Resumo
A ascensão da direita radical no contexto do capitalismo neoliberal numa era de descolonização e império vem sendo impulsionada por revisionismos historiográficos que informam a radicalização em escala global da colonialidade Norte-Sul negada pela história. Nesse contexto investigamos a negação da América Latina pela historiografia da Unilever (HU) co-produzida pela área de business history (BH). O objetivo é investigar a negação da América Latina na HU e buscar a superação desse quadro em BH por meio de uma abordagem decolonial transmoderna engajada com a maioria vivendo “histórias outras” que promovem um diálogo Sul-Norte inovador entre as viradas históricas euro-britânica e decolonial da América Latina em estudos organizacionais e da gestão (EOG). Como metodologia desenvolvemos uma perspectiva decolonial práxica de investigação historiográfica visando ir além do padrão de pluralidade conformista no Norte, rumo à transmodernidade libertadora no Sul e no Norte. A investigação sugere que a HU incorpora um padrão ambivalente de historicização que é ignorado por ambas as viradas históricas. Argumentamos que a institucionalização do campo de BH pelo mundo anglo-americano como uma virada pós-imperial é informada por dinâmicas inter-imperiais e radicalização do binarismo Norte-Sul protagonizadas pela área de imperial history. Com implicações para pesquisa e ensino em BH e EOG, concluímos que diálogos transmodernos engajados com crescente população vivendo presentes coloniais-imperiais permitem a renovação de lutas decoloniais solidárias no Sul e no Norte contra dinâmicas inter-imperiais de negação e apropriação-contenção de “histórias outras” vividas também por acadêmicos.
Palavras-chave: História de empresas; Decolonial; Estudos organizacionais; Historiografia; Unilever América Latina
Resumen
El ascenso de la derecha radical en el contexto del capitalismo neoliberal en una era de descolonización e imperio ha sido impulsado por revisionismos historiográficos que informan la radicalización a escala global de la colonialidad Norte-Sur negada por la historia. En este contexto, investigamos la negación de América Latina por parte de la historiografía de Unilever (HU) coproducida por el área de business history (BH). El objetivo es investigar la negación de América Latina en HU y buscar superar esta situación en la BH, a través de un enfoque decolonial transmoderno comprometido con la mayoría que vive “historias otras” que promueva un diálogo innovador Sur-Norte entre los giros históricos euro-británico y decolonial latinoamericano en estudios organizacionales y de gestión (EOG). Como metodología, desarrollamos una perspectiva de praxis decolonial de investigación historiográfica con el objetivo de ir más allá del patrón de pluralidad conformista en el Norte, hacia la transmodernidad liberadora en el Sur y el Norte. La investigación sugiere que HU incorpora un patrón ambivalente de historización que es ignorado por ambos virajes históricos. Argumentamos que la institucionalización del campo de BH por parte del mundo angloamericano como un giro posimperial se fundamenta en la dinámica interimperial y la radicalización del binarismo Norte-Sur liderada por el área de la historia imperial. Con implicaciones para la investigación y la enseñanza de BH y EOG, concluimos que los diálogos transmodernos comprometidos con una creciente población que vive en los presentes colonial-imperial permiten la renovación de las luchas decoloniales solidarias en el Sur y el Norte contra las dinámicas interimperiales de negación y apropiación-contención de “historias otras” vividas también por académicos.
Palabras clave: Historia empresarial; Decolonial; Estudios organizacionales; Historiografía; Unilever Latinoamérica
Abstract
The rise of the radical right in the context of neoliberal capitalism within an era of decolonization and the new age of empire has been triggered by revisionisms supporting the radicalization of North-South coloniality on a global scale denied by history. In this context, we investigate the absence of Latin America when interrogating the historiography of Unilever, one of the most important in the field of business history (BH). We also seek to overcome this absence in BH through a transmodern decolonial approach from the perspective of the majority of the population living “histories others,” which promotes an innovative South-North dialogue between the Euro-British and the decolonial historic turns in management and organization studies (MOS). We developed a decolonial practical perspective of historiographic investigation to overcome the pattern of conformist plurality in the North toward liberating transmodernity in both the South and North. The research suggests that the historiography of Unilever embodies an ambivalent pattern of historicization ignored by both the Euro-British and the decolonial historic turns. We argue that inter-imperial dynamics and radicalization inform the institutionalization of BH by the Anglo-American world as a post-imperial turn of North-South binarism championed by the field of imperial history. With implications for research and teaching in BH and MOS, we conclude that transmodern dialogues from the perspective of a growing population living colonialism-imperialism presents enable the renewal of solidary decolonial struggles in the South and North against inter-imperial dynamics of silencing and appropriating-limiting “histories others” also lived by scholars.
Keywords: Business History; Decolonial; Organizational studies; Historiography; Unilever Latin America
INTRODUÇÃO
A ascensão da extrema direita no contexto do capitalismo neoliberal neoimperial numa era de descolonização e império em escala global (Andrews, 2021; Santos, 2018) tem sido acompanhada de revisionismos históricos que informam os presentes coloniais/imperiais que vivemos no Sul e no Norte (Duffield, 2005). Esses revisionismos bloqueiam a pluralidade historiográfica no Norte (White, 1986) e combatem teorias/práticas libertadoras mobilizadas por uma crescente população sulista vivendo “histórias outras” negadas pela história eurocentrada. Nesse contexto, observamos e vivemos a emergência de distintas perspectivas sobre o passado em estudos organizacionais e gestão (EOG) protagonizadas pela historic turn euro-britânica (Clark & Rowlinson, 2004), pela crítica decolonial (Ibarra-Colado, 2006) e, mais recentemente por uma virada pluralista em business history (BH) inspirada na primeira (Friedman & Jones, 2011; Maclean, Harvey, & Clegg, 2017; Toms & Wilson, 2017). A virtual ausência de diálogo entre a virada histórica e a crítica decolonial reafirma em EOG e BH o binarismo Norte-Sul como uma das expressões centrais da radicalização da colonialidade em escala global que vivemos e desafiamos neste artigo1.
Em nossas práticas sulistas focadas na investigação decolonial da face imperial da Unilever, baseada num corpus historiográfico crítico construído no dia a dia por um dos autores e num contexto acadêmico que idolata grandes corporações, a radicalização do binarismo Norte-Sul se materializou de forma surpreendente, irritante e sensível no contexto de nossas “histórias outras”. Descobrimos que a historiografia Unilever (HU), a principal da área de BH, nega a América Latina apesar da presença marcante dessa corporação anglo-holandesa na região desde o início do século XX. Operando em mais de 190 países, 23 deles na América Latina, subsidiárias da região respondem por 12% do faturamento global e por um crescente potencial de acumulação. Junto com os demais países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) representam 58% das operações no mundo - a Unilever Brasil cresce 3 vezes mais do que a média global, sendo a segunda do ranking, atrás apenas da dos Estados Unidos (Unilever, 2018).
Outras descobertas sensíveis nesse contexto de radicalização no Sul e no Norte se seguiram. A negação da América Latina é coproduzida por BH, área de conhecimento comandada pelo Norte global que também nega a maioria crescente de vítimas da história vivendo “histórias outras” (Dussel, 2016; Sandoval, 2000). Pesquisadores de BH que abraçam a virada histórica euro-britânica em EOG informada por uma teoria crítica pós-modernista (Clark & Rowlinson, 2004; Durepos, Maclean, Alcadipani, & Cummings, 2020; Mills, Suddaby, Foster, & Durepos, 2016) a fim de promover uma pluralidade metodológica (Decker, Kipping, & Wadhwani, 2015), narrativística (Popp & Fellman, 2017) e democrática (Laird, 2016) são desencorajados por autores que advertem que pluralidade e histórias alternativas ameaçam o status ontológico de verdade histórica que a BH vem promovendo por mais de 5 décadas (Toms & Wilson, 2017). Nessa era de colonialidade em escala global impulsionada pela radicalização do binarismo Norte-Sul e de revisionismos hiperconservadores produzidos pela extrema-direita populista no Sul e no Norte, essas historicizações nortistas negam a crítica decolonial produzida na América Latina e desafiam e reafirmam um quadro duradouro de pluralidade conformista.
