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Rompendo as barreiras à participação cidadã: o caso da CGE-GO

Derribando barreras a la participación ciudadana: el caso de CGE-GO

Resumo

A Controladoria-Geral do Estado de Goiás (CGE-GO) criou um Ecossistema de Participação Cidadã, a tríade composta por projetos que incentivam a participação cidadã e o controle social. Mas a equipe da CGE-GO está com dificuldades para estimular e garantir a ampliação e pleno funcionamento deste ecossistema. Henrique Ziller, Diego, Lucélia, Marjorie e toda a equipe precisam buscar estratégias para que a tríade de projetos não seja somente dependente da instituição, mas parte da sociedade civil. Para isso, precisam de estratégias para mitigar os riscos a fim de manter vivo o Ecossistema de Participação Cidadã.

Palavras-chave:
Ecossistema de participação cidadã; CGE-GO; Cultura política; Educação política

Resumen

La Contraloría General del Estado de Goiás (CGE-GO) creó un Ecosistema de Participación Ciudadana, la tríada compuesta por proyectos que incentivan la participación ciudadana y el control social. Pero el equipo de CGE-GO está luchando para alentar y garantizar la expansión y el pleno funcionamiento de este ecosistema. Henrique Ziller, Diego, Lucélia, Marjorie y todo el equipo necesitan buscar estrategias para que la tríada de proyectos no sea solo dependiente de la institución, sino parte de la sociedad civil. Para ello, necesitan estrategias de mitigación de riesgos para mantener vivo el Ecosistema de Participación Ciudadana.

Palabras clave:
Ecosistema de Participación Ciudadana; CGE-GO; Cultura política; Educación Política

Abstract

In Brazil, the General Controllership of the State of Goiás (CGE-GO) created an Ecosystem of Citizen Participation, encompassing projects that encourage citizen participation and social accountability. However, the CGE-GO team is struggling to encourage and ensure the ecosystem’s expansion and full functioning. Henrique Ziller, Diego, Lucélia, Marjorie and the entire team’s goal is that the projects are not entirely dependent on the institution, and become part of civil society. Thus, they need strategies to mitigate risks to keep the Citizen Participation Ecosystem alive.

Keywords:
Citizen Participation Ecosystem; CGE-GO; Political Culture; Political Education

INTRODUÇÃO

É fim de tarde e o sol está se pondo, o céu mais lindo do país mostra mais uma vez o porquê de ser conhecido como o mar de Brasília. Contemplando a vista, Henrique Ziller, um mineiro torcedor do Galo, se torna servidor público e começa a unir cidadãos em torno de um ecossistema de participação cidadã. Ele passou em dois concursos públicos na Capital Federal, mas escolheu o Tribunal de Contas da União (TCU) para seguir como auditor de controle externo. Durante a sua caminhada no órgão, conheceu iniciativas e organizações da sociedade civil, assim como muitas pessoas que enxergavam, assim como ele, um propósito de vida: assegurar a boa e regular aplicação dos recursos públicos em benefício da sociedade.

Junto dessas pessoas e desse propósito, como auditor do TCU, vivenciou experiências voluntárias e criou o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC). Por meio dessas atividades, teve a oportunidade de ocupar cargos de controlador-geral no Distrito Federal e em Goiás, assim como pôde conhecer o controle social e compreender os benefícios deste para o exercício da cidadania.

Em Goiás, como controlador-geral da Controladoria-Geral do Estado de Goiás (CGE-GO), tudo começou a se estruturar, visto que ele pôde se aproximar ainda mais do controle social, por meio da composição de uma equipe especializada e da destinação estratégica de uma área de atuação específica com o auxílio da criação da Subcontroladoria de Governo Aberto e Participação Cidadã. Durante sua gestão na Controladoria, o órgão passou a atuar não somente com as áreas de auditoria, correição e controle interno do poder público, mas também com o controle social e a participação cidadã, áreas que desenvolveram a base do Ecossistema de Participação Cidadã, que buscava a criação e o fortalecimento de mecanismos de fomento de engajamento cívico e cidadania, por meio de um processo de envolvimento e educação dos atores envolvidos no procedimento. Isso é de fundamental importância, já que o órgão possui incidência estadual, mas também laços com o sistema federal e, especialmente, conecta-se fortemente com diversos órgãos dos municípios do estado de Goiás ou, ainda, ações que ultrapassam as fronteiras e provocam resultados em municípios de outros estados e até em outros países.

Esse ecossistema consiste em três projetos da equipe da Subcontroladoria da CGE-GO, que têm como atribuição a transparência e o exercício do controle social: Estudantes de Atitude, Auditoria Cívica e Embaixadores da Cidadania. Essas iniciativas são formas de levar o órgão a uma perspectiva além da institucional, colocando-o numa ação em rede, com um olhar para o cidadão na execução de iniciativas da CGE-GO.

Contudo, apesar do inovador olhar para o controle social e os cidadãos como parte da instituição de controle, inúmeros desafios estão presentes nesse ecossistema. O controlador-geral está preocupado, sua equipe, apreensiva, e a Controladoria precisa enfrentar as barreiras à atuação no Ecossistema de Participação Cidadã.

A estrutura da CGE-GO

A Controladoria-Geral do Estado de Goiás é o órgão central dos Sistemas de Controle Interno, Transparência, Ouvidoria e Correição do Poder Executivo Estadual, integrante da estrutura de administração direta do Governo do Estado de Goiás. Com base em legislações estaduais, competências são estabelecidas à CGE-GO, a fim de nortear a sua atuação institucional.

O time da CGE-GO está relacionado diretamente com o gabinete do chefe da instituição, o controlador Henrique Ziller, com o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção. Além disso, há duas subcontroladorias, a de Controle Interno e Correição e a Subcontroladoria de Governo Aberto e Participação Cidadã, seguidas de seis superintendências, responsáveis por atender ao cidadão por meio de suas atividades.

A estrutura da CGE-GO se encontra detalhada no Planejamento Estratégico (Controladoria-Geral do Estado de Goiás, 2021Controladoria-Geral do Estado de Goiás. (2020). Informações da área de Controle Social da instituição. Recuperado de https://www.controladoria.go.gov.br/o-que-fazemos/controle-social.html
https://www.controladoria.go.gov.br/o-qu...
) da instituição, o qual foi desenvolvido entre 2020 e 2023 e reflete uma nova abordagem da atuação do órgão. As ações são baseadas em auditorias e inspeções preventivas que agreguem valor à instituição, com atividades correcionais adequadas e efetivas que visem à excelência na atividade de auditoria interna, fomentando a gestão de riscos e fortalecendo a transparência e o controle social.

Para compreender melhor toda essa experiência, é preciso conhecer mais de perto a Subcontroladoria de Governo Aberto e Participação Cidadã, em que se encontra a Superintendência de Participação Cidadã, que conta com a Gerência de Controle Social e a Gerência de Ouvidoria. Por meio da Gerência de Controle Social, as iniciativas dessa experiência são promovidas com foco no fortalecimento da democracia, na prevenção à corrupção e no fortalecimento da cidadania, contribuindo para aproximar a sociedade e o Governo, como oportunidade para que os cidadãos acompanhem as ações estatais e cobrem uma boa gestão pública. Cabe a essa gerência informar e instruir, de forma didática, sobre o direito do cidadão em intervir nas ações da administração pública e também sobre sua obrigação de monitorar o andamento da gestão governamental.

