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A gênese do capitalismo moderno

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

A gênese do capitalismo moderno

Márcio Gomes de Sá

Mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco -UFPE. Professor assistente do CAA (Centro Acadêmico do Agreste) da UFPE. Endereço: Pólo Comercial de Caruaru, Alameda Sta Cruz do Capibaribe -Nova Caruaru - Caruaru - Pernambuco - Brasil -CEP: 55002-97. E-mail: marciodesa@gmail.com

WEBER, Max. A gênese do capitalismo moderno. Organização, apresentação e comentários: Jessé Souza. Tradução: Rainer Domschke. São Paulo: Âtica, 2006. Coleção Ensaios Comentados. 136p.

Max Weber passou os últimos anos de sua vida (1918-1920) trabalhando na Universidade de Munique. Foi lá onde ministrou suas últimas conferências, entre elas, A gênese do capitalismo moderno. Esse texto, agora traduzido do original alemão por Rainer Domschke e apresentado e comentado por Jessé Souza, traz de forma sistematizada e sintética temas caros ao pensador ale mão, em sua compreensão sobre as origens desse sistema (bem mais do que meramente econômico) no qual hoje vivemos, com vigor e rigor históricos marcantes desse clássico das ciências sociais.

Alguns motivos moveram-me a escrever esta resenha: a tradução direta do texto original em alemão e a importância da leitura desses textos para a formação do cientista social; a apresentação e os comentários de um dos mais reconhecidos estudiosos do pensamento weberiano na atualidade das ciências sociais brasileira; o fato, apontado pelo próprio Jessé, desse texto poder ser compreendido como um resumo de muitos aspectos do pensamento weberiano.

A leitura desse texto levou-me a refletir sobre o modo como o pensamento weberiano é tratado, de forma geral, na academia brasileira de administração; sobre os problemas herdados pelas traduções nacionais a partir das traduções do inglês1 1 Em especial, das traduções elaboradas por Talcott Parsons. Falo aqui, principalmente, dessas traduções da obra de Weber; e mesmo sobre a incompreensão das origens desse sistema-mundo capitalista œ origens essas indissociáveis do fenômeno organizacional sobre o qual nos debruçamos. Essas reflexões também foram cruciais em minha decisão de apresentar essa obra.

Isto posto, Weber inicia o texto pela apresentação da sua conceitualização do que venha a ser capitalismo moderno, assim como as precondições para a existência do mesmo. Para ele, este existe -lá onde a cobertura das necessidades de um grupo humano, mediante atividades industriais e comerciais, realiza-se pelo caminho do empreendimento, não importando a necessidade" (WEBER, 2006, p.13). Em seguida, apresenta as características elementares da empresa racional, força motriz desse sistema, como uma instituição que "controla sua rentabilidade com o auxílio de cálculos, da contabilidade moderna e da elaboração de balanços".2 2 Em A ética... Weber também destaca um outro aspecto peculiar ao capitalismo moderno, a separação entre residência familiar e os negócios, como podemos observar nesta passagem: "A organização industrial racional, voltada para um mercado regular e não para as oportunidades especulativas de lucro, tanto políticas como irracionais, não é contudo, a única peculiaridade do capitalismo ocidental. A moderna organização racional das empresas capitalísticas não teria sido possível sem dois outros fatores importantes em seu desenvolvimento: a separação dos negócios da moradia e, estritamente ligada a isso, uma contabilidade racional." (WEBER, 2005, p.29, grifos meus). Essas características singulares a esse tipo de organização demonstram a força do racionalismo ocidental no desenvolvimento do capitalismo moderno.3 3 Aqui ,é importante reforçar que o capitalismo moderno, em sua origem, não se tratou da busca do lucro de qualquer forma, afinal, isso já aconteceu em diversas sociedades distintas anteriores, mas sim da configuração de uma forma de organização social historicamente única e que se reflete numa padronização de procedimentos que orientam a forma de ver e viver das pessoas num determinado contexto sóciohistórico, indo bem além da economia.

Por ser exemplar em seu caráter calculável e possibilitar precisão na administração financeira dos empreendimentos, a contabilidade racional é apontada por Weber como a "precondição mais geral" para a consolidação desse capitalismo moderno, podendo ser observada não somente como um procedimento técnico de controle financeiro, mas também como símbolo dos empreendimentos nesse contexto. Outras precondições também relevantes são apresentadas e comentadas: a apropriação dos meios materiais de produção por empresas; a liberdade de mercado, isto é, de restrições irracionais à circulação de mercadorias; a técnica racional; o direito racional calculável; o trabalho livre; bem como a comercialização da economia, que pode ser entendida pelo uso de "títulos de valor" (e.g.: negociáveis na bolsa) para direito de participação em empresas e, igualmente, para direitos patrimoniais, estando diretamente associada a essa a especulação (WEBER, 2006, p.15-7).

