Resumo
Devido ao grande potencial para o desenvolvimento socioeconômico, a Economia Criativa (EC) é uma atividade que, se implantada estrategicamente, pode ter um papel de destaque nas agendas de países emergentes e em desenvolvimento. Para suscitar o crescimento do setor criativo, o engajamento de stakeholders destaca-se como uma importante ferramenta. Na presente pesquisa, foram examinados os pontos relevantes para a compreensão do conceito de EC, suas características à luz da teoria dos stakeholders e os novos desafios trazidos pela crise da COVID-19. O objetivo deste trabalho é compreender como as empresas de EC engajam seus stakeholders no enfrentamento da crise da COVID-19. A abordagem escolhida para a presente pesquisa é qualitativa de cunho exploratório. Foram realizadas entrevistas com gestores de empresas do setor que apontaram a importância do fomento à troca de informações e da adaptação às constantes demandas como práticas necessárias para competir em um setor que se encontra em expansão. O engajamento orientado à colaboração com stakeholders pode levar ao aprendizado, à inovação e às mudanças organizacionais, aspectos importantes para o enfrentamento da crise da COVID-19.
Palavras-chave:
Economia criativa; Engajamento de stakeholders; Teoria dos stakeholders; Criação de valor
Resumen
Debido al gran potencial de desarrollo socioeconómico, la economía creativa (EC) es una actividad que, si se implementa estratégicamente, puede jugar un papel destacado en las agendas de los países emergentes y en desarrollo. Para impulsar el crecimiento en el sector creativo, la participación de los stakeholders puede destacarse como una herramienta importante. En esta investigación se examinaron los puntos relevantes para entender el concepto de EC, sus características a la luz de la teoría de los stakeholders y los nuevos desafíos que trajo la crisis de la COVID-19. El objetivo de este trabajo es comprender cómo las empresas de la EC involucran a sus stakeholders para enfrentar la crisis de la COVID-19. El enfoque elegido para esta investigación es de naturaleza cualitativa y exploratoria. Se realizaron entrevistas con gestores de empresas del sector quienes señalaron la importancia de promover el intercambio de información entre los stakeholders y la adaptación a las exigencias constantes como prácticas necesarias para competir en un sector en expansión. El compromiso orientado a la colaboración con los stakeholders puede conducir al aprendizaje, la innovación y a los cambios organizacionales, aspectos importantes para hacer frente a la crisis de la COVID-19.
Palabras clave:
Economía creativa; Compromiso de las partes interesadas; Teoría de las partes interesadas; Creación de valor
Abstract
The creative economy (CE) has great potential for socio-economic development. When strategically implemented, CE can play a prominent role in the agendas of emerging and developing countries. In addition, stakeholder engagement is an important tool to drive growth in the creative sector. Against this backdrop, this research examines the relevant points of the CE, its characteristics in the light of the stakeholder theory, and the new challenges brought by the COVID-19 crisis to understand how CE companies engage their stakeholders to face the crisis. This research has a qualitative and exploratory nature. Interviews were conducted with managers of CE companies who pointed out the importance of exchange of information between stakeholders and adaptation to constant demands as necessary practices to compete in an expanding sector. Collaboration-oriented engagement with stakeholders can lead to learning, innovation, and organizational change, important aspects of coping with the COVID-19 crisis.
Keywords:
Creative economy; Engagement of Stakeholders; Stakeholder Theory; Value creation
INTRODUÇÃO
Em uma trajetória que agrega negócios e ideias, surge, nos anos 1980, o conceito de uma nova economia que se baseia na produção e comercialização dos chamados bens e serviços culturais e é pautada pela criatividade e pelo capital intelectual (Wilson, 2010Wilson, N. (2010). Social creativity: Re-qualifying the creative economy. International Journal of Cultural Policy, 16(3), 367-381.). Essa economia, denominada de Economia Criativa (EC), abrange setores dinâmicos que investem em cultura, tecnologia e inovação para gerar oportunidades a indivíduos, empresas e cidades (White, Gunasekaran, & Roy, 2014White, D. S., Gunasekaran, A., & Roy, M. H. (2014). Performance measures and metrics for the creative economy. Benchmarking: An International Journal, 24(1), 46-61.). A EC contempla atividades singulares que culminam em um denominador comum, a criatividade, a qual, por meio da utilização da propriedade intelectual, é tida como potencial geradora de empregos e riquezas (Marchi, 2014Marchi, L. (2014). Análise do Plano da Secretaria da Economia Criativa e as transformações na relação entre Estado e cultura no Brasil. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, 37(1), 193-215.).
Essas novas formas de produzir e de gerar negócios apresentam a necessidade de processos colaborativos para o desenvolvimento da criatividade (Kubo, Costa, Cardoso, & Ribeiro, 2017Kubo, L., Costa, B. K., Cardoso, M. V., & Ribeiro, T. D. L. S. A. (2017). A importância dos stakeholders para o brand equity e o valor da marca: um estudo de caso da agência/operadora de viagens. Revista de Turismo Contemporâneo, 5(2), 180-204.). Empresas da EC são compostas, principalmente, por trabalhadores independentes e pequenas e médias empresas que trabalham em cooperação e buscam estabelecer ligações com outros indivíduos criativos (Chapain & Comunian, 2010Chapain, C., & Comunian, R. (2010). Enabling and inhibiting the creative economy: The role of the local and regional dimensions in England. Regional studies, 44(6), 717-734.), já que a criatividade pode ser considerada uma prática coletiva e relacional (Wilson, 2010Wilson, N. (2010). Social creativity: Re-qualifying the creative economy. International Journal of Cultural Policy, 16(3), 367-381.). Um ambiente que encoraja novas ideias, engaja e envolve diversos stakeholders propicia flexibilidade, adaptação e revela oportunidades para o desenvolvimento de capacidades e relacionamentos necessários à sobrevivência das organizações (Jackson, Morgan, & Laws, 2018Jackson, C., Morgan, J., & Laws, C. (2018). Creativity in events: the untold story. International Journal of Event and Festival Management, 9(1), 2-19.).
A EC conecta inovação, diversidade cultural, sustentabilidade e inclusão social (White et al., 2014White, D. S., Gunasekaran, A., & Roy, M. H. (2014). Performance measures and metrics for the creative economy. Benchmarking: An International Journal, 24(1), 46-61.), tornando relevante entender como se dá o relacionamento entre as empresas e seus stakeholders e como essas relações podem auxiliar no crescimento desse setor. A EC possui algumas características peculiares, como maior flexibilidade e agilidade produtiva das empresas (Flew & Cunningham, 2010Flew, T., & Cunningham, S. (2010). Creative Industries after the First Decade of Debate. The Information Society, 26(2), 113-123.). Portanto processo de inovação e criação requer competências específicas para que o conhecimento transforme-se em ideias de produtos e serviços que garantam a autenticidade e a originalidade (Garcia, 2016Garcia, S. R. (2016). Economia criativa e inovação: pequenas empresas em Porto Alegre. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 416-436.). Essas competências precisam ser analisadas em estudos qualitativos mais aprofundados, uma vez que a maioria dos estudos sobre EC refere-se a relatórios quantitativos, que, muitas vezes, carecem de dados acurados (Chapain & Comunian, 2010Chapain, C., & Comunian, R. (2010). Enabling and inhibiting the creative economy: The role of the local and regional dimensions in England. Regional studies, 44(6), 717-734.).
A teoria dos stakeholders estimula a identificação dos grupos e indivíduos que podem afetar ou ser afetados pelo alcance dos objetivos da organização (Freeman, 1984Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach. London, UK: Yale University Press.), ressaltando-se que essa abordagem possibilita o foco da gestão no equilíbrio dos interesses de múltiplos stakeholders para a criação de valor por meio de confiança e cooperação (Barakat & Wada, 2021Barakat, S. R., & Wada, E.K. (2021). Stakeholder theory in the hospitality field: insights drawn from a systematic literature review. Hospitality & Society, 11(2), 183-207.). Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é analisar como as empresas da EC estão engajando seus stakeholders diante da necessidade de reconhecer novos métodos e estratégias de enfrentamento da crise da COVID-19. Para atingir esse objetivo, as seguintes categorias de análise foram definidas mediante evidências empíricas: (i) motivadores para a criação das empresas; (ii) entendimento das empresas sobre a EC; (iii) desafios trazidos pela crise da COVID-19; e (iv) estratégias de engajamento de stakeholders adotadas pelas empresas.
