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Corpos, intenções e afetos: reflexões para os estudos não representacionais das práticas organizacionais

Cuerpos, intenciones y afectos: reflexiones para los estudios no representativos de las prácticas organizacionales

Resumo

Neste artigo, o objetivo central é posicionar a discussão sobre corporeidade, intenções e afetos como dimensões analíticas não representacionais para os estudos das práticas organizacionais, particularmente no que se refere à (re)criação de relações de poder que promovem inclusões ou exclusões na prática. Em primeiro lugar, evidenciamos o problema de a teoria organizacional negligenciar os corpos, as intenções e os afetos sob uma perspectiva antirracionalista e anticognitivista. Assim, argumentamos em favor de uma imersão pré-reflexiva em contato com as práticas organizacionais. Em segundo lugar, sugerimos a categoria analítica da intencionalidade corporal-afetiva como imersão pré-reflexiva na compreensão das práticas organizacionais, uma vez que é por meio dessa percepção analítica que se constituem as atmosferas afetivas ou os fluxos de afetos. Em terceiro lugar, resgatamos as noções de diferenças, performance e performatividade para compreender como a intencionalidade corporal-afetiva faz fluir inclusões e exclusões nas práticas organizacionais. Ao final, oferecemos questões reflexivas para novas pesquisas na área, com a expectativa de que a proposta de relação analítica entre corpos, intenções e afetos, em conjunto com os conceitos de atmosferas, diferenças, performance e performatividade, contribua, de modo geral, para área dos Estudos Organizacionais não representacionais, e, em específico, para a área dos Estudos Baseados em Prática.

Palavras-chave:
Teorias não representacionais; Práticas organizacionais; Intencionalidade corporal-afetiva; Atmosfera; Diferença

Resumen

En este artículo, tres puntos de discusión son importantes para presentar reflexiones críticas en la profundización de la teoría organizacional. Nuestro objetivo central es relacionar la discusión sobre la corporeidad, las intenciones y los afectos como dimensiones analíticas no representativas para los estudios de las prácticas organizacionales, particularmente en lo que respecta a la (re)creación de relaciones de poder cuando promueven inclusiones o exclusiones en la práctica. En primer lugar, destacamos el problema de la teoría organizativa al descuidar el cuerpo, las intenciones y los afectos desde una perspectiva antirracionalista y anticognitivista. Abogamos por una inmersión prerreflexiva en el contacto con las prácticas organizacionales. En segundo lugar, sugerimos la categoría analítica de intencionalidad corporal afectiva para realizar dicha inmersión prerreflexiva en la comprensión de las prácticas organizacionales, ya que es a través de esta percepción analítica que se constituyen las atmósferas afectivas o flujos de afecto. En tercer lugar, rescatamos las nociones de diferencias, rendimiento y performatividad para entender cómo la intencionalidad corporal-afectiva (re)produce inclusiones y exclusiones en la práctica organizacional. Al final, ofrecemos preguntas reflexivas para futuras investigaciones en el área con la expectativa de que la relación analítica propuesta imbricada entre cuerpos, intenciones y afectos en conjunción con los conceptos de atmósferas, diferencias, desempeño y performatividad, contribuya al área de los Estudios Organizacionales no representativos, en general, y al área de los Estudios Basados en la Práctica, en particular.

Palabras clave:
Teorías no representativas; Prácticas organizacionales; Intencionalidad corporal-afectiva; Atmósfera

Abstract

In this article, three discussion points are important for us to present critical reflections on deepening organizational theory. Our central aim is to relate the discussion on corporeality, intentions, and affections as non-representational analytical dimensions for studies of organizational practices, particularly with regard to the (re)creation of power relations when they promote inclusions or exclusions in practice. First, we highlight the problem of organizational theory in neglecting the body, intentions, and affections from an anti-rationalist and anti-cognitivist perspective. We advocate a pre-reflexive immersion in contact with organizational practices. Second, we suggest the analytical category of bodily-affective intentionality to perform such a pre-reflective immersion in understanding organizational practices since it is through this analytical perception that affective atmospheres or flows of affect are constituted. Third, we re-look at the notions of differences, performance, and performativity to understand how the bodily-affective intentionality (re)produces inclusions and exclusions in organizational practice. Finally, we offer reflective questions for further research in the area with the expectation that the proposed analytical relationship imbricated between bodies, intentions, and affections together with the concepts of atmospheres, differences, performance, and performativity, contributes to the area of non-representational Organizational Studies, in general, and to the area of practice-based studies, specifically.

Keywords:
Non-representational theories; Organizational practices; Body-affective intentionality; Atmosphere; Difference

INTRODUÇÃO

O problema

As teorias não representacionais ou mais que representacionais, conforme proposta de Lorimer (2005Lorimer, H. (2005). Cultural geography: the busyness of being ‘more-than-representational’. Progress in Human Geography, 29(1), 83-94.), fornecem o pano de fundo para a reflexão no presente artigo. Tais teorias surgem no campo da Geografia humana, mais precisamente na Geografia Cultural, como uma resposta ao construtivismo social, que separa o mundo dos significados que lhe são atribuídos, ou seja, de sua representação cultural (Anderson & Harrison, 2010Anderson, B., & Harrison, P. (2010). The Promise of non-representational theories. In B. Anderson, & P. Harrison(Eds.), Taking-place: non-representational theories and geography (pp. 1-36). Ashgate Publishing.; Paiva, 2017Paiva, D. (2017). Teorias não-representacionais na Geografia I: conceitos para uma geografia do que acontece. Finisterra: Revista Portuguesa de Geografia, 52(106), 159-168.). Assim, elas se alinham às perspectivas representacionais da realidade, que a enquadram em grades conceituais e a tornam estável, desconsiderando performances, processos e devires que a constituem.

