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Negócios periféricos e o pensamento miltoniano: aproximações e possibilidades para o campo dos estudos organizacionais

Negocios periféricos y pensamiento miltoniano: enfoques y posibilidades para el campo de los estudios organizacionales

Resumo

Neste ensaio teórico, tem-se como objetivo geral identificar de que formas a aproximação entre a noção de negócio periférico e o pensamento miltoniano pode agregar, no aspecto teórico, ao campo dos estudos organizacionais. Como objetivos específicos, buscou tanto estabelecer aproximações teóricas entre a noção de negócio periférico e o pensamento miltoniano quanto analisar a viabilidade da utilização da noção de “negócio periférico” como base teórica e metodológica para a análise materialista histórico-dialética, ancorada no pensamento miltoniano. Para tanto, recorreu-se a uma triangulação teórica entre a noção de negócio periférico, elaborada por Márcio Sá e demais pesquisadores, bem como à teoria dos dois circuitos urbanos dos países subdesenvolvidos, estruturada por Milton Santos e aportada em noções marxistas. Não há incompatibilidades teóricas entre a noção de negócio periférico e o pensamento miltoniano, e a aproximação entre as perspectivas tende a agregar ao campo dos estudos organizacionais, por possibilitar análises empíricas, com base no materialismo histórico-dialético, sobre como organizações e sujeitos localizados num dos circuitos ou em ambos se relacionam.

Palavras-chave:
Negócio periférico; Organizações; Circuitos; Milton Santos; Marxismo

Resumen

En este ensayo teórico, el objetivo general es identificar de qué manera la aproximación entre la noción de negocio periférico y el pensamiento miltoniano puede aportar, en el aspecto teórico, al campo de los estudios organizacionales. Se adoptó como objetivos específicos tanto establecer aproximaciones teóricas entre la noción de negocio periférico y el pensamiento miltoniano como analizar la viabilidad de utilizar la noción de negocio periférico como base teórica y metodológica para el análisis histórico-dialéctico materialista anclado en el pensamiento miltoniano. Para ello, se utiliza una triangulación teórica entre la noción de negocio periférico, elaborada por Márcio Sá y otros investigadores, y la teoría de los dos circuitos urbanos de los países subdesarrollados, estructurada por Milton Santos y basada en nociones marxistas. Se señala que no existen incompatibilidades teóricas entre la noción de negocio periférico y el pensamiento miltoniano, y también que la aproximación entre las perspectivas tiende a enriquecer el campo de los estudios organizacionales al posibilitar la realización de análisis empíricos, basados en el materialismo histórico dialéctico, sobre cómo se relacionan organizaciones y sujetos ubicados en uno de los circuitos, o en ambos.

Palabras clave:
Negocio periférico; Organizaciones; Circuitos; Milton Santos; Marxismo

Abstract

In this theoretical essay, the general objective is to identify how the approximation between the notion of peripheral business and the Miltonian thought can add, in the theoretical aspect, to the field of organizational studies. The specific objectives are to establish theoretical approximations between the notion of peripheral business and Miltonian thought and to analyze the viability of using the notion of peripheral business as a theoretical and methodological basis for the dialectical historical materialist analysis anchored in Miltonian thought. A theoretical triangulation was carried out between the notion of peripheral business, elaborated by Márcio Sá and other researchers, and the theory of the two urban circuits of underdeveloped countries, structured by Milton Santos and based on Marxist notions. It is pointed out that there are no theoretical incompatibilities between the notion of peripheral business and Miltonian thought, and that the approximation between these perspectives tends to add to the field of organizational studies by enabling the performance of empirical analyses based on dialectical historical materialism about how organizations and subjects located in one or both of the circuits relate to each other.

Keywords:
Peripheral business; Organizations; Circuits; Milton Santos; Marxism

INTRODUÇÃO

No que concerne à produção do conhecimento sobre a teoria social no Brasil, há uma primazia oriunda dos países centrais, o que indica um cenário de dominação também intelectual, resultando, até certo ponto, no apagamento da produção de pensadores brasileiros e de perspectivas teóricas elaboradas com base na realidade nacional nas mais diversas áreas do saber em que atuam (Ouriques, 2014Ouriques, N. (2014). Colapso do figurino francês: crítica às ciências sociais no Brasil. Isular.).

Entre outros pesquisadores, Milton Santos se destacou pela preocupação em elaborar teorias e perspectivas pelas quais se fizesse possível analisar a realidade dos territórios em regiões periféricas e semiperiféricas. Segundo Santos (2004Santos, M. (2004). O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos. Edusp.), isso foi favorecido pelo fato de ele próprio ser um indivíduo do chamado terceiro mundo, assim como por ter percorrido e estudado diversos países localizados no sul global. Para tanto, o geógrafo elaborou o conceito de “formação socioespacial”, o qual, de acordo com Corrêa (1996Corrêa, R. L. (1996). Milton Santos e a temática da rede urbana. In M. Souza(Org.), O mundo do cidadão, um cidadão do mundo. Hucitec.), tem como principal mérito explicitar, no âmbito teórico, que somente a partir do espaço é que determinada sociedade alcança a concretude e que, ademais, o espaço só é compreensível se estiver ancorado na sociedade.

Com base no citado conceito, Santos (1979Santos, M. (1979). O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Francisco Alves., 1996Santos, M. (1996). A natureza do espaço. Hucitec.) estrutura a teoria dos 2 circuitos urbanos dos países subdesenvolvidos, a qual, aportada no materialismo histórico-dialético e na noção de espaço, possibilita a análise dessas regiões pela divisão das urbes localizadas em dois circuitos: o superior e o inferior. Essa perspectiva teórica seria finalizada apenas no fim da referida década e apresentada, principalmente, no livro O espaço dividido, em 1979.

No campo da administração, de forma geral e semelhante, há um cenário de subordinação ao pensamento exógeno, visto que, entre outros aspectos, as formas de gestão características de organizações de regiões periféricas e semiperiféricas tendem a ser apontadas como imperfeições daquelas originárias no norte global, cenário fortalecido por uma série de mecanismos presentes na América Latina que visam marginalizar o conhecimento produzido localmente. Dessa forma, os pesquisadores da região necessitam optar entre resistir a tais mecanismos ou ceder, tendo isso implicado no aceite, por parte de alguns estudiosos, da absorção acrítica de conceitos e ideologias do norte global, resultando, muitas vezes, num silêncio educado acerca dos reais problemas locais (Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: thinking otherness from the margins. Organization, 13(4), 463-488.).