O objetivo principal deste trabalho engajado com colegas no Norte é investigar a negação da América Latina pela HU co-produzida por BH, de modo a ajudarmos a superar o quadro de pluralidade conformista sob a perspectiva da maioria vivendo “histórias outras” em escala global por meio de um diálogo Sul-Norte inovador em EOG, entre a virada euro-britânica e a crítica decolonial. Vivendo lutas do dia a dia contra presentes coloniais/imperiais dentro e fora do meio acadêmico (Santos & Meneses, 2020) organizamos nosso trabalho historiográfico com base nas perguntas a seguir: como a negação da América Latina pela HU foi coconstruída pelo campo de BH? Como decolonizar a BH no Sul Global sob uma perspectiva de crescente maioria de vítimas da história vivendo “histórias outras”? Informado pela práxis fronteiriça de pensar-fazer em EOG (Faria, 2013), abraçamos a transmodernidade como teoria-método decolonial (Dussel, 2016) a fim de investigar a negação da América Latina por HU e BH, por meio de um diálogo Sul-Norte inovador (Faria & Hemais, 2020), com colegas no Norte Global também vivendo presentes coloniais-imperiais e dinâmicas decoloniais (Andrews, 2021; Duffield, 2005) que tentam resistir à hegemonia de história-como-teoria com uma visão de história-como-método em busca de pluralidade crítica via prática histórica para um futuro melhor (Durepos & Mills, 2017; Van de Lent & Durepos, 2019).
ABRAÇANDO A TRANSMODERNIDADE DECOLONIAL COMO TEORIA-MÉTODO
A ascensão da extrema-direita no contexto do capitalismo neoliberal e neoimperial numa era radical de descolonização e império em escala global (Andrews, 2021; Kennedy, 2018) tem sido acompanhada de preocupações crescentes com disputas sobre o passado. Na arena entre projetos historiográficos por um futuro melhor, revisionismos hiper-conservadores liderados pelo Norte Global radicalizam presentes coloniais-imperiais no Sul e no Norte (Santos, 2018), bem como o binarismo Norte-Sul (Duffield, 2005), ao inibir ou intimidar a pluralidade historiográfica radical nortista (White, 1986) e combater práticas-teorias libertadoras mobilizadas por uma crescente população sulista vivendo “histórias outras” negadas pela história eurocêntrica.
Nesse contexto de lutas do dia a dia, decidimos investigar o lado imperial duradouro da Unilever sob uma ótica decolonial. Com base num extenso corpus historiográfico crítico construído por um dos autores, engajado profissionalmente com a historiografia da corporação e com a crítica decolonial - e, por essa razão, marginalizado na área de história empresarial no Brasil -, descobrimos que a América Latina é negada pela corporação, não obstante sua enorme influência na vida cotidiana brasileira, por meio da estrutura do capitalismo monopolista protagonizado por corporações transnacionais durante a ditadura militar (Rodrigues, 2002) e de um espaço publicitário pró-americanismo no país (Durand, 2008), além, claro, da HU, a mais influente historiografia do campo de BH (Fieldhouse, 1978; Jones, 2005).
Para investigarmos essa historiografia em contexto de radicalização do binarismo Norte-Sul que coloca em risco a vida da maioria e do planeta, abraçamos primeiramente a teoria decolonial (Mignolo, 2011). Em seguida, buscamos inspiração em “histórias outras” vividas nos interstícios entre os imaginários decolonial e colonial que também vivemos (Pérez, 1999), de modo a abraçarmos a perspectiva decolonial transmoderna (Dussel, 2016, 2011) e, a partir daí, efetuarmos uma análise historiográfica que tem como foco principal as inter-relações entre acadêmicos e os respectivos contextos que influenciam e são influenciados pela prática historiográfica (Bergquist, 1990).
Como ponto de partida, argumentamos que a negação da América Latina pela principal historiografia de uma BH em busca de pluralidade no Norte Global se inter-relaciona com a radicalização do binarismo Norte-Sul em escala global, a qual cotidianamente reproduzimos e desafiamos. Essa radicalização tem sido impulsionada por revisionismos hiperconservadores e historicizações imperiais que representam o Sul Global como hegemonia essencialista anti-Ocidente (Huntington, 1996) - ou seja, um novo império (Santos & Meneses, 2020) ou sub-império (Pradella & Marois, 2015) - que ‘“invade” e ameaça a vida cotidiana no Norte Global (Duffield, 2005). Esse contexto informa a negação da crítica decolonial até por colegas que criticam internamente a virada histórica euro-britânica em EOG em transição para organizational history (Durepos et al., 2020). Esse contexto de presentes coloniais-imperiais e de movimentos libertadores interconectados que vivemos no Sul e no Norte (Kennedy, 2018; Santos, 2018) informa a emergência da crítica decolonial em EOG (Ibarra-Colado, 2006; Misoczky, 2011) quanto a negação dessa contribuição sulista por historicizações no Norte.
Pesquisadores de EOG no Norte vivem presentes coloniais-imperiais protagonizados por forças conservadoras contrainsurgentes nas universidades neoliberais e em escolas de negócios (Contu, 2018), e defendendo a decolonização (Dar, Liu, Martinez Dy, & Brewis, 2020), acompanhada de críticas crescentemente decoloniais à cumplicidade de EOG na normalização de desigualdade econômica (Fotaki & Prasad, 2015) e na discriminação racial e de gênero-classe (Nkomo, 2018). Por sua vez, pesquisadores no Sul mobilizam uma teoria decolonial em EOG baseada em alteridade radical (Misoczky, 2011) que desvela EOG como artefato de radicalização da colonialidade inaugurada pela modernidade eurocêntrica há mais de 5 séculos (Dussel, 2008). Em outras palavras, EOG é “uma das mais importantes formas de colonialidade epistêmica dos últimos 150 anos” (Ibarra-Colado, 2006, p. 464).
Essa teorização decolonial desestabiliza e reafirma o binarismo Norte-Sul ao subalternizar a práxis transmoderna (Dussel, 2016) e o método de pensar-fazer transfronteiriço (Pérez, 1999) mobilizado historicamente por vítimas da história no Norte e no Sul, bem como pela virada decolonial ampliada (Maldonado-Torres, 2020)2. Portanto, com na teoria decolonial delinking (Mignolo, 2007) e na transmodernidade decolonial (Dussel, 2016), desenvolvemos uma visão práxica inovadora de análise historiográfica engajada com colegas do Norte e sob a perspectiva da maioria que vive “histórias outras”. Assim, investigamos a negação da América Latina pela HU não apenas para desvelar o lado mais obscuro da colonialidade, mas também para ajudar na superação da radicalização do binarismo Norte-Sul e da pluralidade conformista em BH e EOG.
Como primeiro movimento, debruçamo-nos sobre a teorização decolonial latino-americanista desenvolvida pelo projeto Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade (MCD) (Escobar, 2007). Liderado pelo semiólogo argentino Walter Mignolo o projeto MCD expandiu os conceitos decoloniais enunciados pelo sociólogo-politólogo peruano Anibal Quijano (2000) em diálogo com uma das fases do trabalho do filósofo argentino Enrique Dussel (1993). Colonialidade é o termo enunciado com base na teorização decolonial proposta por Quijano para designar a matriz de dominação eurocêntrico-capitalista que permanece - também em países que conseguiram descolonização política nos anos 1960s - desde a conquista/descoberta das Américas em 1492 (Mignolo, 2011). Decolonial e decolonialidade diferem dos termos similares usados em línguas espanhola e inglesa para designar processos de independência de países outrora coloniais de metrópoles imperiais. Sob uma perspectiva de longa-duração a partir da América Latina (Braudel, 1985), colonialidade é a continuidade da matriz de dominação do poder, do ser e do conhecimento (Quijano, 2000) que se radicaliza em escala global, numa era da globalização neoliberal supostamente pós-moderna e pós-colonial liderada pelo Norte Global (Quijano, 2000).
A colonialidade persiste em uma era de descolonização e de império ao normalizar a negação da “diferença colonial” (Dussel, 2016; Mignolo, 2011) que renova a dominação colonizador-colonizado por meio de uma transformação continuada da diferenciação em valores raciais e geopolíticos. Conceitos enunciados no Norte, como novo mundo, terceiro mundo, países emergentes, são classificações epistêmico-racialistas mobilizadas pela matriz colonial e pelo projeto geopolítico de controle do conhecimento que informa o padrão de “colonialidade epistêmica” em centros coloniais (Mignolo, 2011) e também em EOG (Ibarra-Colado, 2006).
Colonialidade é uma dimensão constitutiva e inseparável da modernidade (Dussel, 1993), isto é, modernidade e colonialidade são faces de uma mesma moeda, assim como desenvolvimento e subdesenvolvimento são faces inseparáveis do capitalismo histórico, segundo teorias da dependência produzidas na América Latina nos anos 1960 e 1970 (Sunkel, 1972), em resposta à ideia de que o desenvolvimento é alcançado por países subdesenvolvidos ao longo de estágios evolutivos enunciados pelas teorias (neo)imperiais de desenvolvimento e modernização supostamente pós-imperialismo comandadas pelos Estados Unidos3. A América Latina, nome patriarcal imposto por conquistadores europeus em 1492 aos povos de Alba Yala sem história, teoria e alma, não é apenas diferente da Europa; também em Hegel essa é uma zona não-ser do mundo (Fanon, 1967) que continua racializada, apropriada, negada e classificada como inferior, atrasada e ameaçadora pela colonialidade do poder (Mignolo, 2011).
