, A. (2006). Los movimientos sociales. Revista Colombiana de Sociología, 27, 255-278. https://revistas.unal.edu.co/index.php/recs/article/view/7982
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) ponderava que os coletivos podem ter dificuldade em definir a sua identidade, devido à fluidez da coligação de indivíduos de diferentes grupos sociais, apesar das opiniões semelhantes sobre um determinado assunto. Esta dinamicidade pode levar estes coletivos mais fluidos a uma incapacidade de articulação coletiva.

Em termos da segunda, eles podem ter dificuldade em definir o adversário, gerando apenas MSs progressistas ou reacionários. Pela terceira dimensão de análise, eles podem não ter clareza para definir o seu OD. Nestes três casos, o autor considera que não se está diante de verdadeiros MSs.

Touraine (2004bTouraine, A. (2004b). On the frontier of social movements. Current Sociology, 52(4), 717-725. https://doi.org/10.1177/0011392104043498
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) também acredita que os MSTs que existiam nas sociedades industriais foram gradativamente substituídos pelos NMSs culturais das sociedades pós-industriais, a partir da década de 1960. Mais recentemente, Touraine (2004bTouraine, A. (2004b). On the frontier of social movements. Current Sociology, 52(4), 717-725. https://doi.org/10.1177/0011392104043498
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) alertou que é necessário diferenciar os MSs das manifestações coletivas, porque os primeiros possuem um sentido de identidade e ideologia que o manifestações coletivas não possuem.

Touraine (1981Touraine, A. (1981). Réactions antinucléaires ou mouvement antinucléaire. Sociologie et sociétés, 13(1), 117-130. https://doi.org/10.7202/001799ar
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) considera que sociedades mais democráticas permitem mais o desenvolvimento do NMSs. No entanto, devido à menor necessidade de coesão e organização nestes contextos, eles colapsam mais facilmente. Touraine (1992) considera que a democracia é uma condição necessária para limitar os conflitos sociais, pois, quando limites não são estabelecidos, surgem formas extremistas de contraculturas políticas e manifestações individuais e coletivas de violência.

Em termos de suas causas Touraine (1983Touraine, A. (1983). La crise de la représentation politique. Sociologie et sociétés, 15(1), 131-140. https://doi.org/10.7202/001801ar
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) considera que os MSs têm origem na crise de representação política através de processos eleitorais. De maneira complementar, Touraine (2003) relatou que os MSs se tornaram mais prevalentes à medida que o Estado de Bem-Estar Social foi esvanecendo. Continuando a compreensão desta cadeia de eventos, este abandono deveu-se à flexibilização das regras para o desenvolvimento econômico em tempos de crise, o que precarizou as relações trabalhistas. Desta forma, as crises econômicas inviabilizaram as políticas sociais, abrindo espaço para que os MSs e as Organizações Sem Fins Lucrativos encaminhem demandas ao Estado ou substituam as Políticas Sociais.

Touraine (1965Touraine, A. (1965). Sociologie de l’action. Editions du Seuil.) considerou que a ideia de Estado de Bem Estar Social vem dos MSs. Na sua opinião, esse modelo de Estado absorveu as demandas dos MSs existentes na época, transformando-as em Políticas Públicas. Neste sentido, o aumento do número de MSs em resposta às políticas de Estado Mínimo seria um retrocesso e não uma Inovação Social.

Touraine (1992) considera que outra possível origem dos MSs é o esforço europeu de colonização do mundo, que gerou um desejo de universalização dos valores ocidentais em relação aos povos colonizados. Segundo o autor, isso gerou os MSs europeus dos séculos XVIII e XIX, que visavam ao predomínio da razão e do progresso, lutando contra movimentos reacionários. No contexto atual, Santos e Meneses (2010Santos, B. S., & Meneses, M. P. (2010). Epistemologias do Sul. Cortez.) consideram que os MSs têm um sentido descolonizador, devido à possibilidade de Tradução Intercultural e representação das Epistemologias do Sul, vinculadas aos países periféricos.

Resumindo sua teoria, Touraine (1992) acredita que cada indivíduo constitui um MS em si, agregando ao coletivo de MSs seus projetos, bem como a mobilização de sua própria identidade. Este sujeito seria o lócus de integração entre duas forças centrífugas: a da Identidade, formada através dos processos de Socialização e Herança Cultural e a da Racionalidade, que rege atualmente a sociedade, colocada pela Modernidade como critério fundamental e excludente da Alteridade. Esta Racionalidade, especialmente a econômica, seria colocada como critério hegemônico devido à herança positivista que rege o cientificismo atual.

Segundo Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.), a transição dos MSTs para o NMSs ocorreu através de um processo lento e gradual, pontuado por diversas fases: (1) declínio dos MSTs; (2) crise cultural generalizada questionando os fundamentos da sociedade no passado; (3) rejeição do Modelo Econômico Tradicional de Desenvolvimento; (4) Crítica Liberal e Libertária ao Estado; (5) recusa em concentrar poder e retornar aos grupos primários de convivência e valorização da experiência vivida; (6) desejo de Afirmação da Identidade simultaneamente à aceitação das mudanças propostas pelos NSMs.

Em suma, Alain Touraine argumenta que os NSMs são formados por indivíduos que têm a sua própria agenda. Sua abordagem defende que os NMSs são construídos por agentes conscientes e reflexivos que buscam promover o Bem-Estar Social em nível individual e coletivo. Touraine, ao longo de seu trabalho, acredita que os NMSs trazem Mudança Social ao reconfigurar as estruturas de poder existentes dentro da Historicidade.

De forma complementar, Boaventura de Sousa Santos, ao longo das suas obras, destaca a importância dos MSs na produção de conhecimento, redefinindo narrativas dominantes e promovendo Mudanças Sociais significativas. Ele valoriza a diversidade de perspectivas e ações que os MSs trazem tanto para a Esfera Pública quanto para os Estudos Acadêmicos.