Em seguida, já no segundo tópico, são apontados os fatos externos da evolução do capitalismo, explicando a relevância para a economia moderna da "emissão de títulos de valor". Essa emissão seria um meio de aprovisionamento racional de capital que caracterizaria a sociedade anônima (S.A.). A criação e o fortalecimento das sociedades anônimas, a emissão de títulos públicos e a comercialização (por intermédio de ações) do capital empreendido são aspectos decisivos na consolidação do sistema capitalista tal e qual hoje o conhecemos. Para Weber, a especulação "assume importância a partir do momento em que bens de capitais podem ser expressos em títulos de valor livremente transferíveis" (WEBER, 2006, p.27). Os títulos de valor "desmaterializam" o capital alocado nos empreendimentos industriais e/ou comerciais de forma completamente nova, o que gera turbulências econômicas.

No terceiro tópico, dedicado às primeiras grandes crises de especulação, são também observados o progresso técnico e a especulação econômica como elementos característicos do racionalismo ocidental que irão interferir diretamente no plano societário instaurado a partir do século XIX. Afinal, é bastante visível a relação entre (a) o impacto do ferro na confecção dos meios de produção, (b) a superespeculação que faz crescer esses meios de produção além da demanda por bens e (c) crises que se projetam bem além da economia.

O livre comércio em grande escala é tema do quarto tópico como precursor desse mercado especulativo por meio da venda à base de amostras e, em sua seqüência, por meio de "tipos padronizados" (ou seja, algo que podemos comparar aos commodities hoje negociados nas bolsas de valores do mundo). "No curso do século XVIII, o atacadista separa-se definitivamente do varejista e constitui uma camada específica do estamento mercantil" (WEBER, 2006, p.33).

No quinto tópico, Weber reflete também "a respeito da grande importância da conquista e exploração de grandes regiões fora da Europa para a gênese do capitalismo" (WEBER, 2006, p.40), em especial, sobre a política colonial do século XVI até o século XVIII. Ele defende que, diferentemente de Sombart,4 4 Em algumas passagens deste livro (p. 43 e 54 são exemplos) são retomados debates que trava ao longo de sua obra com W. Sombart (historiador alemão contemporâneo e amigo de Weber) quanto às interpretações apropriadas sobre as especificidades do capitalismo. o comércio colonial e a riqueza por este gerada não teve grande importância para o desenvolvimento do capitalismo moderno, por não ter estimulado, de modo singularmente ocidental, a organização do trabalho, haja vista que este acontecia nas colônias com base em atividades predatórias ("conservadoras", influenciadas pelo tradicionalismo ao qual o racionalismo ocidental se opõe) e não no cálculo da rentabilidade com base no mercado. Outro ponto interessante do argumento de Weber aqui é referente aos índios e negros. Os primeiros eram inaptos para o trabalho nas plantações, assim como, analogamente, os negros se mostraram durante muito tempo inaptos para o trabalho nas fábricas com máquinas. Jessé explica em um dos seus comentários (apresentados ao longo da obra em hipertexto) que esse argumento não deve ser entendido como uma visão "racista" de Weber. Para ele, "esta inaptidão pode ser imediatamente compreensível se pensarmos na necessidade de disciplina e autocontrole que o trabalho no capitalismo exige". Como disciplina e autocontrole resultam de "aprendizado cultural" específico, "não é de espantar que outros povos ou raças não possuam (ainda que possam aprendê-las tão bem quanto um europeu aprendeu) as mesmas habilidades" (WEBER, 2006, p.41).

No sexto tópico, Weber destaca que o modo industrial de empreendimento econômico tem como desdobramento o desenvolvimento técnico. Este interfere, primeiro de tudo, devido ao carvão e ao ferro, numa "emancipação da técnica" e, com ela, possibilidades de aumento na produção industrial, por tornar-se independente de matérias orgânicas (como a madeira). Em segundo lugar, na mecanização do processo de produção que libera a produção dos limites orgânicos do trabalho humano. Finalmente, na produção de bens que se emancipa, em função do vínculo com a ciência, de toda dependência da tradição (WEBER, 2006, p.50-51).

