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Estrutura de classe e mobilidade social no processo de inserção profissional de jovens no Brasil: reflexões e agenda de pesquisa

Estructura de clases y movilidad social en el proceso de inserción profesional de jóvenes en Brasil: reflexiones y agenda de investigación

Resumo

Diante do contexto de aumento do número de matrículas no Ensino Superior brasileiro e do discurso organizacional de falta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho brasileiro, cresce a importância de estudos acerca de inserção profissional no país. Contudo, grande parte dos já existentes se refere a pesquisas empíricas, sem contemplar particularidades como as especificidades socioeconômicas e a recente expansão do Ensino Superior. Assim, este artigo discute o processo de inserção profissional integrando-o aos conceitos de mobilidade e classe social, à luz das teorias de Pierre Bourdieu e Jessé Souza. A partir disso, propõe-se que a inserção profissional seja analisada como um momento que pode aumentar as chances de mobilidade social, levando-se em conta as singularidades históricas e sociais do Brasil nessa construção. Tal entendimento pode contribuir para o desenvolvimento de uma teoria acerca da inserção profissional no país, ao evidenciar a existência de outros elementos, para além da formação, que podem interferir nesse processo, rebatendo o discurso da meritocracia individual no acesso dos jovens ao mercado de trabalho.

Palavras-chave:
Mercado de trabalho; Inserção profissional; Classe social; Mobilidade social; Jovens

Resumen

Ante el contexto de aumento del número de matrículas en la educación superior brasileña, al tiempo que se destaca la falta de mano de obra calificada, crece la importancia de los estudios sobre la inserción profesional en el país. Sin embargo, gran parte de los existentes se refiere a investigaciones empíricas, sin considerar las peculiaridades de este proceso, tales como las especificidades socioeconómicas y la reciente expansión de la educación superior. Así, este artículo se propone discutir el proceso de inserción profesional integrándolo a los conceptos de movilidad y clase social, a luz de teorías de Pierre Bourdieu y Jessé Souza. Se sugiere que la inserción profesional sea vista como un período importante para la movilidad social y que tenga en cuenta las singularidades históricas y sociales de Brasil en esa construcción. Tal entendimiento puede contribuir al desarrollo de una teoría sobre la integración profesional en el país, a partir del momento en que evidencia la existencia de otros elementos, más allá de la formación, que pueden interferir en ese proceso, rebatiendo el discurso de la meritocracia individual en el acceso de los jóvenes el mercado de trabajo.

Palabras clave:
Mercado laboral; Inserción profesional; Clase social; Movilidad social; Jóvenes

Abstract

There is a growing demand for studies on the transition from school to work in Brazil. This comes at a time that there is an increase in enrollment for higher education and when there is a lack of skilled labor force in the country. However, many of the existing studies refer to empirical research, without considering some particularities of this transition process, such as socioeconomic specificities and the recent increase in access to higher education in Brazil. This article aims to discuss the concept of transition from school to work, integrated with other concepts such as social mobility and social class, based on Pierre Bourdieu’s and Jessé Souza’s theories. It is proposed that the transition from school to work starts to be seen as an important period for social mobility, taking into account the Brazilian historical and social singularities in its theoretical construction. Such understanding may contribute to the development of a Brazilian school-to-work transition theory, since it contains other elements besides qualification that interfere in this process, countering the discourse of individual meritocracy for entering the labor market.

Keywords:
Labor market; Transition school-to-work; Social class; Social Mobility; Young people

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, nota-se uma série de transformações no acesso ao sistema de formação e no mercado de trabalho brasileiro. O país passou, dos anos 2000 até meados de 2014, por um crescimento das taxas de emprego, ainda que os novos postos de trabalho fossem predominantemente atividades de curta duração, com menores garantias sociais e baixa remuneração (POCHMANN, 2012POCHMANN, M. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012.). Sem melhorar a qualidade dos postos de trabalho, a partir de 2014, os rumos da política nacional foram alterados e as políticas de ajuste econômico fizeram com que o país entrasse novamente em um período de recessão. Com isso, as taxas de desemprego se elevaram a patamares semelhantes aos do final do século passado, atingindo a marca de 13,1% no início de 2018 (IBGE, 2018INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa mensal de emprego (PME). 2018. Disponível em: <Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?t=destaques >. Acesso em: 18 jul. 2018.
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).

Nesse cenário, jovens e adultos competem pelos empregos existentes, sendo que os primeiros têm a falta de experiência e redes de acesso mais restritas na disputa por oportunidades (ROCHA, 2008ROCHA, S. A inserção dos jovens no mercado de trabalho. Cadernos CRH, v. 21, n. 54, p. 533-550, 2008.; GUIMARÃES-DOS-SANTOS, 2013GUIMARÃES-DOS-SANTOS, G. P. Juventude, trabalho e educação: uma agenda pública recente e necessária. Por quê? In: MACAMBIRA, J.; ANDRADE, F. R. B. (Org.). Trabalho e formação profissional: juventudes em transição. Fortaleza: IDT/UECE/BNB, 2013. p. 73-88.). Há consenso no país de que o processo de inserção dos jovens brasileiros no mercado de trabalho é inseguro e precário, no momento em que parte considerável deles recebe baixos salários, tem vínculos informais e jornadas de trabalho que não permitem a conciliação com os estudos (GANZ LUCIO, 2013GANZ LUCIO, C. Apresentação. In: MACAMBIRA, J.; ANDRADE, F. R. B. (Orgs.). Trabalho e formação profissional: juventudes em transição. Fortaleza: IDT/UECE/BNB, 2013. p. 7-11.). Tal situação de dificuldade no acesso ao mercado de trabalho por parte dos jovens não é restrita ao contexto brasileiro, uma vez que a taxa global de desemprego juvenil, segundo a Organização Internacional do Trabalho (ILO, 2017INTERNACIONAL LABOUR ORGANIZATION - ILO. Global Employment Trends for Youth. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_598669.pdf >. Acesso em: 05 dez. 2018.
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), é de 13,1%. No entanto, o Brasil apresentou, em 2016, pouco mais do que o dobro da taxa mundial, chegando a 27,1% de jovens desempregados (ILO, 2017INTERNACIONAL LABOUR ORGANIZATION - ILO. Global Employment Trends for Youth. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_598669.pdf >. Acesso em: 05 dez. 2018.
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).

Apesar do aumento da taxa de desemprego juvenil, o contexto sócio-histórico do país na última década foi marcado pelo crescimento do tempo médio de estudos e aumento do número de ingressantes no Ensino Superior, a partir da ampliação no número de vagas e matrículas, principalmente em instituições privadas. Contudo, percebe-se que, apesar do salto de cerca de 3 milhões de matrículas em 2001 para mais de 8 milhões em 2015 (BRASIL, 2016BRASIL. Microdados Censo da Educação Superior 2014: INEP. Disponível em: <Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior >. Acesso em: 06 fev. 2016.
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), a escolaridade deixa de ser elemento determinante para a conquista de postos de trabalho, como fora em décadas anteriores (SPOSITO, 2005SPOSITO, M. P. Algumas reflexões e muitas indagações sobre as relações entre juventude e escola no Brasil. In: ABRAMO, H. W.; BRANCO, P. P. M. (Org.). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania/Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 87-127.). A emergência desse padrão de ingresso no mercado de trabalho tem revelado contradições entre as expectativas profissionais (FRANCO, MAGALHÃES e PAIVA, 2017FRANCO, D. S. et al. Entre a inserção e a inclusão de minorias nas organizações: uma análise crítica sob o olhar de jovens trabalhadores. Economia e Gestão, v. 17, n. 48, p. 43-61, 2017.) e valores (PAIVA, FUJIHARA e REIS, 2017PAIVA, K. C. M.; FUJIHARA, R. K.; REIS, J. F. Valores organizacionais, valores do trabalho e atitudes retaliatórias: um estudo com jovens aprendizes em uma empresa pública. Teoria e Prática em Administração, v. 7, n. 1, p. 54-78, 2017.) dos jovens que entram no mercado de trabalho, bem como o processo de adoecimento psíquico destes jovens (SOUZA, HELAL e PAIVA, 2017SOUZA, M. B. C. A.; HELAL, D. H.; PAIVA, K. C. M. Burnout e jovens trabalhadores. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v. 25, n. 4, p. 751-763, 2017.).