Nos estudos administrativos no Brasil, mais precisamente no campo dos estudos organizacionais, o pesquisador Marcio Sá tem se dedicado, desde 2007, a analisar empiricamente a realidade concreta de pequenos negócios, com enfoque em feiras urbanas. Em 2020, com base nessas experiências no campo e com outros pesquisadores, ele elaborou a noção de negócio periférico, a qual é compreendida como um instrumento teórico-epistêmico que, segundo os autores, ademais de poder nortear o esforço de análises sobre tais fenômenos, tem o potencial de servir para outras iniciativas de pesquisa com vieses semelhantes, com ênfase em regiões periféricas e semiperiféricas globais (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.).

Optamos pela noção de negócio periférico nesta pesquisa, em detrimento de outras noções e conceitos possíveis, como organizações contra-hegemônicas (Zilio et al., 2012Zilio, L. B., Barcellos, R. D. M. R. D., Dellagnelo, E. H. L., & Assmann, S. J. (2012). Organizações contra-hegemônicas e a possibilidade de redescoberta da política na modernidade: uma contribuição a partir do pensamento de Hannah Arendt. Cadernos EBAPE.BR, 10(4), 789-803.), gestão ordinária (Barros & Carrieri, 2015Barros, A., & Carrieri, A. D. P. (2015). O cotidiano e a história: construindo novos olhares na Administração. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 151-161.; Carrieri et al., 2018Carrieri, A. de P., Perdigão, D., Martins, P. G., & Aguiar, A. R. C. (2018). A gestão ordinária e suas práticas: o caso da Cafeteria Will Coffee. Revista de Contabilidade e Organizações, 12, 1-13.) e organizações outras (Couto et al., 2019Couto, F. F., Honorato, B. E. F., & Silva, E. R. D. (2019). Organizações outras: diálogos entre a teoria da prática e a abordagem decolonial de Dussel. Revista de Administração Contemporânea, 23(2), 249-267.), por se tratar de uma perspectiva teórica recente e em pleno desenvolvimento, além do fato de a noção de negócio periférico estar relacionada diretamente com a ênfase em regiões periféricas e semiperiféricas globais, mais precisamente à “periferia da periferia” (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.), o que entendemos dialogar melhor com a proposta deste ensaio e possibilitar maior leque de utilização para demais pesquisadores.

Ainda sobre negócios periféricos, a citada noção foi apresentada, na forma aqui indicada, apenas em 2020, no XLIV Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Enanpad 2020), o que demonstra, de certa forma, que a noção de negócio periférico ainda carece de maior aprofundamento no que concerne às suas características e aplicação. Assim, indicamos que este ensaio se soma a outros estudos (Sá, 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil., 2021Salvador, D. S. C. O. (2012). Espaço geográfico e circuito inferior da economia urbana. Mercator, 11(25), 47-58.; Sá et al., 2020Sá, M. G. (2020). Experiências agrestinas: pistas para a pesquisa sobre gente e negócios em contexto periférico. Revista de Administração de Empresas, 60(2), 120-130.) para que uma maior profundidade conceitual possa ser alcançada, a partir do entrelaçamento teórico que será realizado neste ensaio.

Neste artigo, utilizamos o pensamento miltoniano em sua segunda fase, iniciada em 1964, com o golpe no Brasil, e finalizada em 1977, na qual se encontrava exilado na França - país onde havia realizado, décadas antes, seu doutorado - e marcada, ademais de uma produção profícua, pelo seu aprofundamento epistemológico crítico, com aproximações com o marxismo (Spósito, 1999Spósito, M. E. B. (1999). A análise urbana na obra de Milton Santos. Caderno Prudentino de Geografia, 1(21), 25-42.).

Aqui, tem-se como objetivo geral identificar de que formas a aproximação entre a noção de negócio periférico (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) e o pensamento miltoniano pode agregar, no aspecto teórico, ao campo dos estudos organizacionais. A fim de responder ao objetivo geral, foram delineados 2 objetivos específicos: estabelecer aproximações teóricas entre a noção de negócio periférico (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) e o pensamento miltoniano, voltadas à teoria dos 2 circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos (Santos, 1979Santos, M. (1979). O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Francisco Alves., 1997Santos, M. (1996). A natureza do espaço. Hucitec.); e analisar a viabilidade teórica da utilização da noção de negócio periférico como base teórica e metodológica para a análise dialética, norteada pelo materialismo histórico e pela teoria dos 2 circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos (Santos, 1979Santos, M. (1979). O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Francisco Alves., 1996Santos, M. (2003). Economia espacial: críticas e alternativas (2a ed.). Edusp.).

Ao realizar este ensaio, assumimos a posição, também adotada por Couto et al. (2019Couto, F. F., Honorato, B. E. F., & Silva, E. R. D. (2019). Organizações outras: diálogos entre a teoria da prática e a abordagem decolonial de Dussel. Revista de Administração Contemporânea, 23(2), 249-267.), que parte do pressuposto de que as organizações não acompanham modelos genéricos, neutros e supostamente universais, mas que podem e devem ser capturadas dentro da localidade em que se realizam, como no caso de periferias e semiperiferias. Coadunamos com o preconizado por Ramos (1996Ramos, A. G. (1996). A redução sociológica. Editora UFRJ.), visto que compreendemos que há a necessidade de que a produção científica estrangeira tenha um caráter meramente subsidiário para a análise local. Assim, ambos os entendimentos apresentados neste parágrafo norteiam este ensaio.

Este ensaio agrega ao aspecto teórico ao realizar o aprofundamento da noção de negócio periférico (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) e seu entrelaçamento com a teoria dos 2 circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos (Santos, 1979Santos, M. (1979). O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Francisco Alves.), além de possibilitar sua atualização aos tempos atuais ao campo dos estudos organizacionais, o que poderá acrescentar tanto aos estudiosos da referida área quanto aos demais pesquisadores que buscam analisar negócios em regiões periféricas e semiperiféricas sob a óptica do espaço, inclusive os da geografia, área do saber na qual Milton Santos estava inserido.