O principal objetivo da teoria decolonial produzida na América Latina é desvelar o lado mais obscuro da modernidade/colonialidade que racializa “povos sem história e teoria” junto com a recuperação de conhecimentos ou modos de conhecer subalternizados pela colonialidade do poder (Mignolo, 2011). Ao mudarmos o foco naquilo que é enunciado para o “locus de enunciação” (Mignolo, 2011), devemos nos perguntar “quem e quando, por que e onde o conhecimento é gerado” (Mignolo, 2009, p. 4). Com base no argumento de que a América Latina é um contexto privilegiado de dominação colonial e de lutas libertadoras por mais de 5 séculos4 (Mignolo, 2007), a teoria decolonial defende o “delinking/desprendimento do eurocentrismo” pela alteridade radical, ou seja, “uma desvinculação que leva a uma mudança epistêmica descolonial e traz para o primeiro plano outras epistemologias, outros princípios de conhecimento e compreensão e, conseqüentemente, outra economia, outra política, outra ética (Mignolo, 2009, p. 453). Esse projeto informado pela teorização enunciada por Anibal Quijano vai além do binarismo imposto pela diferença colonial para mostrar a partir das fissuras da modernidade, que razão e história modernas encobrem uma “violência originária, constitutiva e irracional” (Dussel, 1993, p. 76). Ao propor a substituição da universalidade eurocêntrica pela pluriversalidade decolonial que permite a todos um mundo em que diferentes mundos podem coexistir (Dussel, 2016), a teoria decolonial de delinking/desprendimento proposta pelo projeto MCD reproduz um padrão auto-afirmativo do latino-americanismo em suas diferentes versões e facetas (Dussel, 2008), que vem sendo contestado principalmente por proponentes da virada decolonial ampliada (Grosfoguel, 2011; Maldonado-Torres, 2020).
Como projeto liderado por acadêmicos da América Latina em instituições nos Estados Unidos, o MCD é um dos componentes da virada decolonial em construção que vai além dos binarismos Norte-Sul e da teoria prática, entre outros. A teorização decolonial é necessária, mas não suficiente para a decolonização5, pois desestabiliza e reafirma a colonialidade do poder ao subalternizar a práxis decolonial transfronteiriça mobilizada por subalternizados que vivem “histórias outras” (Anzaldúa, 2015; Cusicanqui, 2018; Dussel, 2016; Sandoval, 2000), fortalecendo a ideia de que o Sul Global representa um projeto de pretensão imperial ou subimperial tanto no Sul quanto no Norte (Santos & Meneses, 2020; Pradella & Marois, 2015).
Tendo a transmodernidade como uma das bases principais, a virada decolonial vai além de nativismos latino-americanistas e teorizações que subordinam a práxis decolonial marcada por tolerâncias à ambivalência e à contradição (Maldonado-Torres, 2020; Pérez, 1999). A transmodernidade decolonial não é um novo universal abstrato imperial; ao contrário, trata-se de “um convite a pensar a modernidade/colonialidade de forma crítica, desde posições e de acordo com as múltiplas experiências de sujeitos que sofrem de distintas formas a colonialidade do poder, do saber e do ser. A transmodernidade envolve uma ética dialógica radical e um cosmopolitismo de-colonial crítico” (Maldonado-Torres, 2008, p. 162).
Segundo a perspectiva de pensar-fazer fronteiriço em EOG (Faria, 2013), teorizações decoloniais produzidas na América Latina são necessárias, mas não suficientes para a práxis libertadora de desfazer-refazer, desprender-reprender, resistir-reexistir (Mignolo & Walsh, 2018). A transmodernidade enunciada por Dussel vai além da primeira fase do seu trabalho nos anos 1960 e 1970, ao engajar vítimas da história no Sul e no Norte (Dussel, 2016). Não mais tendo a América Latina como vítima ou entidade privilegiada de libertação, a ética da libertação informa as lutas solidárias protagonizadas por centro e periferia, homem e mulher, civilização e natureza, raças e classes, “povos sem história” e povos com história (Dussel, 1993). A ética da libertação não é mais para a América Latina, e sim para o mundo - ou “uma filosofia crítica nascida na periferia que pretende ser relevante em escala global” (Dussel, 2016, p. 47).6
Nessa expansão pluriversal e práxica, Dussel promove diálogos com o Norte e reapropriações transmodernas (Dussel, 2016) que desafiam historicizações (anti-)imperiais para nos lembrar de que avanços significativos da modernidade e da pós-modernidade enunciados no Norte resultam de apropriações de epistemes e materialidades coconstruídas em múltiplos espaços interconectados marcados pela diferença colonial. O método ou a abordagem transmoderna inclui, ao invés de excluir, conceitos eurocêntricos, e reprende, ao invés de desprender, “histórias outras” marcadas por tolerância à contradição e à ambivalência (Anzaldúa, 2015). Em outras palavras, a transmodernidade é “generosa e inclusiva, não reacionária e exclusiva” (Maldonado-Torres, 2008, p. 230) por discernir os elementos positivos da modernidade e da crítica pós-moderna assim como “os elementos valiosos das exterioridades do mundo da vida sulista para imaginar um projeto alternativo de libertação, ético e necessário para a maioria da humanidade” (Dussel, 1999, p. 88).
A virada histórica euro-britânica em EOG contestada por colegas crítico-pluralistas reproduz discursos emancipatórios de dominação por meio da teoria pós-estruturalista/pós-modernista (Booth & Rowlinson, 2006; Clark & Rowlinson, 2004) que tanto desestabiliza-reafirma a hegemonia do positivismo presentista no campo liderado pelos Estados Unidos quanto protege a história universalista de barbarismos decoloniais interconectados com dissidências internas sulistas. A teoria pós-moderna impulsionada também pelo capital neoimperial transnacional liderado por elites capitalistas nos Estados Unidos apropria e contém múltiplas culturas e “histórias outras” de “povos sem história e teoria” interconectados que mobilizam transformações transmodernas no Sul e no Norte que vão além de binarismos Norte-Sul, teoria-prática e decolonialidade-colonialidade (Faria & Hemais, 2020). O binômio teórico modernidade-pós-modernidade mobilizado pela contestada virada histórica funciona como um duopólio interimperial defensivo que apropria materialidades e epistemes sulistas no Sul e no Norte ao negar regiões, espaços e culturas ressignificados como “insignificantes”, “emotivos”, “sem sentido”, “bárbaros” ou “não cultura” (Dussel, 2016).
Ao reproduzir o argumento de que história moderna é um “discurso ideológico problemático sobre, mas categoricamente diferente do passado” (Jenkins, 1991, p. 7) a teorização pós-moderna desdisciplina a história moderna por meio de uma teorização universalista ampliada que critica “o que tem sido chamado de ‘metanarrativas’ ou ‘sistemas de pensamento como a História’” (Munslow, 2012, p. 97). Essa crítica interna reproduz dinâmicas de negação e apropriação-contenção de epistemes-teorias sulistas e de subalternização dupla de “histórias outras” para desafiar a “criação e eventual imposição de uma narrativa particular do passado por historiadores” (Munslow, 2012, p. 96) defendendo o fim “das maneiras particulares pelas quais a modernidade conceituava o passado” (Jenkins, 1991, p. 9). Esse duopólio “defensivo” interimperial torna mais fácil a negação da expansão de dinâmicas de apropriação de materialidades e epistemes no Sul e no Norte. Ao subalternizar saberes ancorados em lutas e práticas cotidianas contra opressões e diferença colonial (Santos, 2018), a virada pós-moderna/pós-estrutural é capaz de corrigir o empirismo positivista teórico por meio de apropriação de desenvolvimentos libertadores práxicos rebaixados como teorizações estruturais, binaristas e essencialistas (Jenkins, 1991).
Com a correspondente radicalização do binarismo Norte-Sul, também as teorizações pós-colonial e decolonial unidas e separadas pelo regime de apartheid teórico no sistema acadêmico liderado pelos Estados Unidos (Sandoval, 200) desafiam e reafirmam presentes coloniais-imperiais que vivemos no Sul e no Norte marcados por disputas inter-imperiais renovadas e pela normalização de práticas extrativistas contrárias à vida da maioria e do planeta (Grosfoguel, 2020) que fomentam um volume crescente de “ideias que correm como rios, do sul para o norte, e se transformam em afluentes e grandes ondas de pensamento” (Cusicanqui, 2018, p. 63). Em outras palavras, a negação da América Latina pela HU não é um problema exclusivo da região a ser resolvido por pesquisadores latino-americanos sob uma óptica teórico-metodológica Sul-Norte. A transmodernidade na matriz colonial em operação no Norte e no Sul regulam o padrão conformista de pluralidade em EOG e BH que permite e restringe resistências em escala global; portanto, é essa regulagem que deve colocar a região numa inédita narrativa histórica empresarial em EOG e BH agora plural e transmoderna.
