Resumos
Pretende-se abordar neste ensaio as aproximações teórico-conceituais entre gestão social e esfera pública no âmbito da sociedade brasileira no intuito de propor uma discussão sobre o conceito de gestão social. Entendendo que a gestão social tem se apresentado como uma possibilidade promissora de campo de estudos e que há um avanço no sentido de sedimentar esse posicionamento partiu-se dos preceitos teóricos da esfera pública habermasiana para promover um esforço na teorização do conceito. Dentro do objetivo proposto podemos afirmar que os caminhos ainda são longos, tanto o da ampliação do conceito de gestão social, como da escolha de referenciais que apóiem esta construção. No entanto o visível crescimento da pesquisa e da prática da gestão social no país, mesmo sem sedimentação teórica do campo nos mostra que a sociedade está participando da resolução dos seus problemas, mesmo que de forma incipiente ou parcial. A sociedade brasileira tem (re)criado espaços públicos, onde a ação pública se torna possível. Ao sinalizar que os espaços públicos constituem uma das bases para se compreender e consolidar o conceito de gestão social, abre-se caminho para esta área do conhecimento cientifico. Como resultado este trabalho sinaliza que, mesmo que não seja gestão social a terminologia correta e surjam outras mais aderentes e/ou coerentes e que, apesar das diversas lacunas na construção do conceito, as características apontadas para a gestão social são convergentes com as práticas esperadas nos espaços públicos. O artigo está estruturado em cinco seções. Além da introdução, na segunda seção são apresentadas as proposições teóricas a respeito da esfera pública habermasiana. Na terceira seção são apresentados os conceitos de gestão social que perpassam pelas proposições teóricas da esfera pública. Na quarta seção procuramos realizar as aproximações teóricas entre esfera pública e gestão social. Na última seção são apresentadas as considerações finais.
gestão social; esfera pública; espaços públicos
This paper discusses the theoretical and conceptual approaches of social management and public sphere in the context of Brazilian society to propose a discussion on the concept of social management. Understanding that social management has been presented as a promising possibility of a field of study and that there is a move forward to consolidate this understanding, it starts with the theoretical principles of the public sphere Habermas to promote an effort to put the concept into a theory. Within the proposed objective can be stated that the roads are still long, both concerning the expansion of the concept of social management and the one involving the choice of references to support this construction. However, the visible growth of research and the practice of corporate management in the country, even without settling the field's theory, shows us that society is participating in the resolution of its problems, albeit as a beginner or partially. Brazilian society has (re) created public spaces where public action becomes possible. By hinting that public spaces are one of the bases to understand and consolidate the concept of social management, a way is opened for this area of scientific knowledge. As a result, this work indicates that even if social management is not the correct terminology, and other forms emerge, and that despite the several shortcomings in the construction of the concept, the features listed for social management converge with the practices expected in public spaces. The paper is organized into five sections, as follows. In addition to the introduction, the second section presents the theoretical propositions about the Habermasian public sphere. The third section presents the concepts of social management that move through the theoretical propositions of the public sphere. In the fourth section, we attempt to perform the theoretical approaches between the public sphere and social management. The last section presents the final considerations.
social management; public sphere; public spaces
Este ensayo tiene por objeto abordar la aproximación teórica y conceptual de la gestión social y la esfera pública en el contexto de la sociedad brasileña con el fin de proponer una discusión sobre el concepto de gestión social. Partiendo pel principio que la gestión social ha surgido como una posibilidad prometedora de estudios de campo que se esta estableciendo , este trabajo partió de los principios teóricos de la esfera pública de Habermas para promover un esfuerzo en la construcción del concepto gestión social. Dentro del objetivo propuesto se puede afirmar que los caminos son todavía muy largos, tanto en la ampliación del concepto de la gestión social cuanto en la elección de las referencias de apoyo de esta construcción. Sin embargo, El visible crecimiento de La invistigacións y La práctica de la gestión social en el país, mismo sin la teoría de campo establecida, nos muestra que la sociedad está participando em la solución de sus problemas, incluso de maneira principiante o incorrecta. La sociedad brasileña ha (re) creado espacios públicos donde la acción pública se hace posible. Sugiriendo que los espacios públicos son una de las bases para entender y consolidar el concepto de gestión social, se abre el camino para esta área de conocimiento científico. Como resultado este trabajo indica que, incluso si el término gestión social no es correcto, surgen otros y que a pesar de algunas deficiencias en la construcción del concepto, las características enumeradas para la gestión social están en consonancia con las prácticas esperadas en los espacios públicos. El trabajo se divide en cinco sesiones. Además de esta introducción, la segunda sesión presenta las proposiciones teóricas acerca de la esfera pública habermasiana. La tercera sesión presenta los conceptos de la gestión social que se mueven a través de las proposiciones teóricas de la esfera pública. En la cuarta sesión se intenta llevar a cabo los planteamientos teóricos entre la gestión pública y social y la última sesión presenta las consideraciones finales.
gestión social; esfera pública; espacios públicos
ARTIGOS
Gestão social e esfera pública: aproximações teórico-conceituais* * Artigo apresentado: In 3rd Latin and European Meeting on Organization Studies (LAEMOS): 'Constructing and Disrupting Social Realities', 2010, Buenos Aires. Sub-theme: Civic society, cooperation and development in Latin America and Europe.