Dessa forma, podemos afirmar que as teorias não representacionais possuem alguns princípios fundamentais, como as noções de prática, cotidiano, performance e performatividade, embodiment e corpo, virtualidade e espacialidade em termos de tempo e espaço (Cadman, 2009Cadman, L. (2009). Nonrepresentational Theory/Nonrepresentational Geographies. In R. Kitchen, & N. Thrift(Eds.), International Encyclopedia of Human Geography. Elsevier.). Essas teorias, que se assemelham mais a uma abordagem de investigação que envolve diferentes teorias (Paiva, 2017Paiva, D. (2017). Teorias não-representacionais na Geografia I: conceitos para uma geografia do que acontece. Finisterra: Revista Portuguesa de Geografia, 52(106), 159-168.), têm inspirado trabalhos em diversas áreas do conhecimento. Recentemente, podemos observar essa influência não somente na Geografia (Dornelles, 2021Dornelles, T. G. (2021). “Você está indo para onde?”: relações afetivas do corpo-paisagem de pessoas cegas na cidade (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.; Silva & Arruda, 2021Silva, M. A. S., & Arruda, C. (2021). Movimento como convite para fazer geografias: corpo, espaço e emoções. Geografares, 1(32), 124-143. https://doi.org/10.47456/geo.v1i32.35557
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), mas também na Etnografia (Vannini, 2014Vannini, P. (2014). Non-representational ethnography: new ways of animating lifeworlds. Cultural Geographies, 22(2) 317-327.), nos Estudos Culturais (Moores, 2021Moores, S. (2021). The everyday skills that get us by: Non-representational theories for a linealogy of quotidian cultures. European Journal of Cultural Studies, 24(5) 1180-1203.), na Linguística (Lopes, 1989Lopes, E. (1989). A lingüística saussuriana: uma teoria contextual e não-representacional da significação. ALFA. Revista Linguística, 33, 1-7.), no Marketing (Hill, 2015Hill, T., Canniford, R., & Mol, J. (2014). Non-representational marketing theory. Marketing Theory, 14(4), 377-394.; Hill et al., 2014Hindmarsh, J., & Pilnick, A. (2007). Knowing Bodies at Work: Embodiment and Ephemeral Teamwork in Anaesthesia. Organization Studies, 28(9), 1395-1416.) e nos Estudos Organizacionais (Beyes & Steyaert, 2011Beyes, T., & Steyaert, C. (2011). Spacing organization: non-representational theory and performing organizacional space. Organization, 19(1), 1-17.; Lorino et al., 2011Lorino, P., Tricard, B., & Clot, Y. (2011). Research methods for non-representational approaches to organizational complexity: the dialogical mediated inquiry. Organization Studies, 32(6) 769-801.). Assim, percebemos que apreender as práticas organizacionais, os corpos e os afetos contribui fundamentalmente para a compreensão não representacional do organizar.

Dentre os autores que operam a “virada da prática”, é possível destacar aqueles que desenvolvem uma teoria da prática mais ampla, como Pierre Bourdieu e Theodore Schatzki, e aqueles que têm usado a prática como conceito importante em seus trabalhos, como Michel Foucault, Anthony Giddens, Harold Garfinkel e Bruno Latour (Alvarenga, 2017Alvarenga, G. L. (2017). A Practice Turn nos Estudos Organizacionais Brasileiros: Uma Análise de Publicações entre os Anos 2006-2015. Pensamento & Realidade, 32(1), 93-106.; Miettinen et al., 2009Miettinen, R., Samra-Fredericks, D., & Yanow, D. (2009). Re-Turn to Practice: An Introductory Essay. Organization Studies, 30(12), 1309-1327.; Passos & Bulgacov, 2019Passos, J. S. L., & Bulgacov, Y. L. M. (2019). Da Filosofia para os Estudos Organizacionais: o percurso ontológico de Schatzki na teoria da prática social. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 13(1), 1-15.). Em termos de tradições teóricas que inspiram estes autores, podemos destacar quatro abordagens: a tradição marxista, a fenomenologia alemã, o interacionismo simbólico e o legado de Wittgenstein (Alvarenga, 2017Alvarenga, G. L. (2017). A Practice Turn nos Estudos Organizacionais Brasileiros: Uma Análise de Publicações entre os Anos 2006-2015. Pensamento & Realidade, 32(1), 93-106.; Bispo, 2015Bispo, M. S. (2015). Methodological Reflections on Practice-Based Research in Organization Studies. Brazilian Administration Review, 12(3), 309-323.).

Entre as diversas possibilidades de teorias sobre a prática, utilizamos, neste artigo, o entendimento de Schatzki (2006Schatzki, T. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863-1873. https://doi.org/10.1177/0170840606071942
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), bem como suas influências fenomenológicas, associado aos estudos não representacionais das práticas organizacionais com base em três pontos analíticos interconectados: corpos, intenções e afetos. Para o autor, as práticas se constituem de saber-fazer, regras explícitas e implícitas, entendimentos compartilhados, arranjos materiais e estrutura teleológico-afetiva (Schatzki, 2006Schatzki, T. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863-1873. https://doi.org/10.1177/0170840606071942
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, 2012Schatzki, T. (2012). A primer on practices. In J. Higgs, R. Barnett, S. Billett, M. Hutchings, & F. Trede(Eds.), Practice-Based Education: Practice, Education, Work and Society(Vol. 6). Sense Publishers. https://doi.org/10.1007/978-94-6209-128-3_2
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). Isso acontece porque, para Schatzki (2006Silva, M. A. S., & Arruda, C. (2021). Movimento como convite para fazer geografias: corpo, espaço e emoções. Geografares, 1(32), 124-143. https://doi.org/10.47456/geo.v1i32.35557
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, p. 1863), a organização “[...] é um conjunto de práticas e disposições materiais” que se dá em coletividade do e/ou no cotidiano por meio dos sentidos compartilhados entre os(as) praticantes. Logo, a prática, que acontece de maneira ordenada no contexto social, é constitutiva de organização e direciona nosso olhar enquanto pesquisadores para a (e por meio da) prática.