Nesse processo, o trabalho -livre" conduz grande massa de indivíduos apenas dotados de força de trabalho a passarem por recrutamentos de mão-de-obra, que fazem uso de meios coercitivos indiretos, e, conseqüentemente, à ocupação em (sub)trabalhos nocivos à saúde e pessimamente remunerados œ algo que é representado no filme Germinal.5 5 Produção francesa dirigida por Claude Berri, inspirada no romance homônimo de Émile Zola.

Até a segunda metade do século XIX, dispuseram [os empresários] da mão-de-obra como bem entenderam e empurraram-na para as indústrias que se formavam. Por outro lado, desde o início de século XVIII começam a surgir, com respeito à regulamentação da relação entre empresários e trabalhadores, os precursores da regulamentação moderna da relação laboral. (Ibidem, p.52)

No mercado para produtos das indústrias novas em formação, aparecem primeiro dois grandes clientes: a guerra e o luxo. Weber é cuidadoso ao associar diretamente a guerra e as origens do capitalismo, sendo aqui, mais uma vez, contrário ao argumento de Sombart. Para Weber, o exército somente contribuiu para este quando fez uso do mercado para suprir suas necessidades de abastecimento. No entanto, em muitos casos, não foi isso que aconteceu. A estrutura militar se organizava de tal forma que ela mesma constituía unidades produtivas que a atendiam nessas demandas (oficinas e fábricas de munição próprias, por exemplo) de modo extra-capitalista.

Diferentemente da guerra, o consumo de luxo - muito embora, não em todos os casos - e sua conseqüente expansão no Ocidente será, sim, uma das forças propulsoras do capitalismo moderno. Não pelo consumismo em si, mas sim pela forma como a sociedade irá se organizar para atender a essas demandas de consumo, em suma, a organização racional do trabalho em torno da "democratização do luxo", ou seja, da comercialização numa maior escala de produtos da corte. Weber pondera sobre tal fato da seguinte forma: existiu luxo cortesão na Ándia e na China, porém, a forma como foram atendidas essas demandas não foram fomentadoras do capitalismo.

A associação esperada entre inovação e produtividade se concretiza por meio da "[...] tendência para a racionalização da técnica e da gestão econômica com o objetivo de baixar os preços, em relação aos custos, produziu uma corrida febril na busca de invenções. Todos os inventores daquela época trabalharam sob o signo do barateamento da produção" (WEBER, 2006, p.58). Leis (como a de patentes) e técnicas (resultantes de invenções que visavam à otimização dos esforços produtivos) apoiaram a consolidação da racionalidade moderna. -Sem esse estímulo jurídico com relação às patentes, não teriam sido possíveis as invenções decisivas para o desdobramento do capitalismo, feitas no século XVIII na indústria têxtil" (WEBER, 2006, p.59).

Na seqüência do texto, em seu sétimo tópico, Weber volta-se para a caracterização das acepções do termo "burguesia" e para observações sobre as origens das cidades ocidentais na Antiguidade e na Idade Média, assim como o desenvolvimento destas, muitas vezes, em comparação com seus análogos em outras sociedades œ aponta, por exemplo, que na Mesopotâmia, cidades apenas existiram em formas incipientes. "O cidadão burguês em sua qualidade estamental [no sentido de ser "gente de posse e cultura"] é sempre cidadão de uma determinada cidade, e a cidade, nesse sentido, somente existiu no Ocidente (WEBER, 2006, p.63)". As contribuições das cidades ocidentais foram extremamente significativas, não somente para os mais diversos campos da cultura; a supremacia da burguesia nessas cidades orientou-as no rumo dos negócios e, ao assim fazê-lo, foi decisiva para o capitalismo.

Nesse processo, burguesia citadina alia-se inicialmente aos monarcas visando constituir Estados fortes, capazes de melhor atender e regular as atividades capitalistas. Dessa fértil aliança, nascem burguesia nacional e Estado moderno, tema do tópico oito. A racionalização desse Estado se dá por meio de funcionalismo especializado e formado nas leis. "Para Weber, a burocracia racional, baseada no conhecimento técnico e no não-envolvimento político do funcionário, é um dos pilares do Estado racional moderno e, portanto, da própria modernidade" (SOUZA, 2006, p.91). Aqui, o autor também comenta o papel do mercantilismo na formação do Estado moderno como responsável pela -transferência do impulso aquisitivo capitalista para a política".