A estrutura desenvolvida pela Gerência de Controle Social foi sendo aprimorada e possui planos para a construção de um ecossistema de participação, mas para chegar até essa conquista são anos de história e trajetórias, encontros e reencontros, desafios e muito trabalho.

O primeiro passo da caminhada

Henrique Ziller nasceu em Minas Gerais, terra que quem conhece não esquece jamais, mas foi em Brasília que ingressou no serviço público como auditor do Tribunal de Contas da União. Até hoje seus olhos brilham ao se lembrar das informações referentes à missão, à visão e aos valores do TCU, principalmente do que leu como missão da instituição, e costuma repetir sempre que perguntam: a missão é assegurar a boa e regular aplicação dos recursos públicos em benefício da sociedade. Esse foi o primeiro passo da caminhada, foi quando ele se sentiu tocado e percebeu que a missão da instituição era a missão de vida que ele queria.

Animado e bastante convicto da sua escolha, tomou posse como auditor de controle externo do TCU. Tudo parecia correr bem, mas rapidamente percebeu que os desafios eram muitos e que havia uma distância entre a missão e o contexto vivenciado. Ficou por alguns anos refletindo e tentando encontrar respostas para essa distância tão grande entre o que está escrito e o que é feito. Esse contexto perpassa suas vivências somente nas instituições onde passou, mas traz seu olhar como cidadão, seus valores, costumes, crenças e desejos de uma sociedade melhor.

Ziller nunca conseguiu separar o homem, esposo, pai, auditor, cidadão, torcedor do Galo, apreciador de Bob Dylan. Ele sempre levou “suas partes” por onde passou e tentava fazer com que as pessoas no entorno pudessem enxergar a sociedade por essa lente, dentro de contextos culturais e vivências individuais, considerando elementos subjetivos. Assim, percebia incômodos não somente dele, mas das pessoas à sua volta, da sua comunidade, do seu estado, do seu país.

Durante esse período de incômodo, de inquietação, o então auditor conheceu algumas iniciativas e organizações da sociedade civil que buscavam atuar com a fiscalização e o controle social, por meio de espaços de participação conjunta com o cidadão. A primeira foi o Adote um Município, iniciativa que tinha como objetivo orientar organizações da sociedade civil que atuavam com controle social a fazer o trabalho de fiscalização dos municípios “adotados”, usando o conhecimento e a experiência dos auditores. A vontade de agir nasceu de maneira voluntária, quando Ziller conheceu o trabalho da organização Amarribo e percebeu que como auditor e, principalmente, cidadão poderia ajudar. Assim, ele e colegas auditores do TCU viajavam por todo o país promovendo capacitação e espaços de diálogo para incentivar a fiscalização de setores específicos do poder público com os cidadãos daquelas localidades. Foram experiências muito motivadoras. Eles puderam também atuar orientando organizações da sociedade civil a fazer trabalhos de fiscalização em diversos municípios do país. Um trabalho desafiador, difícil de conciliar com a rotina de auditores, cansativo, mas bastante gratificante.

Esses espaços e o engajamento dos colegas trouxeram algumas respostas a Ziller, visto que ele foi percebendo que, como auditor, tinha uma atribuição, mas, se queria ser parte do contexto em que vive, deveria conhecer a realidade do país: enorme em sua territorialidade, com realidades diversas, complexas e distintas, uma sociedade que prega não discutir política, futebol e religião.

Esse contexto o fez refletir e pensar que, ao mesmo tempo que enxerga um órgão de controle oficial com desafios ante a capacidade de cumprir sua missão, teve a oportunidade de conhecer experiências que deram certo com os cidadãos mobilizados para cuidar do que é deles. Foi então que, depois de conversar com as organizações, os colegas e refletir muito, criou o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), uma instituição privada, sem fins lucrativos, que busca aproximar a sociedade dos serviços públicos, fomentando a iniciativa popular para a fiscalização e o controle social da administração pública em todas as esferas de poder. Uma forma de manter as iniciativas vivas e sem necessitar de profissionais, somente os do TCU. E, assim, a caminhada conjunta ganhava ainda mais colaboradores, entre eles Diego, mais um entusiasta que sonha com a missão de vida. Diego era secretário executivo do IFC e um companheiro fiel de Ziller. Os dois se conheceram em uma iniciativa que partiu da sociedade civil e tem impacto significativo, o projeto da Lei da Ficha Limpa. Diego estava mais próximo do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e Ziller como presidente do IFC, também parte do movimento. Não tinham como ter se conhecido em contexto diferente, seus valores eram bastante próximos. Uniram forças, ideias, valores, equipes e, com o IFC, criaram uma ferramenta de controle social, que chamaram de Auditoria Cívica.

A Auditoria Cívica consistia em caravanas por diversos municípios, em que o IFC e organizações da sociedade civil levavam especialistas em gestão e controle para treinar cidadãos interessados em fazer auditoria em um setor específico do poder público, a saúde da família. Assim, quem participava do treinamento estava apto a fiscalizar, questionar e cobrar, com maior clareza e autonomia, o poder público, desenvolvendo ações de melhoria para as cidades, com base em um relatório entregue aos responsáveis. Depois da entrega, os cidadãos monitoravam, cobravam e retornavam para avaliar os resultados.

Foram mais de 90 auditorias cívicas pelo Brasil, e uma delas fizeram brilhar os olhos deles: São José dos Pinhais, no Paraná. Como de costume, depois da Auditoria Cívica, a equipe e os cidadãos retornavam três meses mais tarde para acompanhar os resultados, e adivinhem? Foram mais de 95% das recomendações atendidas pela prefeitura, um momento que fez toda a equipe perceber que estavam caminhando na direção correta, visto que o município teria benefícios oriundos do trabalho de vários cidadãos locais que se engajaram para melhorar a realidade que impacta não somente a vida deles, mas todos os munícipes. O cidadão como parte do processo e não somente espectador com informações disponibilizadas.

Apesar dos resultados positivos, os desafios e as resistências eram inúmeros. A equipe do IFC precisou lidar com períodos de baixo engajamento por parte da sociedade civil e até ameaças durante as viagens para as cidades. Enquanto viajavam entre algumas cidades, as equipes foram ameaçadas, por uma ligação anônima, na qual falaram que sabiam o trajeto que percorreriam e que deveriam tomar cuidado. Mudaram o trajeto e partiram por outro caminho. Foi um momento muito marcante; parte da equipe que estava no carro, ao se deparar com o fato, pensou em desistir. Ziller lembra esse episódio até hoje e, naquele momento, também pensou em desistir, mas seguiu.

Além da situação e da insegurança, ao longo da caminhada com as auditorias cívicas, foram percebendo que existia uma dependência do cidadão com a equipe do IFC, os grupos locais não tinham a cultura de participação sem a coordenação. Esse contexto emitiu um alerta e a equipe ficou preocupada e passou a refletir sobre os próximos passos.

A auditoria cívica trazia bons resultados, mas valia a pena? Como ela poderia ser absorvida pelos cidadãos? A equipe do IFC estava preocupada, mas alguns acontecimentos fizeram com que a caminhada pudesse prosseguir mais uma vez. Henrique Ziller, depois de algumas experiências, foi convidado para ocupar o cargo em comissão de controlador-geral do Distrito Federal.