Ao centrar nas práticas e em seu caráter organizativo, precisamos estar atentos ao saber-fazer compartilhado entre os(as) praticantes, ou seja, como eles/elas exercem suas atividades e como aprenderam a exercê-las. Schatzki (2006Schatzki, T. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863-1873. https://doi.org/10.1177/0170840606071942
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, 2012Schatzki, T. (2012). A primer on practices. In J. Higgs, R. Barnett, S. Billett, M. Hutchings, & F. Trede(Eds.), Practice-Based Education: Practice, Education, Work and Society(Vol. 6). Sense Publishers. https://doi.org/10.1007/978-94-6209-128-3_2
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) aborda as regras, sejam elas explícitas ou não, que conduzem os(as) praticantes em torno da ação e/ou atividade. Além do saber-fazer e das regras, também é possível perceber a presença de artefatos materiais que constituem uma estrutura organizativa, na qual as pessoas envolvidas na prática compartilham entre si significados e intencionalidades. Para este artigo, utilizamos o entendimento de que as práticas organizacionais são saber-fazer que ocorrem no cotidiano por meio do coletivo e que se constituem de regras, pela inteligibilidade e pelos entendimentos compartilhados que estão presentes no saber-fazer dos/das praticantes.

Um dos pressupostos centrais da nossa reflexão é que, para analisarmos a profundidade das práticas organizacionais numa visão não representacional do organizar, precisamos interconectar as dimensões analíticas da corporeidade, intencionalidade e afetos, no sentido de compreender as relações de poder existentes. Argumentamos que, até certo ponto, as dimensões analíticas sobre intenções e corporeidade presentes nas práticas organizacionais foram evidenciadas em pesquisas anteriores (Figueiredo, 2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.; Figueiredo & Cavedon, 2015Figueiredo, M. D. (2015). Embodied prejudices: a study on diversity and practices. Equality, Diversity and Inclusion, 34(6), 527-538. https://doi.org/10.1108/EDI-04-2014-0029
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), embora a discussão analítica sobre afetos permaneça enfraquecida. Thanem e Knights (2012Thanem, T., & Knights, D. (2012). Feeling and speaking through our gendered bodies: embodied self-reflection and research practice in organisation studies. International Journal of Work Organisation and Emotion, 5(1), 91-108., p. 93) alertam, há algum tempo, para a carência de pesquisas que relatem “nossas experiências corporais” vivenciadas no mundo por querermos “administrar nossas emoções e nossos corpos” em um alto nível de negligência na maneira como afetamos e somos afetados. Talvez isso nos ajude a entender os argumentos reiterados de Gherardi (2009Gherardi, S. (2009). Introduction: The Critical Power of the `Practice Lens’. Management Learning, 40(2), 115-128., 2010Gherardi, S. (2010). Telemedicine: A practice-based approach to technology. Human Relations, 63(4), 501-524. https://doi.org/10.1177/0018726709339096
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, 2017Gherardi, S. (2017). One turn… and now another one: Do the turn to practice and the turn to affect have something in common? Management Learning, 48(3), 345-358., p. 10) sobre o retorno analítico às práticas e ao afeto ainda ser pouco articulado, uma vez que é preciso “instigar os estudiosos da prática a se tornarem mais sensíveis à dimensão afetiva”.

Portanto, é urgente a necessidade de discutir a relação entre corpos, intenções e afetos nos Estudos Organizacionais. Essa urgência se justifica pela carência percebida desde Hindmarsh e Pilnick (2007Hindmarsh, J., & Pilnick, A. (2007). Knowing Bodies at Work: Embodiment and Ephemeral Teamwork in Anaesthesia. Organization Studies, 28(9), 1395-1416.), quando a conduta corporificada no ambiente organizacional passou a ser um recurso crítico para a compreensão das habilidades incorporadas na execução do trabalho. Nos Estudos Baseados na Prática, Yakhlef (2010Yakhlef, A. (2010). The corporeality of practice-based learning. Organization Studies, 31(4), 409-430. https://doi.org/10.1177/ 0170840609357384
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, p. 410) explorou a negligência da corporeidade nos processos de aprendizagem organizacional e pontuou que “[...] o corpo humano (incluindo a mente) é considerado o meio para experimentar e ter acesso ao mundo (prático e social)”. A diluição das fronteiras cartesianas entre corpo e mente tem sido um esforço recorrente da literatura dos Estudos Baseados na Prática, objetivando a superação dessa dicotomia observada nas pesquisas da área (McConn-Palfreyman et al., 2019McConn-Palfreyman, W., McInnes, P., & Mangan, A. (2019). From bodies as ‘meat’ to bodies as ‘flesh’: the expression of performance management as ‘sacrificial acts’ within professional rugby. Culture and Organization, 25(4), 253-271.; Miettinen et al., 2009Miettinen, R., Samra-Fredericks, D., & Yanow, D. (2009). Re-Turn to Practice: An Introductory Essay. Organization Studies, 30(12), 1309-1327.; Sandberg & Tsoukas, 2011Sandberg, J., & Tsoukas, H. (2011). Grasping the Logic of Practice: Theorizing Through Practical Rationality. Academy of Management Review, 36(2), 338-360.).

Nossa compreensão sobre o corpo e a corporeidade supera tal dicotomia. Na verdade, estamos interessados em descortinar os diferentes corpos atuantes na prática e compreender como esses corpos, marcados por intencionalidades e afetos, podem causar desigualdades nas práticas organizacionais. Dale e Latham (2015Dale, K., & Latham, Y. (2015). Ethics and entangled embodiment: Bodies-materialities- organization. Organization, 22(2), 166-182.) reconheceram o entrelaçamento das nossas corporeidades mundanas na maneira como vislumbramos as vivências nos processos organizacionais diante de exclusões, desigualdades e hierarquias. Assim, reconhecemos o que Bispo e Gherardi (2019Bispo, M. S., & Gherardi, S. (2019). Flesh-and-blood knowing: Interpreting qualitative data through embodied practice-based research. RAUSP Management Journal, 54(4), 371-383., p. 372) recentemente chamaram de “pesquisa baseada na prática incorporada”, em que o corpo se torna um caminho para a compreensão das relações de inclusão e exclusão existentes nas práticas organizacionais, provenientes da maneira como afetamos e somos afetados pelo outro, e por nós mesmo, por meio de intencionalidades.