INVESTIGANDO A NEGAÇÃO DA AMÉRICA LATINA PELA HU
Nossas práticas historiográficas foram marcadas por uma descoberta surpreendente, irritante e sensível, uma história outra que confirma a radicalização do binarismo Norte-Sul. Nas páginas do sítio da subsidiária no Brasil a América Latina nem é mencionada como constituinte de sua historiografia. Na aba “histórico da empresa”, a história eurocêntrica anglo-holandesa é a única narrativa, padrão observado em demais subsidiárias em diferentes países da região7. Nosso estranhamento irritado com essa negação foi amplificado com a descoberta de afirmações de seus executivos: “Investimos de 3% a 4% do faturamento em renovação de ativos produtivos para melhorar a eficiência e a produtividade numa das mais importantes operações da empresa. E somos os maiores investidores publicitários do país e também da região”8, afirma Fernando Fernandez, presidente da Unilever América Latina. “Entregamos outro bom desempenho geral, apesar das severas perturbações econômicas, particularmente na Índia e no Brasil, dois dos nossos maiores mercados”9, afirma Paul Polman, diretor-presidente mundial da corporação entre 2009 e 2018 - atualmente, o novo CEO é Alan Jope - em comunicado que acompanha o balanço de 2016 que registra receitas totais de 52,71 bilhões de euros e lucro líquido de 5,18 bilhões de euros, alta no resultado geral de 5,6%, contra 6,5% dos mercados emergentes, na comparação com o resultado de 2015. “A América Latina continua a ser a principal fonte de crescimento e de lucro da companhia”10, diz o mesmo executivo 3 anos antes nos comentários do balanço de 2013. A continuada relevância da América Latina contrasta com a negação pela HU legitimada pela virada histórica euro-britânica.
Basicamente, 3 grandes obras compõem a HU, todas produzidas na anglo-esfera por autores anglo-americanos - e muitos outros trabalhos mais modestos, aqui não citados, produzidos por autores anglo-holandeses. A mais recente é de Geoffrey Jones (2005), Renewing Unilever. transformation and tradition, focada em aspectos endógenos da corporação industrial no período pós-Segunda Guerra, ajudando a silenciar a literatura que a descreve como corporação imperial (Barnet & Cavanagh, 1995). O autor é professor da Harvard Business School (HBS) e, na época da publicação do livro, agradece, entre vários colegas e colaboradores, a Alfred D. Chandler Jr., herdeiro da família Du Pont e principal teórico da área de Strategic management - ou gestão estratégica (GE) como a denominamos no Brasil.
A segunda é a obra Unilever overseas: the anatomy of a multinational (1895-1965), publicada em 1978 pelo proeminente historiador D. K. Fieldhouse, professor de história imperial e naval da Universidade de Cambridge. A mais emblemática e extensa obra, chamada por business historians de monumental, é a do historiador Charles Wilson, também de Cambridge, The history of Unilever - a study in economic growth and social change, publicada em 2 tomos em 1954. Continua sendo a obra de maior vulto em BH, ao lado de R. W. Hidy e M. E. Hidy: Pioneering in Big Business: History of Standard Oil Company (New Jersey), 1882-1911, estudo da Standard Oil publicado em 1955 nos Estados Unidos. Wilson publicou, em 1968, Unilever 1945-1968, extensão daquela primeira obra.
Nessa obra, Wilson (1954) usou 100 das 430 páginas do volume I (Wilson, 1954, pp. 191-193 e pp. 213-312) e quase 200 das 450 páginas do volume II (Wilson, 1954, pp. 195-372) para cobrir os mercados de atuação da companhia centrados na Europa - cita aqui e acolá outros mercados, em sua maioria países centrais, como: Japão, China e Canadá (Wilson, 1954, pp. 191-193); Austrália e EUA (Wilson, 1954, pp. 197-206); além de China e África (Wilson, 1954, pp. 225-226). Quando a obra foi publicada, em 1954, a Unilever não só havia adquirido empresas de extração de matéria-prima na África e na Ásia - o que gerou registros e arquivos, portanto fontes privilegiadas para historiadores profissionais -, como também já iniciara uma expansão em próspero comércio de exportação e de fábricas ou empresas de comercialização e importação em três países da Europa (1903), no Canadá (1903), na Austrália (1906) e nos Estados Unidos (1906), além do Pacífico e da América Latina, em especial, Argentina (1926), Brasil (1929), México (1939) e Colômbia (1942)11. Assim, não se justifica a exclusão da América Latina nessa obra que, sabidamente, pelo contexto de sua produção editorial, seria fundamental para o campo de BH.
Anos depois a obra de Fieldhouse (1978) deveria ter suprimido essa lacuna ao “colocar a Univeler no contexto de colonização e descolonização” (Wilkins, 1980, p. 23). Entretanto, essa BH ambivalente que desestabiliza-reafirma o campo de “história imperial”12 nega o trabalho de autores críticos que descrevem a Unilever e outras corporações do Atlântico Norte como constituintes centrais de dinâmicas colonialistas duradouras (McClintock, 1995; Rushkoff, 2009). Por exemplo, Walter Rodney, proeminente historiador e ativista da Guiana que rearticulou a Teoria da Dependência no continente africano, descreve a Unilever como uma das principais beneficiárias da exploração colonial epistêmico-material naquela região (Rodney, 1973). Mas Fieldhouse, a serviço da universidade liberal, ao se tornar um crítico interno do campo imperial history, especializado em negar, apropriar, conter e rebaixar a teorização da Dependência liderada por autores da América Latina (Howe, 1998), não desafiou em sua obra o silêncio de Wilson (1954). Ele não visitou as subsidiárias da Unilever na América Latina nos 1970; somente as de Índia, Paquistão, Turquia e Indonésia durante os 3 anos que se ocupou para escrever essa segunda grande obra historiográfica sobre a Unilever.
Apesar de o interesse acadêmico em BH pela América Latina emergir somente em 1954, inicialmente com foco específico em bancos comerciais (Miller, 2008), a negação da América Latina pela HU não é mera contingência historiográfica. Esse esquecimento é informado por dinâmicas contrainsurgentes e contrarrevolucionárias mobilizados pelo pós-imperialismo britânico no exterior e domesticamente (Darwin, 1988; Mockaitis, 1995). Em termos mais específicos, estamos nos referindo ao combate às Teorias da Dependência e ao imaginário decolonial que emergiram na América Latina nos primeiros anos de uma era de descolonização e império em que a Guerra Fria se deslocou do eixo Leste-Oeste para o Norte-Sul.
A radicalização do padrão anglo-esférico de negação neoimperial é consolidada pela obra de Jones (2005), que silencia a periferia como um todo. A negação da presença formal e documentada da Unilever na região desde meados dos 1920s ilustra a radicalização em escala global de dinâmicas Norte-Sul, a apropriação-contenção de desenvolvimentos transmodernos e fomento do padrão de pluralidade conformista no Norte.
Esse memoricídio reiterado, o esquecimento ou o “enterrar no passado” as vidas dos outros atrasados e regiões inteiras do globo como ameaçadores racializados (Dussel, 1999) constitui o lado mais obscuro da modernidade/colonialidade (Mignolo, 2011). No sentido pós-moderno, esquecimento é uma questão situada, discursiva, naturalizada como aceitável. Paul Ricœur, que influenciou Derrida e Lyotard, se apropria do conto Funes o memorioso, de Jorge Luís Borges, para desafiar a memória absoluta que é tida como impossível e opressora (Ricœur, 2007). Visto que, na prática historiográfica, não é possível a memória total prometida pela modernidade, a teoria da história moderna de Kant e um Hegel de “povos sem história” se torna contestável. Controlada por uma minoria ampliada, a história se transforma num projeto discursivo inacabado da modernidade (Habermas, 1987), com base no argumento teórico-emancipador de que não há memória sem esquecimento. Não é possível a memória total, assim como é impossível a história como conhecimento absoluto. Esse é o paradigma que sustenta a modernidade. Ao naturalizar o binarismo memória-esquecimento imposto pela história moderna, a teorização pós-moderna radicaliza no Norte a negação de alternativas materiais e epistêmicas sulistas numa era de descolonização e neoimpério em um mundo pós-colonial supostamente sem fronteiras de uma “globalização truncada” (Amin, 2010), em que circulam livremente mercadorias e capitais, mas não corpos racializados/fronteiriços/indesejáveis.