Diego foi convidado a acompanhar Ziller na Controladoria-Geral do Distrito Federal, onde puderam levar ao governo iniciativas que faziam no IFC. Os projetos de auditoria cívica na área de saúde permaneceram por um período, mas logo migraram para a área de educação. A metodologia permanecia a mesma, mas, dessa vez, os cidadãos interessados eram os alunos de dez escolas do Distrito Federal.

O controlador-geral e toda a equipe ficaram impressionados com os resultados, e logo perceberam que o tipo de relação do cidadão auditor cívico com a área de saúde é muito diferente do estudante auditor cívico da sua escola: o estudante tem uma relação simbólica com a escola. O cidadão percebe a importância da área da saúde, usa os serviços e preza por qualidade, mas o senso de pertencimento se distancia se comparado com a educação. A comunidade escolar possui instrumentos que aproximam os seus atores, eleições para cargos de direção, reunião de pais e professores, conselho de professores, movimentos estudantis. Esses espaços de vivência aproximam elementos subjetivos de vivências individuais que facilitam alterações culturais. A experiência da auditoria cívica demonstrara, portanto, uma oportunidade de participação que ultrapassava as fronteiras institucionais que partia, primeiramente, da educação e do engajamento cívico do cidadão, transformando-o em agente ativo no processo.

Assim, inicio-se a primeira aproximação da equipe com os estudantes auditores cívicos, mas os próximos passos não foram sob o céu do Distrito Federal. Seguiram na mesma direção, mas dessa vez em Goiás.

A chegada à CGE-GO: o ecossistema de participação cidadã

Sob o céu de Goiás, chegamos à Controladoria-Geral do Estado, onde Henrique Ziller foi convidado para atuar como controlador-geral e Diego o acompanhou, ocupando o cargo de subcontrolador de governo aberto e participação cidadã. Junto deles, além de toda a equipe, duas grandes mulheres ingressaram nessa caminhada, Lucélia, servidora pública da CGE-GO, e Marjorie, gerente de controle social.

Com uma equipe diversificada e especializada, a CGE-GO fortaleceu a caminhada e se tornou um passo importante no controle social. Foi nessa instituição que a equipe teve maior estrutura para ampliar seus projetos e trazer ainda mais o olhar do cidadão para o serviço público. As controladorias, não somente no estado de Goiás, tendem a ser distantes da sociedade, poucos cidadãos sabiam o que um auditor era e fazia. Dessa forma, a escolha por uma equipe especializada nessa aproximação demonstra a intenção de ultrapassar as estruturas básicas de controle social, procurando avançar para relações simbólicas que criassem um senso de pertencimento e engajamento do cidadão, de acordo com processos de educação.

Essas relações foram trabalhadas com um olhar para as mudanças culturais, com base nas experiências que tiveram com a área de educação, e iniciaram o que chamaram Ecossistema de Participação Cidadã. O primeiro projeto, embrião desse ecossistema - um ecossistema que busca a criação e o fortalecimento de mecanismos de fomento à cultura política cidadã - ficou conhecido pela equipe como Estudantes de Atitude, e foi executado em parceria com a Secretaria de Estado da Educação de Goiás. O projeto, portanto, era direcionado para o público notadamente jovem, que, muito embora se reconheça sua importância em influenciar a política, precisa, nessa fase, fortalecer o engajamento cívico como valor, mas, sistematicamente, tem se afastado das formas tradicionais de participação política, especialmente aquelas que envolvem processos formais e burocráticos (Pinheiro & Farias, 2021Pinheiro, D. M., & Farias, G. R. (2021). Incentivos e barreiras ao ingresso do jovem na política: uma discussão teórica. Juventude.br, 19(1), 7-14. Recuperado de https://juventudebr.emnuvens.com.br/juventudebr/article/view/242
https://juventudebr.emnuvens.com.br/juve...
).

Essa iniciativa - Estudantes de Atitude - permitiu que professores e alunos apresentassem e implementassem soluções para conservação do patrimônio escolar, melhor uso dos recursos escolares, transparência e controle social de forma gamificada. E para ampliar ainda mais a participação dos estudantes, a equipe da instituição pensou em uma competição entre as escolas, uma gincana. Imaginem a animação dos alunos - eles interagiam e se sentiam protagonistas; é possível notar como o projeto ajudou a despertar o senso de pertencimento não apenas nos alunos, mas também em toda a comunidade escolar: professores, equipe administrativa, pais e responsáveis. A gincana entre as escolas foi uma forma de aumentar o engajamento da comunidade escolar e gerar uma “competição” em que todos ganhavam e aprendiam.

O coração do projeto continua sendo a chamada Auditoria Cívica, na qual os estudantes realizam avaliações das estruturas da escola por meio de checklists elaborados pela CGE-GO. Eles são convidados para refletir sobre os desafios encontrados por sua escola e, acima de tudo, para se sentir parte do processo de resolução desses problemas. As atividades são realizadas de maneira voluntária e todos os recursos são disponibilizados pela comunidade escolar organizada: vaquinhas entre os pais e professores, doações, assim como a execução dos desafios.

O reflexo positivo do engajamento é demonstrado pelos resultados obtidos pelas escolas. Tendo em mãos os relatórios gerados pela auditoria cívica, elas recebem o “desafio” de executar uma proposta de intervenção em seus recintos. Banheiros podem ser reformados, bibliotecas, erguidas, quadras de futebol e espaços de convivência, construídos. Mas também há espaço para a subjetividade. Se a escola identificar que há necessidade, pode ser executada uma ação educativo-emocional pelo time de professores e alunos. O foco são ações que transformem a realidade das escolas e demonstrem o potencial da participação e do controle social.

Os olhos do controlador-geral brilhavam. Diego sempre animado, Lucélia não piscava, já pensava em todas as possibilidades para que tudo corresse bem, com a equipe que não media esforços. Foram 328 escolas, 36 municípios, e também foram disponibilizadas vagas para as instituições ligadas ao sistema socioeducativo, tudo isso em uma edição-piloto. Depois desse escopo inicial, 103 escolas aderiram ao projeto, 21 municípios e duas instituições do sistema socioeducativo. Os alunos estavam animados, monitoravam suas contribuições, e a equipe continuava a se surpreender, e com histórias emocionantes para contar. Uma dessas histórias é a de João, que, com seu grupo, arrumou a porta do banheiro da escola. Depois do conserto, ele ficava de olho para que ninguém a estragasse novamente e dizia que a porta agora era um pouco dele também.

Outra história marcante surgiu durante um encontro de controladores, em que a CGE-GO convidou uma das professoras para compartilhar com a comunidade institucional um pouco mais sobre a atuação na sua escola. Ela até tentou, mas as lágrimas foram recorrentes, cobertas de muita emoção. A professora Mariana recordou o projeto de Pedro e seu grupo: eles priorizaram a manutenção do portão da escola e organizaram um mutirão, com familiares e amigos para ajudar na reforma. Pedro sempre foi um aluno bastante difícil, não participava das aulas, não queria prestar atenção, estava longe de tirar boas notas, mas sempre foi um menino muito especial. Durante o projeto, ele se transformou, principalmente quando viu certo alguém ajudando, seu pai. Ele sempre foi bastante ausente, violento, com problemas e vícios referentes ao álcool. Pedro não tinha uma relação próxima com ele e foi no projeto que pôde reencontrá-lo, com a participação e o entusiasmo do pai para ajudar a deixar a sua escola um espaço ainda melhor. Ele também teve uma mudança radical no seu comportamento em sala de aula, se tornou um aluno mais participativo. Essa história mexeu muito com todos: a equipe, os professores e também com a família.