Analogamente a Touraine, ele encara criticamente os MSTs e está empenhado em promover os NMSs, tornando mais prolíficos os intercâmbios e fusões entre: (1) as esferas acadêmica vs. público em geral e (2) diferentes culturas e lugares, inclusive entre países. Esses intercâmbios e hibridismos entre culturas são denominados como Tradução Intercultural (Santos, 2016Santos, B. S. (2016). Epistemologies of the South and the future. From the European South, 1, 17-29. https://www.fesjournal.eu/numeri/archivi-del-futuro-il-postcoloniale-litalia-e-il-tempo-a-venire/epistemologies-of-the-south-and-the-future/
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). Eles ocorrem no seio de vários MSs, como indígenas, feministas, ambientalistas, aproveitando a Interseccionalidade entre estes movimentos e se articulando para alcançar objetivos comuns.

Santos e Meneses (2010Santos, B. S., & Meneses, M. P. (2010). Epistemologias do Sul. Cortez.) introduzem o conceito de Epistemologias do Sul, que se contrapõe à visão eurocêntrica predominante no meio acadêmico. Eles argumentam que as perspectivas e formas de conhecimento geradas pelos MSs marginalizados ou oprimidos são tão válidas quanto as do Norte global, tanto com origem na população em geral quanto no meio científico. Além disso, defende que sua teoria vai além do anticolonial ou decolonial, pois trata da Sociologia das Ausências e da Sociologia das Emergências (Santos, 2002Santos, B. S. (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista crítica de ciências sociais, 63, 237-280. https://doi.org/10.4000/rccs.1285
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). Estas sociologias não têm como foco combater os saberes colonizadores, mas afirmar as possibilidades de novas institucionalidades e modos de relações sociais.

Para o autor, muitas realidades dos países periféricos e em desenvolvimento, localizados predominantemente no Sul global, são invisibilizadas pelo paradigma ocidental dominante. A Sociologia das Ausências visa a tornar presente o que foi invisibilizado ou rotulado como ultrapassado pelos grupos hegemônicos. Desta forma, revertem-se processos de negação e desumanização promovidos contra grupos vulneráveis e países periféricos pelos paradigmas dominantes.

Por outro lado, na Sociologia das Emergências, há uma tentativa de valorizar o que está sendo produzido fora da cultura globalizada, seja em termos de práticas ou de saberes. Este conhecimento pode ser relativo à culinária local, às danças, à música, às visões de mundo, às formas de trabalhar, às formas de lidar com o meio ambiente, entre outros aspectos cotidianos.

Estas novas formas de conhecimento, geradas em diferentes locais de forma não convencional é que constituem as denominadas Epistemologias do Sul (Santos & Meneses, 2010Santos, B. S., & Meneses, M. P. (2010). Epistemologias do Sul. Cortez.). Neste processo, novas formas de parceria e visão de mundo provenientes do Sul Global podem ser incorporadas ao conhecimento hegemônico, num processo de reversão do fluxo colonial de circulação de conhecimento, paradigmas e mercadorias. Desta forma, os autores propõem reconhecer a diversidade epistemológica do mundo e dar voz ao conhecimento subalternizado.

Outra forma de dar voz a este conhecimento é a Democracia Participativa (Santos, 2009Santos, B. S. (2009). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Civilização Brasileira.). Ele considera que é necessário exercer a democracia de forma mais eficaz do que a votação para cargos eletivos. Ele argumenta que a democracia é concretizada em assembleias, grupos de trabalho, mutirões e outras formas de articulação e participação social. Sua obra analisa estas práticas em MSs de diversos territórios, como as que ocorrem durante os Fóruns Sociais Mundiais (FSM). Desta forma, destaca-se a importância da Participação Popular nas decisões políticas, propondo a Democracia Participativa como complemento ou alternativa à Democracia Representativa.

Do ponto de vista econômico-social, Santos (1997Santos, B. S. (1997). Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua Nova, 39, 105-124. https://doi.org/10.1590/S0102-64451997000100007
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) defende a ideia de globalização contra-hegemônica. No processo dominante de Globalização Neoliberal, a integração mundial se baseia em interesses de mercado. Em oposição, o autor considera que outras práticas devem ser disseminadas globalmente: as baseadas nos Direitos Humanos, na Justiça Social e na Diversidade Cultural.

Estes meios de Subsistência Coletiva acontecem num movimento de Reinvenção da Democracia (Santos, 1998Santos, B. S. (1998). Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. Universidade de Coimbra.), liderado pelos MSs, como espaços de inovação, criando alternativas contra-hegemônicas. Esses espaços podem ser, por exemplo, os sindicatos, que, na visão do autor, precisam se reelaborar para atender às demandas trabalhistas atuais, ao invés de se preocuparem com a manutenção da própria institucionalização.

Outra instância em que é possível inovar é o Estado, enquanto articulador dos diferentes MSs, fazendo pontes entre os diferentes níveis de organização e outros stakeholders nos diferentes setores de atividade. Na visão de Santos (1988Santos, B. S. (1998). Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. Universidade de Coimbra.), o Estado deveria promover a discussão de determinados temas relevantes entre atores divergentes, o que faz do Estado, nesta configuração, o “Mais Novo Movimento Social” (Santos, 1988, p. 44). Neste contexto, pode ocorrer a experimentação com NMSs. Eles podem, assim, beneficiar-se da experiência e do aparato estatal em termos de capilaridade e articulação sócio-política, de forma a promover a “Democracia Redistributiva” (Santos, 1988, p. 46), num processo de “Meta-Governança” (Santos, 1988Santos, B. S. (1998). Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. Universidade de Coimbra., p. 51).