Embora neste ensaio busquemos o entrelaçamento teórico entre perspectivas da geografia - sobretudo o pensamento de Milton Santos em sua segunda fase, ancorada no marxismo, como indicado previamente - e a noção de negócios periféricos, o que denota ineditismo, há uma tradição de pensadores marxistas no campo da administração no Brasil, os quais têm se dedicado, entre outros aspectos, a analisar práticas, teorias e epistemologias da área do saber da ciência administrativa, tanto no âmbito acadêmico quanto no de mercado, pela óptica de tal corrente de pensamento (Cunha & Ferraz, 2018Cunha, E. P., & Ferraz, D. L. (2018). Crítica marxista da administração. Rizoma Editorial.; Cunha & Guedes, 2017Cunha, E. P., & Guedes, L. T. (2017). Recepções do ideário marxista pelo pensamento administrativo: da oposição indireta à assimilação relativa. Organizações & Sociedade, 24, 432-455.; Faria, 2009Faria, J. H. D. (2009). Teoria crítica em estudos organizacionais no Brasil: o estado da arte. Cadernos EBAPE.BR, 7(3), 509-515.; Misoczky, 2022Misoczky, M. C. (2022). Paulo Freire e Amílcar Cabral: pedagogos do anticolonialismo. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 28(3), 646-661.).

A partir da próxima seção, serão abordados os temas considerados pertinentes por esses autores para que os objetivos propostos possam ser alcançados. Desse modo, discorre-se sobre formação econômico-social (Marx, 2008Marx, K. (2008). Contribuição à crítica da economia política(2a ed.). Expressão Popular.) e socioespacial (Santos, 1977Santos, M. (2003). Economia espacial: críticas e alternativas (2a ed.). Edusp.), apresenta-se a noção de negócio periférico (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) e são realizados entrelaçamentos entre as bases teóricas apresentadas.

A FORMAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL E A FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL

De acordo com pesquisadores como Alves (2020Alves, V. J. R. (2020). Formação socioespacial e patrimônio-territorial latino-americano: resistência negra pelas rodas de samba do Distrito Federal, Brasil. PatryTer, 3(6), 150-166.) e Machado (2016Machado, T. A. (2016). Da formação social em Marx à formação socioespacial em Milton Santos: uma categoria geográfica para interpretar o Brasil? GEOgraphia, 18(38), 71-98.), a fim de elaborar o conceito de formação socioespacial, Santos recorreu a Engels e Marx, em especial à categoria formação econômico-social (FES).1 1 Para maior aprofundamento sobre como a FES era compreendida por Santos (1978), indicamos o artigo “Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método”. De fato, como ele mesmo explicita em sua obra, na busca pela estruturação de uma teoria considerada válida acerca do espaço, a utilização da categoria marxista FES se mostra a mais adequada (Santos, 1977Santos, M. (2003). Economia espacial: críticas e alternativas (2a ed.). Edusp.). Dessa forma, antes de abordar o conceito elaborado pelo geógrafo, entendemos ser pertinente contextualizar tal categoria.

Embora distintos estudiosos marxistas - como Althusser, Hobsbawm e Poulantzas, para citar alguns - tenham trabalhado com a categoria FES, com discussões acerca de sua teorização e aplicação, enfocando em sua gênese, que remete ao pensamento marxista, “em todas as formas de sociedade se encontra uma produção determinada, superior a todas as demais, e cuja situação aponta a sua posição e sua influência sobre as outras” (Marx, 2008Marx, K. (2008). Contribuição à crítica da economia política(2a ed.). Expressão Popular., p. 266). Assim, a utilização da FES permite análises que visam à compreensão do desenvolvimento de uma sociedade a partir da totalidade da história, tendo como alicerce da explicação as relações de produção (Bastos & Casaril, 2016Bastos, J. M., & Casaril, C. C. (2016). A formação socioespacial como categoria de análise aos estudos sobre rede urbana: ampliando a discussão teórica. Geosul, 31(62), 271-298.).

Partindo do pensamento marxiano, Lênin sistematiza a categoria FES e a aplica na análise da Rússia, na virada do século XIX para o XX, a fim de explicar sua realidade histórica atrasada, visto que tal nação combinava, à época, características de uma sociedade capitalista em comunhão com relações sociais que ainda não haviam sido totalmente absorvidas pelo capitalismo (Martins, 1996Martins, J.(1996). As temporalidades da história na dialética de Lefebvre. In J. Martins(Org.), Henri Lefebvre e o retorno à dialética. Hucitec.).

Para Espíndola e Silva (1997Espíndola, C. J., & Silva, M. D. (1997). Formação socioespacial: um referencial aos estudos sobre industrialização. Experimental, 3, 61-67.), é a partir de tal momento que a categoria FES adquire uma base empírica ancorada em formações históricas e geográficas localizadas, ou seja, formações socioespaciais, o que, para Santos (1977), é fundamental, visto que o pensador compreendia que é impossível falar de transformações sociais e econômicas sem incluir a categoria espaço.

Para Santos (1977), a FES permite a análise de dada sociedade, seja em sua completude, seja em suas frações, desde que sempre em determinado momento específico de sua evolução. Dessa forma, a categoria é caracterizada por 3 aspectos centrais (Bottomore, 1983Bottomore, T. (1983). Dicionário do pensamento marxista. Zahar.; Sereni, 2013Sereni, E. (2013). De Marx a Lênin: a categoria de “formação económico-social”. Meridiano. Revista de Geografia, 2, 248-346.): é indissociável do concreto, refere-se à evolução diferencial das sociedades e tem aspecto dialético entre unidade e totalidade das diversas esferas - econômica, política e cultural -, sendo de fundamental importância para o pensamento marxista.

A partir da categoria FES, Santos elabora o conceito de “formação socioespacial”, o qual, de acordo com Whitacker (2019Whitacker, G. M. (2019). A operacionalização do conceito formação econômica-social: o nexo entre o marxismo e a geografia de Milton Santos. Geografia em Atos, 6(13), 48-76.), pode ser compreendido como uma teoria de mediação entre a realidade concreta de regiões periféricas e a teoria social do espaço, o que, na prática, permitiu uma aproximação entre a geografia crítica e o pensamento social brasileiro.