Diante do contexto de ampliação no acesso ao Ensino Superior, novas formas de trabalho e os reflexos delas nas trajetórias juvenis, ganha importância a discussão sobre o processo de inserção profissional no Brasil, como sugerem Rocha-de-Oliveira e Piccinini (2012a)ROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 13, n. 1, p. 63-73, 2012a.. Todavia, os autores também apontam que os estudos acerca do tema têm se limitado, majoritariamente, a pesquisas empíricas, não sendo acompanhados de discussões teóricas que busquem desenvolver um conceito de inserção profissional que contemple as especificidades socioeconômicas e a recente expansão do Ensino Superior no país.

De modo a avançar teoricamente em relação à temática, este ensaio teórico se propõe a discutir a inserção profissional no contexto brasileiro, integrando-o aos conceitos de mobilidade e classe social. Com isso, almeja-se colocar em evidência a importância de uma construção teórica e metodológica brasileira de inserção profissional, a partir dos aspectos históricos, sociais e econômicos do país.

Apesar de muitos pesquisadores terem considerado os estudos acerca dos temas de classe e mobilidade social ultrapassados e não mais pertinentes após a vigência do período de Bem-Estar Social nos países centrais (PEUGNY, 2014PEUGNY, C. O destino vem do berço? Desigualdades e reprodução social. Campinas: Papirus, 2014.), nos últimos anos tais temas têm-se mostrado ainda relevantes e atuais, devido ao aumento do nível de desigualdade nesses países (OECD, 2015ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT - OECD. In it together: why less inequality benefits all. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.oecd-ilibrary.org/employment/in-it-together-why-less-inequality-benefits-all_9789264235120-en >. Acesso em: 10 fev. 2017.
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). No cenário internacional, destacam-se os trabalhos de Chan e Goldthorpe (2007CHAN, T. W.; GOLDTHORPE, J. H. Class and status: the conceptual distinction and its empirical relevance. American Sociological Review, v. 72, n. 4, p. 512-532, 2007.), Peugny (2007PEUGNY, C. La mobilité sociale descendante: l’épreuve du déclassement. 2007. Disponível em:<Disponível em:https://pastel.archives-ouvertes.fr/pastel-00003938/document >. Acesso em:27 jan. 2016.
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, 2014PEUGNY, C. O destino vem do berço? Desigualdades e reprodução social. Campinas: Papirus, 2014.), Masson e Suteau (2010MASSON, P.; SUTEAU, M. Réinterroger la relation entre école et mobilité sociale. Le cas des enfants d’agriculteurs et d’ouvriers dans l’Ouest. Sociologie du Travail, v. 52, n. 1, p. 40-54, 2010.), Anthias (2012ANTHIAS, F. Hierarchies of social location, class and intersectionality: towards a translocational frame. International Sociology, v. 28, n. 1, p. 121-138, 2012.), Chan e Boliver (2013)CORDEIRO, J. P. Modalidades de inserção profissional dos quadros superiores nas empresas. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 38, p. 79-98, 2002., Beaud (2014BEAUD, S. Les trois soeurs et le sociologue: notes ethnographiques sur la mobilité sociale dans une fratrie d’enfants d’immigrés algériens. Idées Économiques et Sociales, v. 175, n. 1, p. 36-48, 2014.), Abrahansen e Drange (2015)ABRAHAMSEN, B.; DRANGE, I. Ethnic minority students’ career expectations in prospective professions: navigating between ambitions and discrimination. Sociology, v. 49, n. 2, p. 252-269, 2015., Atkinson (2015ATKINSON, W. Class. Hoboken: Wiley, 2015.), Friedman (2016FRIEDMAN, S. Habitus clivé and the emotional imprint of social mobility. Sociological Review, v. 64, n. 1, p. 129-147, 2016.), Friedman, O’Brien e Laurison (2017)FRIEDMAN, S., O’BRIEN, D.; LAURISON, D. Like skydiving without a parachute: how class origin shapes occupational trajectories in British acting. Sociology, v. 51, n. 5, p. 992-1010, 2017.. No cenário nacional, trabalhos como os de Scalon (2009SCALON, M. C. Ensaios de estratificação. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009.), Ribeiro (2006RIBEIRO, C. A. C. Classe, raça e mobilidade social no Brasil. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v.49, n. 4, p. 833-873, 2006., 2012RIBEIRO, C. A. C. Quatro décadas de mobilidade social no Brasil. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 55, n. 3, p. 641-679, 2012.), Ribeiro e Scalon (2001)RIBEIRO, C. A. C.; SCALON, M. C. Mobilidade de classe no Brasil em perspectiva comparada. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 44, n. 1, 2001., Ribeiro e Schlegel (2015)RIBEIRO, C. A. C.; SCHLEGEL, R. Estratificação horizontal da Educação Superior no Brasil (1960 a 2010). In: ARRETCHE, M. (Org.). Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Ed. Unesp/CEM, 2015. p. 133-162. e Souza (2006SOUZA, J. A construção social da subcidadania. Para uma sociologia política da modernidade periférica. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006., 2012SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012.) como amostra do modo como o tema vem sendo discutido no país.

Destarte, este estudo divide-se em quatro seções além desta introdução. A primeira traz reflexões acerca de inserção profissional. O segundo tópico lança mão dos conceitos de mobilidade e classe social. A terceira seção discutea importância desses conceitos para o desenvolvimento de uma teorização brasileira sobre inserção profissional. Por fim são apresentadas as considerações e uma proposta de agenda de pesquisa.

INSERÇÃO PROFISSIONAL

Em âmbito mundial, as discussões sobre o processo de transição entre a formação e a entrada no mercado de trabalho como tema de pesquisa são relativamente recentes - década de 1960 - e originaram diversos termos com múltiplas interpretações. Neste artigo, optamos pelo termo inserção profissional, o qual nasceu na França nos anos 1970, em substituição a entrada na vida ativa, pois entendemos que esse conceito, em sua construção sociológica (DUBAR, 2001DUBAR, C. La construction sociale de l’insertion professionnelle. Éducation et Sociétés, v. 7, n. 1, p. 23-36, 2001.; ROCHA-DE-OLIVEIRA e PICCININI, 2012bROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Uma análise sobre a inserção profissional de estudantes de administração no Brasil. Revista de Administração Mackenzie, v. 13, n. 2, p. 44-75, 2012b.) possibilita compreender o processo de transição do sistema universitário ao ingresso no mercado de trabalho brasileiro.

O termo inserção profissional surge no momento em que se acentuam as dificuldades enfrentadas pelos jovens ao concluirem sua formação escolar e ingressarem no mercado de trabalho, passando a ser esse um processo longo e complexo, de idas e vindas entre atividades temporárias e desemprego (ALVES, 2007ALVES, N. Inserção profissional dos jovens: do problema social ao objecto sociológico. 2007. Disponível em:<Disponível em:http://www.uff.br/ejatrabalhadores/artigo-02.htm >. Acesso em:16 nov. 2015.
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). Por esse motivo, crescem os estudos acerca do tema na França, principalmente em torno de duas linhas teóricas: a de base econômica, com autores como Vincens (1997VINCENS, J. L’insertion professionnelle des jeunes: à la recherche d’une definition conventionnelle. Formation et Emploi, n. 60, p. 21-36, 1997.) e Vernières (1997VERNIÈRES, M. L’insertion professionnelle: analyses et débats. Paris: Économica, 1997.); e a de base sociológica, com autores como Dubar (1994DUBAR, C. L’insertion comme articulation temporelle du biographique et du structurel. Revue Française de Sociologie, v. 35, n. 2, p. 283-291, 1994., 2001DUBAR, C. La construction sociale de l’insertion professionnelle. Éducation et Sociétés, v. 7, n. 1, p. 23-36, 2001.), Galland (2000GALLAND, O. Entrer dans la vie adulte: des étapes toujours plus tardives mais resserrées. Économie et Statistique, n. 337-338, p. 13-36, 2000., 2007GALLAND, O. Sociologie de la jeunesse. 4. ed.Paris: A. Colin, 2007.), Nicole-Drancourt (1996)NICOLE-DRANCOURT, C. Histoire d’un sujet et satut du sujet. In: LUROL, M. (Ed.). Les jeunes et l’emploi. Recherches Pluridisciplinaires. Paris: La Documentation Française, 1996. p. 113-150. e Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger (2001)NICOLE-DRANCOURT, C; ROULLEAU-BERGER, L. Les jeunes e le travail 1950-2000. Paris: PUF. 2001.. A primeira, por possuir um viés macroeconômico e longitudinal, possibilita, segundo Rocha-de-Oliveira e Piccinini (2012aROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 13, n. 1, p. 63-73, 2012a., 2012bROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Uma análise sobre a inserção profissional de estudantes de administração no Brasil. Revista de Administração Mackenzie, v. 13, n. 2, p. 44-75, 2012b.), acompanhar as mudanças de mercado em um momento no qual a contínua crise do emprego e as transformações do trabalho tornam a análise ainda mais complexa. Todavia, centra-se em demasia na maximização da capacidade produtiva do indivíduo, limitando-se a mecanismos econômicos de compreensão de um mercado de concorrência perfeita.