Com base nos limites da memória daqueles que controlam a autoridade e a responsabilidade de historicizar, a historiografia pós-moderna eurocentrada transforma a modernidade auto-gerada em projeto auto-corrigível e a universidade neoliberal, num projeto simultaneamente emancipatório-regulador e exterminador-apropriador no Sul e no Norte (Santos & Meneses, 2020). Referindo-se à memória como campo prático de seleção de registros com o objetivo de desafiar a história moderna, a história universalista baseada na balcanização racialista de “povos sem história” e na falsa retenção teleológica de totalidades -, Ricœur, o filósofo da subjetividade e da função heurística da ficção, justifica a história que pode esquecer para não problematizar os exterminados/esquecidos/escravizados pelo imaginário colonial. Esses limites da memória universalista são circunscritos pelo imaginário colonial que reafirma o lado mais obscuro da história e silencia histórias subalternas e o imaginário decolonial (Pérez, 1999). Ricoeur esquece que a contestada ‘América Latina’, constituinte racializada da modernidade/colonialidade patriarcal desde 1492 (Mignolo, 2005) permanece submetida à apropriação, à negação e ao silenciamento (Dussel, 1993). Com o objetivo de superarmos esse padrão de pluralidade em patamares mínimos, a seguir engajamos a HU sob uma perspectiva transmoderna.
ENGAJANDO HU SOB UMA PERSPECTIVA TRANSMODERNA
No nosso engajamento transmoderno com a HU com o propósito de escrever subalternos vivendo “histórias outras” no Sul e no Norte, destaca-se a prática historiográfica no contexto de imperial history liderada pela anglo-esfera neoimperial. Essa face ambivalente de BH é ignorada pela virada histórica em EOG e pela crítica decolonial. Na Inglaterra, a hegemonia acadêmica de imperial history iniciada nos anos 1920 começa a ser desafiada no pós-guerra. Liderada pelos historiadores do sistema Oxbridge John Gallagher e Ronald Robinson, imperial history é desestabilizada nos anos 1950 pelo movimento history from below liderado por E.W. Thompson e impulsionado por intelectuais não ocidentais vivendo e apropriando “histórias outras”. Essas historiografias enunciadas nos interstícios entre os imaginários colonial e decolonial que existem tanto no Norte quanto no Sul são apropriadas-contidas e classificadas por uma imperial history ampliada como história “pós-colonial”, categoria inferior que surge nos 1990s com o início de contestações internas e a radicalização do binarismo Norte-Sul (Kennedy, 2018, 2015).
A história empresarial produzida nos Estados Unidos, influenciada pela ideologia do gerencialismo liberal enunciada nos anos 1940 (Burnham, 1941), destaca a face imperial do business britânico para defender e promover a superioridade da corporação moderna industrial supostamente pós-imperial made in US (Chandler & Mazlish, 2005). A HU de Wilson produzida por uma BH ainda pré-científica (Forjaz, 2008), desestabiliza e reafirma a contestada posição dominante de IH, ao ajudar a apagar da memória coletiva o duradouro passado da Unilever na África as e correspondentes conexões imperiais-corporativas com a East Indian Company e desta com a West India Company em outras regiões, incluindo a América Latina (McLean, 2004). Para a Inglaterra em particular, e para o capitalismo anglo-americano em geral, a HU permite teorizar e historicizar “organizações empresariais” sob a perspectiva gerencialista de capitalismo (Chandler, 1959) que apaga no pós-guerra a persistência do capitalismo racial-imperial, da corporação racial-imperial, e da longue durée de super-exploração extrativista e racista inaugurada em 1492.
A obra vincula a grande corporação industrial moderna made in US ao UK e, em menor escala à Europa - e que será celebrada como universal em Harvard pelo pai de BH, Chandler (1962). Ao reforçar o capitalismo gerencialista, essa BH ambivalente desestabiliza e reafirma o passado duradouro da empresa colonial imperial, os respectivos sistemas de administração indireta que também influenciam a universidade metropolitana (Cooke, 2004) e as dinâmicas correspondentes de acumulação de privilégios mobilizadas pela white corporation no contexto ampliado do capitalismo racial-imperial euro-anglo-americano (Kaplan, 2003). Essa virada anglo-americana pró-business no contexto de descolonização da Índia nos anos 1940 e 1950 ocorre em cenário de revoluções anti-colonialismo acompanhadas por dinâmicas de descolonização-recolonização e neocolonialismo-socialismo na África e na Ásia, assim como pelo movimento de países não-alinhados após a Conferência de Bandung, em 1955.
O meticuloso trabalho historiográfico de Fieldhouse (1978) funciona como uma crítica interna conservadora que reafirma o padrão de pluralidade conformista vivido por colegas crítico-pluralistas no Norte. Seu trabalho baseado em teorias liberais do imperialismo apropria e contém historicizações que tratam colonialismo como crime imperial ao negar e desqualificar teorias-práticas da dependência que circulam também no mundo anglo-americano. Segundo o autor, “a maioria dos homens de poder e responsabilidade achou necessário construir impérios formais porque a maré de eventos os varreu para além de todas as soluções alternativas para a crise que se agravava rapidamente na periferia. O colonialismo não era uma preferência, mas um último recurso” (Fieldhouse, 1984, p. 463).
A HU de Fieldhouse também mobiliza historiografias marxistas apoiadas pelo Império Soviético para consolidar o rebaixamento radical de “afirmações emotivas, que operam sem qualquer estruturação daquilo que constitui evidência histórica” (Howe, 1998, p. 216) atribuídas a uma teorização da dependência que mobilizava desenvolvimentos transmodernos atacados pelas versões mais convenientes para o eurocentrismo (Wasserman, 2017). Sua obra desafia e reafirma o padrão colonial da imperial history ao mesmo tempo que ajuda a conter dinâmicas anti-imperialismo solidárias envolvendo insurgentes no Sul e dissidentes no Norte (Gopal, 2019). Ao desafiar e reafirmar a hegemonia da imperial history na área de BH, Fieldhouse enfatiza “a honestidade, a eficiência e a preocupação altruística da maioria dos administradores coloniais com seus súditos” (Howe, 1998, p. 214). Negar a América Latina significa, então, negar e apropriar historiografias transmodernas e lutas interconectadas via “histórias outras” nas colônias e na metrópole contra práticas escravistas/imperialistas/colonialistas protagonizadas pela Unilever no Sul e no Norte (Jones, 1996; Konings, 1998; Udofia, 1984).
A terceira virada da HU é comandada por Geoffrey Jones, em Harvard, que substitui a liderança estadunidense de Chandler em BH patrocinada por instituições centrais do capitalismo neoimperial-racial disfarçado de “gerencialista” (Allen, 2001; Harvey, 2007). Soterrando passados duradouros de expropriação e reafirmando o binarismo Norte-Sul, trabalhos como o de Stuart Jones, nos anos 1990, intitulado Business imperialism and business history, sobre benefícios gerados por corporações multinacionais em territórios pós-coloniais, são transformados em verdade histórica, e movimentos anti-globalização liderados pelo Sul emergem em escala global. Quijano enuncia a historicização decolonial que descreve a globalização liderada por grandes corporações do Norte como imperialismo disfarçado (Quijano, 1995), e a área de imperial history acomoda críticas internas que reafirmam o padrão de pluralidade conformista (Kennedy, 2018) vivido por pesquisadores pluralistas de EOG e BH no Norte.
Jones (1996, pp. 2-20) descreve a história da África do Sul como “repleta de ironias, visto que meia dúzia de grandes corporações dominaram a economia sul-africana” como “produtos do apartheid, sendo elas as principais responsáveis pelo crescimento econômico do país”. A boa história de BH mostra que o sucesso da Unilever não se deve à superexploração de mão de obra negra barata local, e sim ao mercado, ao “know-how técnico ou a habilidades de marketing” da corporação - ou seja, “a lucratividade não parece ter se beneficiado indevidamente da mão de obra negra supostamente barata”. Baixos salários não explicam o sucesso no país, haja vista que uma empresa multinacional, “cujo lucro vem da venda no mercado onde sua subsidiária manufatureira está situada, não pode considerar como um ativo os baixos salários industriais”.
Analisando, para além da Unilever, a indústria têxtil e outros setores como a de atuação da Cecil Rhodes sob o comando dos Oppenheimers no monopólio de diamantes, Jones reafirma a historiografia contrarrevolucionária de Fieldhouse ao argumentar que “o imperialismo empresarial era inteiramente benéfico para o país [...], composto por esses três ingredientes, capital, habilidade e talento empreendedor”. Assim como a HU reafirma a negação não apenas da América Latina, mas de todos “os povos sem história” das periferias, BH produzida em escolas de negócios do Norte, impulsionadas por forças conservadoras e capital contrarrevolucionário, desafia o duradouro passado imperial e nega a expropriação hiper acumulativa de mão de obra e recursos naturais da periferia pela grande corporação como fator chave da acumulação capitalista-imperial numa era de descolonização e império.