Ainda com relação à elaboração da formação socioespacial, de acordo com Reis (2000Reis, L. C. T. (2000). Por uma concepção dialética do espaço: o conceito de formação espacial em Milton Santos. Geografares, 1(1), 61-72.), Santos recorre à dialética para formular tal conceito, visto que partiu de constatação da ausência do espaço na categoria FES (tese); explicita que tal categoria requer a dimensão espacial (antítese); e, por fim, estrutura a formação socioespacial em si (síntese).

Assim, para Santos (1996Santos, M. (1996). A natureza do espaço. Hucitec.), com base na dialética e no materialismo histórico, mais do que FES, é a formação socioespacial que exerce o papel analítico de mediação entre as forças internas de dada sociedade e as forças exógenas a ela, assim como entre o mundo e uma região. Acerca da relevância da categoria “espaço” e sua relação com a totalidade, para o conceito de formação socioespacial, discorre o geógrafo:

O espaço reproduz a totalidade social na medida em que essas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas. Assim, o espaço reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade, quando evolui em função do modo de produção e de seus momentos sucessivos. Mas o espaço influencia também a evolução de outras estruturas e, por isso, torna-se um componente fundamental da totalidade social e de seus movimentos (Santos, 2014Santos, M. (2014). Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. In M. Santos (Org.), Da totalidade ao lugar. Edusp., p. 35).

Dessa forma, visto que o espaço e a totalidade estão diretamente relacionados, não há como compreender o espaço2 2 Para Santos (2014), a noção de espaço é diretamente relacionada com o social e o produto das relações sociais de produção. Para o pensador, não há sociedade aespacial; o espaço, em si, é social. e a sociedade como coisas separadas, pois a segunda só se torna concreta a partir do primeiro, assim como o primeiro só é inteligível a partir da segunda (Corrêa, 1996Corrêa, R. L. (1996). Milton Santos e a temática da rede urbana. In M. Souza(Org.), O mundo do cidadão, um cidadão do mundo. Hucitec.).

Para Bastos e Casaril (2016Bastos, J. M., & Casaril, C. C. (2016). A formação socioespacial como categoria de análise aos estudos sobre rede urbana: ampliando a discussão teórica. Geosul, 31(62), 271-298.) e Mamigonian (1996Mamigonian, A. (1996). A. Geografia e “A formação social como teoria e como método”. In M. Souza (Org.), Mundo do cidadão, um cidadão do mundo. Hucitec.), se bem que a formação socioespacial tenha sido elaborada por Santos com vistas a ser utilizada em escala nacional, esse aspecto não se configurou como um paradigma. Eles entendem que o citado conceito pode ser aplicado também para a análise de escalas regionais e locais.

Ainda segundo Mamigonian (1996Mamigonian, A. (1996). A. Geografia e “A formação social como teoria e como método”. In M. Souza (Org.), Mundo do cidadão, um cidadão do mundo. Hucitec.), a obra Sociedade e espaço: a formação social como teoria e método, na qual, pela primeira vez, Santos faz uso do conceito de formação socioespacial, é considerada o mais importante estudo teórico do geógrafo, tendo se configurado como um marco basilar da renovação da geografia humana.

Dessa forma, a questão regional no Brasil pode ser determinada e apreendida tendo a formação socioespacial como categoria de análise fundamental, visto que, a partir dela, podem-se compreender as relações entre as produções e as forças produtivas, em suas desiguais celeridades no processo de acumulação capitalista, que contrapõem as áreas de pequena produção mercantil e de latifúndio - estas representando a totalidade socioespacial (Bastos & Casaril, 2016Bastos, J. M., & Casaril, C. C. (2016). A formação socioespacial como categoria de análise aos estudos sobre rede urbana: ampliando a discussão teórica. Geosul, 31(62), 271-298.).

A NOÇÃO DE NEGÓCIO PERIFÉRICO

Há outros pensadores contemporâneos brasileiros que têm se dedicado ao estudo e às análises da realidade concreta de sujeitos e organizações em regiões periféricas e semiperiféricas, como Márcio Gomes de Sá, docente na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e participante de grupos de pesquisa nos quais se estudam, entre outros aspectos, negócios oriundos de regiões periféricas (Sá, 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil., 2021Salvador, D. S. C. O. (2012). Espaço geográfico e circuito inferior da economia urbana. Mercator, 11(25), 47-58.).

Com base em sua experiência empírica de pesquisa no tema abordado, advinda de experiências no campo iniciadas em 2007 (Sá, 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) - e, mais recentemente, com o enfoque em pequenos negócios de artesanato localizados no agreste pernambucano -, o pesquisador elaborou a noção de “negócio periférico” (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.), compreendido como um instrumento teórico-epistêmico que, segundo os autores,

tem potencial de não somente nortear o esforço compreensivo sobre o fenômeno aqui estudado, mas também pode inspirar e mesmo vir a ter serventia heurística para outras iniciativas de pesquisa sobre tipos de negócios que apresentem “parecenças de família” com os aqui pesquisados (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil., p. 14).

Assim, entendemos que tal noção, norteada por uma contribuição empírica de seu primeiro autor, de campo e de anos, além de ter o potencial de nortear demais pesquisas sobre outros negócios periféricos, pode ser aprofundada com base em outras perspectivas ontológicas e epistemológicas. Para tanto, faz-se necessário discorrer acerca da gênese da referida noção.

A fim de elaborar a noção de negócio periférico como um instrumento teórico-epistêmico, os autores partiram do “tipo ideal”, noção weberiana que, segundo o criador, é obtido partindo da consideração de um ou mais pontos de vista com base na correlação entre grandes quantidades de fenômenos sociais difusos (Weber, 2004Weber, M. A. (2004). “Objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. In: G. Cohn(Org.), Sociologia. Ática.).

Ao utilizar o tipo ideal, não se busca esgotar todas as possíveis e diversas interpretações acerca da realidade concreta, visto que, em cada fenômeno social, há a possibilidade de elaborar diversos tipos ideais e, portanto, visa-se alcançar 2 objetivos: fornecer um conceito inequívoco que facilite a classificação, a análise e a comparação de fatos empíricos; e servir como base para a explicação causal de fatos históricos (Monteiro & Cardoso, 2002Monteiro, J. C. S., & Cardoso, A. T. (2002). Weber e o individualismo metodológico. In Anais do Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política, Niterói, RJ, Brasil.).