Essa discussão mostra-se relevante, na medida em que a temática da EC tem se apresentado em diversos países como uma atividade impulsionadora do desenvolvimento socioeconômico (Almeida & Teixeira, 2016Almeida, A. S., & Teixeira, R. M. (2016). A criação de negócios de micro e pequeno porte da economia criativa. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 15(2), 74-89.). Contudo o Brasil ainda realiza um esforço inicial na compreensão do entendimento dessa economia, cujo histórico cultural no contexto do desenvolvimento do país é bastante complexo, uma vez que apresenta uma relação de descontinuidade das políticas culturais (Marchi, 2014Marchi, L. (2014). Análise do Plano da Secretaria da Economia Criativa e as transformações na relação entre Estado e cultura no Brasil. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, 37(1), 193-215.). Costa e Souza-Santos (2011Costa, D., & Souza-Santos, E. (2011). Economia criativa: novas oportunidades baseadas no capital intelectual. Economia & Tecnologia, 7(2), 1-8.) afirmam serem necessárias novas metodologias para entender a economia que tem uma base criativa e, dessa forma, enfrentar os desafios atuais.
Muitos indivíduos ingressam nas indústrias criativas por necessidade e como forma de sobreviver em tempos de dificuldades (Wilson, 2010Wilson, N. (2010). Social creativity: Re-qualifying the creative economy. International Journal of Cultural Policy, 16(3), 367-381.). Para que essas empresas tenham sucesso no longo prazo, é importante entender a dinâmica das interações entre os diversos stakeholders envolvidos e promover a qualidade das redes de relacionamentos (Chapain & Comunian, 2010Chapain, C., & Comunian, R. (2010). Enabling and inhibiting the creative economy: The role of the local and regional dimensions in England. Regional studies, 44(6), 717-734.). Tradicionalmente, a literatura sobre as indústrias criativas é baseada em uma noção individualista de criatividade, desprezando o papel da interação entre os indivíduos para a realização do potencial criativo (Wilson, 2010Wilson, N. (2010). Social creativity: Re-qualifying the creative economy. International Journal of Cultural Policy, 16(3), 367-381.). Dessa forma, a investigação do engajamento de stakeholders, no contexto da econômica criativa, sob a luz da teoria dos stakeholders, pode contribuir tanto para a literatura sobre criatividade e EC quanto para as práticas gerenciais das empresas dessa economia no enfrentamento da pandemia da COVID-19. Esta doença, causada pelo novo coronavírus, teve o primeiro caso oficial em dezembro de 2019, na China, e espalhou-se rapidamente pelo mundo. No Brasil, foi oficialmente declarada pelo Ministro de Estado da Saúde como emergência de estado de saúde internacional em fevereiro de 2020. Todos os setores sofreram algum tipo de impacto e tiveram de se readaptar para sobreviver, estabelecendo medidas de precaução e protocolos de higiene e segurança.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Criatividade e economia criativa
Ainda que não se tenha uma definição única e acordada para a EC, pode-se dizer que sua principal definição seja a utilização de uma ideia que tem como base a criatividade voltada a um produto ou serviço que traga valor econômico comercializável (Marchi, 2014Marchi, L. (2014). Análise do Plano da Secretaria da Economia Criativa e as transformações na relação entre Estado e cultura no Brasil. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, 37(1), 193-215.). O autor John Howkins (2002Howkins, J. (2002). Creative Economy: How People Make Money from Ideas. London, UK: Penguin Books.) popularizou o termo EC ao demonstrar o desenvolvimento de informações e ideias sob a forma econômica, ou seja, como uma atividade comercializável e pautada pelo desejo de criar e imaginar coisas. Essa economia usa como matéria-prima as atividades baseadas no capital intelectual para convertê-las em valor econômico (Costa & Souza-Santos, 2011Costa, D., & Souza-Santos, E. (2011). Economia criativa: novas oportunidades baseadas no capital intelectual. Economia & Tecnologia, 7(2), 1-8.), além de impulsionar a evolução de indivíduos, comunidades e países de forma sustentável e transformadora, reconhecendo a importância da cultura local (Wilson, 2010Wilson, N. (2010). Social creativity: Re-qualifying the creative economy. International Journal of Cultural Policy, 16(3), 367-381.).
A produção de bens e serviços conta tanto com a base de conhecimento científico e tecnológico quanto com demais produtos criativos já existentes (Serra & Fernandez, 2014Serra, N., & Fernandez, R. (2014) Economia criativa: da discussão do conceito à formulação de políticas públicas. RAI: Revista de Administração e Inovação, 11(4), 355-372.), salientando-se que a EC tem como premissa a abundância de recursos e não sua escassez. Assim, a capacidade criativa que é trazida pelo conhecimento humano faz-se infinita e permite muitas descobertas que propiciam o desenvolvimento e o crescimento econômico e social (White et al., 2014White, D. S., Gunasekaran, A., & Roy, M. H. (2014). Performance measures and metrics for the creative economy. Benchmarking: An International Journal, 24(1), 46-61.). Essa economia pode estimular a geração de renda e empregos, exportações diversas que promovem a inclusão social, a diversidade cultural e o desenvolvimento humano, além dos aspectos econômicos, culturais e sociais que se conectam com a tecnologia, a propriedade intelectual e o desenvolvimento econômico (Guilherme, 2017Guilherme, L. L. (2017). Creative economy: thematic perspectives addressed and research methodologies adopted. Brazilian Journal of Science and Technology, 4(1), 1-17.).
A criatividade pode ser considerada como produto da capacidade do pensamento em termos metafóricos, de associação de elementos que foram separados uns dos outros, de busca de novas informações e compreensão de pensamentos íntimos. O talento para a criatividade pode ser alimentado pela hibridização de referências possíveis em um ambiente cultural. As áreas onde existe um intercâmbio entre referências artísticas e culturais são propícias à criatividade cultural e, provavelmente, até ao surgimento de capacidades criativas que podem ser utilizadas em outras áreas que não a cultura (Greffe, 2016Greffe, X. (2016). From culture to creativity and the creative economy: A new agenda for cultural economics. City, Culture and Society, 7(2), 71-74.).
O elemento fundamental para considerar um produto criativo é que ele seja novo, pelo menos para a pessoa que o produz. Além disso, uma realização criativa deve ser intencional. Em discussões sobre criatividade em um contexto industrial, pode-se fazer uma distinção entre criatividade e inovação. A criatividade resulta em algo novo e a inovação é uma ideia nova trazida ao mercado na forma de um novo produto. Assim, uma inovação é o resultado do processo criativo somado a fatores necessários para levar uma ideia de maneira bem-sucedida ao mercado (Weisberg, 2010Weisberg, R.W., 2010. The study of creativity: from genius to cognitive science. International journal of cultural policy, 16(3), 235-253.).
A atenção ao setor deve-se pela possibilidade única de transformar ideias em produtos, processos ou serviços, impactando diretamente o consumidor e a sociedade (Almeida & Teixeira, 2016Almeida, A. S., & Teixeira, R. M. (2016). A criação de negócios de micro e pequeno porte da economia criativa. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 15(2), 74-89.). Essa geração de valor é fruto da maior interação entre os setores e das novas interpretações conceituais referentes à EC que incorporaram aspectos intangíveis à geração de valor e evidenciam o valor do conhecimento e da criação de redes e fluxos econômicos criativos e inclusivos (Pacheco & Benini, 2015Pacheco, A. P., & Benini, E. G. (2015). Desenvolvimento da indústria criativa brasileira a partir dos pontos de cultura. Políticas Culturais em Revista, 8(1), 121-135.).
Uma possível barreira para alcançar uma economia genuinamente criativa pode vir das próprias indústrias criativas, pois, são, muitas vezes, baseadas em uma noção predominantemente individualista de criatividade. Nesse contexto, seria preciso requalificar a EC de forma que seja possível uma conceitualização social mais forte de criatividade. A criatividade social seria introduzida como uma forma de entender como a interação além das fronteiras (incluindo aquelas das indústrias criativas) permite, motiva e restringe a reprodução e/ou a transformação de valores sociais e a realização do potencial criativo dos seres humanos. A criatividade social aborda a relação entre criatividade e economia por meio do foco na natureza coletiva e relacional da prática criativa, em que o pensamento divergente, transdisciplinaridade, copropriedade, produção de conhecimento, colaboração, diálogo e reflexividade são todos elementos importantes (Wilson, 2010Wilson, N. (2010). Social creativity: Re-qualifying the creative economy. International Journal of Cultural Policy, 16(3), 367-381.).
Em vez de pensar nas indústrias criativas como um subconjunto econômico de empresas inovadoras que impulsionam o crescimento da economia como um todo, a criatividade pode ser considerada como um elemento do sistema inovador de toda a economia, não apenas como um bem final limitado, mas como um bem intermediário geral. O valor econômico da criatividade como setor parece pequeno, mas sua contribuição para a coordenação de novas ideias e tecnologias e, portanto, para o processo de mudança, é substancial (Greffe, 2016Greffe, X. (2016). From culture to creativity and the creative economy: A new agenda for cultural economics. City, Culture and Society, 7(2), 71-74.).