ENGAJANDO BH SOB UMA PERSPECTIVA TRANSMODERNA
Junto com a entrepreneurial history, a BH foi criada formalmente no pós-guerra em Harvard, como uma área acadêmica pós-imperial, embora suas raízes principais estejam na Inglaterra do século XIX, quando fábricas de empresas privadas foram conceituadas pelo contestado imperialismo liberal como materialidades revolucionárias do pensamento liberal universalista que confirmava sua superioridade histórica (Pitts, 2009). Segundo a “história oficial” sua institucionalização acadêmica se deve às atuações pioneiras de Gras, Donham e Cole. Ela nega o fato de que a cátedra inaugurada por Gras (1927) é o componente de dinâmicas que transformam BH em recurso da estratégia contra insurgente que reafirma os Estados Unidos como estado pós-colonial que se transforma em potência central do liberalismo internacional no pós-guerra, fundado numa cultura de conformidade racista/nacionalista/imperialista. São marcos cruciais dessa ambivalência a fundação da Business History Society, em 1926, e o lançamento do Journal of Economics Business History, em 1928, no contexto da era progressista, quando a segregação racial e o imperialismo protagonizados pela white corporation se tornaram características dominantes da identidade nacional supremacista dos Estados Unidos (Kaplan, 2003). A BH apropria e contém alternativas transmodernas de libertação no centro metropolitano (Mills, 2017) e na periferia, em especial teorias-práticas que viriam a ser materializadas por teorizações da dependência vividas e enunciadas por uma maioria interseccional heterogênea também nos Estados Unidos (Marable & Hinton, 2011).
A BH é formalmente institucionalizada com a publicação, na Inglaterra, da The history of Unilever, de Charles Wilson (1954), como virada histórica pós-imperialismo que desestabiliza-reafirma o campo de imperial history. A Harvard BS ajuda a disseminar essa identificação pós-imperial ao associar a BH à revolução gerencialista que confirma a tese de superioridade do capitalismo gerencialista, segundo Chandler, na obra Strategy and structure, publicada poucos anos depois da Revolução Cubana (1962). A BH apropria-contém “histórias outras” para desafiar e negar rearticulações da história imperial vivida cotidianamente por outros também na academia, reafirmando a grande corporação moderna como protagonista da prosperidade e da paz em escala global, primeiramente em países da Europa afetados pela Segunda Guerra Mundial -como França, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal, e, também a Ásia, em especial o Japão - e, depois, nos países terceiro-mundistas, em especial os da América Latina.
A BH emerge, portanto, num contexto de lutas de libertação anti-colonialismo na África e na Ásia interconectadas com movimentos anti-imperialismo no Reino Unido (Gopal, 2019) e de antidiscriminação e antirracismo nos Estados Unidos, dentro e fora de universidades e faculdades predominantemente brancas. Em resposta à Conferência de Bandung, em 1955, encontros e colóquios da Business History Conference pós-imperial são realizados em países que reforçam a pax americana por elites locais enfrentando resistências domésticas e internacionais. A ascensão do Movimento Negro dos Direitos Civis, interconectado com movimentos antirracismo e anti-colonialismo no terceiro mundo, impulsionou e foi impulsionada por “histórias outras” solidárias e teorias-práticas correspondentes de libertação enunciadas no terceiro mundo a partir da Revolução Cubana, em 1959. Na América Latina, impulsionada pela ameaça de expansão do comunismo e por ditaduras militares nacionalistas, a BH rapidamente alcança países centrais da região como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela (D’Ávila & Miller, 1999).
Em diálogo transmoderno com teorias neo-marxistas numa era de descolonização e império, teorias da dependência historicizam o capitalismo global sob uma visão estrutural e desafiam a ideia dominante de economia dual para argumentar que o subdesenvolvimento da periferia ocorre simultaneamente ao desenvolvimento do centro, ou seja, a tese do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” (Frank, 1967). Abraçadas por uma crescente maioria vivendo “histórias outras” no Sul e no Norte numa era de descolonização e império, essa e outras teorias-práticas “insurgentes” que foram apropriadas pelas primeiras são classificadas pela universidade da Guerra Fria em transformação como ateóricas (Palma, 1978) e “essencialmente subversivas” (Allardyce, 1990). Ao serem negadas e rebaixadas são apropriadas/tabuladas/ressignificadas pelas teorizações do sistema mundial moderno (Wallerstein, 1974), impedindo, assim, reapropriações transmodernas por sulistas no Sul e no Norte.13
Como componente de história global (Geyer & Bright, 1995; Mazlish, 1998), projeto pós-Eurocêntrico inaugurado pelos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970, que apropria-contém “histórias outras” e desestabiliza-reafirma a história imperial (Berg, 2013), promovendo pluralidade policêntrica superficial com base nos desusos das teses “temporalidades” e “economias-mundos” de Braudel em O Mediterrâneo (1949). Mais adiante, esse projeto de história global pós-imperial focado nas “interações entre pessoas de diversas culturas” (McNeill, 1998) apropria-contém a teoria estruturalista centro-periferia para supostamente promover a substituição pós-eurocêntrica da história eurocêntrica imperial do mundo baseada no binarismo Sul-Norte.
Nesse contexto marcado por dinâmicas de descolonização-recolonização numa era de descolonização e império, pesquisadores nos Estados Unidos abraçam teorizações da dependência sob uma noção de pluralismo radical cada vez menos possível na universidade da Guerra Fria evoluindo para universidade neoliberal corporativa (Mignolo, 2003). Por exemplo, o canadense Hymer (1978) teve sua tese de doutorado defendida nos anos1960, no MIT, somente publicada em 1976, quando movimentos decoloniais na universidade predominantemente branca e eurocêntrica haviam sido violentamente derrotados por mecanismos de recolonização comandados pelo FBI, o Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos. Hymer investigou a internacionalização de corporações multinacionais sob um viés de economia política internacional e imperialismo. Interrompido pela sua morte prematura, o trabalho gerou seguidores fora da BH, incluindo economistas do mainstream. Por exemplo, Brewer (1993) ampliou o trabalho de Hymer, a partir do postulado resource-seeking projects, derivado do modelo eclético de John Dunning sobre determinantes da produção internacional (Dunning, 1973).
Logo após ser contratado pela Universidade de Harvard, Chandler se tornou o principal autor da BH a partir dos 1960 e um dos fundadores da área de strategic management, na qual teorizou o crescimento de empresas multinacionais gerenciadas como o mais importante fator histórico de excepcionalidade e progresso econômico dos Estados Unidos. Como herdeiro de uma das famílias mais privilegiadas e contestadas do país - os Du Pont são tão poderosos quanto os Rockefeller -, Chandler ajudou a consolidar as áreas de BH e gestão estratégica no contexto da Guerra Fria, com o suporte de uma historicização econômica que apaga o lado imperial das grandes corporações industriais e financeiras. Esses artefatos epistêmicos do gerencialismo (Burham, 1941) reafirmam o binarismo Norte-Sul e reforçam os privilégios das grandes corporações e seus gestores no Sul e no Norte (Scotte & Hart, 1991). Seu trabalho antecede silêncios impostos a BH e EOG com uma ideia histórico-científica que distingue a corporação moderna dos Estados Unidos da corporação imperial do passado eurocêntrico e institucionaliza social e academicamente uma contestada “verdade” histórica por meio de BH de que “a principal inovação na economia dos Estados Unidos nos anos 1880 e a virada do século XX foi a criação da grande corporação moderna industrial” (Chandler, 1959, p. 31). Vivida por uma crescente maioria no Sul Global, o duradouro passado imperial negado pela BH é central nas historicizações geradas por teóricos-praticantes da dependência e da libertação na América Latina (Grosfoguel, 1996). Na prática, essa verdade histórica liberta o Norte Global do passado imperial ao negar e apropriar-conter “histórias outras” vividas pela maioria e historicizações transmodernas enunciadas por autores afro-americanos nos Estados Unidos (Marable & Hinton, 2011) e conectadas ao trabalho de outros autores fronteiriços do Oriente Médio (Edward Said), da Ásia (Ranajit Guha, Gayatri Spivak), da África (Frantz Fanon) e da América Latina (Raúl Prebisch, Celso Furtado e teóricos da dependência).
