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EDITORIAL

EDITORIAL

Este exemplar dos Cadernos EBAPE.br agrega versões revisadas de dez artigos selecionados entre os melhores trabalhos apresentados no 1o CADMA - Congresso Acadêmico sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro: "Administração para um Desenvolvimento Sustentável", realizado nos dias 09 e 10 de dezembro de 2004. Ficamos surpresos e orgulhosos pelo interesse que o Congresso suscitou e pela participação que se efetivou. Foram recebidos mais de 230 trabalhos, sendo que 134 artigos foram aprovados pelo Conselho Científico do congresso. Ele serve como referencial para fazer-se um balanço de como os debates sobre os conceitos e as práticas que visam o caminho do desenvolvimento sustentável avançaram na última década em nosso país (para acesso a todos os artigos do CADMA vá ao sítio www.ebape.fgv.br/radma e clique em CADMA).

Estes debates têm raízes muito antigas. A revolução industrial habilitou que o ser humano expandisse sua capacidade de produção e deslocamento. Com isso também permitiu que ele tivesse uma maior interferência na natureza. Agora com o uso da energia dos combustíveis fósseis o ser humano podia modificar de forma radical o espaço natural ao seu redor, e mesmo modificar lugares mais longes pela facilidade de deslocamento. Primeiro, a revolução industrial aumentou bastante a utilização de recursos naturais per capita, tanto pela necessidade crescente de matérias-primas como de combustíveis para energizar as máquinas. Por outro lado, o deslocamento também facilitou que mais mercados pudessem ser alcançados e que a energia e matérias-primas pudessem ser trazidas de lugares mais distantes. Finalmente, as conseqüências do processo de produção, como resíduos e efluentes, aumentavam a degradação ambiental. Essas mudanças causaram câmbios profundos na relação homem-natureza, que só foram percebidas de forma efetiva na segunda metade do século XX.

A partir da segunda guerra mundial, as grandes potências da época (os chamados países desenvolvidos hoje) reorganizaram suas economias e seus parques industriais. Muitos deles voltaram a crescer a taxas significativas e ter produções industriais invejáveis. Já na década de 1960 suas populações alcançaram padrões materiais bastante altos para época, padrões que até hoje não foram alcançados por muitos paises da África e da América Latina nos dias de hoje. Porém, este alto padrão material não necessariamente levava a uma alta qualidade de vida em outros aspectos para as populações dos paises avançados. Para o crescimento do padrão material da população, foram necessários varias transformações, como por exemplo aumentar o número e tamanho de fábricas e a quantidade de veículos, e até mesmo dar um salto de produção na agricultura com a revolução verde. Isto teve como conseqüência a criação de vários problemas ambientais, especialmente nos grandes centros urbanos com a poluição do ar e da água, e a contaminação dos solos. No campo, espécies estavam sendo extintas com a expansão das propriedades agrícolas e a revolução verde, que levava ao uso intensivo de fertilizantes e pesticidas. Vários problemas ambientais começaram a aparecer, junto com suas conseqüências sociais e econômicas.

Os movimentos ambientalistas começaram a se organizar para combater esses problemas e suas causas. Primeiro houve mobilização em nível local, através de associações de moradores, movimentos da sociedade civil em escolas e universidades, e associações de trabalhadores. Muitos desses movimentos protestavam contra problemas locais criados pela contaminação do meio ambiente e sua conseqüência nas populações que viviam em contato com ele. Depois, alguns desses movimentos, se associaram e expandiram para outros paises para se transformarem em movimentos globais ambientalistas.

No âmbito internacional, saiam sinais estarrecedores. O relatório do Clube de Roma, uma organização civil internacional que reunia especialistas respeitados, apontava que se o aumento da população e da utilização de recursos naturais continuasse na mesma proporção dos últimos anos a Terra iria entrar em colapso, e conseqüentemente a vida dos animais do planeta, incluindo o ser humano. Esse relatório foi baseado em estudos feitos por equipes de especialistas renomados do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o que deu bastante credibilidade as previsões. Os estudos do Clube de Roma repercutiram mundialmente e levou a comunidade internacional a se organizar para evitar este possível colapso. Com o crescente número de protestos, movimentos e relatórios sobre os problemas ambientais em diversas partes do mundo, a Organização das Nações Unidades (ONU) decidiu discutir isto de forma institucionalizada e organizou sua primeira conferencia para debater problemas ambientais gerais, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que foi realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972. A poluição industrial nos centros urbanos e o crescimento econômico foram apontados como os principais vilões do meio ambiente na época. A idéia era que para proteger o meio ambiente tínhamos que parar de crescer economicamente.

No decorrer da década de 1970, várias pessoas, incluindo especialistas e líderes ambientalistas, começaram a questionar as conclusões vindas da conferencia de Estocolmo, principalmente a relação de dependência direta entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental. Esses questionamentos levaram a ONU criar uma comissão de especialistas para analisar mais de perto as causas e conseqüências dos problemas ambientais e suas soluções. Foi criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ou Comissão Brundtland, formada por mais de quarenta especialistas de vários paises. Durante anos, através de varias reuniões e debates ao redor do mundo, a comissão chegou a suas analises finais e conclusões, que foram colocadas em um relatório final publicado em 1987 como "Nosso Futuro Comum" ou Relatório Brundtland.