Constantemente, é preciso perceber oportunidades no ramo de atuação para que, dessa forma, sejam combinados os conhecimentos e as experiências adquiridos para que repercutam nas ações e dinâmicas do mercado (Almeida & Teixeira, 2016Almeida, A. S., & Teixeira, R. M. (2016). A criação de negócios de micro e pequeno porte da economia criativa. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 15(2), 74-89.). Para que as organizações relacionadas à EC possam crescer, deve-se ter uma combinação entre as diversas formas de inovação, incluindo seus diversos stakeholders (Garcia, 2016Garcia, S. R. (2016). Economia criativa e inovação: pequenas empresas em Porto Alegre. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 416-436.). Se, por um lado, essa economia traz perspectivas bastante interessantes, tendo em vista o impulso ao crescimento socioeconômico; por outro, há alguns receios em razão da possibilidade de esses ativos criativos se tornarem produtos de bens e serviços puramente comercializáveis e mercantilizados (Guilherme, 2017Guilherme, L. L. (2017). Creative economy: thematic perspectives addressed and research methodologies adopted. Brazilian Journal of Science and Technology, 4(1), 1-17.).
O potencial da EC pode ser observado diante do cenário de crise mundial ocasionada pela COVID-19, que ganhou destaque e se tornou visível sob a perspectiva do governo e da população (Comunian & England, 2020Comunian, R., & England, L. (2020). Creative and cultural work without filters: Covid-19 and exposed precarity in the creative economy. Cultural Trends, 29(2), 112-128.). Apesar de os trabalhos criativos e culturais terem sido evidenciados pela pandemia, passam, muitas vezes, como invisíveis aos olhos daqueles que formulam as políticas para o setor. Dessa forma, a pandemia colocou diante das pautas governamentais a preocupação dos impactos causados nestes trabalhos, considerando que podem ter um efeito prolongado e inviabilizar a sobrevivência de organizações e stakeholders que dependem do setor (Comunian & England, 2020Comunian, R., & England, L. (2020). Creative and cultural work without filters: Covid-19 and exposed precarity in the creative economy. Cultural Trends, 29(2), 112-128.).
Considerando o cenário pandêmico, houve discussões sobre o aumento do ingresso nas indústrias criativas como forma de sobrevivência (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas [Sebrae], 2021Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. (2021). Formalização do MEI pode ser alternativa diante da crise da covid-19. Recuperado dehttps://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/formalizacao-do-mei-pode-ser-alternativadiante-da-crise-da-covid-19,f61ecc3cf7402710VgnVCM1000004c00210aRCRD
https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSe...
). Um maior número de empreendedores movidos por necessidade, em um país ainda em desenvolvimento, pode ser uma alternativa ao desemprego, fruto de estagnação econômica, e uma contribuição muito limitada para o dinamismo da economia (Barros & Pereira, 2008Barros, A. A. D., & Pereira, C. M. M. D. A. (2008). Empreendedorismo e crescimento econômico: uma análise empírica. Revista de administração contemporânea, 12(4), 975-993.). De outro modo, o empreendedorismo pode ter diversas intenções e múltiplas motivações e não apenas necessidade ou oportunidade, já que o ser humano é movido por motivos intrínsecos e extrínsecos. O talento, a atitude de arriscar-se e os fatores pessoais são motivações que influenciam o indivíduo a tornar-se ou não empreendedor. Nesse contexto, estão incluídos também a personalidade, o background familiar, o suporte institucional, autonomia, liberdade, realização, ampliação e/ou complementação de renda e tempo com a família (Vale, Corrêa, & Reis, 2014Vale, G. M. V., Corrêa, V. S., & Reis, R. F. D. (2014). Motivações para o empreendedorismo: necessidade versus oportunidade?Revista de Administração Contemporânea, 18(3), 311-327.).
Teoria dos stakeholders
Considerando a crescente comercialização dos produtos e serviços de alto valor intangível agregado, a EC tornou-se pauta das discussões de muitos países no que tange à oportunidade de gerar renda, emprego e inclusão social e econômica. Porém, muitas vezes, o desenvolvimento dessa economia ocorre de forma desgovernada e descentralizada, sem incentivo e apoio que fomentem ações coletivas e colaborativas das diversas partes interessadas nesse sistema (Flew & Cunningham, 2010Flew, T., & Cunningham, S. (2010). Creative Industries after the First Decade of Debate. The Information Society, 26(2), 113-123.). Diante disso, a teoria dos stakeholders torna-se essencial para compreender a complexidade de interesses envolvidos nessa economia.
Nas últimas décadas, a abordagem dos stakeholders tem sido fundamental para elucidar o papel da empresa e sua responsabilidade com os demais envolvidos direta ou indiretamente em suas atividades (Barakat, Boaventura, & Gabriel, no preloBarakat, S. R., Boaventura, J. M. G., & Gabriel, M. L. D. S. (no prelo). Organizational capabilities and value creation for stakeholders: evidence from publicly traded companies. Management Decision. Recuperado de https://doi.org/10.1108/MD-05-2021-0576
https://doi.org/10.1108/MD-05-2021-0576...
). Coordenar os interesses de diversos stakeholders passou a ser visto como objetivo ideal para beneficiar tanto as empresas quanto a sociedade de forma mais ampla e sustentável (Laplume, Sonpar, & Litz, 2008Laplume, A. O., Sonpar K., & Litz, R. A.(2008). Stakeholder theory: reviewing a theory that moves us. Journal of Management, 34(6), 1152-1189.). Ao reforçar a necessidade de gerenciar os relacionamentos com pessoas ou grupos, a teoria dos stakeholders tornou-se uma abordagem inovadora para organizações preocupadas em gerar valor em ambientes cada vez mais dinâmicos e complexos (Barakat & Wada, 2021Barakat, S. R., & Wada, E.K. (2021). Stakeholder theory in the hospitality field: insights drawn from a systematic literature review. Hospitality & Society, 11(2), 183-207.), como no contexto atual caracterizado pelos desafios trazidos pela pandemia da COVID-19.
O conceito de stakeholder começou a ser formado em meados dos anos 1980 e pode ser definido como “[...] grupos ou indivíduos que influenciam ou são influenciados pelo alcance dos objetivos de uma organização” (Freeman, 1984Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach. London, UK: Yale University Press., p. 25). O termo stakeholder inclui partes interessadas dos mais diversos tipos, tais como funcionários, fornecedores, clientes e comunidade local, todas com forte posição ou influência nas atividades da empresa (Stocker et al., 2019Stocker, F., Mascena, K., Cunha, M., Azevedo, A. C., Boaventura, J., & Gama, M. (2019). Teoria de redes de influência de “stakeholders”: um enfoque revisado. Cadernos EBAPE.BR, 17(spe), 673-688.). Essa teoria trouxe a perspectiva de que a abordagem participativa e a construção de relacionamentos de longo prazo baseados em princípios de confiança e reciprocidade resultam na melhoria dos resultados organizacionais (Harrison & Wicks, 2013Harrison, J. S., & Wicks, A. C. (2013). Stakeholder theory, value, and firm performance. Business ethics quarterly, 23(1), 97-124.).
A análise dos stakeholders permite identificar quais relações são importantes para o desempenho social e financeiro da empresa e para a criação e distribuição de valor (Laplume et al., 2008Laplume, A. O., Sonpar K., & Litz, R. A.(2008). Stakeholder theory: reviewing a theory that moves us. Journal of Management, 34(6), 1152-1189.). Os stakeholders têm um papel cada vez mais importante na sobrevivência e prosperidade das empresas da EC, uma vez que o gerenciamento e engajamento deles pode levar a uma maior geração de ideias, trocas de conhecimento e inovação. Existem interesses específicos que são relacionados diretamente às decisões estruturais e de gestão (Langrafe, Barakat, Stocker, & Boaventura, 2020Stocker, F., Arruda, M. P., Mascena, K. M. C., & Boaventura, J. M. (2020). Stakeholder engagement in sustainability reporting: a classification model. Corporate Social Responsibility and Environmental Management, 27(5), 2071-2080.); essas relações, portanto, não são estabelecidas de forma definitiva, mas se adaptam às constantes mudanças no ambiente (Laplume et al., 2008). Diante disso, pode-se entender que empresas que fazem uma boa gestão de seus stakeholders podem criar mais valor do que aquelas que procuram suprir apenas os interesses dos acionistas (Freeman, 1984Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach. London, UK: Yale University Press.).
Os stakeholders possuem demandas e interesses diversos que devem ser considerados na gestão das empresas da EC. Práticas como diálogo frequente e transparente geram valor, pois alinham as expectativas e os objetivos dos stakeholders e possibilitam uma melhor gestão de recursos e enfrentamento de crises (Langrafe et al., 2020Langrafe, T. F., Barakat, S. R., Stocker, F., & Boaventura, J. M. G. (2020). A stakeholder theory approach to creating value in higher education institutions. The Bottom Line, 33(4), 297-313.). Uma boa comunicação torna-se, portanto, uma ferramenta importante no processo de engajamento de indivíduos ou grupos que fornecem informações e ideias importantes para geração de oportunidade e solução de problemas (Harrison & Wicks, 2013Harrison, J. S., & Wicks, A. C. (2013). Stakeholder theory, value, and firm performance. Business ethics quarterly, 23(1), 97-124.).