Entre os autores de vertente sociológica, destaca-se Dubar (2001DUBAR, C. La construction sociale de l’insertion professionnelle. Éducation et Sociétés, v. 7, n. 1, p. 23-36, 2001.), ao estudar a inserção profissional dos jovens quando esta se tornou um problema social na França, na metade da década de 1970. O autor entende que a concepção da inserção profissional é uma construção histórica, pois resulta de duas rupturas, tendo a primeira ocorrido a partir da segunda metade do século XIX, com a separação entre o espaço de formação (instrução e educação) e o espaço de trabalho (emprego e renda), produzindo um corte entre a vida privada, sem trabalho e centrada na família, e a vida profissional (DUBAR, 2001DUBAR, C. La construction sociale de l’insertion professionnelle. Éducation et Sociétés, v. 7, n. 1, p. 23-36, 2001.). A segunda ruptura se deu mais recentemente e caracteriza-se pela descontinuidade entre a saída dos estudos e a entrada no mercado de trabalho, pelo fato do diploma ter deixado de assegurar a entrada no mercado de trabalho em uma vaga que corresponda ao nível de formação. Criou-se, assim, um novo espaço intitulado pós-escolar, caracterizado pela competição pelo emprego, assim como pela escolha de um(a) parceiro(a), pela saída da casa dos pais e pela decisão de construir uma família.

Galland (2000GALLAND, O. Entrer dans la vie adulte: des étapes toujours plus tardives mais resserrées. Économie et Statistique, n. 337-338, p. 13-36, 2000.), a partir de pesquisa realizada na França nos anos de 1992 e 1997, apontou que tal etapa de transição estaria sendo postergada devido a um prolongamento do tempo de estudos. Tal prolongamento pode ser explicado, segundo Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger (2001)NICOLE-DRANCOURT, C; ROULLEAU-BERGER, L. Les jeunes e le travail 1950-2000. Paris: PUF. 2001., em parte, pelas reformas ocorridas no sistema de ensino francês, entre os anos de 1950 e 1975. Tais reformas foram responsáveis pela massiva entrada de jovens no sistema formal de ensino, primeiro no nível secundário e na sequência no nível superior. No âmbito da sociedade civil, a educação formal era vista, tanto pelos jovens como por suas famílias, como um investimento que poderia levá-los à mobilidade e à ascensão social (NICOLE-DRANCOURT e ROULLEAU-BERGER, 2001NICOLE-DRANCOURT, C; ROULLEAU-BERGER, L. Les jeunes e le travail 1950-2000. Paris: PUF. 2001.), sendo por isso almejada, sobretudo, pelos filhos de operários.

O prolongamento do período de estudos, atrelado à maior dificuldade para ingressar no mercado de trabalho, acabou repercutindo na postergação da saída da casa dos pais e na constituição de uma vida conjugal. Segundo Alves (2007ALVES, N. Inserção profissional dos jovens: do problema social ao objecto sociológico. 2007. Disponível em:<Disponível em:http://www.uff.br/ejatrabalhadores/artigo-02.htm >. Acesso em:16 nov. 2015.
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) a partir dos anos 1970 se verificou uma degradação das condições de inserção profissional dos jovens na França, relacionada ao aumento da precariedade e do desemprego, à diminuição dos salários pagos aos trabalhadores jovens e à precarização das condições de trabalho, que tiveram como consequência a dificuldade de estabilização da população jovem no mercado de trabalho. Tal fator contribuiu para que os jovens permanecessem mais tempo no sistema de ensino, com a expectativa de conseguirem empregos melhores com o aumento do número de anos de formação. Entretanto, hoje, os franceses já estão convencidos de que a geração posterior à daqueles que se inseriram no mercado de trabalho nos anos 1960, mesmo tendo permanecido mais tempo em processo de formação, não conseguirá alcançar os mesmos patamares de renda e qualidade de vida que seus pais, vivendo sob o medo do rebaixamento social (PEUGNY, 2014PEUGNY, C. O destino vem do berço? Desigualdades e reprodução social. Campinas: Papirus, 2014.).

Galland (2000GALLAND, O. Entrer dans la vie adulte: des étapes toujours plus tardives mais resserrées. Économie et Statistique, n. 337-338, p. 13-36, 2000.) ressalta que tal situação não pode ser encarada como tendo o mesmo sentido para todos os jovens, reforçando que a juventude não constitui um grupo homogêneo. Aqui, o autor traz relevante contribuição para o entendimento de inserção profissional, ao apontar que outros elementos sociais como gênero, nível de formação, atividade e nacionalidade dos pais influenciam o processo de entrada na vida adulta.

Vale referir que as dificuldades encontradas pelos jovens para se inserir no mercado de trabalho também têm consequências no acesso “[...] ao estatuto de cidadão de pleno direito, conferido pela inscrição na sociedade salarial” (ROCHA-DE-OLIVEIRA e PICCININI, 2012aROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 13, n. 1, p. 63-73, 2012a., p. 68), a partir do entendimento da inserção profissional como processo, além de historicamente situado, também marcado pelo contexto social no qual se insere (DUBAR, 2001DUBAR, C. La construction sociale de l’insertion professionnelle. Éducation et Sociétés, v. 7, n. 1, p. 23-36, 2001.). Para Dubar (2001DUBAR, C. La construction sociale de l’insertion professionnelle. Éducation et Sociétés, v. 7, n. 1, p. 23-36, 2001.), dizer que o termo inserção profissional é socialmente construído significa que é historicamente inscrito em uma conjuntura política e econômica, atrelado a uma arquitetura institucional que expressa relações específicas (entre educação, trabalho e remuneração), submetido às estratégias dos atores, as quais estão ligadas às trajetórias biográficas e, principalmente, às desigualdades sociais e ao desempenho escolar dos alunos. Tal perspectiva possibilita que vejamos a inserção profissional como um conceito que vai além da relação econômica de oferta e procura. Rocha-de-Oliveira e Piccinini (2012a)ROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 13, n. 1, p. 63-73, 2012a. mencionam que a vertente sociológica permite que se desvele a existência de diversos elementos que estão atrelados às dimensões culturais e simbólicas, as quais habitualmente não são contempladas em levantamentos estatísticos.