Ao considerar o corpo, os afetos e as intencionalidades de modo interligado, objetivamos superar aquilo que McConn-Palfreyman et al. (2019McConn-Palfreyman, W., McInnes, P., & Mangan, A. (2019). From bodies as ‘meat’ to bodies as ‘flesh’: the expression of performance management as ‘sacrificial acts’ within professional rugby. Culture and Organization, 25(4), 253-271., p. 255) chamaram de “visão epistemológica limitada” da corporeidade, na qual esta foi reduzida apenas à sua dimensão carnal. Desse modo, a corporeidade, ao mesmo tempo que inclui atos relacionais na experiência do mundo, é construída mediante a heterogeneidade, o dinamismo e a interdependência dos fluxos de afetos, à medida que ouvimos, sentimos, tocamos e fazemos parte do mundo (Dale & Latham, 2015Dale, K., & Latham, Y. (2015). Ethics and entangled embodiment: Bodies-materialities- organization. Organization, 22(2), 166-182.; Flores-Pereira et al., 2008Flores-Pereira, M. T., Davel, E., & Cavedon, N. (2008). Drinking beer and understanding organizational culture embodiment. Human Relations, 61(7), 1007-1027., Thanem & Knights, 2012Thanem, T., & Knights, D. (2012). Feeling and speaking through our gendered bodies: embodied self-reflection and research practice in organisation studies. International Journal of Work Organisation and Emotion, 5(1), 91-108.), ou, em nível estrito, das práticas organizacionais. As intencionalidades correspondem aos significados intermitentemente atribuídos à corporeidade. Em uma vertente não representacional das práticas organizacionais, optamos por confrontar a visão racionalista da corporeidade e dos afetos, que preserva a “afirmação da primazia das práticas ou do movimento” (Moores, 2021Moores, S. (2021). The everyday skills that get us by: Non-representational theories for a linealogy of quotidian cultures. European Journal of Cultural Studies, 24(5) 1180-1203., p. 1190).

Logo, a intencionalidade é a dimensão indissociável das distintas maneiras de incorporarmos as práticas. Para Figueiredo (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354., p. 527), as intenções atribuem significados de uma constante vigilância ao estar inserido na experiência do mundo e ajuda na compreensão pré-reflexiva de como os corpos e as marcas da corporeidade sustentam a “distribuição desigual de poder” que interfere nas relações organizacionais. Argumentamos que a relação interligada entre intencionalidade e corporeidade, proposta por Figueiredo (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.), representa um primeiro passo para responder à inquietante questão anteriormente levantada por Thanem e Wallenberg (2015Thanem, T., & Wallenberg, L. (2015). What can bodies do? Reading Spinoza for an affective ethics of organizational life. Organization, 22(2), 235-250. https://doi.org/10.1177/1350508414558725
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, p. 236) sobre “o que os corpos podem fazer” na “vida organizacional afetivamente corporificada”; embora este passo ainda necessite de mais desenvolvimento.

Ademais, importa destacar que a articulação dos temas intencionalidade, corpo e práticas, conforme abordado nos trabalhos de Figueiredo (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.) e Figueiredo e Cavedon (2015)Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354., é a base para alinharmos o paradigma do embodiment, destacado por Flores-Pereira (2010Flores-Pereira, M. T. (2010). Corpo, pessoa e organizações. Organizações & Sociedade, 17(54), 417-438.), e a condição corporal e intencional dos/das praticantes dentro da analítica não representacional das práticas organizacionais com premissas ontoepistemológicas influenciadas pela fenomenologia. Isso nos permitiu atrelar a discussão afetiva à intencionalidade incorporada.

Dessa maneira, Figueiredo e Cavedon (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.) indicam que o conceito da intencionalidade incorporada refere-se à manifestação de um modo de conhecimento que brota sem uma elaboração consciente. Assim, a intencionalidade é delineada sem um domínio estritamente racional e cognitivo, cujo caráter corporal e não reflexivo é capaz de evidenciar o conhecimento sensível presente nas práticas. Desse modo, não se trata de uma concepção racional de intencionalidade pertinente ao humanismo residual descartado por Cadman (2009Cadman, L. (2009). Nonrepresentational Theory/Nonrepresentational Geographies. In R. Kitchen, & N. Thrift(Eds.), International Encyclopedia of Human Geography. Elsevier.), mas se refere à predisposição do corpo à ação, tal como foi inicialmente formulada pela teoria bourdieusiana. Figueiredo e Cavedon (2015)Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354. esclarecem a importância dos componentes incorporados e pré-reflexivos da experiência cotidiana na elaboração das práticas.

Para Hill et al. (2014Hill, T., Canniford, R., & Mol, J. (2014). Non-representational marketing theory. Marketing Theory, 14(4), 377-394.), urge examinar tais aspectos irreflexivos, uma vez que a maior parte de nossa vida é mediada por eles e o corpo é condicionado para a ação pelos conjuntos espaciais e/ou materiais e semióticos. É preciso ressaltar que o conhecimento corporificado encontra-se em um domínio extradiscursivo, portanto, de difícil acesso ao pesquisador. Uma das formas de desvelá-lo seria encontrar brechas ou rupturas que ocorrem nessas ações cotidianas das práticas.

Desse modo, as ações precognitivas possibilitam o acesso aos registros não discursivos do corpo, ou seja, às intensidades dos afetos, que são forças incorporadas poderosas, não representativas e com capacidade de ameaçar a ordem social. Tais ações precognitivas são constituídas pelos registros efetivamente sentidos, mas de complexa tradução na linguagem, visto tratar-se de intensidades que não se encaixam perfeitamente ao nome que damos às emoções. Contudo elas incorporam fortemente as experiências cotidianas e, segundo Hill (2015), possuem três efeitos: a) são perturbadoras, pois, sua força é intensiva; b) produzem respostas corporais automáticas por se referirem a modos de ação precognitivos; e c) no interior de um coletivo, tal como no processo organizacional, seu movimento molda as condutas dos participantes de maneira imprevisível.