De forma geral, as empresas não respondem individualmente aos interesses de seus stakeholders, mas sim às influências simultâneas que ocorrem no sistema de criação de valor liderado pela empresa (Tantalo & Priem, 2016Tantalo, C., & Priem, R. (2016). Value creation through stakeholder synergy. Strategic Management Journal, 37(2), 314-329.). A identificação e análise dessas influências são necessárias ao desenvolvimento de capacidades e recursos, tendo como base conhecimentos sobre as interconexões existentes entre os relacionamentos organizacionais (Stocker et al., 2019Stocker, F., Mascena, K., Cunha, M., Azevedo, A. C., Boaventura, J., & Gama, M. (2019). Teoria de redes de influência de “stakeholders”: um enfoque revisado. Cadernos EBAPE.BR, 17(spe), 673-688.). Portanto a criação de valor na teoria dos stakeholders é embasada em interesses comuns entre as partes relacionadas (Freeman, Phillips, & Sisodia, 2020Freeman, R. E., Phillips, R., & Sisodia, R. (2020). Tensions in stakeholder theory. Business and Society, 59(2), 213-231.).
Ao assumir a existência de diversas interconexões nos relacionamentos, a teoria dos stakeholders salienta a necessidade de aumentar o valor de cada grupo de stakeholder sem que haja diminuição de valor de um para outro, ou seja, evitando situações de trade-off (Tantalo & Priem, 2016Tantalo, C., & Priem, R. (2016). Value creation through stakeholder synergy. Strategic Management Journal, 37(2), 314-329.). Desse modo, buscar alternativas para que os níveis de confiança gerem uma gestão colaborativa e respeitar as necessidades do todo tornam-se essenciais (Freeman et al., 2020Freeman, R. E., Phillips, R., & Sisodia, R. (2020). Tensions in stakeholder theory. Business and Society, 59(2), 213-231.). Portanto as empresas precisam buscar soluções inovadoras e inclusivas para geração de valor compartilhado, especialmente em situações de crise e escassez de recursos.
Nesse contexto, o engajamento torna-se uma importante ferramenta de gestão de stakeholders (Langrafe et al., 2020Langrafe, T. F., Barakat, S. R., Stocker, F., & Boaventura, J. M. G. (2020). A stakeholder theory approach to creating value in higher education institutions. The Bottom Line, 33(4), 297-313.), visto que engloba um conjunto de ações que as organizações desenvolvem para integrá-los de maneira ativa em suas tarefas (Greenwood, 2007Greenwood, M. (2007). Stakeholder engagement: Beyond the myth of corporate responsibility. Journal of Business Ethics, 74(4), 315-327.), transmitindo à empresa e aos seus stakeholders a responsabilidade coletiva de interação para geração e distribuição de valor. As abordagens de compromisso que estabelecem uma boa comunicação, um diálogo inteligente, uma consulta e parceria assertivas aumentam a cooperação nesses relacionamentos (Stocker, Arruda, Mascena, & Boaventura, 2020Stocker, F., Arruda, M. P., Mascena, K. M. C., & Boaventura, J. M. (2020). Stakeholder engagement in sustainability reporting: a classification model. Corporate Social Responsibility and Environmental Management, 27(5), 2071-2080.).
Friedman e Miles (2006Friedman, A. L., & Miles, S. (2006). Stakeholders: Theory and practice. Oxford, UK: Oxford University Press on Demand.) identificaram doze níveis de engajamento, os quais evidenciam que o relacionamento entre a empresa e seus stakeholders pode ser construído e moldado de acordo com as necessidades dos stakeholders e as estratégias da empresa. No Quadro 1 são descritos os possíveis níveis de engajamento de stakeholders para o alcance dos objetivos da organização e a criação de valor. Quanto maior o nível de engajamento, maior a participação do stakeholder na tomada de decisão e nas ações da empresa.
O Quadro 1 mostra uma escala de engajamento em que as complexidades do sistema de relacionamentos tangem os interesses e as expectativas das relações e cuja mensuração e construção dependem dos níveis de comunicação, participação e envolvimento dos diversos stakeholders (Friedman & Miles, 2006Friedman, A. L., & Miles, S. (2006). Stakeholders: Theory and practice. Oxford, UK: Oxford University Press on Demand.). A análise do nível de engajamento de stakeholders torna-se importante, pois envolve muitas áreas da atividade organizacional e pode assumir várias formas e perspectivas (Stocker et al., 2020Stocker, F., Arruda, M. P., Mascena, K. M. C., & Boaventura, J. M. (2020). Stakeholder engagement in sustainability reporting: a classification model. Corporate Social Responsibility and Environmental Management, 27(5), 2071-2080.). Destaca-se que, em momentos de crise, o engajamento dos stakeholders é imprescindível, uma vez que estes possuem os recursos necessários para a organização manter-se no mercado.
MÉTODO DE PESQUISA
Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com treze gestores de dez empresas da EC. A escolha das empresas foi feita de acordo com os seguintes critérios: (I) estar inserida em uma das atividades da indústria criativa: publicidade, arquitetura, mercado de arte e antiguidades, artesanato, design, moda, cinema, programação de software, música, artes cênicas, editoração, televisão e rádio (Department of Culture, Media and Sport [DCMS], 1998Department of Culture, Media and Sport. (1998). The Creative Industries Mapping Report. London, UK: HMSO.) e (ii) ser uma empresa nova (até três anos) e de pequeno porte, uma vez que esse tipo de empresa representa a maioria das empresas desse setor (Jeffcutt & Pratt, 2002Jeffcutt, P., & Pratt, A. C. (2002) Managing creativity in the cultural industries. Creativity and Innovation Management, 11(4), 225-233.). Por meio dessa escolha, possibilita-se a comparabilidade entre essas empresas. Foram contatadas doze empresas, dentre as, quais duas não responderam ao convite. O Quadro 2 mostra o perfil das empresas e dos entrevistados.
Para a melhor condução da pesquisa com as empresas, foi definido um roteiro de perguntas previamente direcionadas, com base na fundamentação teórica (Apêndice A). A comparação dos dados facilitou a compreensão dos resultados, tornando possível obter informações mais concretas conforme as percepções dos entrevistados e os objetivos estabelecidos para a pesquisa. O roteiro semiestruturado garantiu aderência a algumas questões fundamentais extraídas da revisão da literatura e permitiu descobertas originais por meio do discurso dos informantes. As entrevistas ocorreram entre 13 e 21 de abril de 2021, por telefone ou videochamada, e foram posteriormente gravadas e transcritas.
Análise dos dados
O conteúdo das entrevistas foi analisado com base no objetivo da pesquisa e nas lentes conceituais adotadas pelo estudo que serviram como guia para a priorização dos dados (Miles & Huberman, 1994Miles, M. B., & Huberman, A. M. (1994). Qualitative data analysis: An expanded sourcebook. Newcastle Upon Tyne: UK Sage.). As lentes conceituais referem-se aos conceitos centrais da literatura sobre criatividade, economia criativa e engajamento de stakeholders. Sob essas lentes, foi feita uma análise de conteúdo por meio de codificação e categorização. Os códigos diretamente relacionados ao objetivo da pesquisa emergiram indutivamente das evidências empíricas e, em seguida, foram combinados em dimensões de análise de acordo com similaridades e diferenças, por meio de um processo iterativo que permitiu visitar e revisitar os dados, conectá-los com novos insights e desenvolver significado (Miles & Huberman, 1994). Para aumentar a validade das dimensões de análise criadas, duas das pesquisadoras discutiram suas classificações e, quando necessário, reformularam-nas. Após esse processo, as seguintes dimensões foram definidas: (i) motivadores para a criação das empresas; (ii) entendimento das empresas sobre a EC; (iii) desafios trazidos pela crise da COVID-19; e (iv) estratégias de engajamento de stakeholders adotadas pelas empresas. Para apresentar os resultados, trechos ilustrativos de depoimentos foram selecionados e analisados à luz da teoria em questão. Para a dimensão de análise “estratégias de engajamento de stakeholders”, foi utilizada como referência a escala de engajamento de Friedman e Miles (2006Friedman, A. L., & Miles, S. (2006). Stakeholders: Theory and practice. Oxford, UK: Oxford University Press on Demand.), de forma que o engajamento das empresas com os grupos de stakeholders identificados foi classificado conforme a proximidade dos relatos com as descrições dos níveis da escala.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Motivadores para a criação das empresas no setor de EC
Uma vez que as atividades do setor da EC são aquelas em que a criatividade permite a geração de valor econômico e social, a entrada de novos empreendedores viabiliza-se pela desmaterialização da economia, a ênfase na produção de intangíveis e no consumo de valor simbólico (Serra & Fernandez, 2014Serra, N., & Fernandez, R. (2014) Economia criativa: da discussão do conceito à formulação de políticas públicas. RAI: Revista de Administração e Inovação, 11(4), 355-372.). Isso torna-se ainda mais evidente em momentos de crise, em que há uma diminuição na oferta de empregos formais. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2021). Desemprego. Recuperado de https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php
https://www.ibge.gov.br/explica/desempre...