No Brasil, as pesquisas sobre o tema começam a proliferar no início do século XXI, constituindo-se, basicamente, por estudos empíricos. Alguns autores focavam “[...] sua análise na dicotomia inserção-exclusão [...]”, enquanto outros concentravam “[...] suas pesquisas nos egressos do Ensino Superior, considerando a inserção como um processo homogêneo, vivenciado por todos os indivíduos [...]” (ROCHA-DE-OLIVEIRA e PICCININI, 2012aROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 13, n. 1, p. 63-73, 2012a., p. 63). Um novo levantamento bibliográfico realizado para este artigo mostrou que a situação do campo de estudo se modificou pouco, estando os trabalhos dispersos em várias áreas, como educação, economia e administração, e tendo a maioria destes não desenvolvido o conceito de inserção profissional. Embora o interesse no trabalhador jovem como foco de estudo tenha crescido recentemente (são exemplos os trabalhos de OLIVEIRA e HONÓRIO, 2014OLIVEIRA, L. B.; HONÓRIO, S. R. F. S. Atração e desligamento voluntário de jovens empregados: um estudo de caso no setor jornalístico. Revista de Administração, v. 49, p. 714-730, 2014.; AMARAL e OLIVEIRA, 2017AMARAL, R. C. G.; OLIVEIRA, L. B. Os desafios da primeira gestão: uma pesquisa com jovens gestores. Revista de Administração Contemporânea, v. 21, n. 3, p. 373-392, 2017.; FRANCO, MAGALHÃES e PAIVA, 2017FRANCO, D. S. et al. Entre a inserção e a inclusão de minorias nas organizações: uma análise crítica sob o olhar de jovens trabalhadores. Economia e Gestão, v. 17, n. 48, p. 43-61, 2017.; PAIVA, FUJIHARA e REIS, 2017PAIVA, K. C. M.; FUJIHARA, R. K.; REIS, J. F. Valores organizacionais, valores do trabalho e atitudes retaliatórias: um estudo com jovens aprendizes em uma empresa pública. Teoria e Prática em Administração, v. 7, n. 1, p. 54-78, 2017.; SOUZA, HELAL e PAIVA, 2017SOUZA, M. B. C. A.; HELAL, D. H.; PAIVA, K. C. M. Burnout e jovens trabalhadores. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v. 25, n. 4, p. 751-763, 2017.), ainda há poucos trabalhos que buscam discutir conceitualmente o processo de ingresso no mercado de trabalho.

Com foco no aprofundamento teórico, merecem destaque os textos de Franzoi (2011FRANZOI, N. L. Inserção profissional. In: CATTANI, A. D.; HOLZAMANN, L. (Orgs.). Dicionário de trabalho e tecnologia. 2. ed.Porto Alegre: Zouk, 2011. p. 229-231.) e Rocha-de-Oliveira e Piccinini (2012b)ROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Uma análise sobre a inserção profissional de estudantes de administração no Brasil. Revista de Administração Mackenzie, v. 13, n. 2, p. 44-75, 2012b.. Adotamos nesse ensaio o conceito de inserção profissional de Rocha-de-Oliveira e Piccinini (2012bROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Uma análise sobre a inserção profissional de estudantes de administração no Brasil. Revista de Administração Mackenzie, v. 13, n. 2, p. 44-75, 2012b., p. 49), que a entendem:

[...] um processo individual, coletivo, histórico e socialmente inscrito. Individual porque diz respeito à experiência vivenciada por cada sujeito na esfera do trabalho, suas escolhas profissionais e expectativas de carreira. É um processo coletivo por ser vivenciado de maneira semelhante por uma mesma geração, ou no interior de grupos profissionais. É histórico, pois se desenvolve ao longo de um período da vida do sujeito, sob a influência de elementos que marcam determinado momento no tempo e no espaço, como políticas públicas, mercado de trabalho, organização do sistema de ensino e políticas de recursos humanos e os pontos de vista “empresariais” sobre as relações entre educação e trabalho. Está inscrito em um dado contexto socioeconômico e cultural, em que, além dos elementos institucionais, há influência das construções e das representações sociais que os indivíduos desenvolvem em relação a esta inserção profissional.

O conceito apresentado busca articular 3 dimensões: a primeira, individual está ligada à origem social e à trajetória laboral de cada um, onde irão emergir representações sobre o trabalho e expectativas profissionais; a segunda integra aspectos institucionais, notadamente a ação das empresas por meio das políticas de gestão de pessoas e das políticas governamentais voltadas à educação e ao trabalho; por fim, a dimensão contextual que integra aspectos sociais, econômicos e políticos da formação histórica do mercado de trabalho, bem como elementos conjunturais (ROCHA-DE-OLIVEIRA, 2012ROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Uma análise sobre a inserção profissional de estudantes de administração no Brasil. Revista de Administração Mackenzie, v. 13, n. 2, p. 44-75, 2012b.).

Assim, para refletir acerca da inserção profissional é necessário ponderar sobre os elementos sociais que influenciam os jovens na construção de suas variadas trajetórias profissionais. Para tanto, aproximamo-nos da visão sociológica de inserção profissional, de modo a trazer novos elementos para a análise do fenômeno. Posto isso, o próximo tópico discute classe social, articulando-a ao conceito de mobilidade social, sendo esta vista como um caminho necessário para aprofundar a compreensão sobre inserção profissional.

MOBILIDADE E CLASSE SOCIAL

Os estudos acerca do tema de classe e mobilidade social vêm ressurgindo no âmbito internacional nos últimos anos, com destaque para os trabalhos de Sam Friedman (FRIEDMAN, 2016FRIEDMAN, S. Habitus clivé and the emotional imprint of social mobility. Sociological Review, v. 64, n. 1, p. 129-147, 2016.; FRIEDMAN, O’BRIEN e LAURISON, 2017FRIEDMAN, S., O’BRIEN, D.; LAURISON, D. Like skydiving without a parachute: how class origin shapes occupational trajectories in British acting. Sociology, v. 51, n. 5, p. 992-1010, 2017.), apoiados na base teórica de Pierre Bourdieu. A discussão sobre classe social pode ser compreendida a partir de diferentes perspectivas teóricas (ATKINSON, 2015ATKINSON, W. Class. Hoboken: Wiley, 2015.), sendo comumente associada ao pensamento marxista, que se centra na visão de antagonismo social entre os detentores dos meios de produção e aqueles que vendem sua força de trabalho. No entanto, outros autores clássicos, como Max Weber, e alguns contemporâneos, como Pierre Bourdieu, Camille Peugny, Sam Friedman e Will Atkinson, discutem o tema a partir de diferentes abordagens epistemológicas.

Para Peugny (2007PEUGNY, C. La mobilité sociale descendante: l’épreuve du déclassement. 2007. Disponível em:<Disponível em:https://pastel.archives-ouvertes.fr/pastel-00003938/document >. Acesso em:27 jan. 2016.
https://pastel.archives-ouvertes.fr/past...
), estratificação e mobilidade social são conceitos indissociáveis, já que estão na origem da teorização contemporânea das ciências sociais, por permitirem penetrar o cerne de como se organizam as sociedades, uma vez que os recursos e as posições são distribuídos socialmente de maneira desigual. Para o autor, apesar dos critérios que diferenciam os estratos sociais se modificarem ao longo do tempo e conforme a sociedade à qual nos referimos, a lógica da estratificação se conserva. Todavia, a mobilidade social como campo de pesquisa é recente, tendo nascido durante o século XIX e estando enraizada nas sociedades industriais ocidentais, uma vez que organizações sociais anteriores não ofereciam, de forma sistemática, a possibilidade de mobilidade social, sendo a condição social determinada no momento do nascimento e estendida até a morte do indivíduo. Assim, a mobilidade social, ou seja, a circulação de pessoas entre diferentes camadas da sociedade, só começa a ser possível com as revoluções políticas e econômicas que ocorrem ao longo do século XIX (PEUGNY, 2007PEUGNY, C. La mobilité sociale descendante: l’épreuve du déclassement. 2007. Disponível em:<Disponível em:https://pastel.archives-ouvertes.fr/pastel-00003938/document >. Acesso em:27 jan. 2016.
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).

Pastore e Valle Silva (2000PASTORE, J.; VALLE SILVA, N. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: Makron Books, 2000.) postulam que os estudos acerca da estratificação e mobilidade social fincam suas raízes em Karl Marx e Max Weber, contudo, os primeiros trabalhos sobre mobilidade com base empírica representacional surgiram somente após a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento de técnicas de coleta e análise de dados. O trabalho de David Glass, em 1949, foi pioneiro, assim como o trabalho de Blau e Duncan, em 1967, o qual foi apontado como de grande contribuição para os estudos contemporâneos de mobilidade social, ao lançar novas técnicas de análise de dados, por meio da investigação de trajetórias. Para eles, características adquiridas, como a educação, deveriam predominar sobre as características atribuídas - como a origem social, a etnia, a região de nascimento e a família -, pois os critérios de seleção seriam mais universalistas na sociedade industrial (SCALON, 1999SCALON, M. C. Mobilidade social no Brasil: padrões e tendências. Rio de Janeiro: Revan/IUPERJ-UCAM, 1999.).