O autor defende ainda que a Democracia Redistributiva (Santos, 1988Santos, B. S. (1998). Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. Universidade de Coimbra.) está presente nos processos de tomada de decisão coletiva, como no Orçamento Participativo e no Controle Social dos recursos públicos, via Terceiro Setor, MSs ou Sociedade Civil. Outra forma de atuação é a realização de referendos para a destinação de recursos públicos nos diversos entes federativos.

Nessa metamorfose do Estado, Boaventura o enxerga como “experimental” (Santos, 1988, p. 49), em que as interações entre a esfera governamental e os stakeholders geram demandas, fluxos, invenção ou adaptação de dispositivos legais/institucionais, num processo de aperfeiçoamento incremental de tentativa e erro. Dessa forma, o que está em disputa (à luz da teoria de Touraine) são desenhos institucionais alternativos, atravessados pelas demandas dos diferentes atores do processo. Estes desenhos institucionais devem também incorporar exigências de níveis geográficos distintos, incluindo a cooperação internacional entre países periféricos e semiperiféricos. O autor defende que, desta forma, é possível enfrentar velhas e novas formas de fascismo econômico, social e cultural que são cada vez mais prevalentes e convencionais na sociedade contemporânea.

O autor alerta ainda que é necessário ter como princípios as contradições entre velhas e novas institucionalidades, dado que estas contradições proporcionam condições para a emergência de novas demandas sociais. Além disso, é necessário prover aos diversos stakeholders iguais oportunidades de intervenção e Controle Social, a fim de democratizar a experimentação institucional.

Além disso, Santos acredita que os MSs desempenham um papel crucial na defesa de reformas sociais e do direito ao trabalho digno. Nesta linha de atuação, ele criou a Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS) no âmbito do FSM (Santos et al., 2019Santos, B. S., Oliveira, J. M. V. D., & Süssekind, M. L. (2019). Entrevista com Boaventura de Sousa Santos para ANPEd/Brasil. Revista Brasileira de Educação, 24, e240053. https://doi.org/10.1590/S1413-24782019240053
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), visando a promover a educação intercultural e interpolítica, por meio do intercâmbio de conhecimentos entre os MSs e outras esferas. Dentro da UPMS existem diversos grupos de trabalho e assembleias. Nestes espaços, o tempo total de intervenção de cada orador é limitado, de forma a se maximizar a participação coletiva. Se assim não fosse feito, haveria o habitual monopólio de fala dos mais experientes dentro dos MSs, como os atores provenientes de universidades, do setor público e agentes corporativos.

De modo geral, considerando ambas as teorias apresentadas nesta seção, é possível definir os MSs segundo a Teoria de Touraine e elencar características que distinguem os MSs emancipatórios, à luz das ideias de Santos e Sen. Para apreender um significado mais profundo do conceito de Emancipação, a próxima seção apresenta uma breve revisão da literatura sobre Emancipação.

O CONCEITO DE EMANCIPAÇÃO

A Emancipação não pode ser considerada como um estado estático do ser humano, porque não existe um critério claro para distinguir entre pessoas emancipadas e não emancipadas. Como as ideias que deram lugar ao conceito de Emancipação, Susen (2015Susen, S. (2015). Emancipation. In M. T. Gibbons, D. Coole, E. Ellis, & K. Ferguson(Eds.), The encyclopedia of political thought(pp. 1024-1038). Wiley Blackwell.) atribui as abordagens mais influentes aos seguintes pensadores: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Immanuel Kant (1724-1804), Georg W. F. Hegel (1770-1831) e Karl Marx (1818-1883).

Rousseau (2011Rousseau, J. J. (2011). Discourse on the origin and the foundations of inequality among men. Bedford.) considera tanto a propriedade quanto a Desigualdade Social como subprodutos da Revolução Burguesa, não sendo, portanto, fatos inevitáveis e naturais. Kant (2003Kant, I. (2003). Groundwork for the metaphysics of morals. Oxford University Press.), por outro lado, entende os Imperativos Categóricos como princípios morais incondicionais que são justificados como fins em si mesmos. Na visão de Kant (1996Lima, P. L., & Sawamura, M. H. F. (2016). O ovo da serpente? Fundamentos e variações da crítica ao componente conservador das” Jornadas de junho” de 2013. Leviathan, 13, 91-119. https://doi.org/10.11606/issn.2237-4485.lev.2016.147255
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), os indivíduos podem se libertar do egoísmo e da vilania guiando-se pelos Imperativos Categóricos. Ele chamou esse processo de Esclarecimento, quando o homem sai da condição de imaturidade, ou seja, da falta de capacidade de usar o próprio entendimento.

Hegel (1977Hegel, G. W. F. (1977). Phenomenology of spirit. Clarendon.), de maneira complementar, enxerga os indivíduos não apenas como entidades cognitivas, mas como entidades que estabelecem relações sociais baseadas no reconhecimento mútuo. Na visão dele, a Autolibertação de formas de dominação historicamente específicas só pode ocorrer no seio destes processos de socialização. Marx (2000Marx, K. (2000). Economic and philosophical manuscripts. In D. McLellan(Ed.), Karl Marx: selected writings(pp. 83-121). Oxford University Press.), de maneira semelhante, considera que existem dois tipos de trabalho: o alienado e o emancipado. No alienado, o indivíduo trabalha para satisfazer as necessidades dos outros. No emancipado, ele trabalha para atender às suas próprias necessidades.

De maneira mais ampla, Marx (1992Marx, K. (1992). Early writings. Penguin.) defende que a Emancipação Política é, ao mesmo tempo, a dissolução da Velha Sociedade, na qual repousava o poder do soberano, com o sistema político apartado do povo. A Velha Sociedade, neste contexto, é a Sociedade Feudal, em que o soberano era alheio aos assuntos do povo.