), durante a pandemia, em um ano houve redução de 6,6 milhões de postos de trabalho no país, a categoria dos trabalhadores por “conta própria” teve um acréscimo de 565 mil em três meses.
Portanto a primeira categoria analítica definida diz respeito a como as empresas entraram no setor. Alguns entrevistados descreveram que seu surgimento estava relacionado à necessidade de empreender e de utilizar a sua criatividade para conseguir um espaço no mercado.
Tudo começou por uma necessidade. Estava em outro setor e queria uma renda extra; a empresa nasceu no caos da pandemia e entre conversas vi uma oportunidade através do meu lado mais criativo (Gestor da empresa F).
Começamos na pandemia por falta de emprego; era um sonho ter uma empresa própria (Gestora da empresa B).
Outros entrevistados relataram que a oportunidade para a criação da empresa foi gerada por influência da família ou durante os estudos, que possibilitaram e serviram como principais motivadores para algumas dessas empresas saírem do papel. As atividades da EC são oriundas de novos modelos de negócios que abrangem novas formas de prestação de serviços e novos produtos caracterizados por serem únicos e pessoais (Ferreira, Lima, & Lins, 2019Ferreira, J. A. Filho, Lima, T. G., & Lins, A. J. D. C. C. (2019). Economia Criativa: uma análise sobre o crescimento do mercado das indústrias criativas. Comunicação & Inovação, 20(42), 4-21.).
Eu sempre soube fazer trabalhos manuais. Aprendi a fazer artesanato e meus parentes tinham lojas, o que me motivou a empreender e criar um negócio que fosse meu (Gestor da empresa A).
Estávamos na faculdade; tudo começou como um projeto de estudo e foi tomando proporções cada vez maiores. A gente acabou utilizando nossas matérias de estudo para estruturar a empresa e recebemos a oportunidade de atuar definitivamente no mercado (Gestores da empresa C).
A empresa surgiu no meio acadêmico, por meio do meu TCC [trabalho de conclusão de curso] da faculdade (Gestor da empresa I).
Caracterizada por maior flexibilidade e maior evidenciação da criatividade, a cultura de EC diverge de estilos organizacionais mais tradicionais (Santos & Rocha, 2020Santos, F. A., & Rocha, J. C. (2020). Economia criativa: Salvador na rota dos distritos criativos. Brazilian Journal of Development, 6(11), 84803-84814.). Entendendo esse fator, foi possível descobrir não apenas a necessidade de empreender, mas também novas oportunidades trazidas pelo cenário atual, caracterizado pela pandemia da COVID-19, e de desenvolvimento de novas ideias para o modelo de negócios dessas empresas.
Tínhamos dificuldade de encontrar material para fazer nossos trabalhos de artesanato; a maioria dos produtos era importada e com difícil acesso. Então, decidimos criar algo para sanar nossa necessidade e ajudar os outros artistas (Gestor da empresa G).
Entre as empresas analisadas, quatro foram criadas durante a pandemia. Os gestores responsáveis afirmaram que novas oportunidades surgiram devido ao crescimento do consumo digital, uma vez que, com o isolamento, houve um aumento do tráfego on-line. Ferreira et al. (2019Ferreira, J. A. Filho, Lima, T. G., & Lins, A. J. D. C. C. (2019). Economia Criativa: uma análise sobre o crescimento do mercado das indústrias criativas. Comunicação & Inovação, 20(42), 4-21.) explicam que a internet é um dos facilitadores da economia criativa, pois é responsável pela transformação no processo de produção, difusão mais rápida dos produtos e serviços, e transformação nas relações com fornecedores, consumidores e concorrentes.
Como as pessoas estão com muito mais tempo disponível, os consumidores procuram novas “coisas para fazer”. Isso ajudou nossa empresa a crescer pois nosso produto visa o autocuidado e essa necessidade (Gestor da empresa G).
Não tive outra realidade, sem a pandemia, inclusive tenho muita curiosidade para saber como será a loja quanto tudo isso passar (Gestora da empresa E).
Portanto, independente da forma de surgimento, todas as empresas estudadas vislumbraram a oportunidade de criar valor por meio de ideias, conhecimentos e, até mesmo, problemas que os gestores encontraram durante suas atividades de trabalho. Em um momento em que as empresas e suas estratégias estavam sendo reorganizadas, a economia criativa apresentou um potencial para criação de novos negócios e enfrentamento da crise da COVID-19.
Entendimento das empresas sobre a EC
Compreender a EC como um setor que rearticula cultura, economia e sociedade em uma esfera que se configura mundialmente como potencial desenvolvedora das relações socioculturais, acelerando, assim, o crescimento, a expansão e a diversificação de uma nação, abre espaço para novas discussões que contribuirão para um mercado que se reinventa por intermédio da criatividade e do conhecimento humano (Marchi, 2014Marchi, L. (2014). Análise do Plano da Secretaria da Economia Criativa e as transformações na relação entre Estado e cultura no Brasil. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, 37(1), 193-215., Petry, Uchôa, Mendonça, Magalhães, & Benchimol, 2020Petry, J. F., Uchôa, A. G. F., Mendonça, M. B., Magalhães, K. L., & Benchimol, R. M. B. (2020). The creative economy: an ethnographic framework for handcrafts in the Alto Solimões region of the Brazilian Amazon. International Journal of Social Economics, 47(12), 1651-1667.).
Assim, a pesquisa teve como segunda categoria analítica, dada a falta de consenso sobre a conceituação de EC, a forma de apropriação do termo pelos gestores das organizações pesquisadas, ou seja, se de alguma forma eles já tinham tido alguma referência sobre o termo, como entendem esse conceito e qual sua respectiva visão sobre o setor e o empreendedorismo no contexto da EC.
É a primeira vez que a gente escuta o termo “EC”; nós sempre nos consideramos como empreendedores que atuam visando à sustentabilidade e à criatividade (Gestoras da empresa B).
Eu tive a base 100% (da EC) na faculdade [...] tínhamos o viés da sustentabilidade, EC e consumo consciente; tudo foi uma consequência do que estava vivendo (Gestora da empresa I).
Com base nos relatos coletados, identificou-se que algumas organizações desconhecem o conceito do termo e, portanto, acabam por não o reconhecer em sua respectiva atuação, devido às peculiaridades do setor. Assim, entende-se que há uma narrativa a ser trabalhada e que se pode incitar uma nova discussão sobre as diferenças entre empreendedorismo de forma mais ampla e o empreendedorismo dentro da EC, conforme menções abaixo.
Eu nunca pesquisei muito sobre o assunto (setor criativo), mas sempre acreditei no potencial [...] minha mãe tinha uma loja no mesmo ramo, e sempre vi que ela gerava sucesso (Gestora da empresa A).
Acho que não sei sobre esse setor; me veio à cabeça o pessoal que trabalha com marketing de conteúdo, mas não sei se é sobre isso. Não estudei sobre o termo “EC”, então não conheço mesmo (Gestora da empresa E).
Alguns entrevistados relataram que consideram suas organizações parte desse setor, todavia, compreendem que fazem parte apenas de um núcleo que representa essa economia, ainda que não na sua totalidade, já que ela abarca muitas outras áreas e tais organizações pesquisadas atendem demandas mais específicas. Como o setor da EC considera grandes áreas que são subdivididas em outras, o resultado já era esperado e, conforme explica Greffe (2016Greffe, X. (2016). From culture to creativity and the creative economy: A new agenda for cultural economics. City, Culture and Society, 7(2), 71-74.), a contribuição da criatividade pode parecer pequena, porém, é um importante elemento do sistema inovador de toda a economia.
Nós conhecemos a EC, tivemos uma base na faculdade e temos isso no nosso DNA [...] Hoje, nós consideramos no setor de forma mais nichada (Gestoras da empresa C).
Além da falta de conhecimento sobre o próprio conceito de EC, Jeffcutt e Pratt (2002Jeffcutt, P., & Pratt, A. C. (2002) Managing creativity in the cultural industries. Creativity and Innovation Management, 11(4), 225-233.) explicam que há uma falta de conhecimento mais estratégico sobre relacionamentos e redes que permitem e sustentam o processo criativo. Esses relacionamentos ocorrem entre os diversos stakeholders que contribuem para o processo criativo e são evidenciados em projetos, organizações e comunidades.
Desafios trazidos pela crise da COVID-19
Outro fator relevante para a presente pesquisa foi entender os desafios da crise, ocasionada pela pandemia da COVID-19, pois esse novo cenário influenciou a estratégia das empresas e a relação destas com seus stakeholders, suscitando tanto ameaças quanto novas oportunidades. Os gestores das empresas comentaram como a pandemia afetou o mercado e as suas atividades.