Essa história trouxe uma reflexão muito grande a toda a equipe: consertar o portão não foi o elemento principal, poderia ser o quadro da sala de aula ou uma mesa. A parte central não é o problema levantado na auditoria, mas o processo no entorno dele, o envolvimento da comunidade escolar, as relações simbólicas, as trocas entre os atores envolvidos. A participação dos estudantes não está na iniciativa de resolver o problema, mas em como o resolveu e com quem resolveu. A equipe da CGE/GO se emociona e aprende muito também ao acompanhar os alunos e a comunidade; mesmo depois do fim de mais uma auditoria cívica, a relação permanece e se retroalimenta.

Nesse contexto, a equipe da CGE-GO levantou algumas informações importantes. Ao todo, a Auditoria Cívica produziu 5.376 relatórios de auditoria, que envolveu 96% das escolas participantes e resultou em 65% de projetos implementados nas escolas. Mas algumas dificuldades e desafios surgiram, de modo que a equipe da CGE-GO tivesse que se reinventar e mantivesse o ecossistema somente no formado digital por um período. Contudo, o projeto já contava com mais de 400 escolas pré-inscritas para a sua segunda edição, permitindo que fosse consolidada a primeira parte do ecossistema.

Essa consolidação perpassou os números - a resposta vinha pelo interesse e procura da comunidade escolar, pela vontade dos alunos das outras turmas de fazer a auditoria como os colegas de outros anos fizeram, de trazer os pais para a escola, de se sentir parte como os outros amigos se sentiam e tanto falavam. Existia um senso de pertencimento, uma responsabilidade não somente dos diretores e professores em manter o projeto, mas dos estudantes. Não tinha quem não quisesse escolher um problema da escola e resolver, já sabiam até com quem precisavam falar, uma turma gritou no recreio que deveria ser uma horta, outros que seria a janela da sala de informática.

Depois da tempestade vem a bonança. Nesse contexto, a equipe mais uma vez avança e cresce. Essa afirmação pode ser até literal, visto que Lucélia engravidou e logo precisou se afastar por um período para a licença-maternidade. Enquanto o bebê exigia cuidado especial da mamãe, Marjorie foi para a equipe com seu perfil dinâmico e organizado, assim como o de Lucélia. Apesar do crescimento e avanço, os desafios os acompanharam, se tornaram mais complexos, as demandas pelas iniciativas da CGE-GO aumentaram.

Diego e Ziller, inquietos, juntamente com a equipe agora liderada por Marjorie, precisam avançar. As demandas da sociedade por iniciativas de engajamento cívico se tornaram maiores. Nas escolas, tanto a equipe da CGE-GO quanto a comunidade escolar e os demais atores que se aproximavam do Estudantes de Atitude começavam a indagar os motivos de não existirem mais iniciativas como essa e com públicos diversos. Assim, a equipe passou a buscar ferramentas para iniciar o planejamento de um novo projeto. Na época, com a pandemia da COVID-19 e o distanciamento social, seria necessário se reinventar, e as ações teriam de acontecer somente no meio digital. Diego teve a ideia de fazer uma pesquisa com a base de dados de usuários da Ouvidoria-Geral do Estado, e logo a equipe estruturou o planejamento do projeto depois de ouvir o maior número possível de cidadãos para entender as necessidades reais do projeto. Com mais de 2 mil respostas obtidas, os resultados evidenciaram ainda mais a demanda por iniciativas de participação cidadã e, dessa vez, o desejo de a sociedade estar mais próxima das estruturas de tomadas de decisão.

Um bom número (86,69%) de participantes da pesquisa manifestou interesse em capacitação com certificação, queria conhecer mais as estruturas dos serviços públicos, como também ser parte da tomada de decisão. Uma junção entre a preocupação da instituição em olhar para o público distinto dos estudantes das escolas estaduais e a vontade dos cidadãos que já buscavam a CGE-GO em seus serviços de informação, mas que até então não participavam dos processos, não se enxergavam como atores que poderiam se aproximar, dialogar, aprender e ensinar. O caminho parecia distante: o projeto Estudantes de Atitude havia sido um primeiro passo para a aproximação, mas a construção do segundo nível do ecossistema viria para fortalecer e ampliar a participação, com o desafio de ir além das formas convencionais. Nasce, então, o Embaixadores da Cidadania.

Em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), o Embaixadores da Cidadania, projeto de extensão da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas (FACE/UFG), visa capacitar cidadãos em temas referentes à cidadania e à participação social, aproximando o cidadão da sua comunidade e dos espaços de tomada de decisão. Um perfil de cidadãos distinto da base do ecossistema, mais próximo de graduandos ou graduados, os quais sentem a necessidade não somente de participar, mas de ser certificados, conforme mostra a pesquisa. O projeto é dividido em duas etapas: a primeira é a chamada Etapa Teórica, na qual os participantes realizam cursos teóricos e atividades propostas. A segunda etapa é denominada Etapa Prática, na qual os participantes desenvolvem uma proposta de resolução de algum problema identificado nas comunidades em que estão inseridos, chamado Desafio de Impacto Social. As propostas de Desafio de Impacto Social são analisadas por uma comissão avaliadora, composta por professores da UFG e servidores da CGE-GO. Todos os participantes que finalizam as duas etapas recebem o certificado de participação pela UFG, mas somente os 10 participantes com Desafios mais bem avaliados são contemplados com prêmios em dinheiro.

As etapas do projeto, apesar de ser no formato digital, proporcionaram ricas trocas de experiência entre os participantes, a instituição, a universidade e a comunidade. Com o Desafio de Impacto Social, gestores e equipes de diversas áreas se aproximaram dos governos estadual e municipal, de conselhos temáticos e organizações da sociedade civil. Além disso, os participantes puderam perceber os desafios de se resolverem inúmeros problemas e, ao mesmo tempo, introduzir ideias, o que trouxe uma importante reflexão: os envolvidos perceberam que podiam atuar e que teriam espaço para vivenciar sua responsabilidade perante os problemas que antes somente estavam lá, distantes, junto com as atribuições dos órgãos e das instituições públicas. Agora, ao perceber que poderiam atuar de forma ativa, não mais apontavam culpados.

O Embaixadores da Cidadania estimulou o surgimento de práticas inovadoras, com iniciativas como hortas culturais, estruturação para acessibilidade e oportunidade de ensino a mães solo, certificando cada uma das iniciativas. Além disso, a equipe precisou de uma estrutura com tutorias e profissionais que avaliassem os projetos desenvolvidos pelos embaixadores, o que engajou diversos voluntários. Pelo desafio de se reinventarem no meio digital, também tiveram a oportunidade de contar com vagas destinadas não somente aos goianos, mas acidadãos de 22 estados brasileiros e do Distrito Federal, bem como de países de língua portuguesa, como Cabo Verde, Timor-Leste, Guiné-Bissau e Angola. Um espaço muito rico de troca cultural, dialógo e experiência.

Nem o fuso horário atrapalhou os espaços de troca entre os participantes. Era incrível, em alguns momentos, ouvir embaixadores falando baixo para não acordar seus familiares. Apesar de as localidades e os contextos serem distintos, uma vontade era compartilhada entre os participantes: desbravar o espaço que havia sido conquistado. Ter a responsabilidade de criar um projeto de impacto social depois das capacitações fez com que os embaixadores se apropriassem de um espaço que, para a maioria, nunca foi familiar. Exercitar a educação política e participar além da esfera convencional era novidade para muitos participantes.