A revolução gerencialista historicizada por Chandler influencia gerações de acadêmicos e instituições em vários países. Nos anos 1970 e 1980, jovens scholars europeus na Universidade de Harvard, como Leslie Hannah, Jürgen Kocka, Patrick Fridenson e Franco Amatori, consolidam em seus países o Harvard paradigm (Forjaz, 2008). Nos anos 1990, de volta a seus países, acadêmicos historicizam a grande corporação como instituição não imperial (business corporation) não apenas estadunidense, mas também europeia (Whittington & Mayer, 2005). Na América Latina iniciativas similares são fomentadas pelo programa Ponto IV anunciado pelo governo Truman, que ajudou a financiar a propagação de conhecimento em desenvolvimento e administração dos Estados Unidos para o terceiro mundo durante a Guerra Fria com o propósito benevolente de conter o avanço do “império do mal” e que viabilizava o projeto pós-guerra estadunidense de comandar a expansão do capitalismo imperial-racial, contando com uma face de capitalismo gerencial que captura anseios no Norte e no Sul por uma nova era pós-imperial, tanto internacional quanto domesticamente.
Conferências de BH, são então realizadas no Rio de Janeiro - capital intelectual da região na época -, onde se versava sobre a “vocação agrícola” da América Latina (Dosman, 2011), segundo a perspectiva de Rostow (1960) que combate o etapismo socialista e nega a longue durée da colonialidade vivida pela maioria no Sul e no Norte numa era de descolonização e império, incluindo acadêmicos do sistema conservador-racista-patriarcal de escolas de negócios (Contu, 2018; Dar et al., 2020). Esse sistema vivido por colegas pluralistas-críticos permite resistência e críticas internas informadas pelo padrão de pluralidade conformista que nega e apropria-contém transformações práxicas libertadoras que vão além do binarismo Norte-Sul mobilizadas por vítimas da história que vivem “histórias outras” interconectadas no Sul e no Norte.
Por meio de dinâmicas contrarrevolucionárias, ditaduras militares, elites locais, e investimentos estrangeiros ajudam a normalizar mecanismos de colonialidade epistêmica em BH e em EOG (Ibarra-Colado, 2006) com destaque para o papel das fundações Ford, Carnegie e Rockfeller na disseminação do American one best way para a região (Barros & Carrieri, 2013). E na criação, claro, de escolas de negócios e administração informadas por dinâmicas de descolonização-recolonização, como a Fundação Getulio Vargas (Cooke & Alcadipani, 2015).
A negação da América Latina via reafirmação do binarismo Norte-Sul reproduzida por BH e EOG numa era de descolonização e império se consolida com radical negação e apropriação-contenção de teorias-práticas da Dependência e da Libertação por meio da contestada construção da hegemonia da abordagem chandlerista-schumpeteriana de “síntese organizacional” (Galambos, 1970) no âmbito de educação gerencial (D’Ávila, 2008) e da institucionalização correspondente de pesquisa com foco em aspectos técnicos e na inovação gerencial da grande corporação industrial (Erro, 2003; Guevara, 1996). O trabalho de Edith Penrose, The theory of the growth of the firm (1959), continua orientando pesquisas de história econômica e de empresas no Brasil (Pelaez, 2008). Na Colômbia, as 20 universidades que adotam a BH também usam ementas Schumpeter-Chandlerianas (Guevara, 1996); padrão observado em outras regiões do terceiro mundo, como a África do Sul (Ndlovu-Gatsheni, 2015).
BREVE ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Por meio de um diálogo transmoderno para investigação historiográfica específica argumentamos que a surpreendente e irritante negação da América Latina pela HU é coproduzida por uma área ambivalente de BH e pela virada histórica em EOG comprometidas com um futuro (imperial) melhor. Uma questão central vivida por colegas do Norte que desafiam a excepcionalidade estadunidense por meio de disputas inter-imperiais no campo da história é a radicalização do binarismo Norte-Sul.
Sob a óptica da maioria vivendo “histórias outras” no Sul e no Norte, argumentamos que a historiografia pós-moderna e a história moderna que informam historicizações em EOG e BH em oposição à excepcionalidade estadunidense são, ao mesmo tempo, projetos diferentes e iguais. Numa era de descolonização e império a historiografia pós-moderna critica o mito imperial de história como descrição objetiva do passado, afirmando que conhecer o passado é uma impossibilidade ontológica (Munslow, 2012). História “é sempre para alguém” (Jenkins, 1991, p. 17) e nunca chega ao fim - por exemplo, “quem conhece apenas uma interpretação da Guerra Fria, não conhece nenhuma interpretação em todo esse fenômeno” (Ankersmit, 2001, p. 120).
Apesar de representar história como ‘discurso’ limitado pela memória e negar materialidades duradouras vividas por historiadores profissionais e por vítimas da história no Sul e no Norte, a historiografia pós-moderna eurocêntrica é igualmente “teórica até o fim” (Jenkins, 1991, p. 1). Ou seja, a teorização pós-moderna que informa a virada histórica euro-britânica em EOG desafia e reproduz o binarismo Norte-Sul que inferioriza povos sem história e teoria e dinâmicas de apropriação-contenção de “histórias outras” sulistas vividas no Sul e no Norte. Ao desafiarem e reproduzirem disputas inter-imperiais por um futuro (imperial) melhor, intensificadas apela ascensão de um Sul Global com pretensões imperiais (Pradella & Marois, 2015; Santos & Meneses, 2020) que ‘invade’ e ameaça a vida cotidiana no Norte Global (Duffield, 2005), historicizações em EOG e BH desafiam e reafirmam em escala global a radicalização do binarismo Norte-Sul.
Ao classificar historiografias produzidas no Norte Global como críticas Eurocêntricas ao Eurocentrismo que mudam o conteúdo da conversa, mas não o teor da diferença colonial (Mignolo, 2011), a teoria decolonial latino-americanista crítica e reafirma o mito da modernidade universalista autogerada que vem sendo desafiada pela transmodernidade decolonial, reforçando o temor da ascensão do Sul Global com pretensões imperiais no Sul e no Norte, subalternizando a praxis decolonial tolerante a ambivalências e contradições mobilizadas pela maioria vivendo “histórias outras” interconectadas, incluindo pesquisadores no Norte e no Sul que também vivem presentes coloniais/imperiais (Jammulamadaka, Faria, Jack, & Ruggunan, 2021). Por exemplo, ainda que a crítica decolonial em EOG que defende uma alternativa à história dirigida para os EOG (Ibarra-Colado, 2006) continue sendo negada pelo contestado e crescente campo de organizational history (Durepos et al., 2020), colegas do Norte têm tentado desafiar a radicalização do binarismo Norte-Sul restringidos pelo padrão de pluralidade conformista ‘dentro da história’ por meio da inclusão de historiografia decolonial latino-americanista (Cooke & Alcadipani, 2015; Wanderley & Barrros, 2019; Wanderley & Faria, 2012) como história pós-colonial, historiografia do Sul, história sob a perspectiva latino-americana, história sob a perspectiva decolonial e outras denominações de inferioridade que poderiam ajudar a promover um futuro (imperial) melhor dentro da história.
Enquanto a teoria decolonial revela o lado mais obscuro da modernidade/colonialidade universalista para propor alternativas à história, eurocêntrica por excelência, a visão transmoderna promove reapropriações práxicas do lado libertador da história, que é ambivalente e cuja ambivalência informa “histórias outras” vividas no Sul e no Norte que vão além de disputas inter-imperiais por um futuro melhor. A transmodernidade, ou diálogo intercultural (Dussel, 2011), reapropria sua face latino-americanista junto com a ideia europeia-eurocêntrica de modernidade como projeto inacabado teorizado por Habermas (1987) e o projeto de multiculturalismo liberal teorizado nos Estados Unidos, por John Rawls em The law of people (2014) como um diálogo “ingênuo (ou cínico) baseado numa simetria inexistente entre os argumentadores” (Dussel, 2016, p. 57). Nesse contexto de disputas inter-imperiais que radicaliza o binarismo Norte-Sul e ameaça a vida da maioria e do planeta, ao argumentarmos que não há alternativa para a teoria decolonial sulista, tampouco haverá alternativa para as disputas teóricas inter-imperiais por um futuro melhor que informam a radicalização do binarismo Norte-Sul e os presentes imperiais-coloniais (Kennedy, 2018).
A transmodernidade engajada com a maioria que vive “histórias outras” vai para além dos binarismos Norte-Sul, teoria-prática, e vidas-na-história - vidas-que-são-história que informam a surpreendente e irritante negação que vivemos nessa pesquisa ao permitir a reapropriação de teorizações e reconexão destas a praxes libertadoras plausíveis mobilizadas no dia a dia por vítimas da história no Sul e no Norte que conciliam resistência e permanência, denúncia e alternativa, subversão e conformidade (Santos, 2018). Engajados com essa maioria e com colegas do Norte vivendo “histórias outras”, reafirmamos nosso propósito de promover reapropriações do lado libertador da história no Norte e no Sul, dentro e fora de instituições acadêmicas. Esperamos não apenas a decolonização acadêmica da BH, como o título deste artigo sugere, mas, em especial, reapropriações coletivas e solidárias do lado libertador da história, nas BH e EOG, que desafiem a radicalização do binarismo Norte-Sul e do binarismo vidas-na-história - vidas-que-são-história que ameaçam a vida da maioria e do planeta.