Ademais de não esgotar as diversas interpretações possíveis da realidade concreta, a definição de um tipo ideal não é nem deve ser imune às mutações sociais ocorridas durante dado período histórico, haja vista que, para Weber (2004Weber, M. A. (2004). “Objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. In: G. Cohn(Org.), Sociologia. Ática.), a história das ciências sociais é caracterizada pela alternância constante entre as tentativas de elaborar conceitos e a necessidade de construir novas noções a partir da base modificada pela ampliação do horizonte científico. Assim, deve-se considerar o repertório conceitual de determinada época.

Segundo Monteiro e Cardoso (2002Monteiro, J. C. S., & Cardoso, A. T. (2002). Weber e o individualismo metodológico. In Anais do Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política, Niterói, RJ, Brasil.), outro aspecto relevante do pensamento weberiano, referente ao tipo ideal, é o entendimento de que, conquanto a sociedade não seja estruturada a partir da pura vontade dos sujeitos, estes não são meras vítimas de aspectos macrodeterminantes, tendo em vista que são pessoas singulares e com vontades distintas entre si, ou seja, não há uma mera submissão deles em relação às estruturas sociais.

Retornando a uma das nações basilares deste ensaio, Sá et al. (2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) indicam que o uso do tipo ideal advém da necessidade dos autores de analisar modos de produção e comercialização artesanais que, não obstante sejam integrantes do capitalismo, têm especificidades próprias e significativas em relação às empresas comerciais padronizadas, de modo que se fez necessário elaborar a noção de negócio periférico. Os autores buscaram analisar o fenômeno de forma que não usassem uma visão mercadológica padronizadora nem um particularismo isolado, visto que tais negócios, ainda que periféricos e locais, podem apresentar semelhanças com outros em situações correlatas em regiões periféricas e semiperiféricas globais (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.).

A noção de negócio periférico deve ser compreendida como um instrumento teórico, pois possibilita a confrontação entre o fenômeno concreto e o trabalho cognitivo e interpretativo do pesquisador, assim como um instrumento epistemológico, considerando que orienta a abordagem ao fenômeno (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.).

Desse modo, Sá et al. (2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) apontam que a noção de negócio periférico é usada para denominar uma organização que difere da empresa convencional-central - a qual, em geral, tem registro formal, hierarquização, contabilidade, algum nível de desvinculação das relações familiares, portanto opera de acordo com a lógica convencional do capitalismo - e que apresenta estas características:

Trajetória de vida do proprietário vinculada às classes populares; gestão por meio de saberes práticos incorporados (e não conhecimentos técnicos/especializados/legítimos); posição marginal no mercado em que se insere; informalidade, na contratação de trabalhadores por exemplo, e condições precárias de trabalho; intencionalidade mais voltada para a geração de renda/subsistência que para o crescimento e ganho de capital; e indissociabilidade/dificuldade para dissociar o proprietário e seus familiares do negócio (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.).

As análises de negócios periféricos no Brasil devem levar em consideração tanto o passado colonial quanto a contínua preponderância do grande capital ao definir o que se entende por empreendedorismo, tendo em vista uma narrativa majoritária sobre essa prática no país, solidária ao fortalecimento da ideologia meritocrática, do racismo estrutural e do aumento das desigualdades socioeconômicas entre classes (Oliveira et al., 2021Oliveira, T., Caetano, S., & Louredo, F. (2021). A narrativa majoritária do empreendedorismo no Brasil: facetas da colonialidade e do racismo estrutural. Revista Brasileira de Estudos Organizacionais, 8(1), 140-162.).

APROXIMAÇÕES ENTRE A NOÇÃO DE NEGÓCIO PERIFÉRICO E O PENSAMENTO MILTONIANO

Como apresentado neste ensaio, o principal objetivo de Santos ao elaborar o conceito de formação socioespacial, na primeira metade da década de 1970, foi estruturar uma teoria considerada válida e pertinente acerca do espaço nos países então denominados como subdesenvolvidos. Para tanto, recorreu à categoria FES, originado no pensamento marxiano e considerado pelo estudioso o mais adequado para esse fim (Santos, 1977Santos, M. (2003). Economia espacial: críticas e alternativas (2a ed.). Edusp.). Tal perspectiva teórica seria finalizada apenas no fim da referida década, quando emergiu a teoria dos 2 circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, explicitada, principalmente, no livro O espaço dividido, de 1979.

Na referida teoria, aponta-se que, em regiões periféricas e semiperiféricas globais³, terminologias mais aceitas hoje, o espaço urbano é ordenado a partir de uma matriz global e norteado por interesses exógenos à região, contudo as forças oriundas de tais motivações agem de formas diferentes nas distintas áreas, pois as resistências geradas pelas populações locais são igualmente distintas entre si (Santos, 2003Santos, M. (2003). Economia espacial: críticas e alternativas (2a ed.). Edusp.).

O analisa a realidade econômica de sujeitos e organizações em urbes localizadas em regiões periféricas e semiperiféricas do globo,3 3 ³ A divisão dos países entre centrais, semiperiféricos e periféricos é oriunda da teoria do sistema mundo, elaborada por Immanuel Wallerstein, sendo essa divisão formada com base na função e na ordem produtiva capitalista global que cada nação exerce (Martins, 2015). como o Brasil. Devem-se compreender tais cidades como estruturadas por 2 circuitos de produção, distribuição e consumo na sociedade: o superior e o inferior, os quais podem ser isolados e identificados (Reolon & Souza, 2005Reolon, C. A., & De Souza, V. (2005). A teoria dos dois circuitos da economia urbana de Milton Santos: subsídios para uma discussão. Formação, 2(12), 51-73.).

Para Santos (1979Santos, M. (1979). O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Francisco Alves.), o surgimento e a manutenção do circuito superior é resultado direto da modernização tecnológica, caracterizado por ser composto por organizações direta ou indiretamente relacionadas com empresas globais e exógenas. O circuito inferior, por outro lado, é caracterizado por ser majoritariamente composto por organizações de pequeno porte e guiadas pela racionalidade local. No quadro 1 são apresentadas outras características dos circuitos superior e inferior.