A pandemia afetou bastante; teve um crescimento do mercado porque com a pandemia os negócios migraram para o digital e houve um aumento de procura, mas, ao mesmo tempo, tivemos uma crise dentro da agência, pois alguns clientes faliram durante a pandemia, então teve esses dois lados da moeda (Gestora da empresa C).
Conseguimos realizar muitos dos processos internamente, devido à pandemia já terceirizamos alguns processos como o marketing e a logística, mas hoje conseguimos cuidar de uma boa parte do processo (Gestoras da empresa B).
As mídias sociais também têm grande influência nesse setor, pois podem ser um ambiente favorável no qual bloqueios são superados e ideias e conhecimento podem ser divulgados e compartilhados, oferecendo condições para a produção coletiva de conteúdo ou individual (Nicolaci-da-Costa, 2011Costa, D., & Souza-Santos, E. (2011). Economia criativa: novas oportunidades baseadas no capital intelectual. Economia & Tecnologia, 7(2), 1-8.). As empresas entendem que as mídias sociais tornaram-se uma vitrine para seus produtos e serviços. Esse novo momento desencadeou novos aprendizados para elas, pois conseguiram posicionar seu trabalho apresentando a qualidade e a exclusividade de seus produtos e serviços, gerando maior valor para aqueles. Devido à grande migração para o ambiente on-line atualmente, os gestores encontram uma ampliação de relacionamentos com stakeholders como clientes e fornecedores.
Aprendemos a valorizar nosso trabalho, corríamos atrás de clientes [...] a gente “pagava para trabalhar”, nós [as gestoras] conversamos, e entendemos que conseguimos valorizar nosso trabalho através da nossa autoridade para prestar nosso serviço (Gestora da empresa H).
Estou tentando conquistar meu espaço, para que os clientes reconheçam que meu produto é bom, de qualidade e bonito (Gestora da empresa A).
Considerando a necessidade de as empresas se manterem competitivas no mercado, foi possível observar uma variedade de ações que contribuem para a geração de valor diante da pandemia da COVID-19. Com o distanciamento social, os gestores comentaram sobre os desafios dessa nova realidade.
Participei de feiras presenciais, e as vendas eram absurdas... a pessoa está vendo o produto, ela consegue uma amostra ou sentir, é diferente; na internet enfrentamos esse desafio de ter várias (empresas) disponíveis (Gestora da empresa I).
Portanto, as empresas do setor criativo procuraram diferenciais para conseguir destacar-se no mercado diante da crise. Observou-se que algumas delas investiram na diferenciação por meio tanto da exclusividade de seus produtos, quanto de serviços prestados aos clientes.
A diferenciação da empresa foi ver o novo diferencial e mostrar nossa qualidade; comparamos com o mercado local, vimos essa “brecha” e o que nos destaca é o cuidado com o cliente (Gestora da empresa B).
Vi que o meu produto físico (as canecas com minhas ilustrações digitais) abriu portas para meus projetos digitais (Gestora da empresa J).
As entrevistas mostraram que as mídias sociais tornaram-se fundamentais para o setor diante da crise, principalmente na interação com os consumidores, considerando que o setor tem uma relevante presença on-line. As empresas usam essas ferramentas para fazer a gestão de seus stakeholders ao elaborar estratégias competitivas por meio do desenvolvimento de relacionamentos com grupos e indivíduos que influenciam e são influenciados pela empresa.
Temos uma conexão com as redes sociais. Acredito que elas se tornaram um corredor onde encontramos com as pessoas, (a mídia) foi a maneira que eu encontrei de mostrar meu trabalho (Gestora empresa D).
Claramente existe uma organização nas diversas redes e relacionamentos, mesmo que nem sempre seja gerenciada em termos convencionais. Um dos principais desafios para pesquisadores, gestores e formuladores de políticas públicas é, portanto, entender melhor essas dinâmicas para que ações efetivas possam ser tomadas (Jeffcutt & Pratt, 2002Jeffcutt, P., & Pratt, A. C. (2002) Managing creativity in the cultural industries. Creativity and Innovation Management, 11(4), 225-233.).
Estratégias de engajamento de stakeholders
Para compreender a dinâmica da economia criativa, é preciso considerar os principais atores sociais envolvidos, os quais estão inseridos em redes de relacionamentos que são socialmente construídas e culturalmente definidas e, portanto, influenciadas por aspectos como reciprocidade, confiança e cooperação (Kong, 2005Kong, L. (2005). The sociality of cultural industries. International Journal of Cultural Policy, 11(5), 61-76.). Nesse cenário, surge a importância da gestão e engajamento dos stakeholders, na medida em que permitem a troca de informações sobre os desejos e necessidades desses grupos e motivam o relacionamento entre eles. Uma gestão colaborativa e que considera as necessidades de todos os envolvidos é essencial no processo de criação de valor (Freeman et al., 2020Freeman, R. E., Phillips, R., & Sisodia, R. (2020). Tensions in stakeholder theory. Business and Society, 59(2), 213-231.). Seguindo essa lógica, os entrevistados reconhecem que investir nos relacionamentos com os stakeholders pode ser uma forma eficiente de enfrentamento da pandemia.
Em tudo (os stakeholders) são importantes; eles são inevitáveis (Gestora da empresa F).
Trabalhamos com empresas que queremos ver crescer, ajudamos ela, e ver uma empresa que acreditamos fazendo a diferença é o nosso diferencial (Gestor da empresa C).
A análise de como é feito o engajamento dos principais stakeholders das empresas do setor da EC, ou seja, como é o processo de consulta, comunicação, diálogo e troca (Greenwood, 2007Greenwood, M. (2007). Stakeholder engagement: Beyond the myth of corporate responsibility. Journal of Business Ethics, 74(4), 315-327.; Stocker et al., 2020Stocker, F., Arruda, M. P., Mascena, K. M. C., & Boaventura, J. M. (2020). Stakeholder engagement in sustainability reporting: a classification model. Corporate Social Responsibility and Environmental Management, 27(5), 2071-2080.) foi fundamental para entender quais são os melhores métodos e estratégias para atuar em um mercado competitivo em um cenário de crise. Observou-se que diferentes grupos de stakeholders possuem diferentes níveis de engajamento na escala criada por Friedman e Miles (2006Friedman, A. L., & Miles, S. (2006). Stakeholders: Theory and practice. Oxford, UK: Oxford University Press on Demand.).
As empresas têm um forte contato com os consumidores finais devido à facilidade de interação gerada pelas mídias sociais. O consumidor final foi classificado na escala de engajamento dentro dos níveis 8 e 9, ou seja, caracterizado por alto envolvimento e colaboração, com troca de informações, sugestões e feedbacks sobre os produtos e serviços, além de recomendações para outros consumidores e interações com os conteúdos que essas empresas disponibilizam no ambiente on-line. Os níveis de diálogo e influência foram percebidos em todas as empresas entrevistadas.
Meus clientes são tudo. A loja é, por enquanto, é cem por cento no Instagram, então me comunico muito pela rede social e pelo WhatsApp da loja. Tenho bastante interação com meus clientes, principalmente nos stories (Gestão da empresa E).
Outro grupo de stakeholders importante para o setor são os fornecedores, desde fornecedores de insumos a colaboradores pontuais e independentes. Os gestores comentaram que, devido à pandemia, as interações com esses stakeholders são realizadas conforme a necessidade. Em consequência das limitações de disponibilidade de insumos geradas pela pandemia, a maioria das empresas opta por ter mais de um fornecedor e barganha por melhores condições. Em alguns casos, as empresas não apresentam fornecedores fixos e ficam reféns de novas propostas (dos fornecedores) para produção do seu produto e/ou serviço. Sendo assim, esse engajamento pode ser considerado dentro dos níveis de 6 a 7, ou seja, níveis de participação decididos pela empresa e transações baseadas em negociações.
Não temos fornecedores fixos; tentamos negociar os melhores materiais e melhores preços. Recentemente contratamos uma empresa de marketing digital [para melhorar a divulgação da marca da empresa] (Gestor da empresa C).
Um grupo importante de stakeholders identificado nas entrevistas foram os influenciadores digitais, na medida em que surgiram como uma nova oportunidade de publicidade e divulgação de conteúdo. Esse grupo de stakeholder pode ser classificado na escala de engajamento com nível 10, pois é caracterizado por parcerias em que o stakeholder tem poder de decisão conjunta em situações e projetos específicos.
A nossa rede de pessoas que a gente conhece [amigos] são influenciadoras no Instagram; isso ajudou bastante [...] desde o início a gente já teve um desenvolvimento bem grande, o posicionamento [da marca] a gente conseguiu evoluir muito [...] nós aprendemos na “marra”, a gente aprendeu bastante sobre os influenciadores digitais. Eles são as novas oportunidades de publicidades (Gestor da empresa B).