Social management and public sphere: theoretical and conceptual approaches
Vânia Aparecida Rezende de OliveiraI; Airton Cardoso CançadoII; José Roberto PereiraIII
IDoutoranda em Administração pela (UFLA), Mestre em Administração pela (UFLA), Graduada em Administração pela (UFSJ). Membro da Rede de Pesquisadores em Gestão Social - RGS. Endereço: Rua Luiz Passarini, 195. Bairro Caieiras. São João Del Rei. Minas Gerais. CEP. 36300-000. Email: vrezende9@yahoo.com.br
IIDoutorando em Administração (UFLA), Mestre em Administração (UFBA), Graduado em Administração de Cooperativas (UFV). Professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e Coordenador do Núcleo de Economia Solidária (NESol/UFT), participada da Rede de Pesquisadores em Gestão Social - RGS. Email: airtoncardoso@yahoo.com.br
IIIDoutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, mestre e graduado em Administração pela Universidade Federal de Lavras. Professor associado da Universidade Federal de Lavras, Departamento de Administração e Economia, Campus Universitário, 37200-000, Lavras, Minas Gerais - Brasil. Caixa-Postal 3037. Coordenador da INCUBACOOP-UFLA e do NEAPEGS-UFLA, membro da Rede de Pesquisadores em Gestão Social - RGS. Email: jrobpereira25@yahoo.com.br
RESUMO
Pretende-se abordar neste ensaio as aproximações teórico-conceituais entre gestão social e esfera pública no âmbito da sociedade brasileira no intuito de propor uma discussão sobre o conceito de gestão social. Entendendo que a gestão social tem se apresentado como uma possibilidade promissora de campo de estudos e que há um avanço no sentido de sedimentar esse posicionamento partiu-se dos preceitos teóricos da esfera pública habermasiana para promover um esforço na teorização do conceito. Dentro do objetivo proposto podemos afirmar que os caminhos ainda são longos, tanto o da ampliação do conceito de gestão social, como da escolha de referenciais que apóiem esta construção. No entanto o visível crescimento da pesquisa e da prática da gestão social no país, mesmo sem sedimentação teórica do campo nos mostra que a sociedade está participando da resolução dos seus problemas, mesmo que de forma incipiente ou parcial. A sociedade brasileira tem (re)criado espaços públicos, onde a ação pública se torna possível. Ao sinalizar que os espaços públicos constituem uma das bases para se compreender e consolidar o conceito de gestão social, abre-se caminho para esta área do conhecimento cientifico. Como resultado este trabalho sinaliza que, mesmo que não seja gestão social a terminologia correta e surjam outras mais aderentes e/ou coerentes e que, apesar das diversas lacunas na construção do conceito, as características apontadas para a gestão social são convergentes com as práticas esperadas nos espaços públicos. O artigo está estruturado em cinco seções. Além da introdução, na segunda seção são apresentadas as proposições teóricas a respeito da esfera pública habermasiana. Na terceira seção são apresentados os conceitos de gestão social que perpassam pelas proposições teóricas da esfera pública. Na quarta seção procuramos realizar as aproximações teóricas entre esfera pública e gestão social. Na última seção são apresentadas as considerações finais.
Palavras-chave: gestão social; esfera pública; espaços públicos
ABSTRACT
This paper discusses the theoretical and conceptual approaches of social management and public sphere in the context of Brazilian society to propose a discussion on the concept of social management. Understanding that social management has been presented as a promising possibility of a field of study and that there is a move forward to consolidate this understanding, it starts with the theoretical principles of the public sphere Habermas to promote an effort to put the concept into a theory. Within the proposed objective can be stated that the roads are still long, both concerning the expansion of the concept of social management and the one involving the choice of references to support this construction. However, the visible growth of research and the practice of corporate management in the country, even without settling the field's theory, shows us that society is participating in the resolution of its problems, albeit as a beginner or partially. Brazilian society has (re) created public spaces where public action becomes possible. By hinting that public spaces are one of the bases to understand and consolidate the concept of social management, a way is opened for this area of scientific knowledge. As a result, this work indicates that even if social management is not the correct terminology, and other forms emerge, and that despite the several shortcomings in the construction of the concept, the features listed for social management converge with the practices expected in public spaces. The paper is organized into five sections, as follows. In addition to the introduction, the second section presents the theoretical propositions about the Habermasian public sphere. The third section presents the concepts of social management that move through the theoretical propositions of the public sphere. In the fourth section, we attempt to perform the theoretical approaches between the public sphere and social management. The last section presents the final considerations.
Key Words: social management; public sphere; public spaces.
RESUMEN
Este ensayo tiene por objeto abordar la aproximación teórica y conceptual de la gestión social y la esfera pública en el contexto de la sociedad brasileña con el fin de proponer una discusión sobre el concepto de gestión social. Partiendo pel principio que la gestión social ha surgido como una posibilidad prometedora de estudios de campo que se esta estableciendo , este trabajo partió de los principios teóricos de la esfera pública de Habermas para promover un esfuerzo en la construcción del concepto gestión social. Dentro del objetivo propuesto se puede afirmar que los caminos son todavía muy largos, tanto en la ampliación del concepto de la gestión social cuanto en la elección de las referencias de apoyo de esta construcción. Sin embargo, El visible crecimiento de La invistigacións y La práctica de la gestión social en el país, mismo sin la teoría de campo establecida, nos muestra que la sociedad está participando em la solución de sus problemas, incluso de maneira principiante o incorrecta. La sociedad brasileña ha (re) creado espacios públicos donde la acción pública se hace posible. Sugiriendo que los espacios públicos son una de las bases para entender y consolidar el concepto de gestión social, se abre el camino para esta área de conocimiento científico. Como resultado este trabajo indica que, incluso si el término gestión social no es correcto, surgen otros y que a pesar de algunas deficiencias en la construcción del concepto, las características enumeradas para la gestión social están en consonancia con las prácticas esperadas en los espacios públicos. El trabajo se divide en cinco sesiones. Además de esta introducción, la segunda sesión presenta las proposiciones teóricas acerca de la esfera pública habermasiana. La tercera sesión presenta los conceptos de la gestión social que se mueven a través de las proposiciones teóricas de la esfera pública. En la cuarta sesión se intenta llevar a cabo los planteamientos teóricos entre la gestión pública y social y la última sesión presenta las consideraciones finales.
Palabras Clave: gestión social, esfera pública; espacios públicos
Introdução
Este ensaio teórico tem o objetivo de realizar aproximações teórico-conceituais entre Esfera Pública e Gestão Social no contexto da sociedade brasileira, no intuito de propor um aprofundamento do conceito de gestão social.
Pensar em uma gestão diferente (não necessariamente antagônica) do modelo tradicional, que, em termos teóricos e empíricos, pode ser considerado hegemônico traz inúmeros desafios (GUERREIRO RAMOS, 1981; AKTOUF, 2004). Neste sentido a exploração teórico-conceitual de esfera pública, espaço público, ação pública e opinião pública pode contribuir, significativamente, para a elaboração de um conceito de gestão social. Assim, para conduzir as reflexões neste texto levantamos as seguintes questões: Como pode se dar a gestão do espaço público? Qual ou quais as possibilidades e limites da participação neste contexto? A gestão social tem possibilidade de convergir com este contexto?
Dentro dessa ótica de análise corroboramos com a posição de Zimmermann (2009, p.15) quando afirma
[...] a pressuposição de uma sociedade civil heterogênea implica também a reflexão em torno das desigualdades socioeconômicas presentes no contexto brasileiro, que seguramente influenciam os espaços públicos e o diálogo sociedade civil-Estado. Nesse sentido parece ser fundamental reflexões em torno da participação da sociedade civil nos espaços públicos, quais entidades compõem os espaços públicos, quais os critérios que definem as escolhas de representantes nas entidades e como se dá a relação das entidades da sociedade civil e dos governos.