Nesse ponto, a equipe identificou que existiam espaços entre os dois projetos do ecossistema, o que poderia levar a baixas de participação e engajamento. Havia, portanto, a necessidade de se estabelecer uma transição entre o projeto Estudantes de Atitude e o Embaixadores da Cidadania, visto que o primeiro tinha como focos a vivência e a prática cidadã com base nas atividades nas escolas e o Embaixadores da Cidadania passou a explorar conhecimentos teóricos e a elaboração de projetos mais robustos.

Para esse processo de conexão entre os dois programas, a equipe criou um terceiro, o Agentes da Cidadania. Parecida com o Embaixadores da Cidadania, a nova proposta tinha formação mais enxuta e capacitação gratuita, era 100% virtual e exclusiva para os cidadãos residentes no estado de Goiás com 16 anos ou mais. A ideia partiu do olhar para o público que ainda não havia participado de nenhum dos projetos, mas também refletiu, a longo prazo, a possibilidade de as crianças do Estudantes de Atitude terem um novo espaço para renovar sua atuação.

Entre os estudantes das escolas estaduais, graduandos e graduados há um longo caminho. Escolher passar por ele foi desafiador, mas era uma forma de abrir espaço para que um novo público pudesse se aproximar do serviço público, conhecer as instituições, os espaços de poder e a tomadas de decisão. Dessa forma, o Agentes da Cidadania tem como focos a democracia e a participação cidadã, com o propósito de aproximar o cidadão do governo, desenvolvendo nele a atuação social e a cidadania, por meio do conhecimento das ferramentas disponíveis no setor público, como os sistemas de ouvidoria e os portais da transparência, entre outros.

As histórias entre os participantes eram únicas, apesar de as redes sociais terem facilitado a comunicação, e conhecer os serviços de ouvidoria permitiu, por exemplo, que Julia resolvesse um problema que sua mãe expôs no almoço de domingo. A família de Julia tem um sítio no interior do estado de Goiás, e para chegar até ele, precisam passar por uma estrada de chão em torno de um rio. Em uma das idas ao sítio, a mãe percebeu que havia telhas de amianto dentro do rio junto com entulhos, e ela sabia que era uma substância tóxica, mas não tinha condições de retirar o entulho sozinha. Sem saber que era um crime ambiental e que poderia ser denunciado, a mãe dividiu a angústia com a família. A filha tinha finalizado sua capacitação na semana anterior, e contou para a mãe que poderiam denunciar o crime pela Ouvidoria do Estado. As duas anexaram fotos, fizeram um breve relato do caso e, em poucos dias, receberam retorno do poder público. As telhas e os entulhos não estavam mais no rio quando elas passaram por lá, e, apesar de não ter conseguido descobrir quem cometeu o crime, os membros da família comemoraram a conquista, se sentiram aliviados e aprenderam juntos.

Assim, o Ecossistema de Participação Cidadã é construído com base na tríade Estudantes de Atitude, Agentes da Cidadania e Embaixadores da Cidadania. Esses pilares do ecossistema e os respectivos níveis permitem que o Estudantes de Atitude fomente a cidadania e a participação cidadã nos alunos da rede pública do estado de Goiás, o Agentes da Cidadania seja o primeiro contato do cidadão com os conceitos de participação, educação política e controle social, e por fim, o Embaixadores da Cidadania aproxime o cidadão de sua comunidade e dos espaços de tomada de decisão.

Nesse sentido, percebe-se que, apesar de uma iniciativa institucionalmente estabelecida, a partir do momento que as ações se desenvolvem pelo compartilhamento do conhecimento da instituição com os atores do ecossistema, elas se alimentam com as lições obtidas em cada etapa, fruto da participação e do engajamento dos atores e da experiência vivida pelos envolvidos. Destaca-se, assim, a perspectiva de adesão cultural a valores democráticos na ação pública, que advém tanto da transparência e da possibilidade do exercício do controle social de forma consciente e engajado quanto da capacidade de formação crítica do cidadão, para que ele possa compreender que, além dos papéis institucionais, a atitude e o envolvimento individual constituem a base da sociedade democrática.

Dessa forma, a Controladoria, além de ser um órgão de controle, ao formar o ecossistema, passa a criar uma rede de colaboração dentro do próprio estado, de dentro para fora, permitindo diversos níveis de interação. Os resultados passam a estimular ainda mais a equipe.

Quadro 1
Indicadores de resultados do ecossistema de participação cidadã

Ao ver os números, a equipe se emociona. Ziller e Diego recordam os desafios do início de suas trajetórias em que poucos acreditavam, que parecia sem sentido persistir, que o risco era iminente. Hoje os projetos já atenderam diretamente a mais de 8 mil pessoas, sem contar os beneficiários indiretos de iniciativas gestadas e premiadas. A emoção é ainda mais forte quando o controlador-geral conversa com a equipe.

Preocupado, Diego já segurava, inquieto, uma caneta na mão, Marjorie parecia aflita e Lucélia, que recém-retornara ao trabalho, também parecia angustiada com toda a equipe. O controlador-geral então comenta: “Criamos uma tríade que chamamos de Ecossistema de Participação Cidadã, mas de que forma podemos estimular e garantir sua ampliação e pleno funcionamento? Como podemos aproximar ainda mais o cidadão dos espaços de participação usando o que aprendemos com as relações simbólicas entre os estudantes e a escola? Quais seriam os próximos passos para que o cidadão se sinta parte dos espaços de participação e exerça a cidadania? Como podemos mitigar os riscos para que o ecossistema se mantenha vivo na sociedade sem tanta dependência institucional?”

NOTAS DE ENSINO

OBJETIVOS EDUCACIONAIS

Este caso foi construído para colaborar com a discussão acerca do envolvimento e engajamento da sociedade civil com os processos de tomada de decisão e formulação de políticas públicas no estado brasileiro, com base no caso analisado na Controladoria-Geral do Estado de Goiás (CGE-GO). Para além disso, busca evidenciar aos alunos da área de ciências sociais aplicadas as diferentes formas de participação do cidadão em processos para além do binômio formulação-implementação, tornando-o um coprodutor e proprietário das políticas implementadas.

A história do caso de ensino propicia a reflexão e a discussão acerca de determinados conteúdos relacionados com a participação cidadã e os desafios da democracia brasileira, dentre os quais:

Cultura política e democracia;

Participação cidadã e educação política.

FONTE DE DADOS

Este caso de ensino é uma história real, inspirada em experiências vividas por membros da equipe da Controladoria-Geral do Estado de Goiás no contexto da administração pública e sua relação na construção de políticas públicas perante a sociedade civil. Para tanto, foram analisados documentos fornecidos pela organização, assim como foram feitas entrevistas utilizando-se plataformas virtuais, bem como de maneira presencial. Os nomes de alguns personagens seguem a história real, Henrique Ziller, Diego, Lucélia e Marjorie, assim como as organizações, Amarribo e IFC. Outros são fictícios, como João, Mariana, Pedro, Julia. Importante ressaltar que a pesquisa citada no caso, com o uso de dados da Ouvidoria-Geral do Estado, foi desenvolvida em período anterior ao vigor da Lei de Proteção de Dados (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. (2018). Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
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).