Outra característica deste tipo de sociedade, que era mais prevalente na Idade Média, mas ganhando contornos prosaicos na contemporaneidade, é a prevalência da religião nos assuntos do Estado, ou seja, da Teocracia. No texto sobre a questão judaica, Marx (1992Marx, K. (1992). Early writings. Penguin.) explica que a Emancipação política, enquanto macroprocesso, ocorre quando o Estado se liberta da religião, mas continua a explorar as pessoas. Sua contraparte em nível individual, a Emancipação Humana, ocorre quando o indivíduo não se vê mais à parte da sociedade, integrando as forças sociais a fim de emancipar coletivamente as pessoas (Marx, 1992Marx, K. (1992). Early writings. Penguin.). Neste microprocesso, os homens se emancipam individualmente da religião, tornando-se capazes de perceber a própria alienação no trabalho e de intervir coletivamente contra a sua exploração.

Sobre a Revolução Francesa de 1789, Marx (1992Marx, K. (1992). Early writings. Penguin.) disse que a classe burguesa levantou-se em rebelião porque queria participar do governo à época. Naquele contexto, a Emancipação significou a retirada do controle dos assuntos públicos, dos altos cargos civis, militares e religiosos das mãos das classes privilegiadas que detinham o monopólio dessas funções.

Para Habermas (2005Habermas, J. (2005). Diagnósticos do tempo: seis ensaios. Tempo Brasileiro.), a Emancipação expressa um tipo especial de experiência em que processos de autocompreensão culminam em ganho na Autonomia individual. Em outro momento, Habermas (1983) vê a Autonomia como um esforço para definir os valores e princípios morais que tenham validade e aplicação, independentemente da autoridade dos grupos ou das pessoas que os apoiam, independentemente de o indivíduo se identificar ou não com esses grupos.

Neste sentido, as Normas Sociais podem ser compreendidas como obstáculos à Emancipação (Marx & Engels, 2004Marx, K., & Engels, F. (2004). Manifesto do partido comunista. Martin Claret.). Desta forma, é plausível pensar que grande parte do comportamento social é utilitário, como resultado de um cálculo egocêntrico de vantagens possíveis (Habermas, 2003Habermas, J. (2003). Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tempo Brasileiro.).

Para Marcuse (1979Marcuse, H. (1979). A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Zahar.), este alinhamento se traduz no comportamento do Homem Unidimensional, no qual emerge um padrão de pensamento e comportamento homônimo. Neste padrão, o indivíduo repele ideias, aspirações e objetivos que, pelo seu conteúdo, transcendem o seu universo estabelecido de palavra e ação. Uma alternativa ligeiramente melhor acontece quando ele reduz estas ideias aos construtos do seu universo, perdendo o que não cabe na sua mentalidade limitada (Marcuse, 1979). Este movimento leva o indivíduo a seguir apenas as tendências da sociedade dentro do seu grupo social, percebendo tudo o que está fora como estranho ou desprezível.

O autor argumenta que toda libertação depende da autoconsciência de servidão. Esse despertar da consciência é prejudicado pelo predomínio das necessidades mais básicas, como moradia, alimentação, segurança pública, saúde, educação formal e assim por diante.

Outra componente desta construção é que a libertação não pode ocorrer individualmente, porque a coesão social e a solidariedade são condições para a Emancipação Colectiva (Marx & Engels, 2004Marx, K., & Engels, F. (2004). Manifesto do partido comunista. Martin Claret.). Mais além, a Emancipação Individual é uma pré-condição para a Emancipação Coletiva (Marx, 2005Marx, K. (2005). A questão judaica. São Paulo: Centauro.). A visão de que a Emancipação é um processo de Locus de Controlo Interno condiz com Marx (2005Marx, K. (2005). A questão judaica. São Paulo: Centauro.) e Marx e Engels (2004Marx, K., & Engels, F. (2004). Manifesto do partido comunista. Martin Claret.). Habermas (2003Habermas, J. (2003). Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tempo Brasileiro.) argumentou que a Emancipação pode ser facilitada dentro das sociedades democráticas, não podendo ser promovida por meio de intervenções externas.

Este despertar para o processo de Emancipação só ocorre quando o homem concreto recupera em si o cidadão abstrato e se torna inteiro, no seu trabalho individual e nas suas relações pessoais, tendo reconhecido e organizado as suas próprias forças como forças sociais (Marx, 2005Marx, K. (2005). A questão judaica. São Paulo: Centauro.).

De maneira similar, Rancière (2010Rancière, J. (2010). O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Autêntica editora.) discute a Emancipação a fim de fornecer uma práxis contemplando a Emancipação tanto como meio quanto como fim. Na visão do autor, deve-se partir do ponto de vista de que a todos os seres humanos foi dada igual inteligência. A partir dela, o agente catalisador do processo de Emancipação pode mostrar aos indivíduos a força das suas próprias competências. No entanto, eles têm de reconhecer e operacionalizar eficazmente os seus pontos fortes para lidar com a sua falta de privilégios.

Em termos temporais, Panagia e Rancière (2000Panagia, D., & Rancière, J. (2000). Dissenting words: a conversation with Jacques Rancière. Diacritics, 30(2), 113-126. https://www.jstor.org/stable/1566474
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) consideram que a Emancipação se dá em dois tipos de momentos: os intervalos e as interrupções. Na visão do filósofo, os intervalos são os momentos em que o indivíduo não está trabalhando a favor do mercado. Nestes momentos, como as pausas para refeições e períodos de descanso no trabalho, o indivíduo pode emancipar-se ao tomar contato com experiências e conteúdos libertadores, que lhe possibilitem alcançar a realização pessoal ou profissional de forma mais satisfatória.