A exemplo de pesquisadores como Leonardo Avritzer, Boaventura de Souza Santos, Fernando Guilherme Tenório, Maria da Glória Gohn, Luciana Tatagiba, Evelina Dagnino, dentre outros, muitos autores utilizam o arcabouço teórico habermasiano para embasar estudos empíricos sobre experiências participativas no contexto brasileiro, experiências estas que estão em consonância com as premissas da gestão social. Apesar das críticas diversas à obra de Habermas é por meio delas que se torna possível o avanço teórico na proposição de um novo modelo de esfera pública, a exemplo de Avritzer (2002). Zimmermann (2009) citando Avritzer (2002) mostra que o autor a partir da esfera pública de Habermas
Propõe um modelo de esfera pública alicerçada em três idéias: i) a idéia de espaço de interação face-a-face no qual os indivíduos se engajam ativamente na discussão de fundações morais de políticas; ii) a idéia que esta esfera é independente do Estado, embora tenha debates conectados com este; iii) e a idéia de que esta esfera pode fornecer um campo político com atores e processos deliberativos de democratização somados às práticas políticas (ZIMMERMANN, 2009, p.5).
Consideramos que as proposições teóricas a respeito de "público" e da esfera pública habermasiana constituem os pilares para se compreender, delimitar e propor um conceito de gestão social. Neste sentido, este ensaio teórico está estruturado em cinco seções. Além desta introdução, na segunda seção são apresentadas as proposições teóricas a respeito da esfera pública habermasiana. Na terceira seção são apresentados os conceitos de gestão social que perpassam pelas proposições teóricas da esfera pública. Na quarta seção procuramos realizar as aproximações teóricas entre esfera pública e gestão social. Na última seção são apresentadas as considerações finais.
A Esfera Pública Habermasiana
A diversidade de conceitos pode, por um lado, confundir mais do que elucidar um determinado tema, mas por outro lado, pode mostrar uma rica complexidade a ser explorada. Este é o caso ao se tratar dos conceitos de espaço público, esfera pública e ação pública. De acordo com Gohn (2004, p.10)
A temática da Esfera Pública auxilia-nos a entender a importância da sociedade civil organizada, pois ela é um dos atores fundamentais do Poder Local. A Esfera Pública adentra nos espaços públicos, dialogando com os seus grupos organizados e realizando parcerias em ações conjuntas com os mesmos. (grifos nossos)
O modelo da Esfera Pública burguesa habermasiano pode ser considerado como uma referência em sociedades democráticas. Habermas (2003) permite uma articulação conceitual sobre os temas supracitados ao analisar as tensões e transformações culturais conseqüentes do capitalismo. Em Mudança Estrutural da Esfera Pública o autor ressalta a dificuldade de disciplinar a análise de seu objeto de estudo, ou seja, a Esfera Pública burguesa. Dessa maneira, ao considerar tal objeto como modelo liberal, o autor destaca a importância de tratá-lo como uma categoria sociológica e histórica. Para Silva (2001) a preocupação de Habermas em torno da complexidade de seu objeto de estudo, não somente constitui uma fonte de ambigüidades, como também visa comprovar a hipótese da continuidade e da evolução do seu pensamento.
Para Laville (2006) quando nos referimos à esfera pública e seus preceitos vêm à tona a idéia de uma ação pública no contexto da democracia moderna que contempla uma articulação entre diversos vieses, dentre os quais destacam-se o político e o econômico. Assim, para Laville (2006), no que concerne ao processo de constituição do Espaço Público, as ações cidadãs que dele participam não são apenas frutos de uma ação racional, pois as forças emocionais ou afetivas são igualmente mobilizadas para tornar públicas questões que eram da ordem privada. Do ponto de vista desse autor a ação pública privilegia uma abordagem de solidariedade democrática que busca contrastar com caridade e filantropia, garantida juridicamente. A citação abaixo ilustra esse ponto de vista de Laville.
O Espaço Público constitui simbolicamente a matriz da comunidade política, mas ele é, também, nas formas de expressão concretas através das quais se manifesta uma arena de significações contestadas. Diferentes públicos buscam nele se fazer ouvir e se opõem em controvérsias que não excluem nem os comportamentos estratégicos, nem as tentativas de eliminação dos outros pontos de vista (LAVILLE, 2006, p.26).
O estudo de Habermas (2003) alerta para a existência de uma multiplicidade de visões diferentes para os significados de "público" e "Esfera Pública". Para o autor muitos são os sentidos emitidos quando fala-se de algo "público". O autor esclarece que uma análise histórico-sociológica poderia canalizar as diversas denotações para os termos até chegar ao seu conceito sociológico. Auxiliando na compreensão da evolução dos termos o autor esclarece que somente com o surgimento do Estado moderno é que as categorias de público e privado passam a ter uma efetiva aplicação processual jurídica, sendo assim, esse momento é um marco onde o conceito de Esfera Pública passa a representar uma possibilidade de sistematização da sociedade a partir de uma de suas categorias centrais.
Ao tratar a Esfera Pública historicamente, Habermas (2003) destaca que o final do século XVIII é um período onde se desenrolam as tendências de uma representatividade pública. Nesse contexto, os poderes feudais, a Igreja, realeza e a nobreza (representantes públicos) decompõem-se, aflorando a distinção e polarização entre elementos públicos e elementos privados. Segundo esse autor é neste ambiente que delineia-se a esfera da sociedade burguesa como setor da autonomia privada que se contrapõe ao Estado.
De acordo com Habermas (2003), foi no contexto do capitalismo mercantil do século XVIII que se deu a origem da Esfera Pública burguesa. . As atividades até então confinadas no âmbito da economia doméstica surgem à luz da Esfera Pública.
Nesse sentido, o autor mostra que a sociedade civil passou a constituir um espaço público e usá-lo para pressionar o Estado, ou seja, a "Esfera Pública burguesa" passa a constituir uma categoria da sociedade liberal que passaria a influenciar o poder decisório sobre as políticas públicas da época. A visão habermasiana sobre a esfera pública burguesa a define como esfera de pessoas privadas reunidas em um espaço que discutem com os detentores do poder público e da autoridade local questões até então confinadas a uma elite dominadora.
Neste contexto, emerge do âmago da pequena família uma atenção especial a subjetividade individual onde a intimidade era discutida em literatura de um largo público leitor, denominada de "Esfera Pública literária". Essa classe não era necessariamente burguesa, no entanto, ela surge na cidade, seio da atividade econômica e cultural, onde o palco de manifestação desse segmento acontecia, especialmente, nos salões e nos cafés (HABERMAS, 2003). Silva (2001) ressalta que esse processo era uma transformação cultural em uma forma de mercadoria, ou seja, há uma abertura a uma forma de participação pública e os assuntos discutidos nos cafés, salões e sociedades culturais assumiam um caráter universal, não somente em seu significado e validade, mas também em sua acessibilidade.
Segundo Habermas (2003), a discussão sobre a idéia e ideologia da Esfera Pública burguesa mostra que esse conceito está interligado à opinião pública e encontrou sua formulação clássica na doutrina kantiana do Direito. O autor esclarece ainda que o conceito é levado à sua problemática por Hegel e Marx e reconhece na teoria política do liberalismo a sua ambivalência de idéia e ideologia. Além disso, revela as diversidades conceituais de opinião e resgata, dentre outras, as concepções hobbesiana, lockeana e rousseauniana sobre opinião.