Assim, além da intencionalidade corporal, vislumbramos também a importância dos afetos. Anteriormente, Thanem e Wallenberg (2015Thanem, T., & Wallenberg, L. (2015). What can bodies do? Reading Spinoza for an affective ethics of organizational life. Organization, 22(2), 235-250. https://doi.org/10.1177/1350508414558725
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) já haviam mencionado a necessidade de elaboração de nossas relações afetivas no ambiente organizacional e de considerar a maneira como a nossa capacidade de afetar e sermos afetados aparenta ter uma distribuição desigual de poder. Talvez isso tenha instigado Bispo e Gherardi (2019Bispo, M. S., & Gherardi, S. (2019). Flesh-and-blood knowing: Interpreting qualitative data through embodied practice-based research. RAUSP Management Journal, 54(4), 371-383., pp. 378-379) a questionarem “onde está o afeto?” e o “que ele faz?”; ou, ainda, “onde está o corpo?”, relacionado ao que Dale e Latham (2015Dale, K., & Latham, Y. (2015). Ethics and entangled embodiment: Bodies-materialities- organization. Organization, 22(2), 166-182.) chamaram de emaranhados entre corpos que são diferentes e contínuos.

Neste artigo, sustentamos que os fluxos de afetos compõem o que uma visão não representacional do organizar chama de atmosferas afetivas (Anderson, 2009Anderson, B. (2009). Affective Atmospheres. Emotion, Space and Society, 2(2), 77-81.) ou atmosferas organizacionais (Borch, 2009Borch, C. (2009). Organizational Atmospheres: Foam, Affect and Architecture. Organization, 17(2), 1-19.). Essa abordagem nos auxilia a compreender como afetamos e somos afetados numa malha de práticas organizacionais (Schatzki, 2006Schatzki, T. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863-1873. https://doi.org/10.1177/0170840606071942
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). Outro argumento que buscamos construir ao longo da nossa reflexão é que diferentes corpos que performam as práticas fazem fluir intencionalidades por meio de afetos diversos, exercendo relações de poder. Por esse motivo, propomos a articulação com as noções de diferenças, performance e performatividade sob perspectivas desconstrutivistas (Piscitelli, 2002Piscitelli, A. (2002, novembro). Recriando a (categoria) mulher?In L. Algranti(Org.), A prática feminista e o conceito de gênero(Textos didáticos, nº 48). IFCH/UNICAMP.), que dialogam com as teorias não representacionais.

Assim, acreditamos ser possível entender como as intencionalidades corporais-afetivas (re)constroem inclusões e exclusões na prática. Nosso objetivo neste artigo é posicionar a discussão da corporeidade, intenções e afetos como dimensão analítica não representacional, importante para os estudos das práticas organizacionais, particularmente no que se refere à (re)criação de relações de poder que promovem inclusões ou exclusões na prática. Chamamos de intencionalidade corporal-afetiva nossa proposta de relação analítica interligada como principal contribuição para área dos Estudos Organizacionais não representacionais, de maneira geral, e para os Estudos Baseados na Prática, de maneira mais específica.

A INTENCIONALIDADE CORPORAL-AFETIVA

Somos seres existentes em uma dimensão encarnada. Nela, as práticas organizacionais são vivenciadas com diferentes intencionalidades, corporeidades e afetos. Nossa proposta de dimensão analítica para as práticas organizacionais busca situar uma perspectiva de corporeidade (embodiment) que reconheça os corpos-intenções, o corpo-afeto, o corpo em condição coletiva de vivência no mundo.

O corpo foi percebido por vertentes ontológicas que situam a simbologia social na relação corpo e sociedade. Ao mesmo tempo, a percepção da corporeidade também foi construída mediante relações sociais hierarquizadas do corpo visto como objeto ou, ainda, do corpo socializado dentro de normas e ordem política. Sob a perspectiva da corporeidade que adotamos, o corpo é entendido como coletivo, em conexão com o mundo prático. Como já lembrou Yakhlef (2010Yakhlef, A. (2010). The corporeality of practice-based learning. Organization Studies, 31(4), 409-430. https://doi.org/10.1177/ 0170840609357384
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), nossos corpos constroem os elos com o mundo praticado em correspondência com as solicitações situadas.

Diferentes perspectivas da corporeidade nas ciências sociais foram evidenciadas por Flores-Pereira (2010Flores-Pereira, M. T. (2010). Corpo, pessoa e organizações. Organizações & Sociedade, 17(54), 417-438.). No levantamento elaborado por essa autora, a percepção ontoepistemológica das linhas de pesquisa sobre o corpo e a corporeidade passa a se espelhar nas categorias analíticas simbólica, hierarquizada, política e incorporada, de forma mais ampla, nas Ciências Sociais, e mais especificamente, nos Estudos Organizacionais. Ora o corpo é objeto simbólico percebido por suas respostas corporais e cognitivas, ora o corpo ainda objetificado começa a ser hierarquizado de acordo com os papéis estéticos, sexuais e de gênero que classificam a condição corporal. Somado a isso, a objetificação do corpo é também percebida como elemento social e político que passa por vigilância, controle e normas impostas pela sociedade. Em todas essas três dimensões analíticas, podemos inferir que a corporeidade é inserida em percepções ontológicas do corpo como objeto simbólico, hierárquico ou político-normativo. Detalhamos a discussão proposta por Flores-Pereira (2010Flores-Pereira, M. T., Davel, E., & Cavedon, N. (2008). Drinking beer and understanding organizational culture embodiment. Human Relations, 61(7), 1007-1027.) nas colunas do Quadro 1, que enfatizam a condição analítica do corpo conforme a abordagem das Ciências Sociais e dos Estudos Organizacionais.

A síntese analítica do corpo empreendida por Flores-Pereira (2010Flores-Pereira, M. T. (2010). Corpo, pessoa e organizações. Organizações & Sociedade, 17(54), 417-438.) direcionou nossos esforços também para buscar novas condições analíticas do corpo e da corporeidade. A proposta do corpo-pessoa (embodiment) como novo paradigma de pesquisa tem bases ontoepistemológica que se afastam da dimensão sociocultural da representação simbólica e se aproximam das condições pré-reflexiva, subjetiva, experienciada, vivida e incorporada. Afinal, o corpo e a corporeidade podem assumir uma condição de análise antirracionalista e anticognitivista por meio da elaboração das intenções e dos afetos em conjunto com o embodiment, entendido como o “[...] corpo-pessoa que vive primeiramente em um mundo da prática e não da abstração” (Flores-Pereira, 2010Flores-Pereira, M. T., Davel, E., & Cavedon, N. (2008). Drinking beer and understanding organizational culture embodiment. Human Relations, 61(7), 1007-1027., p. 422). Essa afirmação analítica permitiu que adicionássemos as bases fenomenológicas do paradigma do embodiment às premissas dos Estudos Baseados na Prática, que também comungam de pressupostos fenomenológicos, a fim de exaltar a importância do corpo e da corporeidade para os estudos não representacionais das práticas organizacionais.