Construídas em nível coletivo, as interrupções são momentos como marchas, operações-padrão, greves e outros movimentos de protesto coletivos que levam os agentes do mercado a tomarem consciência da sua dependência em relação a seus empregados. Na visão de Panagia e Rancière (2000Panagia, D., & Rancière, J. (2000). Dissenting words: a conversation with Jacques Rancière. Diacritics, 30(2), 113-126. https://www.jstor.org/stable/1566474
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), só é possível a um empregador comandar um subordinado, devido à comensurabilidade e inteligibilidade da linguagem utilizada por ambos, proporcionada pela condição original de igualdade humana entre eles. Esta condição, ou seja, a consciência de que todos os humanos habitam corpos, sendo portanto vulneráveis e frágeis, deve, na visão do autor, ser constantemente praticada por todos no processo de Emancipação. Ao vivenciar esta igualdade, é possível alcançar efetivamente a Igualdade de Direitos, oportunidades e meios de subsistência para todos.

Com base em Rancière (2000Rancière, J. (2010). O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Autêntica editora.), a Igualdade de Oportunidades entre todos os indivíduos só pode ser alcançada através da Liberdade de Ação. Isto leva a complementar a visão de Rancière por meio das ideias sobre a Emancipação de Amartya Sen.

Sen (2001Sen, A. K. (2001). What is development about. In G. M. Meier, & J. E. Stiglitz(Eds.), Frontiers of Development Economics: the future in perspective(pp. 506-513). World Bank publications.) considera que os principais motores do Desenvolvimento são a Liberdade e a Educação. Comparando diferentes nações, o autor concluiu que aquelas que possuiam o maior número de habitantes com alto nível de escolaridade, dentro de regimes democráticos, são as que apresentam maior desenvolvimento. Do ponto de vista de Sen (2001Sen, A. K. (2001). What is development about. In G. M. Meier, & J. E. Stiglitz(Eds.), Frontiers of Development Economics: the future in perspective(pp. 506-513). World Bank publications.), os regimes democráticos proporcionam Liberdade de Ação para que os habitantes possam exercer as suas competências de subsistência, de maneira que conseguem resistir coletivamente a situações econômicas ou sociais adversas.

Assim como Rancière (2000Rancière, J. (2010). O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Autêntica editora.) considera que a Igualdade é ao mesmo tempo um meio e um fim em si mesma, Sen (2001Sen, A. K. (2001). What is development about. In G. M. Meier, & J. E. Stiglitz(Eds.), Frontiers of Development Economics: the future in perspective(pp. 506-513). World Bank publications.) considera que a Liberdade funciona de forma análoga. Ele considera as Liberdades como fundamentos para a Agência Humana, ou seja, elas são Capacitações para que eles alcancem os Funcionamentos desejados por eles, sendo, portanto, condições facilitadoras para a Emancipação. Estas Liberdades são listadas a seguir.

Liberdade política: dá voz aos cidadãos para denunciar situações de vulnerabilidade Social em um ambiente social não autoritário, auxiliando na distribuição de renda por meio de projetos sociais e do empreendedorismo individual.

  • Liberdades transitórias e de mercado: liberdade de trabalhar, de receber do próprio trabalho e de realizar trocas intelectuais, financeiras e de bens e serviços.

  • Oportunidades sociais: acesso universal à educação básica.

  • Redução da fertilidade de forma não coercitiva: o acesso universal à educação básica proporciona redução da fertilidade sem intervenção coercitiva do Estado, o que leva a uma maior participação feminina na esfera pública e em suas atividades econômicas.

  • Em suma, a partir destas diferentes perspectivas sobre a Emancipação, pode-se compreender que a Emancipação acontece quando um indivíduo se percebe como potencialmente igual aos outros, somando as suas capacidades individuais constituintes ao motor das forças sociais que lhe são afins. Por outro lado, é preciso perceber-se como um ser político e livre para atuar na sociedade atendendo tanto as próprias demandas quanto a busca pelo Bem Comum.

  • Como forma de ilustrar essas teorias de MSs, a seção seguinte exemplifica os MSs contemporâneos em todo o mundo. Esta lista não pretende ser exaustiva, mas fornecer exemplos concretos das diferentes teorias apresentadas nesta seção.

MOVIMENTOS SOCIAIS NO MUNDO

Esta seção lista vários MSs na ordem cronológica aproximada em que se desenrolaram. Sempre que possível são identificados Identidade, Opositor e OD, à luz do que propõe Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.). Adicionalmente, busca-se compreender se o MS é emancipatório, por meio das teorias de Boaventura de Sousa Santos e da Gestão Social.

O Movimento Feminista, segundo Taylor e Whittier (1995Taylor, V., & Whittier, N. (1995). Analytical Approaches to Social Movement Culture: The Culture of the Women’s Movement. In B. Klandermans, & H. Johnston (Eds.), Social movements and culture(pp. 163-187). University of Minnesota Press.), teve ações desde o século XIX tais como grupos de conscientização, marchas, clubes de mulheres e lobby político. A pauta principal deste MS é constituída pelas demandas femininas, considerando a interseccionalidade entre os diferentes países, fenótipos, culturas e orientações sexuais. Têm como adversários os misóginos, especialmente os privilegiados.