Das concepções sobre opinião até seu sentido de opinião pública, Habermas (2003) mostra que o termo passou a designar a posição de um público pensante que tinha poder de reflexão e discussão pública. Esse conceito em todas as concepções que o circundam remete à idéia que opinião por meio de uma discussão crítica na Esfera Pública é purificada numa opinião verdadeira superando a antítese opinion e critique.
A respeito da configuração teórica da idéia de Esfera Pública burguesa, Habermas (2003) esclarece que o processo crítico adquirido contra a dominação absolutista leva a opinião pública a racionalizar a política em nome da moral. Habermas (2003) alega que para Kant a verdadeira política não pode estar desvinculada da moral, a Esfera Pública deveria mediar as funções políticas entre Estado e sociedade e a publicidade deveria ser o princípio a garantir o acordo da política com a moral. Ainda segundo Habermas (2003), Kant, dentro de uma visão iluminista concebe o uso público da razão, ou seja, a discussão ocorre no seio do povo afim de que o mesmo seja induzido a se servir de sua própria razão.
Ao abordar a dialética da Esfera Pública pelas óticas hegeliana e marxista, Habermas (2003) esclarece que em Hegel opinião pública representa "a universalidade empírica dos pontos de vista e dos pensamentos de muitos", mas ressalta que a ciência fica fora desse âmbito. Habermas (2003) mostra que em Hegel as verdadeiras ciências não devem se encontrar no campo da opinião pública e dos pontos de vista subjetivos, a ciência deve postar-se com sua visão inequívoca e definida. Essa posição forma a opinião de Hegel sobre sociedade burguesa que a vê como um sistema de desigualdades, em que a opinião pública pode representar uma visão subjetiva de muitos. Por outro lado, segundo Habermas (2003), para Marx a esfera burguesa não pode ser reduzida a mediadora entre Estado e sociedade, pois o Estado capitalista é formado pela própria classe burguesa. Desta forma, segundo Habermas (2003), Marx levanta uma crítica a concepção hegeliana de Estado e destaca as contradições existentes entre as condições sociais. Marx denuncia a opinião pública como falsa consciência onde esconde de si mesma o verdadeiro interesse da classe burguesa. Há uma crítica também em relação ao processo de acumulação do capital que leva a sociedade burguesa a constituir novas relações de poder, como por exemplo, a relação proprietário e assalariado. Marx vê no sufrágio eleitoral um processo de constitucionalização da Esfera Pública e mostra uma interpretação democrática da mudança da esfera burguesa (HABERMAS, 2003).
Para Nascimento (2006), no pensamento habermasiano encontra-se uma postura teórica que demonstra uma crença nas possibilidades de uma reorganização dos espaços destinados a discussão pública e a construção da democracia em sua fonte mais genuína: a sociedade.
Nesse mesmo sentido Gaiger (2006, p.232) defende a ótica de que
[...] o Espaço Público não pode ser um mero prolongamento de grupos organizados ou de setores dotados de poder, senão estaria condenado a reproduzir mecanismos de distribuição seletiva dos bens públicos, privados de regras universais e de princípios realmente democráticos.
A visão habermasiana busca mostrar que a separação radical entre ambas as esferas pública e privada, na qual se fundamenta a Esfera Pública burguesa, significa o desmantelamento dos momentos de reprodução social e de poder político e suas formas de dominação na Idade Média. Com o avanço da economia e suas formas de relações de mercado surge a esfera do "social" que faz com que novas formas de autoridades surjam e se liberte da autoridade pública.
A relação Estado/sociedade debatida na administração pública e gestão social tem um aporte no pensamento de Habermas (2003, p. 170), no que diz respeito à mudança na estrutura social da Esfera Pública: "somente essa dialética de uma socialização do Estado que se impõe, simultaneamente com a estatização progressiva da sociedade, é que pouco a pouco destrói a base da Esfera Pública burguesa". Habermas (2003) mostra que há uma polarização entre esfera íntima e esfera social. A separação das esferas provocou uma mudança estrutural da família, não sendo mais responsável por si mesma, ou seja, desprivatizada através de garantias públicas, o Estado passa a ser o provedor de garantias sociais.
Habermas (2003) defende que uma Esfera Pública e sua consolidação, bem como sua efetivação por meio de participação política dependem de qualificação e institucionalização da opinião pública. Para esse autor, o conceito de opinião pública está relacionado à publicidade do poder político e social.
O autor acredita que dois caminhos se apresentam para definir o conceito de opinião pública: um está localizado no âmbito do liberalismo onde representantes, no âmbito público, são os formuladores de opinião, ou seja, um público pensante no meio de um público aclamativo; o outro caminho seria um conceito de uma opinião pública que se forma de acordo com a concepção dominante do governo, ou seja, a opinião pública mostra ao governo suas aspirações e o governo as transmite na sua política, de forma que, a opinião pública reina, mas não governa. Entretanto, nas duas alternativas o autor alerta que a opinião raramente mantém alguma função politicamente relevante (HABERMAS, 2003).
Como bem sintetiza Lubenow (2007) a Esfera Pública surgiu como um Espaço Público de discussão e exercício da crítica cujo resultado aparece articulado na forma de opinião pública. Para o autor é importante ressaltar que essa concepção crítica de opinião pública é reorientada para a publicidade na qual a opinião pública é trabalhada com fins manipulativos. Silva (2001) defende que o estatuto teórico do conceito de Esfera Pública foi se transformando dentro do processo de evolução do pensamento habermasiano. Habermas (2003) acredita que uma opinião rigorosamente pública só pode ser estabelecida à medida que os setores formal e informal da comunicação passam a ser intermediados pela "publicidade crítica", assim, para que uma verdadeira opinião pública se forme deve haver liberdade de expressão e o poder público deve garantir aos cidadãos o acesso a tais direitos.
Como os aspectos levantados, ao abordar o conceito de esfera pública, estão relacionados ao conceito de gestão social? Alguns aspectos podem ser destacados, tais como: dialogicidade entre sociedade e Estado; formação da opinião pública pela sociedade civil organizada e espaços públicos compartilhados entre sociedade e Estado, com poder de decisão sobre os "negócios públicos".
Podemos considerar que a organização desses espaços e a coordenação para tomada de decisão coletiva, envolvendo organizações e instituições, constituem condição fundamental para se compreender o conceito de gestão social.
Gestão social
A literatura brasileira na área de administração pública e gestão social mostra que autores diversos concordam que o conceito de gestão social é um processo ainda em construção. Segundo Tenório (2010), a origem do termo gestão social acontece em 1992, durante o Seminário Iberoamericano de Desarollo de Professores em gerencia Social, que aconteceu em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia.