Por fim, no último tópico, o tema ao qual Weber se empenhou em diversas obras, o desenvolvimento da mentalidade capitalista, ou seja, o racionalismo que é tido como sua principal preocupação ao buscar o entendimento das especificidades desse sistema-mundo. Para demonstrar sua relevância, ele compara a contribuição da mentalidade capitalista, em termos de relevância para o surgimento e a consolidação do capitalismo, com a de outros fatores.

É um erro muito difundido considerar, entre outras condições para o desdobramento do capitalismo ocidental, o crescimento populacional como agente decisivo. [...] O desenvolvimento da população ocidental teve seu maior progresso no período que vai do início do século XVIII até o fim do século XIX. Na mesma época, também a China experimentou um incremento populacional de intensidade, no mínimo, igual [...]. Apesar disso, a evolução do capitalismo na China não só não progrediu como também recuou. [...]

Portanto, nem o crescimento populacional, nem o afluxo de metais preciosos geraram o capitalismo Ocidental. A condição externa para seu desenvolvimento consiste, antes, na natureza geográfica da Europa.

Entretanto, também esse fator não deve ser superestimado. A cultura na Antiguidade foi uma cultura marcadamente costeira. Ali, as possibilidades de tráfego e transporte eram muito favoráveis graças às condições naturais do mar Mediterrâneo (em oposição às águas chinesas com seus tufões), e, não obstante, não surgiu nenhum capitalismo naquela época. Na época Moderna, o desenvolvimento capitalista é muito mais intenso em Florença do que em Gênova ou Veneza. O capitalismo nasceu nas cidades industriais do interior, não nas cidades de comércio marítimo do Ocidente. [...] O que ao final de contas criou o capitalismo foi o empreendimento racional permanente, a contabilidade racional, a técnica racional, mas tampouco foram estes fatores por si sós; mostrou-se necessário o fator da mentalidade racional, a racionalização da condução da vida, o ethos econômico racional. (WEBER, 2006, p.107-10, grifos meus)

Diante da impessoalidade e racionalidade necessárias às operações num mercado moderno (em contraposição às relações humanas da Igreja), era de se esperar que a Igreja Católica tivesse uma postura refratária às mesmas, afinal, no capitalismo moderno, a Igreja Católica perde seu "poder moralizante" por não ter como regular e interferir substancialmente nas atividades de mercado. Concomitantemente, grandes profecias racionais produziram o desencantamento do mundo e, com isso, criaram também o fundamento para a ciência moderna, as técnicas modernas e o capitalismo.

Ao observar assim o capitalismo moderno, vinculado em suas origens a um ethos religioso que o dotava de um conjunto de premissas orientadoras do pensamento e das práticas ascéticas na extensão daquela sociedade œ que, na tese weberiana, teriam recebido influência decisiva do protestantismo ascético -, e a forma como esse sistema-mundo se configurava já em seu tempo (final do século XIX e início do século XX), Weber aponta que, com a ampla disseminação e preponderância da racionalidade instrumental nas mais diversas dimensões da vida em sociedade œ assim como seu desligamento do ethos religioso protestante, no interior de sua "matriz cultural" -, o racionalismo moderno gera práticas estranhas, se compradas com sua própria especificidade cultural original. Weber observa o capitalismo moderno, vinculado em suas origens a um ethos religioso que o dotava de um conjunto de premissas orientadoras do pensamento e das práticas ascéticas na extensão daquela sociedade - que, na tese weberiana, teriam recebido influência decisiva do protestantismo ascético -, e a forma como esse sistema-mundo se configurava já em seu tempo (final do século XIX e início do século XX). Nesse sentido, aponta que, com a ampla disseminação e preponderância da racionalidade instrumental nas mais diversas dimensões da vida em sociedade - assim como seu desligamento do ethos religioso protestante, no interior de sua "matriz cultural" -, o racionalismo moderno gera práticas estranhas, se compradas com sua própria especificidade cultural original. Nas palavras do próprio Weber. "A raiz religiosa da humanidade econômica moderna extinguiu-se. Atualmente, o conceito de profissão está no mundo como um caput mortuum ["cabeça morta", algo que não mais vigora]. [...] O ethos econômico gerou-se na base do ideal ascético; mais tarde, foi despojado de seu sentido religioso" (WEBER, 2006, p.127).