Entre a gestão e sua equipe existe uma constante troca de informações que permite uma melhor comunicação interna. O contato dentro da própria empresa é recorrente, apresentando um envolvimento ativo que é classificado na escala de engajamento dentro dos níveis 9 e 10, visando às estratégias e aos interesses organizacionais, incluindo, também, o empoderamento desses stakeholders. Dessa forma, as empresas conseguem gerir e identificar problemas de forma mais rápida, além de conseguir conquistar um fluxo mais assertivo para suas decisões. Visando à competitividade, entende-se que uma comunicação transparente tornou-se uma dimensão importante para o processo de engajamento.
Entre nossa gestão temos reuniões uma vez por semana para fazer o levantamento geral (Gestão da empresa B).
Tivemos algumas pessoas que passaram pela agência e as decisões são conversadas [com a gestão] para entrar em um consenso (Gestão da empresa H).
Evidenciou-se, durante as entrevistas, que os principais grupos de stakeholders para essas empresas do setor da EC são os consumidores finais, a equipe de gestão, os fornecedores e os influenciadores digitais. Um grupo de stakeholder que se tornou mais engajado durante a pandemia foram os influenciadores digitais, pelo potencial de divulgação nas mídias sociais por meio de parcerias nas quais as decisões são tomadas em conjunto. O grupo de fornecedores de insumos foi identificado como menos engajado, uma vez que os relacionamentos com esses stakeholders ainda são, muitas vezes, baseados em poder de barganha. A Figura 1 mostra os principais stakeholders identificados, as características do engajamento com esses grupos e suas posições na escala de engajamento.
Usando como base a teoria dos stakeholders, o engajamento de grupos de stakeholders durante a crise da COVID-19 mostrou-se como uma oportunidade para aprofundar a compreensão mútua sobre assuntos complexos, explorar e integrar ideias e garantir a disponibilidade de recursos para atingir objetivos comuns. Além disso, a participação e o envolvimento dos stakeholders possibilitaram a confiança entre todos os envolvidos e a redução de conflitos (Harrison & Wicks, 2013Harrison, J. S., & Wicks, A. C. (2013). Stakeholder theory, value, and firm performance. Business ethics quarterly, 23(1), 97-124.), aspectos fundamentais em momentos de crise e ainda mais salientes em empresas da EC, que são caracterizadas pela necessidade de colaboração, flexibilidade e adaptação (Kong, 2005Kong, L. (2005). The sociality of cultural industries. International Journal of Cultural Policy, 11(5), 61-76.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do presente trabalho foi analisar como as empresas da EC estão gerindo e engajando seus stakeholders diante da crise provocada pela pandemia da COVID-19. O trabalho mostrou que a EC tem um grande potencial transformador, uma vez que existem inúmeras atividades do setor que permitem a ampliação de diversas outras atividades e que podem acarretar um crescimento na geração de emprego e renda (White et al. 2014White, D. S., Gunasekaran, A., & Roy, M. H. (2014). Performance measures and metrics for the creative economy. Benchmarking: An International Journal, 24(1), 46-61.). A capacidade criativa e o conhecimento humano trabalham em articulação, ou seja, atividades econômicas baseadas no conhecimento, associadas às questões micro e macro para o crescimento da economia como um todo, exigem das empresas ações inovadoras e colaborativas (Guilherme, 2017Guilherme, L. L. (2017). Creative economy: thematic perspectives addressed and research methodologies adopted. Brazilian Journal of Science and Technology, 4(1), 1-17.).
Os resultados demonstraram que muitas empresas surgiram ou encontraram novas oportunidades no contexto da pandemia. Muitos empregos formais foram perdidos nesse período (IBGE, 2021Jackson, C., Morgan, J., & Laws, C. (2018). Creativity in events: the untold story. International Journal of Event and Festival Management, 9(1), 2-19.); em contraposição, a internet e as mídias sociais surgiram como uma oportunidade de expor produtos e serviços que possuem como base a criatividade e a propriedade intelectual - (Nicolaci-daCosta, 2011Nicolaci-da-Costa, A. M. (2011). O talento jovem, a internet e o mercado de trabalho da “economia criativa”. Psicologia & Sociedade, 23(3), 554-563.). Apesar de muitos entrevistados não conhecerem as definições formais para o termo EC, todos entendem a importância da criatividade e do talento como recursos para geração de renda e enxergam a primeira como um processo que requer conhecimento e relacionamentos para conectar ideias e pessoas (Jeffcutt & Pratt, 2002Jeffcutt, P., & Pratt, A. C. (2002) Managing creativity in the cultural industries. Creativity and Innovation Management, 11(4), 225-233.).
Apesar disso, os resultados também mostraram que são necessárias mais ações por parte das empresas visando a um maior engajamento de seus stakeholders. Durante a pesquisa, observou-se que a comunicação com fornecedores pode ser trabalhada de maneira mais consistente e eficiente, promovendo maior nível de envolvimento e, consequentemente, uma ascensão na escala de engajamento de stakeholders. Friedman e Miles (2006Friedman, A. L., & Miles, S. (2006). Stakeholders: Theory and practice. Oxford, UK: Oxford University Press on Demand.) afirmam que o relacionamento entre a empresa e seus stakeholders é algo moldável e que pode ser construído e aperfeiçoado de acordo com as necessidades e objetivos de todos os envolvidos.
A pesquisa mostrou que as mídias sociais e os canais on-line de comunicação foram ferramentas importantes utilizadas pelos gestores, na medida em que facilitaram e promoveram essas relações. O ambiente digital tornou-se um local favorável para melhorar as condições que antes desfavoreciam as empresas com poucos recursos financeiros para a divulgação de seus produtos e serviços. A internet torna-os visíveis para o público e possibilita a realização de novas interações e transações comerciais. Observou-se, no âmbito de empresas do setor, um maior engajamento com os clientes durante a pandemia por meio da influência das mídias sociais, uma vez que essas ferramentas tornaram-se mais frequentes no cotidiano dos stakeholders.
Durante a pandemia, novos cenários foram criados para o setor. Notou-se a necessidade de empreender para superar a crise instaurada (Sebrae, 2021Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. (2021). Formalização do MEI pode ser alternativa diante da crise da covid-19. Recuperado dehttps://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/formalizacao-do-mei-pode-ser-alternativadiante-da-crise-da-covid-19,f61ecc3cf7402710VgnVCM1000004c00210aRCRD
https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSe...
), ainda que esses empreendedores geralmente tivessem pouca experiência e conhecimento no ramo empresarial. O engajamento dos stakeholders tornou-se fundamental para sustentar empresas do setor criativo. A troca de informações, se realizada de forma coerente e consistente com os vários níveis de engajamento, gera um fluxo mais assertivo entre a empresa e o stakeholder. O presente trabalho demonstrou a importância dessas relações e como a escala de Friedman e Miles (2006Friedman, A. L., & Miles, S. (2006). Stakeholders: Theory and practice. Oxford, UK: Oxford University Press on Demand.) pode auxiliar nos estudos sobre o engajamento das empresas de EC. O engajamento orientado para colaboração com stakeholders pode levar ao aprendizado, à inovação e às mudanças organizacionais, aspectos importantes para o enfrentamento da crise da COVID-19.
Apesar de suas contribuições, a presente pesquisa apresenta algumas limitações. A primeira refere-se à amostra, que, por não ser probabilística, impossibilita que os resultados sejam generalizados. Ressalta-se, contudo, que os achados podem fornecer insights para pesquisadores, gestores e formuladores de políticas públicas sobre as dinâmicas das redes e relacionamentos existentes em empresas da EC que nem sempre são gerenciados de forma convencional (Jeffcutt & Pratt, 2002Jeffcutt, P., & Pratt, A. C. (2002) Managing creativity in the cultural industries. Creativity and Innovation Management, 11(4), 225-233.). Outra limitação foi o aprofundamento do debate acerca das características peculiares à EC, visto que muitas empresas não conhecem o setor pelo “termo”, mas ainda assim fazem parte dele.
Sugere-se que pesquisas futuras aumentem a representatividade da amostra, incluindo empresas de diferentes portes e atuação, para que possam complementar os achados desta pesquisa. Essa investigação é importante, na medida em que o engajamento de stakeholders pode ser diferente em empresas maiores ou, ainda, em empresas que atuam em outros segmentos da EC. Outra sugestão de pesquisa é explorar o engajamento sob o ponto de vista dos stakeholders, por meio de entrevistas com investidores, consumidores e fornecedores, para possibilitar a comparação entre a percepção desses stakeholders e a percepção dos gestores. Acredita-se que esta pesquisa possa contribuir para o estímulo de novos estudos e novas ações empresariais e governamentais relacionadas à EC, favorecendo o conhecimento, o desenvolvimento científico e o desenvolvimento de empresas criativas e sustentáveis.