Como ODs deste MS, destacam-se: os Direitos Reprodutivos (Touraine, 1992); o Direito à Propriedade de Terras (Doss et al., 2014Doss, C., Summerfield, G., & Tsikata, D. (2014). Land, gender, and food security. Feminist economics, 20(1), 1-23. https://doi.org/10.1080/13545701.2014.895021
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); o Sufrágio Universal (Daley & Nolan, 1994Daley, C., & Nolan, M. (Eds.). (1994). Suffrage and beyond: International feminist perspectives. NYU Press.); a Igualdade de Salários e de Oportunidades de Ascensão Profissional (Figart, 1997Figart, D. M. (1997). Gender as more than a dummy variable: Feminist approaches to discrimination. Review of social economy, 55(1), 509-536. https://doi.org/10.1080/00346769700000022
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) e a busca por maior Representação Política (Lovenduski, 2005Lovenduski, J. (Ed.). (2005). State feminism and political representation. Cambridge University Press.). Em termos de Emancipação, os resultados do movimento feminista são contraditórios. Por exemplo, Duxbury et al. (2018Duxbury, L., Stevenson, M., & Higgins, C. (2018). Too much to do, too little time: Role overload and stress in a multi-role environment. International Journal of Stress Management, 25(3), 250-266. https://doi.org/10.1037/str0000062
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) relatam a sobrecarga de trabalho feminina, devido à falta de uma Divisão Sexual do Trabalho justa no ambiente doméstico. Em contrapartida, Blay e Alterman (2020Blay, E. A., & Avelar, L. (2017). 50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e Chile: a construção das mulheres como atores políticos e democráticos. EUSP.) apresentam os avanços em termos das agendas deste MS no Brasil, na Argentina e no Chile ao longo dos últimos 50 anos.

Outro movimento relevante, a Revolução Argelina, segundo Fantasia e Hirsch (2013Fantasia, R., & Hirsch, E. L. (2013). Culture in rebellion: The appropriation and transformation of the veil in the Algerian revolution. In H. Johnston (Ed.), Social movements and culture(pp. 144-159). Routledge.), ocorreu ao longo da década de 1950, a partir da migração de 600 mil argelinos para a França que lutaram aliados aos franceses na Primeira Guerra Mundial. A revolução teve início durante a colonização francesa da Argélia, ocorrida entre 1830 e 1840, na qual os franceses tentaram eliminar o Islã como base cultural nacional e converter os nativos ao Cristianismo. Como forma de resistência à colonização, os argelinos utilizaram os seus costumes e o conhecimento do próprio território como ativos durante a revolução. Nos termos da teoria de Touraine, a Identidade está relacionada com a Cultura Islâmica, o opositor é a França e o OD é o direito de viver como islâmico dentro de seu próprio país. Segundo os autores, por causa deste MS, houve algumas conquistas: a liberdade das mulheres para atuarem como revolucionárias e a Independência da Argélia em 1962.

Segundo Andrews (2002Andrews, K. T. (2002). Creating social change: Lessons from the civil rights movement. In D. S. Meyer, N. Whittier, & B. Robnett (Eds.), Social movements: identity, culture, and the state (pp. 105-117). Oxford Academic. https://doi.org/10.1093/oso/9780195143553.003.0007
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), o Movimento dos Direitos Civis nos EUA ocorreu entre 1955 e 1968. Como principais reivindicações, pessoas de todas as raças protestaram pela igualdade de oportunidades de educação e trabalho. Os seus oponentes eram MSs e políticos racistas. O OD envolveu o acesso dos negros ao voto, à participação política, à igualdade de educação, às oportunidades de trabalho e o fim da violência contra os negros. Este MS tem cunho emancipatório, culminando no fim do apartheid nos EUA. Por outro lado, ainda não foi possível chegar ao fim da violência de Estado contra os negros.

Na França, Touraine (1998Touraine, A. (1998). Le mouvement de mai: ou le communisme utopique. Le Livre de Poche) relatou a participação estudantil no movimento de maio de 1968. No total, a greve envolveu 11 milhões de pessoas, 22% da população francesa à época. Os oponentes eram as corporações norte-americanas. O OD era o capitalismo, o consumismo e o Imperialismo Americano. Como os ODs são abstratos, o potencial de Emancipação dos MSs envolvidos era limitado.

Brysk (1993Brysk, A. (1993). From above and below: Social movements, the international system, and Human Rights in Argentina. Comparative Political Studies, 26(3), 259-285. https://doi.org/10.1177/0010414 093026003001
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) endereçou vários movimentos argentinos de Direitos Humanos, como Las Madres de la Plaza de Mayo e as Abuelas da Plaza de Mayo. Eles tiveram início em 1976, devido à instação de um regime autoritário, com um desaparecimento estimado de 22 mil pessoas. Como estratégias de mobilização, há até os dias atuais protestos de mães e avós na Praça de Maio. Como OD, busca-se o direito das famílias de enterrar os seus entes queridos e encontrar os netos que foram adotados ilegalmente por famílias leais ao regime. A identidade destes MSs é constituída principalmente pelas mães, avós, esposas e filhos de desaparecidos durante o regime. Como principais resultados, houve um encerramento de ciclo, não propriamente uma Emancipação, pois o MS tornou estas questões visíveis globalmente e levou à justiça os agentes estatais que cometeram estes crimes.

O Movimento Sem Terra (MST), segundo Scherer-Warren (2008Scherer-Warren, I. (2008). Redes de movimentos sociais na América Latina: caminhos para uma política emancipatória? Caderno CRH, 21(54), 505-517. https://doi.org/10.1590/S0103-49792008000300007
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) se desenvolveu no interior do país, a partir de 1984. À luz de Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.), o MST tem o campesinato como Identidade e se opõe aos grandes proprietários de terras, sendo a propriedade da terra o seu OD. Vendo a propriedade da terra como meio de produção e geração de renda, estes MSs se enquadram como emancipatórios no sentido da Teoria das Capacitações de Sen (2001Sen, A. K. (2001). What is development about. In G. M. Meier, & J. E. Stiglitz(Eds.), Frontiers of Development Economics: the future in perspective(pp. 506-513). World Bank publications.).

Continuando a linha do tempo, o Movimento Estudantil Chinês durou de abril a junho de 1989 nas principais cidades da China (Yang, 2007Yang, G. (2007). Emotional events and the transformation of collective action: The Chinese student movement. In H. Flam, & D. King(Eds.), Emotions and social movements(pp. 79-98). ‎ Routledge.). Segundo o autor, o movimento se deu em reação ao regime autoritário, seu opositor, tendo como OD a busca pela liberdade de expressão. A identidade deste MS coincide com a classe intelectual progressista da China. Como se vê atualmente, a China ainda está sob o regime citado, sem possibilidade concreta de Emancipação Coletiva ou Individual.