PROPOSIÇÃO DE ANÁLISE

O presente caso propõe uma análise em conjunto com os conceitos teóricos de cultura política, democracia e participação. Kuschnir e Carneiro (1999Kuschnir, K., & Carneiro, L. P. (1999). As dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia da política. Estudos Históricos, 13(24), 227-250. Recuperado de https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2100
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) trazem, ao apresentar a noção de cultura política, como um conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão origem e significado a um processo político, pondo em evidência regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores. Esses atores são aqui evidenciados pelos estudantes, professores, familiares e os demais envolvidos direta ou indiretamente com os projetos apresentados, assim como os servidores da CGE-GO que planejam, executam e são parte desse processo político perante o Ecossistema de Participação Cidadão e que dão significado a esse processo.

Como explica Peschard (2019Peschard, J. (2019). La cultura política democrática(2a ed.). México, DF: Instituto Nacional Electoral.), a cultura política engloba não só as instituições e organizações da política, mas como a população compartilha e absorve os valores e a crença acerca de sua vida política. Assim, considera-se que a participação corresponde a um valor basilar, dado de forma voluntária e consciente, e que pressupõe um compromisso do cidadão com valores democráticos.

No contexto da América Latina, considerando os desafios da consolidação das democracias nos países, vários pesquisadores passaram a estudar a relação entre cultura política e democracia. Autores como Botelho, Okado, e Bonifácio (2020Botelho, J. C. A., Okado, L. T. A., & Bonifácio, R. (2020). O declínio da democracia na América Latina: diagnóstico e fatores explicativos. Revista de Estudos Sociales, 74, 41-57. Recuprado de https://doi.org/10.7440/res74.2020.04
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) e Rivera (2018) destacam o fato de a cultura política na região ser marcada por um baixo nível de confiança da população nas instituições democráticas, o que causa uma predisposição a soluções autoritárias e populistas, o que vem sendo corroborado por resultados sistematizados em índices e pesquisas como Latin American Public Opinion, Latino-barômetro e Varieties of Democracy. Autores clássicos de estudos sobre cultura política, como Gabriel Almond, Sidney Verba e Ronald Inglehart, destacam que possíveis avanços nos níveis de confiança podem surgir com base em novas formas de participação política além das convencionais, fortalecendo a sociedade civil e tendo como consequência indicadores de uma cultura política mais democrática.

Nesse sentido, é preciso esclarecer que o Brasil apresenta um desafio em relação ao estabelecimento de valores democráticos. Muito embora se tenha passado por um processo de “redemocratização”, muito do que se apresenta na nossa democracia ainda depende de instituições e, especialmente, da capacidade do Estado em ser e agir de forma democrática. Porém, na perspectiva da cultura política, precisa seguir além da institucionalização do sistema: é preciso que os cidadãos compreendam a democracia e todos os seus mecanismos de funcionamento, especialmente o seu papel e o das instituições que compõem o sistema democrático. Almond e Verba (1963Almond, G., & Verba, S. (1963). The civic culture: political atitudes and democracy in five nations. Princeton, NJ: Princeton University Press.) preocupam-se em compreender essa relação entre os valores democráticos compartilhados pelos cidadãos de uma nação, bem como a sua visão acerca das instituições democráticas além do comportamento eleitoral.

A participação perante a instituição aqui estudada, pelas escolas representadas por gestores, professores e, principalmente, estudantes, visa à atuação democrática, tangenciando o conceito de cultura política de Moisés (2008Moisés, J. A. (2008). Cultura política, instituições e democracia: lições da experiência brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 23(66), 11-43. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0102-69092008000100002
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), que a compreende como uma variedade de atitudes, crenças e valores políticos - como orgulho nacional, respeito pela lei, participação e interesse por política, tolerância, confiança interpessoal e institucional -, a qual afeta o envolvimento das pessoas com a vida pública. Dessa forma, o comportamento é influenciado por esse estímulo ao envolvimento com a tríade de projetos e a participação com a equipe da CGE-GO, visto que o ecossistema afeta o envolvimento das pessoas com a vida pública, por meio de atitudes e valores construídos por um senso de pertencimento. Ao alterar a área de atuação do projeto para a educação, cria-se uma relação simbólica entre a comunidade escolar e o espaço público, demonstrando o potencial da participação e do controle social, mas também a construção de uma confiança interpessoal e institucional.

O ambiente político propício e a vontade dos atores permitem que os cidadãos compartilhem poder com os servidores públicos da instituição nas “tomadas de decisão substantivas” e no desenvolvimento de ações relacionadas com a comunidade (Roberts, 2004Roberts, N. C. (2004). Public deliberation in na age direct citizen participation. American Review of Public Administration, 34(4), 315-353. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0275074004269288
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). Entende-se, portanto, que o conceito de participação aqui presente tem como base as pesquisas realizadas por Almond e Verba (1963Almond, G., & Verba, S. (1963). The civic culture: political atitudes and democracy in five nations. Princeton, NJ: Princeton University Press.), que trazem a participação como um dos elementos presentes no que chamaram de cultura cívica e acompanham a internalização de valores democráticos para a ação cívica. Conforme sintetizam Rocha, Schommer, Debetir, e Pinheiro (2019Rocha, A., Schommer, P. C., Debeter, E., & Pinheiro, D. M. (2019). Transparência como elemento da coprodução na pavimentação de vias públicas. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 24(78), e-74929. Recuperado dehttps://doi.org/10.12660/cgpc.v24n78.74929
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), no processo de participação, os cidadãos sentem-se motivados ao compreenderem que são parte do processo, o que gera uma ação subsequente à participação, o engajamento cívico nas ações relacionadas com suas comunidades, o que poderia proporcionar certa estabilidade às democracias.

A construção do conceito de cultura política surge da necessidade de se tentar abarcar essas dimensões subjetivas que podem explicar o comportamento político dos indivíduos diante do sistema político (Baptista, 2015Baptista, L. (2015). O conceito de cultura política: das origens na ciência política norte-americana à historiografia contemporânea. In Anais do 5º Encontro Internacional UFES, Paris, France.). Por isso, ao analisar o depoimento dos estudantes é possível identificar o reflexo positivo do engajamento gerado pelas atividades de auditoria, apontando elementos motivadores como os de João, que monitorava a porta do banheiro por agora perceber que ela é um pouco dele também, ou seja, a ação de perceber o problema e ser parte da solução, arrumando- a, norteou a sua atitude política.

Ao analisar a estrutura proposta pela CGE-GO em seu planejamento estratégico, trazendo dimensões de controle social e participação em seus objetivos institucionais, é possível identificar características de dois tipos básicos de cultura política para análise: cultura política da sujeição e cultura política da participação (Kuschnir & Carneiro, 1999Kuschnir, K., & Carneiro, L. P. (1999). As dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia da política. Estudos Históricos, 13(24), 227-250. Recuperado de https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2100
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). A primeira emerge com base na ideia de que a instituição e seus dirigentes poderiam ter a percepção e os valores somente ligados às estruturas executivas e administrativas, dando respostas às demandas individuais e coletivas da sociedade somente pelo poder público, gerando um afastamento entre governo e sociedade civil. Porém, observa-se também que a cultura política de participação foi identificada como uma prioridade, ou seja, organiza os sistemas nos quais as percepções, os sentimentos e os valores sobre o processo político são mais equilibradamente distribuídos na sociedade civil, com base nas experiências com organizações como o IFC e os cidadãos no Ecossistema de Participação Cidadã. Isso demonstra uma clara intenção de que não se desejava um envolvimento passivo (de sujeição) do cidadão, mas que a participação fosse compreendida como um valor e, portanto, aprendida como parte do processo cívico de cada um dos atores, seja dentro da instituição, seja na sociedade.