Quadro 1
Características dos circuitos superior e inferior

Os circuitos superior e inferior são divididos em 2 categorias: verticalidades e horizontalidades. As primeiras estão relacionadas com o circuito superior, abarcando as ações dos grupos hegemônicos que agem de forma a manter o funcionamento global da sociedade e da economia capitalista de forma indiferente ao seu entorno, sendo norteadas por uma lógica racional global capitalista. Por sua vez, as segundas são formadas pelo local, embora também sejam influenciadas pelas finalidades impostas de fora, as verticalidades, o que não as configura como conformistas; pelo contrário, são locais, simultaneamente, da cegueira e da descoberta, da complacência e da revolta (Santos, 1996Santos, M. (1996). A natureza do espaço. Hucitec.).

No pensamento miltoniano, as organizações têm papel fundamental nas tensões nos territórios em regiões periféricas e semiperiféricas, pois as grandes empresas, alocadas nas verticalidades, tendem, a partir de relações interdependentes hierárquicas, a promover decisões dependentes e alienantes, já que seguem ordens normalmente estranhas ao lugar e orientadas desde áreas distantes - em certos casos, ainda que nacionais, considerando a crescente financeirização internacional do grande capital brasileiro privado (Rocha, 2013Rocha, M. A. M. D. (2013). Grupos econômicos e capital financeiro: uma história recente do grande capital brasileiro (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.). Por outro lado, as pequenas empresas, locais, assim como os sujeitos a elas relacionados, muitas vezes funcionam como respostas às imposições exógenas, sendo consideradas irracionais, sob a óptica da razão hegemônica e global, por não acompanharem a velocidade exógena que, com base no grande capital, tudo almeja (Degrandi & Silveira, 2013Degrandi, J. O., & Silveira, R. L. L. (2013). Verticalidades e horizontalidades na função comercial da cidade de Santa Maria (RS). Mercator. Revista de Geografia da UFC, 12(29), 39-50.; Santos, 2014Santos, M. (2014). Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. In M. Santos (Org.), Da totalidade ao lugar. Edusp.). Os governos costumam ser considerados uma faceta pública do circuito superior (Salvador, 2012Salvador, D. S. C. O. (2012). Espaço geográfico e circuito inferior da economia urbana. Mercator, 11(25), 47-58.; Silveira, 2011Silveira, M. L. (2011). Urbanización latinoamericana y circuitos de la economía urbana. Revista Geográfica de América Central, 2(47), 1-17.).

Ainda acerca dos circuitos, eles estão em constante interação, sendo os superiores constantemente responsáveis pelo engendramento de contextos obedientes e disciplinas nos territórios inferiores, com base numa racionalidade considerada mais avançada e em discursos hegemônicos (Santos, 1996Santos, M. (1996). A natureza do espaço. Hucitec.). Isso implica, na prática, a geração de relações de dependência do espaço inferior com o superior, as quais só poderão ser superadas quando o atual sistema de produção, baseado na busca incessante pela lucratividade, for substituído por outro que busque a produtividade social (Santos, 1979Santos, M. (1979). O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Francisco Alves.).

Cataia e Silva (2013Cataia, M., & Da Silva, S. C. (2013). Considerações sobre a teoria dos dois circuitos da economia urbana na atualidade. Boletim Campineiro de Geografia, 3(1), 55-75.) destacam que, no atual século, em que novas tecnologias de informação tendem, cada vez mais, a fazer parte da realidade do circuito inferior, além da expansão do crédito ter possibilitado que as camadas mais pobres da sociedade tenham mais acesso ao consumo tecnológico, tem ocorrido uma dependência maior de tal circuito em relação ao superior.

Ainda que algumas das características expostas no Quadro 1 necessitem ser atualizadas para o presente momento, entendemos que é no circuito inferior que sujeitos e organizações englobados pela noção de negócio periférico (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) se localizam, visto que feiras - tipo de negócio analisado pelos autores -, compostas quase exclusivamente por negócios periféricos (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.), tendem a ser consideradas integrantes do circuito inferior (Nobre et al., 2014Nobre, C. E., Belo, C., & Silva, E. F. da. (2014). A feira-livre como herança algodoeira em União dos Palmares (AL) e sua constituição na atualidade como circuito inferior. Caminhos de Geografia, 15(49), 27-40.; Silva, 2019Silva, W. (2019). A feira dos importados no Distrito Federal e o circuito inferior da economia urbana. Sociedade e Território, 31(1), 49-76.) e espaços de sobrevivência das populações mais pobres em relação ao mercado composto pelas classes dominantes (Mascarenhas, 1991).

Assim, esse é um dos aspectos em que tais perspectivas teóricas se aproximam e se encontram, haja vista que as características de negócios periféricos (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.), previamente apresentadas nesta pesquisa, e o de sujeitos e organizações alocados no circuito inferior (Santos, 2003Santos, M. (2003). Economia espacial: críticas e alternativas (2a ed.). Edusp.) são próximas, sendo esta mais aprofundada, no detalhamento de sua caracterização, em relação à primeira, embora com exceções, como a não menção à participação de familiares.

Ainda, contudo, que existam características em relação aos negócios periféricos e aqueles classificados como integrantes do circuito inferior, não se pode ignorar que foram utilizadas premissas ontoepistemológicas distintas em suas elaborações - o pensamento weberiano, para a noção de negócio periférico, e o marxiano, para a formação socioespacial e à teoria dos 2 circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos -, porém não excludentes entre si.

Malgrado pensadores de cunho marxista, como o historiador Eric Hobsbawm, tenham indicado que o pensamento de Weber está radicalmente em oposição ao do marxismo (Hobsbawn, 1986Hobsbawn, E. (1986). Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Editora UFRJ.), sobretudo por questões políticas e metodológicas (Löwy, 2014Löwy, M. (2014). A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano. Boitempo Editorial.), há diversas possibilidades de diálogo (Hobsbawn, 1986Hobsbawn, E. (1986). Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Editora UFRJ.), existindo, inclusive, uma corrente no marxismo denominada “marxismo weberiano” (Löwy, 2014Löwy, M. (2014). A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano. Boitempo Editorial.).