Gaiger e Kuyven (2019Gaiger, L. I., & Kuyven, P. (2019). Dimensões e tendências da economia solidária no Brasil. Sociedade e Estado, 34(3), 811-834. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-201934030008
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) consideram que o movimento da Economia Solidária (ES) brasileira teve início em 1990. Os ODs do movimento são a Autossustentabilidade dos trabalhadores dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) e a construção de alternativas à Economia Capitalista. Em termos de identidade, esta agenda está sendo liderada atualmente pelas associações e grupos informais brasileiros, como empresas recuperadas, agricultores familiares, artesãos e catadores de materiais recicláveis. O potencial emancipatório deste MS está relacionado ao potencial para aumentar as Capacitações das pessoas, à luz da teoria de Sen (2001Sen, A. K. (2001). What is development about. In G. M. Meier, & J. E. Stiglitz(Eds.), Frontiers of Development Economics: the future in perspective(pp. 506-513). World Bank publications.), por meio das redes via apoio estatal e Terceiro Setor. Sendo este MS constituído maioritariamente por populações vulneráveis, é premente promover a educação e a formação profissional do seu público-alvo.

Ainda no contexto nacional, Scherer-Warren (2014Scherer-Warren, I. (2014). From social movements to street manifestations: Brazilian activism in the 21st century. Política & Sociedade, 13(28), 13-34. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2014v13n28p13
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) refletiu a importância das Jornadas de junho de 2013. Em termos de Identidade, houve uma articulação de diversos MSs como o Movimento Passe Livre, movimentos de moradores de rua e de luta por moradia, movimentos estudantis e Comitês Populares da Copa do Mundo. Como ODs, os manifestantes tinham como pauta: anular o aumento da tarifa no transporte público; implementação da tarifa zero; melhoria da qualidade dos serviços públicos e combate aos gastos com a Copa do Mundo de 2014. Em relação aos opositores, os manifestantes buscaram combater a corrupção na classe política. Em termos de Emancipação, Lima e Sawamura (2016Lima, P. L., & Sawamura, M. H. F. (2016). O ovo da serpente? Fundamentos e variações da crítica ao componente conservador das” Jornadas de junho” de 2013. Leviathan, 13, 91-119. https://doi.org/10.11606/issn.2237-4485.lev.2016.147255
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) relatam que esse MS trouxe resultados ambíguos para a política brasileira, ocasionando o surgimento de partidos de extrema direita, que eram incipientes até então. Estes partidos contam com representantes que ocuparam recentemente diversos cargos eletivos, incluindo a Presidência brasileira, causando retrocessos na legislação, nas ações e na jurisprudência afetando questões identitárias e grupos vulneráveis. Segundo os autores, esses retrocessos ocorrem em tempos de superávite econômico, quando as classes média e proletária perdem a percepção da precariedade no trabalho e passam a reproduzir os discursos das classes mais abastadas.

Em escala global, Castells (2015Castells, M. (2015). Networks of outrage and hope: social movements in the internet age. John Wiley & Sons.) listou diversos movimentos internacionais desencadeados pela Crise Internacional de 2007-2008 e pela Primavera Árabe. Ele relatou que a Primavera Árabe foi iniciada a partir da Revolução de Jasmim na Tunísia. Esta revolução ocorreu entre Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011, articulada principalmente pela União Geral dos Trabalhadores da Tunísia (UGTT) e ativistas dos Direitos Humanos. Os principais ODs deste MS eram a liberdade de expressão, o combate à corrupção política, ao desemprego, à inflação elevada e à acentuada desigualdade social. Eram contra o Estado e levaram à fuga do presidente Zine El Abidine Ben Ali para a Arábia Saudita, encerrando um mandato de 23 anos de regime autoritário. Em termos de Emancipação houve resultados ambíguos, pois conseguiram realizar eleições parlamentares e presidenciais, mas ainda têm de lidar com prisões arbitrárias, falta de liberdade de imprensa e tribunais militares julgando civis.

De maneira análoga, Castells (2015Castells, M. (2015). Networks of outrage and hope: social movements in the internet age. John Wiley & Sons.) discorreu sobre a Revolução Egípcia, ocorrida entre Janeiro e Fevereiro de 2011 contra a fraude nas eleições de 2005 e 2010. Os principais motivadores dos protestos foram o Estado de Exceção, a fome, o desemprego, a justiça social, os direitos laborais, a corrupção, o sexismo, a promoção da participação feminina no parlamento e a violência policial. Embora a intenção fosse progressista, a renúncia de Mubarak à presidência deu sequência a uma sequência de golpes de Estado, resultando em falta de liberdade de imprensa e violação dos Direitos Humanos.

Fazendo um panorama dos movimentos da Primavera Árabe de 2011, Castells (2015Castells, M. (2015). Networks of outrage and hope: social movements in the internet age. John Wiley & Sons.) aponta como motivadores o sufrágio feminino, o direito à educação, à saúde, ao trabalho, de ir e vir e à propriedade. Especificamente nos países árabes mais pobres, a justiça social, a liberdade de expressão, a fome, o desemprego e a corrupção foram as principais causas. Como principais avanços, houve a renúncia de ditadores como Muammar Gaddafi na Líbia e Ali Abdullah Saleh no Iêmen, assim como a inspiração para outros MSs progressistas globalmente.

Por outro lado, muitos dos protestos escalaram para guerras civis, com intervenções militares estrangeiras e o fortalecimento de grupos extremistas, como o Estado Islâmico. Além disso, vários países, posteriormente, experimentaram retrocessos legais e o agravamento de regimes autoritários, com empobrecimento e fuga em massa de refugiados, devido a guerras ou questões políticas.