John H. Goldthorpe desenvolveu junto com outros pesquisadores da Universidade de Oxford, em 1972, um esquema intitulado Comparative Analysis of Social Mobility in Industrial Nations (CASMIN), para a análise de mobilidade social em países industrializados (SCALON, 1999SCALON, M. C. Mobilidade social no Brasil: padrões e tendências. Rio de Janeiro: Revan/IUPERJ-UCAM, 1999.). Com base em Marx e Weber, o esquema CASMIN se apoia na distinção entre dois tipos de relação de emprego: proprietários (empregadores e autônomos) e empregados (distintos segundo contratos de trabalho restritos e contratos que delegam ampla responsabilidade aos empregados). Segue, ainda, a divisão entre trabalho não manual urbano, manual urbano e rural, entretanto, não inclui variáveis como educação e renda (RIBEIRO, 2006RIBEIRO, C. A. C. Classe, raça e mobilidade social no Brasil. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v.49, n. 4, p. 833-873, 2006.). Este esquema é largamente utilizado no Brasil (RIBEIRO e SCALON, 2001RIBEIRO, C. A. C.; SCALON, M. C. Mobilidade de classe no Brasil em perspectiva comparada. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 44, n. 1, 2001.; PERO, 2008PERO, V. Mobilidade social no Rio de Janeiro. In: GUIMARÃES, N. A. et al. Mercados de trabalho e oportunidades: reestruturação econômica, mudança ocupacional e desigualdade na Inglaterra e no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008. p. 163-180.; RIBEIRO, 2006RIBEIRO, C. A. C. Classe, raça e mobilidade social no Brasil. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v.49, n. 4, p. 833-873, 2006., 2012RIBEIRO, C. A. C. Quatro décadas de mobilidade social no Brasil. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 55, n. 3, p. 641-679, 2012., 2014RIBEIRO, C. A. C. Mobilidade e estrutura de classes no brasil contemporâneo. Sociologias, v. 16, n. 37, p. 178-217, 2014.), por permitir comparações internacionais, todavia, é considerado insuficiente neste estudo, no momento em que se entende a posição ocupada no mercado de trabalho como não satisfatória para entender os fluxos de mobilidade social.

Ganzeboom, De Graaf e Treiman (1992GANZEBOOM, H. B. G.; DE GRAAF, P. M.; TREIMAN, D. J. A standard international socio-economic index of occupational status. Social Science Research, v. 21, n. 1, p. l-56, 1992.) desenvolveram a escala International Socioeconomic Index of Occupational Status (ISEI), atribuindo notas para 271 categorias distintas de ocupação, com base nos códigos ocupacionais da International Standard Classification of Occupations (ISCO 88). Segundo Flor, Laguardia e Campos (2014FLOR, L. S.; LAGUARDIA, J.; CAMPOS, M. R. Mobilidade social intergeracional e saúde no Brasil: uma análise do survey “Pesquisa dimensões sociais das desigualdades (PDSD)”, 2008. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 6, p. 1869-1880, 2014.), tal escala é constituída pela ponderação de características socioeconômicas - em geral, educação e renda - das pessoas inseridas em determinada ocupação. Assim, essa classificação “[...] permite a análise de trajetória para determinar o peso das características sociais e dos fatores de estratificação no processo de obtenção de status [...]” (FLOR, LAGUARDIA e CAMPOS, 2014FLOR, L. S.; LAGUARDIA, J.; CAMPOS, M. R. Mobilidade social intergeracional e saúde no Brasil: uma análise do survey “Pesquisa dimensões sociais das desigualdades (PDSD)”, 2008. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 6, p. 1869-1880, 2014., p. 1871). Dessa forma, tal escala amplia o leque de elementos sociais analisados, em relação à escala CASMIN, mas ainda não contempla outros elementos socioeconômicos, razão pela qual é também considerada insuficiente neste artigo.

Visto que compreendemos o processo de inserção profissional como um momento importante para a mobilidade social e no qual se percebem possíveis desigualdades de oportunidades de ascensão social, consideramos que a reflexão acerca de mobilidade social a partir da teorização de Pierre Bourdieu e Jessé Souza sobre classes sociais é a mais adequada para analisar o contexto sócio-histórico brasileiro.

Souza (2012SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012.) entende que tanto o economicismo liberal quanto o marxismo tradicional percebem a estrutura de classes sociais de modo econômico, o primeiro vinculando classe social à renda e o segundo ao lugar no processo produtivo. Tais abordagens não contemplam “[...] os fatores e precondições sociais, emocionais, morais e culturais que constituem a renda diferencial [...]” (SOUZA, 2012SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012., p. 22). Sendo os estudos de mobilidade social fundamentais para o entendimento dos processos de desigualdade, esconder os fatores não econômicos faz com que, segundo Souza (2012SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012., p. 23), invisibilizem-se “[...] as duas questões que permitem efetivamente ‘compreender’ o fenômeno da desigualdade social: a sua gênese e a sua reprodução no tempo [...]”. Poder-se-ia dizer, nos termos de Bourdieu (2009BOURDIEU, P. O poder simbólico. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.), que a posição ocupada pelos sujeitos na sociedade se relaciona com suas disposições (habitus), e será essa posição ocupada que irá determinar quais capitais esse agente possui (cultural, político, econômico etc.).

A noção de habitus de Bourdieu, entendida como “ [...] uma forma pré-reflexiva de introjeção e inscrição corporal de disposições que condicionam um estilo de vida e uma visão de mundo específica [...]” possibilita uma redefinição de classe social, conferindo sentido à noção de habitus de classe, que seria justamente o compartilhamento desse habitus individual. A classe passa a ser percebida, então, não como o conjunto de propriedades, mas como práticas sociais similares (SOUZA, 2006SOUZA, J. A construção social da subcidadania. Para uma sociologia política da modernidade periférica. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006., p. 57). Bourdieu (2015)BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2015. afirma que uma classe não é definida somente por sua posição nas relações de produção - profissão, renda, nível de instrução - “[...] mas também pela proporção entre o número de homens e mulheres, correspondente a determinada distribuição no espaço geográfico [...]”, que, para o autor, nunca é neutra, e por “[...] um conjunto de características auxiliares que, a título de exigências tácitas, podem funcionar como princípios reais de seleção ou exclusão sem nunca serem formalmente enunciados [...]”, como a idade, sexo, origem social ou étnica (BOURDIEU, 2015BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2015., p. 97).

Contudo, para o autor, esse conjunto de propriedades ainda não é suficiente para definir classe, o que depende da estrutura de relações que se forma entre todas as propriedades. Assim, o autor constrói uma análise sistemática que engloba profissão, nível de instrução, “[...] os índices disponíveis do volume das diferentes espécies de capital1 1 Aqui, o autor se refere aos capitais, social, cultural, econômico e simbólico, conceitos que podem ser retomados em Bourdieu (2009). , assim como o sexo, a idade e a residência [...]” (BOURDIEU, 2015BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2015., p. 515). Além disso, em sobreposição ao gráfico que constrói com as propriedades referidas, as quais intitula posições sociais, Bourdieu (2015BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2015.) constrói um gráfico com os espaços dos estilos de vida, analisando as preferências manifestadas, as quais denomina gostos. Para Souza (2006SOUZA, J. A construção social da subcidadania. Para uma sociologia política da modernidade periférica. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.), o gosto constitui em Bourdieu “ [...] a competência estética, como elemento generativo das distinções sociais no capitalismo avançado [...]” (SOUZA, 2006SOUZA, J. A construção social da subcidadania. Para uma sociologia política da modernidade periférica. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006., p. 53)2 2 Bourdieu traz os gostos e as necessidades culturais relacionados diretamente ao grau de escolaridade e à socialização familiar (SOUZA, 2006). , servindo como marca de classe ou frações de classes.

Apesar da semelhança entre as noções de classe de Souza e Bourdieu, o primeiro faz uma transposição importante da teoria de Bourdieu para a realidade histórica e social brasileira. Segundo Souza (2006)SOUZA, J. A construção social da subcidadania. Para uma sociologia política da modernidade periférica. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006., a teoria bourdieusiana é demasiado contextualizada na análise da classe trabalhadora francesa e isso a impede de perceber processos coletivos de aprendizado moral que transcendem a barreira de classes. Segundo o autor, existe um consenso transclassista, que permite o compartilhamento do que intitula habitus primário, que vai diferenciar sociedades como a francesa da brasileira e que é anterior ao habitus de classe. Seria o que diferencia a condição de cidadão, a qual possuem todos os franceses, da condição de indivíduos e grupos sociais precarizados, que se constituem como subcidadãos na sociedade brasileira.