Projetos transmodernos em educação e pesquisa em BH e EOG no Sul e Norte devem promover a superação do binarismo vidas-na-história - vidas-que-são-história que é reafirmado e desafiado por áreas da história. Disputas inter-imperiais que constituem a finalidade da HU continuam ignoradas por outras áreas do campo historiográfico, tais como história empresarial, história econômica e história da historiografia. Em conjunto, esses campos desafiam e reproduzem a história interimperial do capitalismo (Panitch & Gindin, 2017), protagonizada pela corporação colonial da escravidão negra (Cooke, 2004), da despossessão de territórios nativos (Barker, 2015) e da supremacia branca (Allen, 2001). Esperamos, que este artigo ajude a promover e reafirmar desenvolvimentos focados no dia a dia (Ribeiro, 2018; Sandoval, 2000) que permitem sermos histórias estórias que negociam vidas dentro e fora da história e de instituições acadêmicas no Sul e no Norte que também vivem o dia a dia dentro e fora da história.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é um dos resultados de Estágio de Pós-Doutorado realizado na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE), e foi agraciado com o Prêmio Científico ANPAD 2020 pela Divisão Acadêmica de Estudos Organizacionais e História, Edição EnANPAD XLIV. Agradecemos aos colegas pesquisadores do campo afiliados à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, ANPAD, e aos revisores ad hoc do Cadernos EBAPE.BR que contribuíram para a melhoria do trabalho. Em tempos de pandemia, agradecemos profundamente ao trabalho humanizado da equipe editorial, em especial Fabiana Braga Leal.
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1
Neste trabalho optamos por usar o termo ‘business history’ para realçar a hegemonia anglo-esférica nessa área de conhecimento e nosso engajamento Sul-Norte com colegas do Norte. Parecido com “história empresarial”, Business History carrega um significado “nativo” ambivalente de reprodução e contestação de estruturas imperiais de dominação protagonizados pelo campo de imperial history, ou história imperial. Ao longo do texto usamos os termos em inglês e em português, segundo uma perspectiva ampliada de decolonização engajada com a maioria vivendo “histórias outras” no Sul e no Norte. Aproveitamos para agradecer a contribuição dos revisores para a melhoria deste texto, inclusive no que diz respeito a essa questão linguística.
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2
Essa virada decolonial ampliada em construção (decolonial turn, em inglês; giro decolonial, em espanhol) não se refere a uma única escola teórica, como aquela desenvolvida pelo projeto MCD; ela aponta “para uma família de diversas posições que compartilham uma visão da colonialidade como um problema fundamental na era da modernidade (bem como na era pós-moderna e da informação), e de decolonização ou decolonialidade como tarefa necessária que continua inacabada” (Maldonado-Torres, 2011, p. 2).
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3
O livro The stages of economic growth (Rostow, 1960) descreve a teoria anticomunismo de desenvolvimento, enunciada nos Estados Unidos como uma teoria pós-eurocêntrica que sublinha o fim da História Imperial (Britânica) e desafia teorias etapistas do socialismo. Essa teoria enuncia etapas sequenciais de modernização ou desenvolvimento para países do terceiro mundo, de acordo com o Programa Ponto IV anunciado em 1949, na reeleição de Truman.
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4
“Desprender-se” (i.e., delinking, de acordo com a vasta literatura decolonial publicada em língua inglesa) se refere ao propósito de ir além da universalidade eurocêntrica baseada na diferença colonial e em binarismos correspondentes, como civilização-barbárie, progresso-atraso, bem como povos sem história e com história sob uma concepção pluriversal de ser/saber/viver num mundo no qual diversos mundos coexistem (Mignolo, 2007).
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Dussel argumenta que a práxis faz o caminho, mas ressalta que este “não pode ser feito sem pontos de referência que permitem atravessar topografias e labirintos desconhecidos. É preciso uma bússola para saber em que direção andar”. Em suma, a bússola teórica fornece orientação geral, mas a “direção é descoberta apenas na aplicação concreta, com o material do dia-a-dia da práxis militante e solidária” (Dussel, 2008, p. 322).
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A transferência da Guerra Fria para a região no fim dos anos 1950, contexto geo-histórico denominado de “o último massacre colonial” (Grandin, 2011), foi alimentada pela crença crescente de que uma revolução numa era de descolonização e império era iminente e de que esta seria determinada no Sul Global. A ética de libertação enunciada por Dussel é impulsionada pela surpreendente e contestada emergência das teorias da dependência produzidas na América Latina nos anos 1960 e 1970 (Wasserman, 2014). Nesse contexto Dussel reforça a ressurgência do imaginário decolonial associado ao latino-americanismo nas ciências sociais ao argumentar de modo auto-afirmativo no início dos anos 1970 que “o trabalhador intelectual latino-americano - não apenas professores ou estudantes, sindicalistas, jornalistas, pensadores, etc. - devem lidar principalmente com a América Latina para realizar um trabalho de valor universal, a fim de ser respeitado no mundo da ciência, para quanto o universal só se alcança na perfeição do particularmente efetivado” (Dussel, 1973, pp. 20-21).
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Recuperado de https://www.unilever.com.mx/about/who-we-are/our-history/1940-1949.html
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Recuperado de https://www.istoedinheiro.com.br/a-recuperacao-esta-um-pouco-mais-lenta-do-que-nos-esperavamos/
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Recuperado de http://www.valor.com.br/empresas/4848232/lucro-sobe-e-receita-encolhe-na-unilever-em-2016
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Recuperado de http://www.valor.com.br/empresas/3315462/faturamento-da-unilever-cai-65-no-3
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Argentina (1926), Colômbia (1942), Chile (1962), Venezuela (1967) e República Dominicana (1999) são exemplos de fases de investimento da corporação na região. Entretanto, após quase 30 anos, desde a entrada em 1926, a publicação de Wilson (1954) mantém o silêncio sobre a América Latina.
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Imperial history, ou história imperial, é um campo de conhecimento e práticas criado pela metrópole imperial britânica no fim do século XIX para celebrar a colonização, e negar “histórias outras” vividas por subalternos impactados pelas práticas coloniais ajudando na constituição da própria metrópole britânica (MacKenzie, 1984). Originalmente usado como adjunto ideológico ao império britânico, a imperial history (IH) foi desestabilizada e reafirmada internamente a partir dos anos 1990 por 3 fatores que impulsionam a radicalização da colonialidade e do binarismo Norte-Sul em escala global: a emergência dos estudos pós-coloniais e subalternos na universidade neoliberal dos Estados Unidos viabilizada por dinâmicas Norte-Sul de negação e apropriação-contenção; a duradoura influência de estudos de área na academia do Norte Global no contexto da contrarrevolução neoliberal; e, a emergência do campo de história mundial ou global liderado pelos Estados Unidos em substituição à disciplina de civilização ocidental no currículo da universidade neoliberal multicultural (Kennedy, 2018). Essas dinâmicas inter-imperiais que desestabilizam e reafirmam IH reavivam o binarismo Norte-Sul no mundo anglo-esférico e ajudam a promover teorizações decoloniais nos Estados Unidos e nos países da América Latina, bem como estabelecer no Norte Global o padrão de pluralidade conformista em EOG.
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Impulsionadas por “histórias outras” vividas no Sul e Norte, teorias/práticas da dependência emergiram nos anos 1960 e 1970 na América Latina sob intensas contestações, dentro e fora do sistema acadêmico (Wasserman, 2014), e se tornaram parcialmente “globais” dentro e fora do sistema universitário no Norte e Sul interconectados (Santos, 2018). Enquanto a supremacia branca ajudou a transformar o movimento black power nos Estados Unidos em teorização e, assim, subalternizar sua dimensão práxica para classificá-la como separatismo hegemônico pela universidade da Guerra Fria (Rooks, 2006), teorias da dependência foram parcialmente impulsionadas por dinâmicas extrativistas no Sul e mecanismos imperiais de cooptação contrarrevolucionária no Norte (Sandoval, 2000) para serem classificadas como mais uma teorização insurgente e separatista vinda do Sul com pretensões imperiais (Palma, 1978), impedindo, assim, reapropriações transmodernas por acadêmicos e pela maioria vivendo “histórias outras” em escala global.
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[Translated version] Note: All quotes in English translated by this article’s translator.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
11 Mar 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Feb 2022
Histórico
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Recebido
04 Jan 2021 -
Aceito
20 Ago 2021