A elucidação da condição analítica do corpo, abordada nos Estudos Baseados na Prática, representa o nosso esforço em alinhar percepções ontoepistemológica do corpo dentro das práticas organizacionais que sustentam nossa proposta analítica de intencionalidade corporal-afetiva. Nosso argumento é que as práticas organizacionais são intencionalmente encarnadas e experienciadas no corpo. A prática é tácita, pré-reflexiva e inscrita nos corpos. O corpo carrega significados e intenções na (e por meio da) prática. Essa é a nossa base analítica. As pesquisas de Figueiredo (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.) e Figueiredo e Cavedon (2015)Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.são contribuições que influenciam diretamente nossa proposta de análise interligada entre corpos, intenções e afetos, embora outras pesquisas também tenham contribuído para a construção de nossas análises (por exemplo, Bell & Vachhani, 2019Bell, E., & Vachhani, S. J. (2019). Relational Encounters and Vital Materiality in the Practice of Craft Work. Organization Studies, 41(5), 681-701.; Gherardi, 2000Gherardi, S. (2000). Practice-Based Theorizing on Learning and Knowing in Organizations. Organization, 7(2), 211-223. https://doi.org/10.1177/135050840072001
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; Hindmarsh & Pilnick, 2007Hindmarsh, J., & Pilnick, A. (2007). Knowing Bodies at Work: Embodiment and Ephemeral Teamwork in Anaesthesia. Organization Studies, 28(9), 1395-1416.; Nicolini, 2009Nicolini, D. (2009). Zooming In and Out: Studying Practices by Switching Theoretical Lenses and Trailing Connections. Organization Studies, 30(12), 1391-1418. https://doi.org/10.1177/0170840609349875
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; Pérezts et al., 2014Pérezts, M., Faÿ, E., & Picard, S. (2015). Ethics, embodied life and esprit de corps: An ethnographic study with anti-money laundering analysts. Organization, 22(2), 217-234. https://doi.org/10.1177/1350508414558726
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; Thanem & Wallenberg, 2014Thanem, T., & Knights, D. (2012). Feeling and speaking through our gendered bodies: embodied self-reflection and research practice in organisation studies. International Journal of Work Organisation and Emotion, 5(1), 91-108.; Yakhlef, 2010Yakhlef, A. (2010). The corporeality of practice-based learning. Organization Studies, 31(4), 409-430. https://doi.org/10.1177/ 0170840609357384
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).

Assim, compartilhamos do entendimento de Figueiredo e Cavedon (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354., p. 339) de que a intencionalidade incorporada manifesta “[...] uma forma e conhecimento sem consciência ou de intencionalidade sem intenção”. A importância dessa definição está em auxiliar a compreensão da consciência prática por meio da condição corporal antes do estabelecimento racional e cognoscente. Com isso, entendemos que as intencionalidades são respostas corporais que causam efeitos nas práticas e em seus aspectos não representacionais, por lastrearem ações afetivas como força de mobilização da prática. As intencionalidades são, portanto, os significados atribuídos à corporeidade que fazem fluir afetos. Com as pesquisas de Figueiredo (2015)Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.e Figueiredo e Cavedon (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.), podemos inferir que a intencionalidade é uma dimensão analítica indissociável da corporeidade. Em complemento a esse entendimento, podemos argumentar que a intencionalidade é incorporada mediante associação na forma como os afetos são percebidos e lastreados.

A intencionalidade corporal-afetiva é elaborada com base nessas premissas que envolvem a corporeidade e as intenções, levando em conta a realidade prática do que os(as) praticantes realizam em seu contexto de ações e significados. Somado a isso, o contexto prático propício para confrontar as ações corporais dos/das praticantes de maneira pré-reflexiva e precognitiva está entrelaçado ao contexto material em que se encontram. O atravessamento da intencionalidade corporal-afetiva acontece por meio dos/das praticantes e dos arranjos materiais, nos termos de Schatzki (2006Schatzki, T. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863-1873. https://doi.org/10.1177/0170840606071942
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, 2012Schatzki, T. (2012). A primer on practices. In J. Higgs, R. Barnett, S. Billett, M. Hutchings, & F. Trede(Eds.), Practice-Based Education: Practice, Education, Work and Society(Vol. 6). Sense Publishers. https://doi.org/10.1007/978-94-6209-128-3_2
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), que sustentam a prática e sua durabilidade. Assim, a intencionalidade não pode ser entendida como capacidade exclusiva dos/das praticantes - afinal, é no envolvimento com a materialidade que ela se conforma e viabiliza a distribuição assimétrica de afetos e, em última análise, de poder.

Os corpos carregam, situam e mantêm padrões de organização por meio de intenções e afetos no tempo e espaço. A forma como percebemos os corpos e os processos corporais nas práticas organizacionais implica na maneira como descreveremos a condição corporal na (e por meio da) prática.

Recentemente, Bell e Vachhani (2019Bell, E., & Vachhani, S. J. (2019). Relational Encounters and Vital Materiality in the Practice of Craft Work. Organization Studies, 41(5), 681-701.) argumentaram que os encontros corporais praticados fornecem apreensões e sentimentos que conectam e organizam os corpos na dimensão concreta, material e inteligível da prática. Assim, a corporeidade que aqui mobilizamos é aquela em que o corpo é reconhecido como “[...] resultado e cenário de um jogo de conexões e forças” (Beyes & Steyaert, 2011Beyes, T., & Steyaert, C. (2011). Spacing organization: non-representational theory and performing organizacional space. Organization, 19(1), 1-17., p. 8), um “corpo como lugar do político” (Jiménez-Garcés, 2015Jiménez-Garcés, C. M. (2015). Movimiento social de “piernas cruzadas”, práctica neosubjetiva y comprensión del cuerpo como lugar de lo político. Revista Colombiana de Sociología, 38(1), 145-163. https://doi.org/10.15446/rcs.v38n1.53283
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). Assim, a corporeidade entrelaça o(a) praticante à prática e enseja nele intenções e afetos. O corpo, por sua vez, compõe-se e recompõe-se continuamente mediante os outros corpos, pois sua capacidade se deve ao seu engajamento ativo e relacional com os demais corpos em determinado local (Buser, 2014Buser, M. (2014). Thinking through nonrepresentational and affective atmospheres in planning theory and practice. Planning Theory, 13(3), 227-243.).