Dessa forma, o conceito de cultura política infere não fundamentado nas características de suas instituições, nem das condições sociais prevalecentes, mas das atitudes individuais observadas empiricamente em diferentes sistemas políticos democráticos (Kuschnir & Carneiro, 1999Kuschnir, K., & Carneiro, L. P. (1999). As dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia da política. Estudos Históricos, 13(24), 227-250. Recuperado de https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2100
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). Portanto, do julgamento decorrente dessas experiências apresentadas no caso, sob influência de orientações da cultura política, é possível identificar a formação de atitudes de adesão democrática, a partir do momento em que se estabelece uma relação ativa dos atores no processo de concepção, imersão, aprendizado e interação no ecossistema, à medida que ele se desenvolve, fortalecendo valores cívicos e de participação do aprendizado de processos e papéis. Percebe-se, ainda, a satisfação dos atores, conforme seu envolvimento, bem como o fortalecimento da confiança entre os cidadãos, a sociedade civil e as instituições do poder público vistas nesse ecossistema.

Ao analisar o Ecossistema de Participação Cidadã, por meio de um contexto em que a participação é mais um elemento, assim como o engajamento cívico, há um olhar para o indivíduo, para as relações simbólicas e subjetivas que perpassam o controle social, a ideia de coprodução ou mecanismos de participação meramente formais, ou, como apresentado, numa cultura de sujeição. Baquero (2008Baquero, M. (2008). Democracia formal, cultura política informal e capital social no Brasil. Opinião Pública, 14(2), 380-413. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0104-62762008000200005
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) explica que um elemento fundamental da qualidade da democracia é o grau de envolvimento dos cidadãos na política. A democracia contemporânea requer uma cidadania ativa, em que aqueles que se envolvem na arena política o fazem por meio de discussões, deliberações, referendos ou plebiscitos, ou seja, mecanismos formais e informais. Estabelece-se, portanto, que sem o envolvimento popular no processo de construção democrática, a democracia perde legitimidade, mantendo simplesmente sua dimensão formal.

Além dos conceitos teóricos de cultura política, a teoria da democracia, em diferentes obras ao longo da história, pode ser percebida como fundamentada em um duplo compromisso que envolve participação e educação/informação (Dantas, 2017Dantas, H. (2017). Educação política: sugestões de ação a partir de nossa atuação. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Konrad Adenauer e Movimento Voto Consciente.). Em seu trabalho, Humberto Dantas trata a participação por intermédio de Teixeira (1997Teixeira, E. C. (1997). As dimensões da participação cidadã. Cadernos CRH, 10(26/27), 179-209. Recuperado dehttps://doi.org/10.9771/ccrh.v10i26.18669
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), apresentando-a como participação cidadã, a qual tenta contemplar dois elementos contraditórios da dinâmica política: o “fazer ou tomar parte”, por indivíduos, grupos, organizações que expressam interesses, identidades, valores que poderiam situar-se no campo do particular, mas significam espaço para heterogeneidade, diversidade, pluralidade; e o elemento cidadania, no sentido cívico, cujas dimensões de universalidade, generalidade, igualdade de direitos, responsabilidades e deveres se procuram enfatizar. Assim, o autor também compreende a participação segundo elementos formais e informais, com a clara necessidade de preparar os cidadãos para o uso dessas ferramentas, por meio da educação política (Dantas, 2015).

O conceito de educação política é aqui compreendido conforme a concepção de Baquero e Baquero (2007Baquero, R., & Baquero, M. (2007). Educando para a democracia: valores democráticos partilhados por jovens porto-alegrenses. Ciências Sociais em Perspectiva, 6(11), 139-153. Recuperado de https://e-revista.unioeste.br/index.php/ccsaemperspectiva/article/view/1506/0
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), que a desenvolvem como um elemento muito maior que somente uma preparação cívica iniciada no processo de escolarização. O autor explica que ela está presente desde as orientações básicas adquiridas nas relações com os pais, os familiares e em comunidade, ações cívicas dos pais se transferem para a outra geração. Nessa perspectiva, o comportamento adulto tende a revelar certa consistência com aquilo que se aprende na infância e adolescência. Por isso, o uso desse conceito com o presente caso busca aproximar as discussões teóricas à experiência dos atores, das instituições e dos elementos subjetivos, suas trocas, comportamentos e ações conjuntas.

Para tanto, no caso, é possível identificar esse duplo compromisso desenvolvido por Dantas (2015Dantas, H. (2015). Reforma política e mecanismos de participação cidadã: desafios e limites. Revista Parlamento e Sociedade, 3(5), 107-122. Recuperado de https://www.saopaulo.sp.leg.br/escoladoparlamento/wp-content/uploads/sites/5/2015/05/REVISTA_PARLAMENTO_SOCIEDADE_v3n5.pdf
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) desde as escolhas dos atores políticos, ao perceberem a missão, por meio do cidadão engajado, mas também na continuidade, até chegar à instituição pública, com alterações na lógica cultural, aproximando o poder público das organizações da sociedade civil, dos cidadãos, e preparando-os pela educação cívica para participar, dialogar e desenvolver políticas em conjunto.

Outro elemento fundamental pode ser compreendido segundo o conceito de Baquero (2008Baquero, M. (2008). Democracia formal, cultura política informal e capital social no Brasil. Opinião Pública, 14(2), 380-413. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0104-62762008000200005
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) referente à qualidade da democracia de acordo com o grau de envolvimento dos cidadãos na política. Dessa forma, o Ecossistema de Participação Cidadã é identificado como um elemento de cidadania ativa que envolve a arena pública (poder público, cidadãos, comunidade escolar, organizações da sociedade civil, universidades), com construções conjuntas, por meio de mecanismos formais e informais, sem que isso comprometa as instituições convencionais de mediação política. Ou seja, ao envolver a sociedade civil no processo de construção democrática, há um ganho de legitimidade. Isso é possível, pois, ao sair da estratégia de sujeição, cuja participação é reativa, o processo de educação do cidadão para o seu envolvimento o empodera, mas de igual forma fortalece a instituição, que passa a ter o seu papel social e político compreendido pela sociedade, bem como seus limites de atuação entendidos de forma mais clara.

Importante mencionar o desafio da percepção de Bobbio (1986Bobbio, N. (1986). O futuro da democracia. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.) sobre o fato de ser a “educação política a promessa não cumprida da democracia”. Marinho e Dantas (2019Marinho, R. U., & Dantas, H. (2019). Educação política: da produção dos parlamentares brasileiros no Congresso Nacional à inconstitucionalidade de seus objetivos. Revista Política Hoje, 28(2), 118-144. Recuperado de https://periodicos.ufpe.br/revistas/politicahoje/article/view/248271
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) trazem a reflexão do quanto a administração pública tem se esforçado para consolidar essas garantias, as quais podem ser vistas com a experiência do Ecossistema de Participação Cidadã, o qual envolve elementos de cidadania não somente por meio do exercício do controle social, mas com o fomento da cultura política cidadã, que capacita por meio de metodologias dinâmicas e interativas, com o apoio de universidades para que esse exercício seja consciente.