AGRADECIMENTOS
A autora Natalia Luiz dos Santos recebeu uma bolsa de Iniciação Científica da Universidade Anhembi Morumbi (UAM) na modalidade PIBIC/AM para a realização desta pesquisa.
REFERÊNCIAS
- Almeida, A. S., & Teixeira, R. M. (2016). A criação de negócios de micro e pequeno porte da economia criativa. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 15(2), 74-89.
- Barakat, S. R., Boaventura, J. M. G., & Gabriel, M. L. D. S. (no prelo). Organizational capabilities and value creation for stakeholders: evidence from publicly traded companies. Management Decision Recuperado de https://doi.org/10.1108/MD-05-2021-0576
» https://doi.org/10.1108/MD-05-2021-0576 - Barakat, S. R., & Wada, E.K. (2021). Stakeholder theory in the hospitality field: insights drawn from a systematic literature review. Hospitality & Society, 11(2), 183-207.
- Barros, A. A. D., & Pereira, C. M. M. D. A. (2008). Empreendedorismo e crescimento econômico: uma análise empírica. Revista de administração contemporânea, 12(4), 975-993.
- Chapain, C., & Comunian, R. (2010). Enabling and inhibiting the creative economy: The role of the local and regional dimensions in England. Regional studies, 44(6), 717-734.
- Comunian, R., & England, L. (2020). Creative and cultural work without filters: Covid-19 and exposed precarity in the creative economy. Cultural Trends, 29(2), 112-128.
- Costa, D., & Souza-Santos, E. (2011). Economia criativa: novas oportunidades baseadas no capital intelectual. Economia & Tecnologia, 7(2), 1-8.
- Department of Culture, Media and Sport. (1998). The Creative Industries Mapping Report London, UK: HMSO.
- Ferreira, J. A. Filho, Lima, T. G., & Lins, A. J. D. C. C. (2019). Economia Criativa: uma análise sobre o crescimento do mercado das indústrias criativas. Comunicação & Inovação, 20(42), 4-21.
- Flew, T., & Cunningham, S. (2010). Creative Industries after the First Decade of Debate. The Information Society, 26(2), 113-123.
- Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach London, UK: Yale University Press.
- Freeman, R. E., Phillips, R., & Sisodia, R. (2020). Tensions in stakeholder theory. Business and Society, 59(2), 213-231.
- Friedman, A. L., & Miles, S. (2006). Stakeholders: Theory and practice Oxford, UK: Oxford University Press on Demand.
- Garcia, S. R. (2016). Economia criativa e inovação: pequenas empresas em Porto Alegre. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 416-436.
- Greenwood, M. (2007). Stakeholder engagement: Beyond the myth of corporate responsibility. Journal of Business Ethics, 74(4), 315-327.
- Greffe, X. (2016). From culture to creativity and the creative economy: A new agenda for cultural economics. City, Culture and Society, 7(2), 71-74.
- Guilherme, L. L. (2017). Creative economy: thematic perspectives addressed and research methodologies adopted. Brazilian Journal of Science and Technology, 4(1), 1-17.
- Harrison, J. S., & Wicks, A. C. (2013). Stakeholder theory, value, and firm performance. Business ethics quarterly, 23(1), 97-124.
- Howkins, J. (2002). Creative Economy: How People Make Money from Ideas London, UK: Penguin Books.
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2021). Desemprego Recuperado de https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php
» https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php - Jackson, C., Morgan, J., & Laws, C. (2018). Creativity in events: the untold story International Journal of Event and Festival Management, 9(1), 2-19.
- Jeffcutt, P., & Pratt, A. C. (2002) Managing creativity in the cultural industries. Creativity and Innovation Management, 11(4), 225-233.
- Kong, L. (2005). The sociality of cultural industries. International Journal of Cultural Policy, 11(5), 61-76.
- Kubo, L., Costa, B. K., Cardoso, M. V., & Ribeiro, T. D. L. S. A. (2017). A importância dos stakeholders para o brand equity e o valor da marca: um estudo de caso da agência/operadora de viagens. Revista de Turismo Contemporâneo, 5(2), 180-204.
- Langrafe, T. F., Barakat, S. R., Stocker, F., & Boaventura, J. M. G. (2020). A stakeholder theory approach to creating value in higher education institutions. The Bottom Line, 33(4), 297-313.
- Laplume, A. O., Sonpar K., & Litz, R. A.(2008). Stakeholder theory: reviewing a theory that moves us. Journal of Management, 34(6), 1152-1189.
- Marchi, L. (2014). Análise do Plano da Secretaria da Economia Criativa e as transformações na relação entre Estado e cultura no Brasil. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, 37(1), 193-215.
- Miles, M. B., & Huberman, A. M. (1994). Qualitative data analysis: An expanded sourcebook Newcastle Upon Tyne: UK Sage.
- Nicolaci-da-Costa, A. M. (2011). O talento jovem, a internet e o mercado de trabalho da “economia criativa”. Psicologia & Sociedade, 23(3), 554-563.
- Pacheco, A. P., & Benini, E. G. (2015). Desenvolvimento da indústria criativa brasileira a partir dos pontos de cultura. Políticas Culturais em Revista, 8(1), 121-135.
- Petry, J. F., Uchôa, A. G. F., Mendonça, M. B., Magalhães, K. L., & Benchimol, R. M. B. (2020). The creative economy: an ethnographic framework for handcrafts in the Alto Solimões region of the Brazilian Amazon. International Journal of Social Economics, 47(12), 1651-1667.
- Santos, F. A., & Rocha, J. C. (2020). Economia criativa: Salvador na rota dos distritos criativos. Brazilian Journal of Development, 6(11), 84803-84814.
- Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. (2021). Formalização do MEI pode ser alternativa diante da crise da covid-19 Recuperado dehttps://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/formalizacao-do-mei-pode-ser-alternativadiante-da-crise-da-covid-19,f61ecc3cf7402710VgnVCM1000004c00210aRCRD
» https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/formalizacao-do-mei-pode-ser-alternativadiante-da-crise-da-covid-19,f61ecc3cf7402710VgnVCM1000004c00210aRCRD - Serra, N., & Fernandez, R. (2014) Economia criativa: da discussão do conceito à formulação de políticas públicas. RAI: Revista de Administração e Inovação, 11(4), 355-372.
- Stocker, F., Mascena, K., Cunha, M., Azevedo, A. C., Boaventura, J., & Gama, M. (2019). Teoria de redes de influência de “stakeholders”: um enfoque revisado. Cadernos EBAPEBR, 17(spe), 673-688.
- Stocker, F., Arruda, M. P., Mascena, K. M. C., & Boaventura, J. M. (2020). Stakeholder engagement in sustainability reporting: a classification model. Corporate Social Responsibility and Environmental Management, 27(5), 2071-2080.
- Tantalo, C., & Priem, R. (2016). Value creation through stakeholder synergy. Strategic Management Journal, 37(2), 314-329.
- Vale, G. M. V., Corrêa, V. S., & Reis, R. F. D. (2014). Motivações para o empreendedorismo: necessidade versus oportunidade?Revista de Administração Contemporânea, 18(3), 311-327.
- Weisberg, R.W., 2010. The study of creativity: from genius to cognitive science. International journal of cultural policy, 16(3), 235-253.
- White, D. S., Gunasekaran, A., & Roy, M. H. (2014). Performance measures and metrics for the creative economy. Benchmarking: An International Journal, 24(1), 46-61.
- Wilson, N. (2010). Social creativity: Re-qualifying the creative economy. International Journal of Cultural Policy, 16(3), 367-381.
APÊNDICE A
Roteiro de entrevista
-
) O que o motivou a criar a empresa? Quais foram os primeiros passos para conseguir alcançar seu espaço no mercado?
-
) Qual a missão, a visão e os valores da empresa? Como eles implicam na conquista de seus objetivos?
-
) O que você sabe sobre o setor da economia criativa?
-
) Quais são as pessoas envolvidas na gestão e tomada de decisão da empresa?
-
) Como é a comunicação com os funcionários, fornecedores e clientes? A comunicação tem uma frequência estabelecida? A troca de informações é recorrente?
-
) Quando você identifica a necessidade de novas ideias, você consulta a opinião de outras pessoas? Caso sim, quem?
-
) Como você acredita que a pandemia afetou o setor em que você atua?
-
) Qual foi a primeira estratégia de enfrentamento da pandemia que você adotou? Por quê?
-
) Qual foi a importância de seus stakeholders, ou seja, investidores, fornecedores, clientes, funcionários, e comunidade na manutenção da sua empresa durante a pandemia?
-
) Quais foram os seus parceiros para solucionar problemas encontrados durante a pandemia? Você estabeleceu colaborações?
-
) Com as experiências adquiridas durante a pandemia, quais lições você pretende utilizar para melhorar o engajamento dos stakeholders da sua empresa?
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Set 2022 -
Data do Fascículo
Jul-Aug 2022
Histórico
-
Recebido
08 Nov 2021 -
Aceito
14 Mar 2022