Diferentes corporeidades podem ser percebidas nas práticas organizacionais, conforme será abordado em seção posterior. Tais percepções estão atreladas aos significados que os(as) praticantes atribuem a si mesmos e à prática, expressando diferentes intencionalidades. Os significados são uma construção coletiva da prática, estabelecem regras e condutas esperadas e, ao mesmo tempo, demarcam as diferenças e a estrutura de poder relacional. Por isso, associamos a análise da corporeidade das práticas organizacionais à dimensão intencional de significados disposta entre os(as) praticantes humanos e os arranjos materiais nas práticas coletivas. Para Figueiredo (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.), a intencionalidade incorporada refere-se a uma percepção analítica das práticas, baseada nos significados que foram construídos por meio de hábitos, cultura e história. A autora explica que a compreensão desses significados é identificada na reflexividade entre os praticantes por meio da corporeidade e dos dispositivos corporais desenvolvidos. Portanto, a esse entendimento da autora, acrescentamos que a compreensão dos significados da intencionalidade incorporada faz fluir a construção de afetos.

A concepção de afeto nas teorias não representacionais inspira-se fortemente na construção feita por Gilles Deleuze. O afeto é, para Deleuze (1978Deleuze, G. (1978, 24 de janeiro). Spinoza: Cours Vincennes. http://www.webdeleuze.com/php/index.html
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), uma produção equivalente à noção de força conforme apresentada por Foucault (2009Foucault, M. (2009). Microfísica do poder. Graal.). Ele surge como um resultado energético da interação dos corpos, é uma força experiencial ou intensidade, e a sua prática é política. Ou seja, Deleuze (2002Deleuze, G. (2002). Espinosa: Filosofia Prática. Ed. Escuta.) apresenta o afeto como uma força ou potência que provém dos encontros com outros modos existentes. Afeto é uma “reminiscência de ‘afetar’ e ‘ser afetado’ e, portanto, de dimensões dinâmicas e interativas que faltam ao termo emoção” (Reckwitz, 2012Reckwitz, A. (2012). Affective spaces: a praxeological outlook. Rethinking History, 16(2), 241-258., p. 150).

Como um processo contínuo, fluido e dinâmico, o afeto acontece em lugares particulares (Buser, 2014Buser, M. (2014). Thinking through nonrepresentational and affective atmospheres in planning theory and practice. Planning Theory, 13(3), 227-243.). Porém, como produz consequências de movimento e de tempo para os corpos envolvidos, suscita processos de devir, que podem ser classificados como ímpetos caóticos, pois dependem da dinâmica do que é efetivamente vivido (Deleuze & Guattari, 2010Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia(Vol. 1). Ed.34.). Assim, o devir habita o plano da imanência, porque a existência social produz-se por meio de uma análise das condições que lhe são próprias; e, sendo o corpo composto por relações, constitui sempre uma questão de devir (Deleuze, 1978Deleuze, G. (1978, 24 de janeiro). Spinoza: Cours Vincennes. http://www.webdeleuze.com/php/index.html
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).

Tendo por base esse pensamento, Buser (2014Buser, M. (2014). Thinking through nonrepresentational and affective atmospheres in planning theory and practice. Planning Theory, 13(3), 227-243.) indica que a teoria não representacional caracteriza o afeto como transpessoal, uma vez que não se localiza em experiências pessoais, mas emana entre os corpos; não é parte da cognição, distinguindo-se das emoções, dos sentimentos e de outras formas de percepção e interpretação dos possíveis estados que resulta; e, por fim, a abordagem engloba os modos como os corpos podem ser afetados em determinado contexto social. Com base nessa compreensão, desenvolve-se a noção não representacional de atmosferas afetivas.

Assim, Anderson (2009Anderson, B. (2009). Affective Atmospheres. Emotion, Space and Society, 2(2), 77-81.) apresenta a noção de atmosferas como qualidades afetivas singulares e indeterminadas, descarregadas espacialmente, que emanam a agregação dos corpos, mas a superam. Elas seriam, portanto, caracterizadas por sentimentos quase objetivos, a exemplo do “[...] sentimento de vazio comunicado por um verso arrepiante, um sentimento trágico, ou a opacidade imóvel das paisagens” (Anderson, 2009Anderson, B. (2009). Affective Atmospheres. Emotion, Space and Society, 2(2), 77-81., p. 79).

Tais atmosferas também podem ser compreendidas como relações perceptivo-afetivas entre corpos sensuais (humanos e arranjos materiais) existentes num espaço afetivo, ou, dito de outro modo, “uma sensibilidade específica para percepções, impressões e afetos” (Reckwitz, 2012Reckwitz, A. (2012). Affective spaces: a praxeological outlook. Rethinking History, 16(2), 241-258., p. 255). Por meio das atmosferas, os afetos são transmitidos entre pessoas e objetos; odores, luzes, cores etc. têm um papel importante na sua produção (Borch, 2009Borch, C. (2009). Organizational Atmospheres: Foam, Affect and Architecture. Organization, 17(2), 1-19.). Ademais, elas podem ser cultivadas com a criação e recriação de espaços e tempos (Beyes & Steyaert, 2011Beyes, T., & Steyaert, C. (2011). Spacing organization: non-representational theory and performing organizacional space. Organization, 19(1), 1-17.), via políticas de atmosfera organizacional, que podem encorajar afetos específicos e/ou manter as estruturas instáveis de uma organização (Borch, 2009Borch, C. (2009). Organizational Atmospheres: Foam, Affect and Architecture. Organization, 17(2), 1-19.).