No Brasil, o termo Gestão Social encontra-se ainda em fase de construção (FISCHER, 2002). Por outro lado, a Gestão Social tem se consolidado enquanto prática, sem ainda o consenso sobre o conceito (PINHO, 2010). França Filho (2008, p.26) adverte que a Gestão Social "parece constituir nos últimos anos um daqueles termos que tem conquistado uma visibilidade cada vez maior, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto, sobretudo, em termos mediáticos". Esta situação traz alguns problemas segundo o autor, um deles seria sua banalização, pois "tudo que não é gestão tradicional passa então a ser visto como gestão social" (p.26).
A gestão social, segundo Tenório (2008a, p.158), tem sido mais associada à gestão de políticas sociais ou até ambientais, "do que à discussão e possibilidade de uma gestão democrática, participativa, quer na formulação de políticas públicas, quer nas relações de caráter produtivo". O texto de Kliksberg (1994) apresenta esta perspectiva e é "provavelmente o primeiro texto na América a Latina que procurava tratar de forma sistematizada o tema Gestão Social." (TENÒRIO, 2010, p. 54-55) (grifos do autor)
Fischer (2002, p.29) apresenta a gestão social como "gestão do desenvolvimento social", definido pela autora como um espaço "reflexivo das práticas e do conhecimento constituído por múltiplas disciplinas". A gestão social, no ponto de vista da autora, seria ainda uma "proposta pré-paradigmática" que vem recebendo a atenção de muitos centros de pesquisa no Brasil1 1 O primeiro centro foi criado na então Escola Brasileira de Administração Pública Fundação Getúlio Vargas (EBAP/FGV), em 1990, por meio do Programa de Estudos em Gestão Social - PEGS (Tenório, 2008c). Em 1998 é criado o NIPETS - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas e Estudos Sobre o Terceiro Setor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - NIPETS/UFRGS (CNPQ, 2009). No ano seguinte, na Universidade Federal da Bahia, é criado o Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social - CIAGS/UFBA (FISCHER e MELO, 2002). Nos anos seguintes, o número de centros de pesquisa se amplia, culminando em 2007 com a realização do I Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social - I ENAPEGS em Juazeiro do Norte (SILVA JR; MÂSIH; CANÇADO; SCHOMMER, 2008). Cabe ressaltar que a ampliação dos centros de estudo em Gestão Social acontece também em instituições recém criadas, algumas delas responsáveis pela realização do evento. O I ENAPEGS é organizado pelo Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social do Campus Cariri da Universidade Federal do Ceará - LIEGS/UFC-Cariri. O Núcleo de Economia Solidária da Universidade Federal do Tocantins - NESol/UFT organiza a segunda edição do evento no ano seguinte. Em 2009 é a vez da Universidade Federal do Vale do São Francisco, que realiza o III ENAPEGS. Neste contexto é criada a Rede de Pesquisadores em Gestão Social - RGS (mais informações no site: www.rgs.wiki.br). e no exterior.
França Filho (2008) enfatiza a distinção entre gestão pública, gestão privada (ou gestão estratégica) e gestão social, por meio de uma comparação, aproximando e distanciando os conceitos para compreendê-los. Neste sentido, a gestão social é entendida pelo autor em duas perspectivas, como processo e como fim. Enquanto problemática de sociedade, ou seja, a gestão social enquanto fim (nível macro) se aproximaria da gestão pública, pois ambas buscam atender às demandas e necessidades da sociedade. Entende-se que a gestão das demandas da sociedade pode acontecer para além do Estado, via sociedade. Por outro lado, a gestão social enquanto processo, vista como uma modalidade específica de gestão (nível organizacional) busca "subordinar as lógicas instrumentais [típicas da gestão privada/estratégica] a outras lógicas, mais sociais, políticas, culturais ou ecológicas" (FRANÇA FILHO, 2008, p.30).
A abordagem de Tenório (2008a, 2008b), parte de uma inquietação relacionada ao status quo da administração, despertada segundo o autor pela leitura da obra de Guerreiro Ramos2 2 Autor também citado por Fischer (2002) e França Filho (2008). . Segundo Tenório, a gestão social poderia ser considerada como uma "linha de fuga" em relação à hegemonia da tradição positivista centrada na racionalidade utilitária do pensamento administrativo. O autor, baseado em Guerreiro Ramos e na Escola de Frankfurt (Horkheimer, Marcuse, Adorno) e, posteriormente, na "segunda geração" com Jürgen Habermas constrói seu conceito de gestão social.
A construção do conceito acontece inicialmente pela análise dos pares de palavras3 3 Tenório assinala os pares de palavras em itálico, optou-se por manter este padrão no texto. Estado-sociedade e capital-trabalho, que são invertidas na sua ordem para sociedade-Estado e trabalho-capital, ressaltando a importância da sociedade e do trabalho como protagonistas destas relações. Ampliando a discussão, insere-se o par de palavras sociedade-mercado, que representa o processo de interação da sociedade civil organizada com o mercado, onde também a sociedade deve ser protagonista. (TENÓRIO, 2008a; 2008b)
Este autor propõe que a cidadania deliberativa deve intermediar a relação entre estes pares de palavras, e "[...] significa, em linhas gerais, que a legitimidade das decisões deve ter origem em processos de discussão orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum" (TENÓRIO, 2008a, p.160). A cidadania deliberativa "[...] faz jus à multiplicidade de formas de comunicação" e "[...] une os cidadãos em torno de um auto-entendimento ético". (TENÓRIO, 2008b, p.167)
Neste contexto, a esfera pública seria o espaço de intermediação entre Estado, sociedade e mercado, bem como a cidadania deliberativa seria o processo participativo de deliberação baseado essencialmente no entendimento (e não no convencimento ou negociação) entre as partes (TENÓRIO, 2008a; 2008b) e "o procedimento da prática da cidadania deliberativa na Esfera Pública é a participação" (TENÓRIO, 2008b, p.171).
Diferente de um processo centralizador, tecnoburocrático, elaborado em gabinetes, em que o conhecimento técnico é o principal argumento da decisão, sob uma perspectiva descentralizadora, de concepção dialógica, a Esfera Pública deve identificar, compreender, problematizar e propor as soluções dos problemas da sociedade, a ponto de serem assumidas como políticas públicas pelo contexto parlamentar e executadas pelo aparato administrativo de governo (TENÓRIO, 2008b, p.162).
Outra definição essencial para a construção do conceito de gestão social de Tenório é o agir comunicativo de Habermas. Para o autor a gestão social se baseia no entendimento, estreitamente vinculado com a linguagem, pois, "no processo de gestão social [...] a verdade é a promessa de consenso racional, [...] não é uma relação entre o indivíduo e a sua percepção de mundo, mas sim um acordo alcançado por meio da discussão crítica, da apreciação intersubjetiva". (TENÓRIO, 2008b, p.27).