Acerca da formulação da noção de negócio periférico, tendo os autores utilizado o tipo ideal weberiano como base, assume-se que, assim como no pensamento weberiano, não há uma mera submissão por parte dos sujeitos detentores e membros de tais negócios quanto às estruturas sociais nas quais estão inseridos (Monteiro & Cardoso, 2002Monteiro, J. C. S., & Cardoso, A. T. (2002). Weber e o individualismo metodológico. In Anais do Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política, Niterói, RJ, Brasil.). Esse entendimento está em consonância com o pensamento miltoniano, visto que o pensador defendia que os indivíduos englobados pelo circuito inferior e pela horizontalidade, norteados por uma contrarracionalidade e denominados homens lentos (Santos, 2014Santos, M. (2014). Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. In M. Santos (Org.), Da totalidade ao lugar. Edusp.), por não serem considerados aptos a acompanhar o ritmo acelerado do circuito superior, tendem a criar suas próprias formas de racionalidade, as quais os permitem escapar, até certo ponto, da racionalidade hegemônica. Por essa razão, esses homens lentos têm possibilidades mais tangíveis de elaborar uma luta, orientada pelos próprios sujeitos locais, a partir da qual é possível produzir redefinições para as atuais formas de relações econômicas norteadas pelo capitalismo (Grosfoguel, 2009Grosfoguel, R. (2009). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Periferia, 1(2), 41-91.).

Outro ponto que merece destaque é a percepção de Sá et al. (2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) de que, embora os negócios periféricos absorvam e estejam absorvidos pelo capitalismo, têm especificidades em relação aos modelos apontados nas principais teorias administrativas sobre como as organizações são e devem ser, sob o ponto de vista de uma racionalidade científica (Rodrigues et al., 2012Rodrigues, S. B., Duarte, R. G., & Carrieri, A. P. (2012). Indigenous or imported knowledge in Brazilian management studies: a quest for legitimacy? Management and Organization Review, 8(1), 211-232.). Essas especificidades foram apresentadas previamente neste ensaio, como trajetória de vida do proprietário vinculada às classes populares, gestão por meio de saberes práticos incorporados - e não conhecimentos técnicos/especializados/legítimos) -, posição marginal no mercado em que se insere, informalidade, entre outras (Sá et al., 2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.).

Analisando tal aspecto com base no pensamento miltoniano, mais precisamente ancorado na formação socioespacial e, consequentemente, no materialismo histórico dialético, sugerimos que os negócios periféricos impactam e são impactados pelo espaço, sendo também responsáveis pela evolução deste, quando tal avanço se dá em função do modo de produção. Portanto, essas características próprias possibilitam uma relação dialética entre os sistemas de produção e as forças produtivas, em suas desiguais celeridades no processo de acumulação capitalista, que contrapõem as áreas de pequena produção mercantil - ligadas ao circuito inferior e integradas quase totalmente por negócios periféricos - e as norteadas pelo grande capital, sendo que essas duas formações representam as totalidades socioespaciais (Bastos & Casaril, 2016Bastos, J. M., & Casaril, C. C. (2016). A formação socioespacial como categoria de análise aos estudos sobre rede urbana: ampliando a discussão teórica. Geosul, 31(62), 271-298.).

Ainda nesse sentido, Sá et al. (2020Sá, M. G., Loreto, M. S. S., Sousa, J. R. F., & Souza, D. C. (2020). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura (PE). In Anais do 44º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR, Brasil.) indicam que, ao analisar o fenômeno dos negócios periféricos, não se deve recorrer à visão mercadológica padronizadora nem a um particularismo isolado, pois tais negócios, ainda que periféricos e locais, podem apresentar semelhanças com outros em situações similares em diferentes regiões periféricas e semiperiféricas globais. Santos, discorrendo sobre pequenos negócios e sujeitos localizados no circuito inferior, indica que sua realidade concreta, ou seja, a de países subdesenvolvidos, e suas especificidades devem ser levadas em consideração, ao passo que essas características tendem a apresentar similitudes, num aspecto mais amplo, entre as regiões citadas (Santos, 2014Santos, M. (2003). Economia espacial: críticas e alternativas (2a ed.). Edusp.).

As urbes em países periféricos e semiperiféricos são marcadas por divisões do trabalho superpostas e por relações verticalizadas e hegemônicas, assim como por tempos lentos e contra-hegemônicos, sendo uma grande estrutura na qual diversos agentes estão em constante inter-relação dialética e exibem distintos modos de produzir e consumir o espaço (Silveira, 2007Silveira, M. L. (2007). Metrópolis brasileñas: un análisis de los circuitos de la economía urbana. Eure, 33(100), 149-164.). Assim, Santos (1996Santos, M. (1996). A natureza do espaço. Hucitec.) aponta que o território é um palco constante para conflitos de interesses norteados pelo capital e pelas relações de produção, de forma que o local e o global - centralizados numa razão ideológica de origem exógena e que demandam de cada região a servidão com base em suas normas - estão em constante tensão.

Tendo demonstrado que não há incoerências teóricas entre a noção de negócio periférico e o pensamento miltoniano, entendemos que a apropriação, com os devidos ajustes para o tempo atual, das características elaboradas por Santos para o circuito inferior, para fins da noção de negócio periférico, se configura como um facilitador para que demais tipos de negócios periféricos - e, portanto, localizados em regiões periféricas e semiperiféricas - possam ser analisados pelo entrelaçamento teórico de ambas as perspectivas, estimulando o potencial de que a referida noção possa ter serventia para pesquisas em que negócios que apresentam semelhanças às feiras (Sá et al., 2020Sá, M. G. (2020). Experiências agrestinas: pistas para a pesquisa sobre gente e negócios em contexto periférico. Revista de Administração de Empresas, 60(2), 120-130.) sejam estudados, como indicado pelos autores.

Defendemos que a aproximação teórica entre ambas as perspectivas, assim como sua utilização para fins de análise de pesquisa no campo dos estudos organizacionais no Brasil e em demais regiões periféricas e semiperiféricas, possibilita que a realidade concreta de negócios periféricos, bem como a forma com que se relacionam com organizações e sujeitos localizados no circuito superior, possa ser analisada, análise norteada pelo materialismo histórico dialético, viabilizando um olhar além dos aspectos intraorganizacionais, o que entendemos ter sido o foco de Marcio Sá e dos demais criadores da noção ao analisarem os negócios de feirantes em suas pesquisas.