Pode-se notar pelo exposto que os MSs nem sempre possuem identidade, oponentes ou objetivos bem definidos. O que parece movimentar parte dos participantes dos movimentos é um sentimento de inquietação e desejo de mudança, sem direção ou OD definido. Isso torna a distinção defendida por Touraine (2004bTouraine, A. (2004b). On the frontier of social movements. Current Sociology, 52(4), 717-725. https://doi.org/10.1177/0011392104043498
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), entre MSs e manifestações coletivas uma tarefa inviável, devido às dificuldades elencadas em Touraine (2006Touraine, A. (2006). Los movimientos sociales. Revista Colombiana de Sociología, 27, 255-278. https://revistas.unal.edu.co/index.php/recs/article/view/7982
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).

Ao longo desta seção, registraram-se MSs com definições vagas em termos dos conceitos de Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.) e resultados dúbios em termos de Emancipação. Nas considerações finais, são apresentadas algumas ideias emergentes desta análise.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escolha teórica deste artigo parte das principais Teorias dos Movimentos Sociais, nomeadamente de Alain Touraine e Boaventura de Sousa Santos. Isso nos leva de volta à questão original: o ativismo é capaz de emancipar? Para responder a esta questão, é necessário recorrer às definições de MSs e Emancipação.

Segundo Touraine (1978Touraine, A. (1978). La voix et le regard: sociologie des mouvements sociaux. FeniXX.), eles são caracterizados por Identidade, Oponente e OD. Para que ocorra a Emancipação, a construção da Identidade e do Projeto requer pessoas preparadas para pensarem por si mesmas e defenderem a sua agenda.

Por fazerem parte de um grupo maior, os indivíduos podem ser manipulados por agendas que não são as suas. Neste ponto, é importante distinguir a construção coletiva e efetivamente participativa de agendas top-down. Aqui não está em questão se a agenda é legítima ou não, mas se a construção da agenda em si é realizada de forma emancipatória.

Se as agendas são construídas coletivamente, os debates são otimizados pela discussão e proposição de ideias, formando um coletivo que tem potencial para propor suas próprias agendas. Contudo, se as agendas não forem construídas coletivamente, conforme a prescrição ou direção de autoridades ou MSs mais experientes, o potencial emancipatório é, na prática, diminuído.

À luz da Teoria de Touraine, se um MS tem um adversário específico e um OD, o funcionamento dele pode ser dificultado por diversas razões. Talvez a mais relevante seja a frequente necessidade de vencer o outro e não de vencer com o outro, seja este outro do próprio MS ou de outro MS.

Nestes casos, as Agendas Identitárias dos NMSs podem entrar em conflito entre si, possivelmente prejudicando a busca pelo Bem-Estar Coletivo almejado pelo grupos vulneráveis dentro de MSs distintos. Este tipo de conflito beneficia as forças hegemônicas, que pretendem invisibilizar ou inviabilizar estes MSs por meio do conflito entre eles. Para prevenir esta situação, os MSs devem reconhecer a sua interseccionalidade e unir forças contra ameaças comuns, implementando agendas positivas.

O que se pode deduzir desta discussão é que os MSs, se construídos coletivamente, podem ser efetivamente caminhos para a Emancipação. Assim, a Teoria de Boaventura Sousa Santos é útil para analisar aspectos emancipatórios dos MSs, como se segue. Por exemplo, à luz das Sociologias das Ausências e das Emergências, os MSs que despontam podem ser identificados, mesmo que tenham sido silenciados pela cultura dominante. A partir das Epistemologias do Sul e a incorporação massiva de novas tecnologias pelas massas, questões importantes como o Genocídio Yanomami, os Golpes de Estado em todo o mundo, a Pobreza Climática de quem vive em áreas de risco, a Questão dos Refugiados, entre muitas outras questões prementes para os países periféricos podem ser divulgadas por meio de postagens em plataformas digitais. De forma propositiva, os vídeos e postagens nas redes sociais podem mostrar o cotidiano dos povos originários para o mundo, de forma que eles não sejam vistos como os Outros ou os Exóticos.

Em termos de Democracia Participativa e Redistributiva, os MSs podem ser esferas efetivas de experimentação e convivialidade, presencial ou virtual, possibilitando consultas públicas e debates sobre assuntos de interesse público. Eles podem também desempenhar um papel na formação de líderes capazes de tolerância e trocas recíprocas, intervindo coletivamente na sociedade.

Estes movimentos bottom-up de visibilidade através de meios digitais, propagação de tutoriais através de plataformas públicas de vídeo, por exemplo, estão gradualmente legitimando culturas antes silenciadas, devido à sua ausência das grandes mídias, constituindo gradualmente um processo de Globalização Contra-Hegemônica. Os meios digitais também ajudam a estabelecer ligações entre diferentes MSs em escala global, fazendo-os entrever a interseccionalidade e a semelhança de suas agendas. Ao fazer com que várias mentes de diferentes culturas, experiências de vida e formações pensem de forma conjunta sobre problemas semelhantes, é possível alcançar a tão esperada Reinvenção Cultural proposta por Boaventura de Sousa Santos.

REFERENCES

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  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que sustenta os resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo. A versão estendida do relatório que gerou este artigo está disponível em http://hdl.handle.net/11612/1934

PARECERISTAS

  • 11
    Tamara Ilinsky Crantschaninov (Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da Universidade de Brasília/DF - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4841-9452
  • 12
    Marco Aurélio Marques Ferreira (Universidade Federal de Viçosa, Viçosa / MG - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9538-1699

RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES

  • 13
    O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/91019/85518
  • 14
    [Versão traduzida]
Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que sustenta os resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo. A versão estendida do relatório que gerou este artigo está disponível em http://hdl.handle.net/11612/1934

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Aceito
    05 Out 2023
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