O contraponto entre gestão social e gestão estratégica, explorado por Tenório para delimitar o campo da gestão social, baseia-se nos conceitos de racionalidade substantiva e racionalidade utilitária de Guerreiro Ramos, respectivamente. Para esse autor uma "possível saída" seria a racionalidade comunicativa de Habermas (TENÓRIO, 2008a). Nesse sentido, Tenório (2008b) mostra a hegemonia da racionalidade instrumental como empecilho para a emancipação do homem e de sua autonomia social, pois esta racionalidade já ultrapassa o ambiente de trabalho e invade todas as esferas da vida (GUEREIRO RAMOS, 1981). A gestão social seria o caminho para esta emancipação, pois incita a um "gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais" (TENÓRIO 2008b, p.25-26).
Assim, para Tenório (2008b, p.158) a gestão social é entendida
Como processo gerencial dialógico em que a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social - público, privado ou de organizações não-governamentais). O adjetivo social qualificando o substantivo gestão será entendido como o espaço privilegiado de relações sociais no qual todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação. (grifos do autor)
Segundo Tenório (2010), o processo de construção conceitual de gestão social se daria por meio de um processo dialético negativo, sem pretensão de síntese conceitual, pois o termo ainda precisa transcender o espectro da gestão estratégica. Este marco conceitual "tem a pretensão somente de enfatizar a necessidade de que os gestores, qualquer que seja a configuração jurídica da organização, atuar sob uma perspectiva na qual o determinante de suas ações deve ser a sociedade e não o mercado" (TENÓRIO, 2010, p.57). Esta perspectiva seria compartilhada, segundo o autor, pela Escola de Frankfurt e pelo pensamento de Guerreiro Ramos.
Por outro lado, Pinho (2010) faz uma crítica contundente à construção do conceito de gestão social e às possibilidades da cidadania deliberativa. Segundo Pinho (2010, p.25) o termo "gestão emancipadora" seria mais apropriado que gestão social, pois "o termo social é muito convencional, indefinido e carregado de ambigüidades e pode ser aproveitado oportunísticamente". Em relação à proposta de Tenório, discutida anteriormente, Pinho (2010, p.30) acredita que "gestão solidária" seria o termo mais conveniente, pois, "o social é um termo muito fraco, indefinido, abrangente, ambíguo e anódino para conter a força e pretensão da proposta formulada por Tenório".
Nesse contexto da discussão conceitual, Pinho (2010, p.32) classifica a participação como "[...] como seminal para apresentar a gestão social [...]". Porém, o autor argumenta que nosso contexto é diferente do europeu, onde o sucesso da participação está baseado nas "suas instituições sólidas e estáveis, além de nível de vida elevado, baixa disparidade sócio-econômica e as reconfortantes virtudes cívicas de solidariedade e de moderação" (BENEVIDES, 1999, p.20 apud PINHO, 2010, p.33), pois "[...] a Alemanha de Habermas não é definitivamente aqui! Todas as condições requeridas pelo referencial habermasiano nos faltam, ainda que estejam em (lenta) construção" (PINHO, 2010, p.33).
Ainda tendo como referência o trabalho de Benevides, Pinho argumenta que a democracia direta tem diversas desvantagens, entre elas "[...] a incapacidade do povo para atuar, com racionalidade e eficiência, no processo legislativo" e "[...] a provável supremacia dos grupos de pressão" (BENEVIDES, 1999, p.46-47 apud PINHO, 2010, p.34).
Outro aporte teórico de sustentação da crítica de Pinho (2010) é o trabalho de Dagnino, que mostra que a sociedade civil organizada seria incapaz de assumir o papel de "[...] demiurgo do aprofundamento democrático", e ainda que a estrutura estatal mantém um "desenho autoritário e largamente intocado e resistente aos impulsos participativos" (DAGNINO, 2002, p.279 apud PINHO, 2010, p.35). Outro problema apresentado pelo autor é a dificuldade da partilha do poder pelo Estado e a não qualificação técnica e política da sociedade civil para participar da elaboração e implantação de políticas públicas.
Em relação a experiências práticas, Pinho (2010) cita os problemas de funcionamento dos Conselhos Gestores baseado em Tatagiba (obrigatoriedade dos conselhos levando à participação por decreto, incapacidade dos conselheiros de representar suas instituições, desprestígio do Estado em relação a estas instâncias, dentre outras), concluindo que seria praticamente impossível que eles funcionem como se deseja nas atuais condições ou mesmo em situações ótimas: "[...] seria muito difícil, mesmo para o mais bem-intencionado dos governos, ou para a mais participativa das comunidades, fazer-se representar de forma qualificada nos inúmeros conselhos hoje em funcionamento" (TATAGIBA, p.68, 2002 apud PINHO, 2010, p.39).
O autor reconhece, entretanto, que estas dificuldades são advindas de sua própria novidade, pois
[...] o Estado estaria aprendendo, ou tendo que aprender, a se abrir para a sociedade bem como esta teria que se instrumentalizar para forçar um diálogo efetivo com o Estado, o que representa, em ambos os casos, quebrar uma tradição historicamente constituída (PINHO, 2010, p.41).
Em síntese, uma das principais críticas aos Conselhos Gestores seria a tensão entre interesse individual/grupo e interesse coletivo/comunidade, que segundo sua visão seriam difíceis de separar e provavelmente incompatíveis. A implantação de um ambiente participativo e dialógico seria perigosa nestas condições, pois "há um risco elevado" da hegemonia da elite presente, que estaria mais preparada. (PINHO, 2010, p.46)
A crítica de Pinho (2010) e suas sugestões estão centradas na educação, pois, segundo o autor, para haver a tomada de decisão coletiva sem coerção, seria necessário que houvesse participação e a participação aconteceria apenas por meio da educação, o que não é uma realidade no Brasil ainda.
Mais especificamente, entendemos a questão da educação como chave. Se existe alguma participação essencial esta reside na participação, no saber, não desmerecendo o saber popular, mas consciente de que a entrada no mundo moderno e contemporâneo exige uma série de conhecimentos básicos e amplos, sem as quais o cidadão (ou candidato à) fica à margem (PINHO, 2010, p.44).
O que pode parecer à primeira vista "um balde de água fria" na discussão sobre gestão social, pode também ser interpretado como um incentivo a um aprimoramento teórico da discussão. A crítica de Pinho (2010) e outras que por ventura aconteçam são essenciais para preencher os "vazios teóricos e estruturais" de um campo em construção. Sem a pretensão de "revidar" ou mesmo "refutar" estas críticas, serão expostas algumas considerações sobre elas.