Por fim, é relevante trazer a crítica de Souza (2012SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012.) à crença de que todas as barreiras de sangue e de origem existentes nas sociedades pré-modernas foram superadas e que hoje apenas o desempenho individual é o que diferencia e classifica os indivíduos, ao apontar as precondições sociais necessárias para que os indivíduos possam atingir o sucesso individual, considerando a classe social e mesmo a família da qual o indivíduo é oriundo. Tal afirmação vai ao encontro do estudo feito por Bourdieu e Passeron (2013BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2013.), já na década de 1960, acerca da reprodução das desigualdades sociais percebidas no sistema de ensino francês, no qual os autores analisam que a escola reproduz a ordem estabelecida, reforçando as relações de força presentes na sociedade.

Desse modo, o desempenho individual não seria suficiente para superar barreiras de classe, fazendo com que a ampliação do volume global da população escolarizada no ensino não seja o mesmo que democratização do ensino, sendo necessária a igualdade de oportunidades escolares dos indivíduos provenientes de diferentes classes sociais. Dito isso, o próximo tópico associa as teorias apresentadas à noção de inserção profissional, com vistas a propor uma abordagem que leve em conta as especificidades brasileiras para o entendimento desse processo.

A IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS DE MOBILIDADE E CLASSE SOCIAL PARA UMA TEORIA DE INSERÇÃO PROFISSIONAL BRASILEIRA

O contexto que nos leva a refletir sobre o processo de inserção profissional no país é aquele em que impera o discurso acerca de falta de mão de obra qualificada para suprir os postos de trabalho em aberto, ao mesmo tempo que se constata o aumento da precariedade do trabalho e do desemprego juvenil e a expansão sem precedentes do acesso ao Ensino Superior (ROCHA-DE-OLIVEIRA e PICCININI, 2012aROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 13, n. 1, p. 63-73, 2012a.; VOLKMER MARTINS e ROCHA-DE-OLIVEIRA, 2017VOLKMER MARTINS, B.; ROCHA-DE-OLIVEIRA, S. Expansão e diversificação do Ensino Superior, impactos no mercado de trabalho e inserção profissional no Brasil: reflexões iniciais e proposta de agenda de pesquisa. Desenvolve - Revista de Gestão do Unilasalle, v. 6, n. 2, p. 53-70, 2017.).

Cardoso (2008CARDOSO, A. Transições da escola para o trabalho no Brasil: persistência da desigualdade e frustração de expectativas. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 51, n. 3, p. 569-616, 2008.) postula que o processo de transição entre escola/universidade e trabalho é um dos processos que pode revelar a constituição mais profunda de uma sociedade no que se refere à sua estrutura de posições e de oportunidades que são abertas ou fechadas aos indivíduos. A forma como se organiza a divisão social do trabalho confronta, de um lado, as demandas das empresas e de outro as preferências, aspirações e qualificações dos indivíduos (CARDOSO, 2008CARDOSO, A. Transições da escola para o trabalho no Brasil: persistência da desigualdade e frustração de expectativas. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 51, n. 3, p. 569-616, 2008.). Contudo, como o mercado de trabalho, sob a perspectiva de um campo nos termos de Bourdieu (2001BOURDIEU, P. Princípios de uma antropologia econômica. In: BOURDIEU, P. As estruturas sociais da economia. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. p. 237-270.), não é uma relação de equilíbrio entre oferta e demanda, ele também irá refletir a estrutura sócio-histórica que o constitui.

Dessa forma, o que nos interessa ao estudar a inserção profissional não é fazer um levantamento numérico que mostre somente o quanto o ingresso dos jovens no mercado de trabalho se tornou mais complexo atualmente, mas entender qual construção sócio-histórica está por trás desse processo. Assim, de modo a buscar avançar em termos conceituais a respeito da inserção profissional, entendemos, aqui, que além de um processo individual, coletivo, histórico e socialmente inscrito (ROCHA-DE-OLIVEIRA e PICCININI, 2012aROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 13, n. 1, p. 63-73, 2012a.), ela constitui um momento no qual é possível a apreensão da mobilidade social de uma sociedade, a qual pode reproduzir ou não as desigualdades sociais existentes.

Em um cenário no qual cresce o discurso da educação como propulsora das chances individuais de inserção no mercado de trabalho (LEMOS, DUBEUX e PINTO, 2009LEMOS, A. H. C.; DUBEUX, V. J. C.; PINTO, M. C. S. Educação, empregabilidade e mobilidade social: convergências e divergências. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 368-384, 2009.), ela passa a ser vista, em consonância com o que postulam Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger (2001)NICOLE-DRANCOURT, C; ROULLEAU-BERGER, L. Les jeunes e le travail 1950-2000. Paris: PUF. 2001. como investimento que pode levar os jovens à mobilidade e à ascensão social. O processo de transição entre formação de nível superior e entrada para o mundo do trabalho seria, então, o momento possível para verificar o papel da formação e qualificação na mobilidade social dos indivíduos e se existem outros elementos, além da formação, que teriam influência na mobilidade.

Vale referir que, no Brasil, o discurso de equivalência entre qualificação profissional e acesso ao emprego ainda se realize entre aqueles com maior número de anos de estudo, principalmente os indivíduos pertencentes às classes mais altas, contribuindo para a manutenção da falácia do poder da educação como garantidora de acesso aos postos de trabalho (OLIVEIRA e SOUSA, 2013OLIVEIRA, E. G.; SOUSA, A. A. Trabalho, juventude e educação no contexto do capitalismo atual. In: MACAMBIRA, J.; ANDRADE, F. R. B. (Orgs.). Trabalho e formação profissional: juventudes em transição. Fortaleza: IDT/UECE/BNB, 2013. p. 91-104.). Entretanto, pesquisas realizadas na primeira década do século XXI apontaram um número significativo de brasileiros mais escolarizados que não conseguiam obter colocações correspondentes às suas qualificações (LEMOS, DUBEUX e PINTO, 2009LEMOS, A. H. C.; DUBEUX, V. J. C.; PINTO, M. C. S. Educação, empregabilidade e mobilidade social: convergências e divergências. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 368-384, 2009.). Em consonância, Sposito (2005SPOSITO, M. P. Algumas reflexões e muitas indagações sobre as relações entre juventude e escola no Brasil. In: ABRAMO, H. W.; BRANCO, P. P. M. (Org.). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania/Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 87-127.) acrescenta que as mudanças ocorridas nas duas últimas décadas do século XX e no início do século XXI afetaram diretamente o trabalho assalariado e, consequentemente, modificaram os caminhos e contornos para a entrada na vida adulta, a qual se tornou menos linear e mais complexa. Assim, a escolaridade já não se apresentava como elemento garantidor da entrada no mundo do trabalho, o que tendia a ocorrer, principalmente, em relação ao acesso às vagas formais.

Se a formação não garante a inserção profissional, o que faz com que alguns jovens consigam se inserir no mercado e outros não? Por que uns conseguem uma inserção mais qualificante do que outros3 3 Sobre inserção qualificante e não qualificante ver Cordeiro (2002). ? Acreditamos que a resposta a essas questões possa ser dada por estudos que levem em conta as diferenças entre as classes sociais nos termos de Bourdieu (2015BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2015.) e Souza (2012SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012.), desvelando as situações de desigualdade e sua reprodução ao longo do tempo.

Propriedades de classe apontadas por Bourdieu (2015BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2015.), como idade, sexo, origem social e étnica, são defendidas aqui como importantes para entender as diferenças individuais no processo de inserção e entre os diferentes grupos sociais, contribuindo para uma versão alternativa ao argumento do desempenho individual como diferenciador e classificador dos indivíduos. Além disso, a distribuição de capitais e as práticas culturais e sociais de classe também seriam responsáveis por determinar o acesso ao Ensino Superior brasileiro, que estaria passando por um processo de hierarquização, ao criar novas diferenciações entre cursos (graduação e tecnológico, presencial e a distância) e instituições, de modo a reorganizar a reprodução das desigualdades de acordo com a formação recebida no Ensino Superior. Tal fenômeno já ocorreu na França, onde, embora tenha aumentado o acesso à formação e o número de anos de estudo, os melhores cursos e instituições seguiram sendo destinados aos filhos das classes superiores (PEUGNY, 2014PEUGNY, C. O destino vem do berço? Desigualdades e reprodução social. Campinas: Papirus, 2014.).