Os diversos aspectos históricos relevantes em sua perspectiva para a constituição de um modo "culturalmente singular" de orientação da ação e do pensamento na socidade moderna são explorados por Weber, ao tratar das origens e do desenvolvimento de um tipo de ethos capaz de racionalizar a conduta das pessoas em suas vidas cotidianas e que acompanha e caracteriza a história do capitalismo moderno. Trata-se de um racionalismo particular que pede por uma racionalidade específica (nesse caso, a instrumental) capaz de orientar as ações humanas para fins almejados.

Retomar a apresentação de Jessé para efeito de conclusão é observar as múltiplas possibilidades abertas pela obra de Weber e seus desdobramentos no pensamento social contemporâneo.

O diagnóstico acerca do racionalismo específico que a civilização ocidental constitui é, portanto, ambíguo para Max Weber. Ele reconhece que, na dimensão material da produção e da distribuição de riquezas, o Ocidente não tem competidor; assim, a expansão do seu racionalismo peculiar para todo o globo seria apenas uma questão de tempo. A dimensão material da vida não possui apenas significação econômica mas também militar, política, cultural e simbólica, o que explica a dominância inconteste do Ocidente no mundo atual.

Mas o racionalismo ocidental também é ambíguo. Weber fala dos "homens do prazer sem coração", no sentido de uma relação externa com os valores dos sentimentos e das emoções, e dos -especialistas sem espírito', no sentido de homens que entendem tudo de seu reduzido campo de ação e nada sobre o mundo mais amplo e sua lógica, como os tipos sociais mais típicos do mundo moderno. A riqueza material é contraposta à pobreza emocional e intelectual como duas faces da mesma moeda.6 6 Aqui, fazendo referência à Ética protestante... Ao mesmo tempo, o mercado capitalista e o Estado racional centralizado são percebidos como instituições cuja eficiência e "racionalidade" não teriam igual.

Essas duas visões da interpretação weberiana da peculiaridade ocidental inspiraram leituras diver-gentes de sua obra: uma leitura apologética do Ocidente, consubstanciada numa percepção liberal (e neoliberal, nos dias de hoje), na qual a virtude econômica e material ganha proeminência, e uma versão "crítica" que inspiraria, por exemplo, os trabalhos posteriores da assim chamada "escola de Frankfurt", uma das tradições de pensamento crítico mais influentes do século XX. Foi precisamente a riqueza, a própria ambigüidade da interpretação weberiana do Ocidente, o principal fator responsável por sua influência tão profunda no pensamento que se lhe seguiu. (WEBER, 2006, p.10, grifos meus)

  • SOUZA, Jessé. O mundo desencantado. In: A GÊNESE do capitalismo moderno. Organização, apresentação e comentários: Jessé Souza. Tradução: Rainer Domschke. São Paulo: Ática, 2006. (Coleção Ensaios Comentados).
  • WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2005.
  • ______. A gênese do capitalismo moderno Organização, apresentação e comentários: Jessé Souza. Tradução: Rainer Domschke. São Paulo: Ática, 2006. 136 p. (Coleção Ensaios Comentados).
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    Em especial, das traduções elaboradas por Talcott Parsons. Falo aqui, principalmente, dessas traduções
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    Em
    A ética... Weber também destaca um outro aspecto peculiar ao capitalismo moderno, a separação entre residência familiar e os negócios, como podemos observar nesta passagem: "A organização industrial racional, voltada para um mercado regular e não para as oportunidades especulativas de lucro, tanto políticas como irracionais, não é contudo, a única peculiaridade do capitalismo ocidental. A moderna organização racional das empresas capitalísticas não teria sido possível sem dois outros fatores importantes em seu desenvolvimento:
    a separação dos negócios da moradia e, estritamente ligada a isso, uma contabilidade racional." (WEBER, 2005, p.29, grifos meus).
  • 3
    Aqui ,é importante reforçar que o capitalismo moderno, em sua origem, não se tratou da busca do lucro de qualquer forma, afinal, isso já aconteceu em diversas sociedades distintas anteriores, mas sim da configuração de uma forma de organização social historicamente única e que se reflete numa padronização de procedimentos que orientam a forma de ver e viver das pessoas num determinado contexto sóciohistórico, indo bem além da economia.
  • 4
    Em algumas passagens deste livro (p. 43 e 54 são exemplos) são retomados debates que trava ao longo de sua obra com W. Sombart (historiador alemão contemporâneo e amigo de Weber) quanto às interpretações apropriadas sobre as especificidades do capitalismo.
  • 5
    Produção francesa dirigida por Claude Berri, inspirada no romance homônimo de Émile Zola.
  • 6
    Aqui, fazendo referência à
    Ética protestante...
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2008
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