No que tange a nomenclatura gestão social, concordamos com a imprecisão do termo social, que reflete justamente o seu caráter ainda impreciso. A academia tem por costume sistematizar seu conhecimento e daí surgem os termos/expressões que muitas vezes não são tão precisos. Porém, como estamos ainda no caminho e não se visualizou nada mais concreto, continua-se com o termo, por enquanto, mas mantendo a atenção para outras possibilidades.
Em relação às (im)possibilidades e perigos da participação ampliada à população, a posição defendida aqui é que a participação pode e deve ser (re)construída no Espaço Público. Concordamos com Freire (1987; 1996; 2001) que a educação dialógica (respeito aos saberes e competências existentes) é um caminho longo e difícil, mas possível, neste sentido. Desta forma, a proposta seria a construção da participação/cidadania durante o processo e não depois de uma educação ampla, como propõe Pinho (2010). O próprio processo de deliberação coletiva, com todos os seus erros e acertos, dificuldades e até utopias, é parte do processo de educação. Se não fosse assim poderíamos pensar na "ditadura do saber" que naturaliza estruturas burocráticas (MOTTA, 1981; MOTTA; BRESSER-PEREIRA, 1988).
Desta forma, mesmo que o Brasil não seja a Alemanha, a perspectiva de Tenório (2008a; 2008b; 2010) de ação comunicativa é um interessante instrumento de análise para a gestão social, mesmo considerado como tipo ideal, conforme será discutido. Pensar em gestão social no Brasil implica em pensar em diferenças, significa pensar em diálogo, em entendimento.
Talvez, a mais importante contribuição de Pinho (2010) nesta crítica seja a de chamar a atenção às promessas que muitas vezes são feitas em nome da gestão social. Deve haver seriedade e responsabilidade com o termo, porém, deve-se ressaltar que, uma boa parte dos pesquisadores em gestão social realiza ações concretas (de ensino, de pesquisa e de extensão) relacionadas à economia solidária, educação popular, organizações da sociedade civil, etc. Estes pesquisadores sentem na prática diária as dificuldades relacionadas a estes entraves apresentados, o que é muito importante para a construção do campo, mas continuam a formar cidadãos.
Os argumentos e dados utilizados por Pinho (2010) são fortes e seguem uma linha de raciocínio coerente, o que valoriza suas críticas. Por outro lado, a crítica é coerente com a administração tradicional, tanto pública, quanto privada (ou estratégica, como prefere Tenório) e apesar de citar brevemente, desconsidera várias experiências e instituições que têm mostrado que outras relações de consumo, poder, produção, convivência, etc. são possíveis e reais. Além disso, existe uma série de autores, que têm professado sua insatisfação com o status quo da administração como Chanlat e Aktouf, Guerreiro Ramos, Tragtenberg, Prestes Motta, Fischer, França Filho e Tenório. Não há espaço aqui para descrever o pensamento de cada um, mas ele converge para repensar a administração tradicional, notadamente em uma perspectiva baseada na participação social. A gestão social (emancipadora ou solidária) é um caminho, apesar de não ser o único, neste sentido.
Podemos agora apresentar algumas características da gestão social, enquanto conceito. Estas características denotam uma primeira aproximação para uma caracterização do conceito, baseada na literatura consultada. Ainda não nos sentimos à vontade para elaborar um conceito, mesmo que provisório, dada a intensidade do "espectro da gestão estratégica" (TENÓRIO, 2008b), que poderia nos levar a uma dicotomia que não é pretendida neste trabalho.
A primeira característica, baseada em Tenório (2008a; 2008b), é a tomada de decisão coletiva, livre de coerção onde todos têm liberdade de manifestar o que pensam. Além disso, a tomada de decisão é baseada no entendimento, na argumentação e não na negociação no sentido utilitário do termo. Esta primeira característica, justamente por estar baseada em Tenório (2008a; 2008b) vai ao encontro à ação comunicativa habermasiana. Estas condições são interdependentes, pois, se a decisão é coletiva efetivamente, a coerção é estranha ao processo e o entendimento (e não a negociação) deve ser seu caminho.
Outra característica da gestão social é a transparência, pois, se o processo decisório passa pelo entendimento, pela utilização da linguagem e comunicação entre as pessoas as informações devem estar disponíveis a todos, o segredo e a assimetria de informações também são estranhos a este processo. Para que isto aconteça, a linguagem deve ser inteligível a todos os participantes. Mais uma vez nos aproximamos da ação comunicativa de Habermas. Segundo Vizeu (2005) a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas pressupõe crítica e fundamentação a partir: 1) da verdade proposicional (o que eu falo e faço é racional porque é baseado em uma verdade factual); 2) da sinceridade (quando expresso minha subjetividade estou sendo sincero e, por isso, verdadeiro), 3) da retidão (quando o que faço ou falo pressupõe fundamentação moral) e 4) da inteligibilidade (o que faço e falo somente pode ser criticado e passível de fundamentação se meu discurso for compreensível ao ouvinte).
Por fim, temos a emancipação como o próprio resultado da gestão social enquanto processo baseado na cidadania deliberativa. A participação efetiva no processo de tomada de decisão traz crescimento e amadurecimento para os atores (FREIRE, 1987; 1996; 2001), que ampliam sua visão de mundo enquanto seres humanos dotados de razão e cidadãos participantes de uma esfera pública.
Cabe ressaltar que estas características discutidas: tomada de decisão coletiva, livre de coerção e baseada no entendimento, transparência e linguagem inteligível, podem ser consideradas como um tipo ideal weberiano, pois as relações de poder, desigualdades sociais e culturais podem facilmente nos levar a crer que estas características são impossíveis de se verificar na prática. O próprio processo de gestão social, por meio da sua potencialidade iminente de emancipação, tende a aumentar as possibilidades destas características se apresentarem. Em outras palavras, a gestão social enquanto prática, norteada por estas características, ao ampliar as possibilidades de emancipação, tende a reforçá-las.
Em nosso entendimento, as características apresentadas acima estão intimamente relacionadas com as características de esfera pública de Habermas e servem de base ou de fundamento teórico para delinear o conceito de gestão social, o que será discutido na próxima seção.
A esfera pública como fundamento da gestão social
Dentro de uma perspectiva conceitual podemos pensar aspectos da esfera pública habermasiana como fundamento para o conceito de gestão social. Analisando o conceito de opinião pública de Habermas fica claro que, dentro de uma esfera pública são necessários espaços onde de fato a sociedade civil possa manifestar sua opinião e que seja transformada em decisão política por meio de ação coletiva.
A expressão habermasiana "liberdade de expressão" é um aspecto defendido pelo autor dentro de sua ótica de esfera pública que é congruente com o conceito de gestão social e seu enfoque de uma gestão dialógica. Ressaltamos que é preciso certa precaução para que não haja interpretações equivocadas e que certa ingenuidade não seja disseminada nesse sentido.