Também merece destaque a ação das organizações para a produção e reprodução de padrões de desigualdade, muitas vezes recorrendo ao discurso da igualdade e meritocracia (HELAL, 2015HELAL, D. Mérito, Reprodução Social e Estratificação Social: apontamentos e contribuições para os estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, v. 22, n. 73, p. 251-268, 2015.). Nesse sentido, Cordeiro (2002CORDEIRO, J. P. Modalidades de inserção profissional dos quadros superiores nas empresas. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 38, p. 79-98, 2002.) ressalta que a ação das organizações, por meio das políticas de gestão de pessoas voltadas ao ingresso no mercado de trabalho, têm construído processos distintos de inserção, um qualificante, onde predominam postos de trabalho com maior remuneração, autonomia e possibilidades de crescimento profissional, e outro não qualificante, marcado por vagas de contratos temporários, nas quais predominam baixos salários, reduzida autonomia e pequena possibilidade de permanência na organização e desenvolvimento profissional. Como exemplo característico de inserção qualificante no Brasil Rocha-de-Oliveira e Piccinini (2012b)ROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Uma análise sobre a inserção profissional de estudantes de administração no Brasil. Revista de Administração Mackenzie, v. 13, n. 2, p. 44-75, 2012b. apontam o modelo de estágios que predomina na área de administração.

Assim, a inserção profissional necessitaria ser analisada como um processo no qual a reprodução das desigualdades não se dá somente na saída do Ensino Superior, mas no acesso às diferentes etapas de educação formal, culminando em diferenças de oportunidade no acesso ao mercado de trabalho e na forma como as organizações contribuem para a manutenção ou transformação da realidade dos jovens trabalhadores que nelas ingressam. Portanto, considerar a classe de origem do indivíduo e as diferenças entre as diversas classes no processo de inserção poderia clarear a compreensão das diferentes formas de inserção profissional. Além disso, revela-se a reprodução de desigualdades ao longo de toda a formação, não limitadas ao momento de ingresso no nível superior, a partir do entendimento de que crianças advindas de meios sociais com pouco acesso a capitais econômicos e culturais estão, desde o início de sua trajetória, em desvantagem diante de outras (PEUGNY, 2014PEUGNY, C. O destino vem do berço? Desigualdades e reprodução social. Campinas: Papirus, 2014.).

Reforçando esse argumento, Peugny (2014PEUGNY, C. O destino vem do berço? Desigualdades e reprodução social. Campinas: Papirus, 2014.) apresenta a glorificação do mérito como consequência da invisibilidade social, já que é a partir da negação dos antagonismos sociais que cada um pode ser responsabilizado por suas escolhas, sucessos e fracassos de maneira individual. Tal responsabilização segue injusta, apesar da redução das desigualdades quantitativas, pois são mantidas as desigualdades qualitativas, uma vez que se amplia o acesso ao nível de formação, mas nem todos têm acesso aos mesmos tipos de diplomas e carreiras profissionais (PEUGNY, 2014PEUGNY, C. O destino vem do berço? Desigualdades e reprodução social. Campinas: Papirus, 2014.), perpetuando as formas de segregação no mercado de trabalho. Em estudo realizado na França em 2013, com egressos do Ensino Superior de 2010, constatou-se que entre os filhos de pais que ocupam a categoria de funcionários de direção, de comando ou controle, com salários mais elevados, 62% concluíram pelo menos o bacharelado; em comparação a 25% dos filhos de operários. No que se refere ao tipo de diploma acessado, enquanto 49% dos formados em escolas de comércio, que dão acesso aos melhores postos de trabalho, são filhos de pais das categorias profissionais mais elevadas, apenas 5% dos filhos de operários têm acesso a esse tipo de formação. Além do status socioocupacional, a pesquisa também revela desigualdades entre os filhos de franceses e de estrangeiros, em relação ao local de residência no momento do Ensino Superior e ao diploma dos pais (CÉREQ, 2014CENTRE D’ÉTUDES ET DE RECHERCHES SUR LES QUALIFICATIONS - CÉREQ. Quand l’école est finie: premiers pas dans la vie active de la génération 2010. Enquête 2013. Marseille: Céreq, 2014.).

Apesar da realidade social francesa ser distinta da brasileira, tais dados apontam que é necessário voltarmos a atenção à origem social dos indivíduos - a qual se propõe neste artigo que seja realizada por meio da discussão de classe social à qual os jovens pertencem - para que possamos entender suas trajetórias de inserção profissional e possibilidades de mobilidade social. Chan e Boliver (2013CHAN, T. W.; BOLIVER, V. The grandparents effect in social mobility: evidence from British birth cohort studies. American Sociological Review, v. 4, n. 78, p. 662-678, 2013.) reforçam esse argumento, mostrando que a posição ocupada se relaciona à origem social dos indivíduos, que é forte delimitadora dos destinos sociais. Portanto, apesar dos estudos franceses apontarem alguns elementos sociais para pensarmos a inserção profissional, como gênero, nacionalidade, nível de formação e atividade dos pais, acreditamos que existem outros elementos, a partir das especificidades brasileiras e dos trabalhos de Bourdieu (2015BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2015.) e Souza (2012SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012.), que devem ser trazidos à tona, a saber: tipo de instituição de formação (pública/privada), se concilia estudo/trabalho, idade, raça, região de origem, gostos, diferentes capitais (sociais, culturais, econômicos) e comportamento religioso. Acredita-se que a mobilização das propriedades de classe possa ajudar a entender as diferenças entre os processos de inserção profissional vividos pelos jovens, bem como de mobilidade social intergeracional, adotando-se a constatação de Masson e Suteau (2010MASSON, P.; SUTEAU, M. Réinterroger la relation entre école et mobilité sociale. Le cas des enfants d’agriculteurs et d’ouvriers dans l’Ouest. Sociologie du Travail, v. 52, n. 1, p. 40-54, 2010.) de que existe uma conjunção de elementos variados que, combinados, determinam a influência da formação sobre as trajetórias profissionais.

Ademais, Beaud (2014BEAUD, S. Les trois soeurs et le sociologue: notes ethnographiques sur la mobilité sociale dans une fratrie d’enfants d’immigrés algériens. Idées Économiques et Sociales, v. 175, n. 1, p. 36-48, 2014.) chama atenção para a importância de considerar o contexto histórico e político no qual se analisa a mobilidade social e a inserção profissional, pois eles influenciam, por exemplo, a relação entre as instituições de ensino e o mercado de trabalho (MASSON e SUTEAU, 2010MASSON, P.; SUTEAU, M. Réinterroger la relation entre école et mobilité sociale. Le cas des enfants d’agriculteurs et d’ouvriers dans l’Ouest. Sociologie du Travail, v. 52, n. 1, p. 40-54, 2010.). Isso enfatiza o argumento de Souza (2006SOUZA, J. A construção social da subcidadania. Para uma sociologia política da modernidade periférica. 2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.), de que além das diferenças entre classes é necessário prestar atenção aos processos coletivos de aprendizado moral que as transcendem, como, por exemplo, a questão de raça no Brasil e como esta influencia as diferentes classes sociais brasileiras, já que atravessa a noção de classes, constituindo a história e origem do país.

Os fatores acima mencionados são importantes na medida em que permitem a reflexão sobre aspectos para além da formação que podem influenciar o processo de inserção profissional. A partir disso, pode-se questionar a recente expansão do Ensino Superior brasileiro como um processo efetivo de democratização do ensino, capaz de oferecer iguais oportunidades a jovens de diferentes origens sociais. Além disso, pode-se perceber a necessidade de pensar políticas públicas de ensino que levem em conta a diversidade existente entre os estudantes e que permitam maior aproximação entre formação e mercado de trabalho, possibilitando a redução das desigualdades no acesso aos capitais sociais e culturais.