Beresford e Croft (1993Beresford, P., & Croft, S. (1993) Citizen involvement: a practical guide for change. London, UK: MacMillan Press.), ao desenvolverem uma metodologia para o envolvimento ativo dos cidadãos em serviços públicos, dão ênfase a dois elementos essenciais para a estruturação de um ambiente contínuo de participação: o empoderamento dos participantes e o suporte constante ao envolvimento. Por isso, a tríade de projetos vem sendo construída por meio do desafio de empoderar os cidadões e disponibilizar suporte para que continuem envolvidos com o ecossistema. Desse modo, ao desenvolver as iniciativas de Auditoria Cívica, a equipe percebeu que a área de atuação fazia toda a diferença, precisava de um senso de pertencimento, uma relação simbólica, que foram encontrados na comunidade escolar e nas escolas. Com o desafio de manter o estudante engajado e motivado, a Gerência de Controle Social percebeu que o Estudantes de Atitude precisava de uma continuidade, desenvolvendo o Embaixadores da Cidadania. Contudo, o estudante precisava de uma base de conteúdos para compreender o sistema de cidadania antes de propor possíveis soluções de impacto social, por isso os projetos se complementam com o Agentes da Cidadania, que proporcionaria a transição.

Assim, considerando os conceitos supracitados, junto com a experiência do caso, o ponto essencial para a consolidação da democracia é identificado por muitos autores como a educação política. Tais pesquisas partem da ideia de que o exercício da cidadania demanda que o cidadão deva estar devidamente preparado para sua prática: “A educação torna-se central no conceito de cidadania, tendo como papel fundamental transformar o homem em cavalheiro, ou seja, promover a conscientização necessária à evolução do sujeito como cidadão” (Marshall, 1967Marshall, T. H. (1967). Cidadania, classe social e status. São Paulo, SP: Vozes.). Portanto, ao educar um cidadão, o Estado o prepara para o conhecimento sobre o mundo natural, físico, social, tanto quanto para a tomada de decisões de cunho político, sendo ele, dessa maneira, um agente em potencial para a transformação social (Marinho & Dantas, 2019Marinho, R. U., & Dantas, H. (2019). Educação política: da produção dos parlamentares brasileiros no Congresso Nacional à inconstitucionalidade de seus objetivos. Revista Política Hoje, 28(2), 118-144. Recuperado de https://periodicos.ufpe.br/revistas/politicahoje/article/view/248271
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).

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO DO CASO

1. De acordo com o conceito de cultura política, como você analisa a relação simbólica entre o estudante e a escola no projeto Estudantes de Atitude? Quais as diferenças com o projeto de Auditoria Cívica na área de saúde desenvolvido pelo IFC?

R: A noção de cultura política refere-se ao conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão origem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras e os pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores. Dessa forma, ao analisarmos os dois projetos, podemos perceber que a maior diferença é pelo senso de pertencimento desenvolvido. Os estudantes amam a escola, ela é parte de sua vida diária, são criados laços e relacionamentos interpessoais que baseiam o seu comportamento. Já no projeto na área de saúde, a proximidade não é vista com a mesma naturalidade, existe uma distância por não ser um processo vivenciado com a mesma familiaridade. Por isso, ao analisar o projeto nas escolas, podemos perceber o quanto os estudantes se tornaram parte das ações que desenvolveram, como foi natural o controle gerado ao finalizarem tais atividades. Diferentemente da saúde, em que, sem a presença da equipe institucional, não havia engajamento à participação.

2. Fundamentado no conceito de educação política, como você avalia os resultados do Estudantes de Atitude? Quais são os elementos usados no projeto que podem ser identificados como engajamento para o exercício da cidadania?

R: Os elementos presentes são, principalmente, o incentivo à construção de senso de pertencimento que permite que o exercício da cidadania deixe de ser uma “obrigação” e se torne um comportamento cultural. Para isso, a escola tem um papel importante, pois é um espaço que efetiva os processos de subjetivação política, uma vez que, nesse contexto, crianças e adolescentes são convidados para enfrentar situações que os colocam permanentemente diante da diferença, em termos de diferença, de opiniões, hábitos e valores. É nesse contexto de negociações e tensões de convivência social que as práticas dos projetos acabam enraizando valores e elementos culturais simbólicos que alteram uma lógica de participação, tornando essa criança ou jovem parte de um processo, um engajamento que surge naturalmente por meio do pertencimento de ator político.

3. Fundamentado no conceito de educação política, como você avalia os resultados do Agentes da Cidadania? Quais são os elementos usados no projeto que podem ser identificados como engajamento para o exercício da cidadania?

R: O Agentes da Cidadania é um projeto de transição para os jovens que participaram do Estudantes de Atitude e ficaram certo período afastados do Ecossistema de Participação Cidadã. A CGE-GO, ao criar o Embaixadores da Cidadania, percebeu a necessidade de uma capacitação anterior para que o engajamento pudesse ser mantido e para avançar trazendo aspectos teóricos básicos sobre o sistema da cidadania. Ou seja, o projeto tem um papel importantíssimo educativo na transição do estudante como cidadão.

4. Fundamentado no conceito de educação política, como você avalia os resultados do Embaixadores da Cidadania? Quais são os elementos usados no projeto que podem ser identificados como engajamento para o exercício da cidadania?

R: O Embaixadores da Cidadania tem a missão de aproximar o cidadão da sua comunidade e dos espaços de tomada de decisão, ou seja, ao iniciarem com o Estudantes de Atitude, esses jovens criam laços e senso de pertencimento com a escola. O Agentes da Cidadania traz os aspectos teóricos básicos para que esse estudante se enxergue como cidadão no sistema político, sendo parte dele. Por fim, o Embaixadores avança ao desenvolver o cidadão como parte do poder público, capacitando-o para resolver desafios de impacto social. Uma construção cultural com base na educação política, por meio do Ecossistema de Participação Cidadã.

SUGESTÃO PARA UM PLANO DE ENSINO

Este caso de ensino pode ser utilizado em uma sessão de, pelo menos, 90 minutos. A sessão deve ser conduzida, preferencialmente, com alunos que já estejam familiarizados com alguns temas relativos à cultura política e democracia, assim como à participação cidadã e educação política.

O caso deve ser entregue aos alunos antecipadamente, para que façam leitura e estudos prévios ao debate em sala de aula e apreendam o assunto discutido.

Sugere-se que os primeiros 40 minutos da sessão de ensino sejam utilizados para o debate do caso em pequenos grupos (três ou quatro alunos). Nessa ocasião, é importante que os estudantes procurem esclarecer eventuais dúvidas sobre o caso, dividir opiniões sobre a história narrada e responder às questões sugeridas para o caso (ou outras questões que o professor acredite serem pertinentes).

Em seguida, é conveniente que aconteça um debate com toda a turma e que, com a condução do professor, sejam confrontadas as opiniões e as respostas dos diferentes grupos anteriormente formados.

Para melhor fixação do tema explorado, no fim da sessão, é interessante que o professor conduza uma retrospectiva resumida do conteúdo teórico explorado e sua aplicação no caso analisado, sanando ainda eventuais dúvidas que tenham ficado sem respostas.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Bolsa de mestrado à autora Victória Vilvert Costa e apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC). Ainda, agradecemos a Controladoria-Geral do Estado de Goiás (CGE/GO) pela abertura dos dados de base do caso.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2022
  • Aceito
    23 Mar 2023
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