O trecho seguinte confirma a questão da emancipação como uma característica forte no trabalho de Habermas.
Outra característica importante em Habermas é a presença de uma proposta de emancipação. Pode-se notar já em seus primeiros trabalhos a existência do interesse na definição de uma proposta teórica que complete uma análise reconstrutiva baseada na crença da evolução da sociedade através da auto-reflexão e do interesse emancipatório, isto pode ser observado no prefácio de A Crise de Legitimação no Capitalismo Tardio ou nos recentes textos como em Facticidad y Validez. É em especial em Conhecimento e Interesse, dos finais da década de 1960, que a esta preocupação vai ser tematizada profundamente (NASCIMENTO, 2006, p. 91) (grifos do autor).
Dentro dessa linha de pensamento, onde a emancipação é um resultado esperado dentro da gestão social, a seguinte citação ilustra a posição defendida pelos autores deste trabalho: "a ampliação da Esfera Pública contribui para a formação de consensos alcançados argumentativamente, numa Gestão Social compartilhada, gestada a partir de exercícios públicos deliberativos." (GOHN, 2004, p.10).
Nascimento (2006) defende que, em Habermas, encontra-se uma postura teórica que demonstra uma crença nas possibilidades de uma reorganização dos espaços destinados a discussão pública. Para a autora estes espaços permitem a construção da democracia em sua fonte mais genuína, ou seja, a sociedade. Ainda elucida que o debate habermasiano discorre sobre o papel da sociedade civil, da esfera pública e da opinião pública e insere esta discussão dentro do processo político e dos empecilhos para a realização das democracias modernas. Argumenta que, dentre os teóricos sociais dos últimos vinte anos, é sem dúvida um dos mais comentados e mais representativos.
Mesmo considerando o momento e contexto em que a obra foi escrita podemos afirmar que ainda hoje ela representa uma das bases do debate político na democracia contemporânea. A evolução de seu pensamento mostra as diferentes fases de Habermas e nos alerta como devemos criteriosamente interpretar sua leitura. Habermas faz uma releitura de sua obra nos início dos anos 90 e admite limitações de sua teoria, no entanto, mesmo dentro desse pensamento evolutivo pode-se notar que algumas preocupações sempre se destacaram e continuaram como foco de análise.
Assim, Nascimento (2006, p.16) defende
O que se observa tanto nos escritos da juventude como nos trabalhos maduros de Habermas é essa constante preocupação com o esclarecimento, com a formação da vontade e com o alargamento das possibilidades do consenso democrático. Da primeira tentativa de reabilitar a função normativa da opinião pública para uma teoria social da racionalidade e da ação comunicativa, pôde ser observado o intento de explicar os mecanismos de coesão e integração social a partir da construção, no seio da própria sociedade, de relações normativas provenientes do consenso e da comunicação aberta e irrestrita.
Em torno dessa relevância destacada perante o edifício teórico de Habermas esse trabalho buscou fazer um paralelo conceitual sobre quais aspectos da esfera pública servem de fundamento para o conceito de gestão social e sua aplicação. Na busca de um aporte conceitual da gestão social pode-se afirmar que o Brasil tem uma recente história de conquista democrática nesse sentido. A Constituição de 1988 é um marco desse processo onde a sociedade civil avança quando se trata da constituição de uma esfera pública, os últimos anos de governo federal têm mostrado conquistas importantes, mas também alerta para a forma em que essa democratização tem acontecido.
Inúmeros trabalhos acadêmicos enfatizam a importância de novas instâncias de participação e a mobilização da sociedade civil na concretização de um Estado democrático. Espaços públicos como o orçamento participativo, conselhos gestores, fóruns temáticos, organizações não-governamentais e movimentos sociais, entre outros, são preciosos exemplos do avanço da sociedade civil e do Estado para uma esfera pública nos moldes habermasianos (não considerando seu modelo genuíno apenas). No entanto, as fragilidades desses mecanismos que vem sendo demonstradas na literatura ainda mostram que é preciso um esforço maior, seja ele, conceitual ou empírico para que esse espaço seja efetivamente legitimado.
Considerações finais
Este texto buscou ampliar a discussão sobre a construção do conceito de gestão social por meio da perspectiva habermasiana da esfera pública. Uma primeira inferência nos leva perceber que os caminhos são longos, tanto o da construção do conceito de gestão social, como da escolha de referenciais que apóiem esta construção.
O crescimento da pesquisa e da prática da gestão social no país, mesmo sem sedimentação teórica do campo nos mostra mais uma vez que a sociedade está participando da resolução dos seus problemas, mesmo que de forma incipiente. Esta mudança de uma postura passiva, que espera do Estado a solução dos problemas, para outra que age e exige a participação deste Estado pode ser claramente percebida nos últimos anos. Um exemplo bastante interessante é o movimento da economia solidária, cuja existência foi pleiteada/exigida por esta sociedade civil.
Este contexto nos mostra que a esfera pública brasileira tem (re)criado espaços públicos, onde a ação pública se torna possível. Por mais críticas que possam ser realizadas aos conselhos, fóruns, orçamentos participativos e toda uma gama destes novos espaços públicos que vêm tomando forma no país, para que eles se desenvolvam, devem primeiro existir. A gestão social pode ser uma construção teórica que contribua para a organização e funcionamento destes espaços. Não basta dizer que o espaço é democrático, onde todos têm direito a voz e voto, é necessário que a decisão seja coletiva, livre de coerção e que busque o entendimento, com processos baseados na transparência pública. Se entendermos a gestão social como uma possibilidade para estes espaços (mas não restrita a eles) abre-se caminho para avançarmos no conceito, pois temos novas referências, novos caminhos teórico-empíricos a percorrer.
Mesmo que não seja gestão social a terminologia correta e que surjam outras mais aderentes e/ou coerentes, mesmo que ainda faltem diversas lacunas na construção do conceito, a sua convergência com esfera pública, mais especificamente nos espaços públicos, abre uma promissora agenda de pesquisa para o campo. Podemos afirmar que as características apontadas para a gestão social são convergentes com as práticas esperadas nos espaços públicos, o que nos leva a outras questões: Como se dá a gestão social dos espaços públicos? Quais os seus desafios e possibilidades? A construção da opinião pública estaria restrita à manipulação (meios de comunicação de massa, elites, etc.), ou poderia ser (re)construída pela prática da gestão social em espaços públicos?
Estas questões abrem um debate para futuras pesquisas e investigações para o mundo acadêmico. Ao se pensar em uma contemporaneidade permeada por tensões entre sociedade civil e Estado, onde a crise mundial vivenciada recentemente refletiu nos mais diversos setores da sociedade, este trabalho buscou contribuir oferecendo uma reflexão à luz dos conceitos habermasianos.
Artigo submetido em abril e aceito para publicação em outubro de 2010.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Dez 2010