CONCLUSÕES

A expansão do Ensino Superior ocorrida no Brasil, em especial na última década, e o aprofundamento das dificuldades encontradas pelos jovens egressos desse nível de ensino ao ingressarem no mercado de trabalho, indicam a necessidade de ampliação dos estudos acerca da inserção profissional no país. Embora tenha crescido o número de estudos com jovens trabalhadores como objeto de estudo (OLIVEIRA e HONÓRIO, 2014OLIVEIRA, L. B.; HONÓRIO, S. R. F. S. Atração e desligamento voluntário de jovens empregados: um estudo de caso no setor jornalístico. Revista de Administração, v. 49, p. 714-730, 2014.; AMARAL e OLIVEIRA, 2017AMARAL, R. C. G.; OLIVEIRA, L. B. Os desafios da primeira gestão: uma pesquisa com jovens gestores. Revista de Administração Contemporânea, v. 21, n. 3, p. 373-392, 2017.; FRANCO, MAGALHÃES e PAIVA, 2017FRANCO, D. S. et al. Entre a inserção e a inclusão de minorias nas organizações: uma análise crítica sob o olhar de jovens trabalhadores. Economia e Gestão, v. 17, n. 48, p. 43-61, 2017.; PAIVA, FUJIHARA e REIS, 2017PAIVA, K. C. M.; FUJIHARA, R. K.; REIS, J. F. Valores organizacionais, valores do trabalho e atitudes retaliatórias: um estudo com jovens aprendizes em uma empresa pública. Teoria e Prática em Administração, v. 7, n. 1, p. 54-78, 2017.; SOUZA, HELAL e PAIVA, 2017SOUZA, M. B. C. A.; HELAL, D. H.; PAIVA, K. C. M. Burnout e jovens trabalhadores. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v. 25, n. 4, p. 751-763, 2017., entre outros), ainda se mostra necessário um aprofundamento teórico sobre a inserção profissional no contexto nacional produzindo uma apropriação nacional sobre o construto, o que poderia ajudar na compreensão de especificidades socioeconômicas, históricas e culturais do país.

Assim, este artigo buscou contribuir para a produção teórica no campo da inserção profissional, integrando as noções de mobilidade e classe social, a fim de auxiliar na construção de uma teoria de inserção profissional que leve em conta as peculiaridades do contexto brasileiro. Para tanto, buscamos articular a construção de inserção (DUBAR, 2001DUBAR, C. La construction sociale de l’insertion professionnelle. Éducation et Sociétés, v. 7, n. 1, p. 23-36, 2001.) e classe e mobilidade social (BOURDIEU, 2015BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2015.; PEUGNY, 2014PEUGNY, C. O destino vem do berço? Desigualdades e reprodução social. Campinas: Papirus, 2014.) com a discussão realizada por autores brasileiros nesses campos. Assim, destacamos as contribuições dos trabalhos de Rocha-de-Oliveira e Piccinini (2012a)ROCHA-DE-OLIVEIRA, S.; PICCININI, V. C. Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 13, n. 1, p. 63-73, 2012a. e Lemos, Dubeux e Pinto (2009LEMOS, A. H. C.; DUBEUX, V. J. C.; PINTO, M. C. S. Educação, empregabilidade e mobilidade social: convergências e divergências. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 368-384, 2009.) para a formação de uma teoria de inserção profissional que contemple a realidade do país e os trabalhos de Souza (2012SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012.) e Helal (2015HELAL, D. Mérito, Reprodução Social e Estratificação Social: apontamentos e contribuições para os estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, v. 22, n. 73, p. 251-268, 2015.) na discussão de como a noção de classe social pode desvelar qual contexto é esse e, além das representações sociais dos indivíduos, expor os habitus de classes que podem interferir no processo.

Assim, apesar do discurso que promove o prolongamento da formação como meio para melhor inserção profissional, é necessário discutir outros elementos que possibilitam alguns obterem inserções mais qualificantes (CORDEIRO, 2002CORDEIRO, J. P. Modalidades de inserção profissional dos quadros superiores nas empresas. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 38, p. 79-98, 2002.) do que outros, mesmo tendo acesso ao mesmo nível de formação. Esse olhar se mostra fundamental para que o discurso da meritocracia no acesso ao mercado de trabalho seja desconstruído, deixando à mostra a reprodução social e as desigualdades de oportunidades que, muitas vezes, são encobertas pela justificativa do merecimento.

Como agenda de pesquisa, sugerimos que futuros estudos abordem:

  1. A expansão e diversificação do acesso ao Ensino Superior no país, a partir da origem social dos jovens e suas chances de mobilidade social;

  2. O papel das organizações na formação dos diferentes percursos de inserção;

  3. O processo de inserção profissional em diferentes áreas, a partir do olhar de classe e origem social dos diferentes jovens que as compõem;

  4. A problematização do discurso meritocrático na sociedade brasileira;

  5. Como as interseccionalidades de origem social, raça, gênero, orientação sexual se articulam no processo de inserção profissional, levando a produção de estratos de diferença e segregação;

Entendemos que, para alcançar essa agenda de pesquisa, é necessário lançar mão de diferentes recursos metodológicos. Para analisar os efeitos da diversificação e expansão do Ensino Superior no processo de inserção profissional e mobilidade social (a) e o papel das organizações (b), são importantes estudos longitudinais quantitativos para que se possa acompanhar a evolução da questão ao longo do tempo. Para compreender o processo de inserção em diferentes áreas (c), problematizar o discurso da meritocracia (d) e, articular a discussão sobre interseccionalidades (e), acredita-se que sejam necessários estudos qualitativos em profundidade como histórias de vida (BERTAUX, 1980BERTAUX, D. L’approche biographique: sa validité méthodologique, sés pontentialités. Cahiers Internationaux de Sociologie. v. 69, n. 2, p. 197-223, 1980.), narrativas (RIESSMANN, 2000RIESSMANN, C. K. Analysis of personal narratives. 2000. Disponível em: <Disponível em: http://alumni.media.mit.edu/~brooks/storybiz/riessman.pdf >. Acesso em: 20 jun. 2018.
http://alumni.media.mit.edu/~brooks/stor...
) ou retratos sociológicos (LAHIRE, 2004LAHIRE, B. Retratos sociológicos: disposições e variações individuais. Porto Alegre: Artmed, 2004.). Assim, o aprofundamento empírico do tema perpassa diferentes abordagens metodológicas tanto para produzir dados numéricos quanto para que se compreenda melhor as particularidades vivenciadas no processo de inserção.

Também sugerimos a interseccionalidade do discurso da meritocracia com o que trata da inclusão, a exemplo do texto de Franco, Magalhães, Paiva et al. (2017FRANCO, D. S. MAGALHÃES, A. F.; PAIVA, K. C. M. Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário. Competência - Revista da Educação Superior do Senac-RS, v. 10, n. 1, p. 11-30, 2017.), de modo a olhar para além da inserção dos jovens, o lugar que eles ocupam no contexto organizacional a partir da sua origem social. Ademais, o discurso meritocrático trazido aqui ainda pode dialogar com estudos como o de Lima e Helal (2016LIMA, T. A. P.; HELAL, D. H. Entre a meritocracia e o capital social: refletindo sobre as trajetórias de carreira dos técnicos administrativos de uma universidade federal. Gestão Pública: Práticas e Desafios, v. 7, n. 1, p. 1-12, 2016.), que traz o capital social vinculado à meritocracia para entender a ascensão de servidores públicos a cargos de chefia, de modo a trazer para a discussão, ainda, a existência de disputa política dentro das organizações.

Por fim, vislumbramos como possibilidade de avanço no tema outros estudos teóricos, além de estudos empíricos que tomem como base o olhar e as vivências dos diferentes grupos sociais e suas trajetórias. Acreditamos que esse é um passo inicial para uma teorização acerca da inserção profissional que leve em conta as especificidades brasileiras, sendo necessários outros trabalhos teóricos e empíricos, assim como frequentes discussões sobre as diferentes juventudes que compõem o país e as desigualdades que estejam sendo reproduzidas e invisibilizadas no processo de acesso à formação de nível superior e de transição para o mercado de trabalho.

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  • 1
    Aqui, o autor se refere aos capitais, social, cultural, econômico e simbólico, conceitos que podem ser retomados em Bourdieu (2009).
  • 2
    Bourdieu traz os gostos e as necessidades culturais relacionados diretamente ao grau de escolaridade e à socialização familiar (SOUZA, 2006).
  • 3
    Sobre inserção qualificante e não qualificante ver Cordeiro (2002).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2017
  • Aceito
    29 Nov 2018
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