O Nosso Futuro Comum popularizou o conceito de Desenvolvimento Sustentável, que embuti a idéia de que o desenvolvimento tem que se dar nas esferas ambiental, econômica e social. A comissão colocava que seria possível um melhoramento nas três esferas ao mesmo tempo em muitos casos. O Desenvolvimento Sustentável também pregava as melhorias para as gerações futuras, para que deixássemos um mundo melhor para nossos descendentes. Na definição da comissão o Desenvolvimento Sustentável é o desenvolvimento que busca a satisfação das necessidades da geração atual sem minar as capacidades das gerações futuras em suprir suas necessidades. A agenda pós-comissão Brundtland deixou de ser uma agenda verde ou ambiental e passou a ser uma agenda sócio-ambiental. Ao mesmo tempo, vários problemas ambientais globais apareciam como a destruição da camada de ozônio, o aquecimento global e a perda de biodiversidade.

Todos esses debates sobre problemas globais e a necessidade de um novo tipo de desenvolvimento, o Desenvolvimento Sustentável, levou a que a ONU organizasse sua segunda conferencia global sobre questões ambientais, a Conferencia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou Rio-92, realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992. A Rio-92 foi o encontro que juntou mais líderes mundiais (chefes de Estado ou Governo) até aquele momento, sendo um marco nos debates sócio-ambientais mundiais. Nela além das questões conceituais do desenvolvimento sustentável, como a idéia de desenvolvimento para as gerações futuras, falava-se do processo de construção do plano de ação (ou adaptação da Agenda 21 ao local) que deveria ser participativo e democrático. A Rio-92 lançou uma agenda positiva para a sociedade global, e muitos saíram confiantes que algo seria feito finalmente para mitigar os problemas ambientais e sociais da humanidade.

O desafio Pós-Rio-92 está sendo exatamente como implementar um desenvolvimento mais sustentável e conseguir resultados concretos em termos de melhoria dos problemas globais e locais. As convenções tiveram desdobramentos importantes como o Protocolo de Quioto, que estabeleceu mecanismos para tentar conter o efeito estufa. Em 2002, líderes mundiais e organizações da sociedade civil reuniram-se em Johanesburgo, África do Sul, para avaliar o que foi conseguido depois da Rio-02. A conferencia foi chamada de Cúpula Global, Rio+10 ou Johanesburgo 2002. Porém, chegou-se a conclusão que, dez anos após a Rio-92, apesar dos avanços institucionais para se tentar conseguir-se um desenvolvimento mais sustentável, os resultados mostram que a situação continua agravante, até mais que em 1992. Cresce a emissão de gases de efeito estufa, a perda de biodiversidade e a degradação ambiental, social e econômica em várias regiões do globo. Nem os países desenvolvidos, nem os países em desenvolvimento conseguiram colocar a Agenda 21 em prática com resultados efetivos. Johanesburgo, além de apontar para a piora dos problemas debatidos na Rio-92, alertou para problemas que começaram a despontar no final do século passado, como a questão da degradação dos recursos hídricos ao redor do globo.

Hoje, a agenda ambiental está bastante complexa, com vários problemas sócio-ambientais cada vez mais inter-relacionados. Em um país em desenvolvimento como o Brasil a situação é cada vez mais critica, pois temos que pensar soluções para os crescentes problemas sociais e ambientais locais nossos, como o desmatamento da Amazônia e a degradação dos recursos hídricos, além de termos que participar em ações coletivas globais para solucionar os velhos e novos problemas sócio-ambientais.

Aprofundar o debate científico e prático sobre esses temas foi o objetivo do 1o CADMA - Congresso Acadêmico sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, que buscou um maior intercâmbio entre pesquisadores, professores, profissionais e estudantes no campo das ciências sociais aplicadas e interdisciplinares que lidam com a questão sócio-ambiental. A idéia básica foi estimular a troca de informações para produção de novos conhecimentos sobre formas de desenvolvimento que levem em consideração a proteção do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população. Passados mais de 10 anos desde a Rio-92, o 1º CADMA foi uma oportunidade para refletirmos sobre que tipo de conhecimento tem sido produzido na área sócio-ambiental por pessoas da academia e da prática.

A idéia de uma edição dos Cadenos EBAPE.BR sobre o tema de desenvolvimento sustentável, assim como o CADMA, surgiu de maneira espontânea e informal. Ela apareceu através de conversas entre os organizadores e o professor Marcelo Milano, editor da Cadernos EBAPE.BR, a quem agradeço o apoio e interesse em divulgar os melhores artigos do CADMA. É necessário sublinhar também que foi enorme o esforço de avaliação realizado pelo Conselho Científico do CADMA e pelos avaliadores do Cadernos EBAPE.BR, a quem sou bastante grato.

Dando continuidade aos esforços para realização do CADMA, organizamos uma Rede Acadêmica sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro (RADMA) com informações acadêmicas sobre meio ambiente e desenvolvimento (www.ebape.fgv.br/radma)

Assim como o CADMA, espero que outros números do Cadernos EBAPE.BR abordem o tema de desenvolvimento sustentável. Para aqueles que não foram ao evento, os artigos selecionados dão uma boa idéia de como foram os debates. Boa leitura!

José Antonio Puppim de Oliveira

Editor Convidado

www.ebape.fgv.br/cd/puppim

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    2005
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