Essa comunicação viabiliza que uma ênfase nos aspectos organizacionais possa ser usada ao recorrer à teoria dos 2 circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, cenário que até o presente momento não ocorre, o que é natural, visto que tal teoria fora elaborada por um geógrafo, com interesses de pesquisa distintos aos da área de organizações.

Dessa forma, a aproximação da noção de negócio periférico, atrelada à teoria dos 2 circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, se une a uma série de estudos, cada qual com suas especificidades, nos quais distintos pesquisadores buscaram elaborar análises sobre as particularidades de negócios locais e que se diferem das compreensões mais habituais sobre organizações normalmente apontadas nos estudos na área de administração, caso das organizações contra-hegemônicas (Zilio et al., 2012Zilio, L. B., Barcellos, R. D. M. R. D., Dellagnelo, E. H. L., & Assmann, S. J. (2012). Organizações contra-hegemônicas e a possibilidade de redescoberta da política na modernidade: uma contribuição a partir do pensamento de Hannah Arendt. Cadernos EBAPE.BR, 10(4), 789-803.), da gestão ordinária (Barros & Carrieri, 2015Barros, A., & Carrieri, A. D. P. (2015). O cotidiano e a história: construindo novos olhares na Administração. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 151-161.; Carrieri et al., 2018Carrieri, A. de P., Perdigão, D., Martins, P. G., & Aguiar, A. R. C. (2018). A gestão ordinária e suas práticas: o caso da Cafeteria Will Coffee. Revista de Contabilidade e Organizações, 12, 1-13.) e de outras organizações (Couto et al., 2019Couto, F. F., Honorato, B. E. F., & Silva, E. R. D. (2019). Organizações outras: diálogos entre a teoria da prática e a abordagem decolonial de Dussel. Revista de Administração Contemporânea, 23(2), 249-267.). Contudo, ela é a única que traça um caminho para uma análise materialista e histórico-dialética das relações entre negócios periféricos, parte do circuito inferior e negócios localizados no circuito superior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o objetivo geral deste ensaio, defendemos que a proposta aqui elaborada tem relevância teórica e metodológica por estruturar um caminho genuinamente nacional para análises empíricas com base na realidade concreta de negócios periféricos, sob uma perspectiva histórica, materialista e dialética, e também por trazer para o campo dos estudos organizacionais a teoria dos 2 circuitos da economia urbana, a qual é utilizada, majoritariamente, por pesquisadores do campo da geografia (Batista & Costa, 2014Batista, P. A., & Costa, A. A. (2014). Os dois circuitos da economia urbana e as novas áreas de centralidade em Campina Grande. Formação, 2(21), 71-94.; Farias, 2020Farias, F. D. P. (2020). Os circuitos espaciais de produção do vestuário em Natal/RN e os dois circuitos da economia urbana: uma análise do circuito inferior. Revista Geotemas, 10(2), 138-156.; Oliveira, 2020Oliveira, J. S. (2020). Circuitos da economia urbana: ensaios sobre Buenos Aires e São Paulo, teoria revisitada por Maria Laura Silveira. Geousp. Espaço e Tempo, 24(1), 172-174.), com interesses de pesquisa distintos dos pesquisadores do campo de organizações.

Indicamos a relevância prática e social deste ensaio, por se tratar de um estudo que visa possibilitar, em pesquisas futuras, a análise concreta da realidade de negócios localizados no circuito inferior, ancorada numa perspectiva crítica, num cenário em que o país alcançou, em passado recente, a marca de aproximadamente 41% da população ativa na informalidade (Neder, 2021Neder, V. (2021, 30 de setembro). País tem taxa de informalidade de 40,8% no trimestre até julho, mostra IBGE. UOL. https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/09/30/pais-tem-taxa-de-informalidade-de-408-no-trimestre-ate-julho-mostra-ibge.htm
https://economia.uol.com.br/noticias/est...
).

Por fim, esta pesquisa é um esforço inicial de aproximação entre as citadas bases teóricas, por se tratar de sujeitos e organizações em regiões periféricas e semiperiféricas, além de uma base conceitual recente - a noção de negócio periférico - que necessita de aprofundamento. O pensamento miltoniano necessita de atualização para os tempos atuais, de modo que pesquisas empíricas, utilizando o entrelaçamento aqui apresentado, se fazem necessárias tanto para a análise da realidade concreta em si quanto para a aperfeiçoamento das perspectivas teóricas aqui estudadas.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES), pelo Programa Suporte à Pós-Graduação IES Particulares. Número do processo: 88887.494356/2020-00. Autor que recebeu o financiamento: Thiago Cunha de Oliveira.

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  • 1
    Para maior aprofundamento sobre como a FES era compreendida por Santos (1978Santos, M. (1978). Sociedade e espaço: formação espacial como teoria e como método. Boletim Paulista de Geografia, 54(81), 81-100.), indicamos o artigo “Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método”.
  • 2
    Para Santos (2014), a noção de espaço é diretamente relacionada com o social e o produto das relações sociais de produção. Para o pensador, não há sociedade aespacial; o espaço, em si, é social.
  • 3
    ³ A divisão dos países entre centrais, semiperiféricos e periféricos é oriunda da teoria do sistema mundo, elaborada por Immanuel Wallerstein, sendo essa divisão formada com base na função e na ordem produtiva capitalista global que cada nação exerce (Martins, 2015Martins, J. R. (2015). Immanuel Wallerstein e o sistema-mundo: uma teoria ainda atual? Iberoamérica Social. Red de Estudios Sociales, 5, 95-108.).
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    A bibliografia utilizada para fins de elaboração deste ensaio teórico está disponível publicamente em bases de dados que possuem livre acesso.

PARECERISTAS

  • 7
    Os dois revisores não autorizaram a divulgação de suas identidades.
  • RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES

    O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/91503/85939

Editado por

Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127

Disponibilidade de dados

A bibliografia utilizada para fins de elaboração deste ensaio teórico está disponível publicamente em bases de dados que possuem livre acesso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2022
  • Aceito
    23 Ago 2023
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