Quadro 1
Construção analítica do corpo e da corporeidade

A intencionalidade corporal-afetiva como dimensão analítica, portanto, permite desvendar como se formam as atmosferas afetivas, por meio do entendimento dos significados existentes na corporeidade dos/das praticantes e dos arranjos materiais que os rodeiam durante a distribuição de afetos. Em outros termos, ela proporciona o entendimento dos significados corporais que criam, recriam ou mantêm afetos e atmosferas que levam à inclusão e exclusão nas práticas organizacionais. É válido destacar que a intencionalidade corporal-afetiva é desvinculada de ações conscientes e estabelece uma imersão pré-reflexiva em contato com as práticas organizacionais.

Importante salientar também que essa identificação de fluxos de afetos na prática envolve disposições materiais, ou seja, a distribuição de afetos na prática organizativa abrange não apenas a corporeidade intencional dos/das praticantes, mas também o que Schatzki (2006Schatzki, T. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863-1873. https://doi.org/10.1177/0170840606071942
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) denominou “arranjos materiais” na relação disposta entre praticantes, objetos, regras, emoções, estruturas, performance e ações. Reckwitz (2012Reckwitz, A. (2012). Affective spaces: a praxeological outlook. Rethinking History, 16(2), 241-258., p. 253) pondera que “[...] os processos de afetar e ser afetado precisam ser observados entre todos os tipos de entidades, incluindo objetos e também sujeitos humanos”. Desse modo, apesar de darmos ênfase ao(à) praticante, em razão de sua capacidade de agir intencionalmente, tal capacidade pode ser fruto de uma interação afetiva com arranjos materiais.

Feitas as devidas ressalvas, compreendemos que a dimensão analítica da prática implica: o corpo material dos/das praticantes humanos e arranjos materiais; a intencionalidade dos/das praticantes na malha de prática, os quais (re)criam e dão continuidade à prática; e a transmissão dos afetos entre os praticantes, que ocorre por meio da relacionalidade sociomaterial da prática e cria atmosferas afetivas. Nossa proposta analítica entende que a prática organizacional pode ser compreendida quando se apreendem os significados elaborados por corpos interligados aos fluxos de afetos instauradores de atmosferas afetivas e, consequentemente, de redes de emoções.

Desse modo, entendemos que as atmosferas afetivas são um campo fértil para distinções políticas. Com isso, podemos afirmar que as intenções, os corpos e os afetos são um emaranhado de relações de poder. Poder e influência são mecanismos que sugerem regras, disposições materiais e ações praticadas dentro da hierarquia da prática. Tal concepção de poder alinha-se ao entendimento foucaultiano. Para Foucault (2009Foucault, M. (2009). Microfísica do poder. Graal.), o poder é relacional e disputável. O poder mantém uma intrínseca relação com o saber, visto que é exercido por meio dele e o produz constantemente. O indivíduo, portanto, não é o outro do poder, mas o seu centro de transmissão e um de seus primeiros efeitos. A constituição desse poder é difusa e está presente na agência dos praticantes, refletindo na capacidade de afetar e ser afetado na prática. Entender a interdependência desses pontos analíticos é compreender a relação imbricada da intencionalidade corporal-afetiva.

A leitura explicativa de determinada prática organizacional e de sua respectiva atmosfera precisa reconhecer as intencionalidades corporais-afetivas dos/das praticantes. Isso requer compreender que “a atividade afetiva é uma forma de prática social” (Wetherell, 2014Wetherell, M. (2014). Trends in the turn to affect: A social psychological critique. Body & Society, 21(2), 139-166., p. 9) e que “[...] repertórios afetivos distintos surgem nos corpos, nas mentes, nas vidas individuais, nos relacionamentos, nas comunidades, através das gerações e nas relações sociais” (Wetherell, 2014, p. 9). Portanto, para entender esse caráter mais político das intencionalidades corporais afetivas, recomendamos uma análise cuidadosa dos corpos envolvidos, particularmente das diferenças que os constituem.

DIFERENÇAS, PERFORMANCES E PERFORMATIVIDADE NA PRODUÇÃO DE CORPOS, INTENÇÕES, AFETOS E DESIGUALDADES

Quando mobilizamos a categoria analítica da intencionalidade corporal-afetiva, precisamos refletir a respeito de quais corpos estamos tratando. Essa é uma prerrogativa fundamental para compreendermos como as intencionalidades corporais-afetivas são construídas e (re)constroem relações de poder. Isso se deve ao fato de o corpo não ser neutro e a prática só acontecer por meio de relações intencionais (Schatzki, 2006Schatzki, T. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863-1873. https://doi.org/10.1177/0170840606071942
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). A todo momento informamos, por intermédio do corpo, nossas histórias, origens e diferenças. Os corpos intencionados na prática de organizar também informam e provocam afetos, construindo, assim, atmosferas afetivas.

Uma importante inspiração para esta reflexão é a noção de Brah (2006Brah, A. (2006, junho). Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, 26, 329-376.), que entende a diferença tendo por base quatro dimensões: identidade, subjetividade, experiência e relações sociais. A diferença, enquanto experiência, aponta que “a experiência é o lugar da formação do sujeito” (Brah, 2006Brah, A. (2006, junho). Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, 26, 329-376., p. 360), o que leva a diversificadas possibilidades de experiências e espaços sociais nos quais o(a) praticante está “inserido”.

Desse modo, o praticante vivencia a diferença via relações sociais, que “[...] sublinha a articulação historicamente variável de micro e macro regimes de poder” (Brah, 2006Brah, A. (2006, junho). Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, 26, 329-376., p. 363). Por regimes de poder, Brah (2006Brah, A. (2006, junho). Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, 26, 329-376.) refere-se às desigualdades de gênero, raça e classe, por exemplo. Desse modo, é possível estabelecer relação entre a ideia de poder da autora e a noção de poder mobilizada neste artigo, uma vez que é um poder difuso, relacional, articulado e incorporado, que restringe ou possibilita nossa agência na prática. É o poder dos afetos, que pode culminar em desigualdade. Desse modo, o poder está imbricado na prática, bem como também nos corpos.

Já a diferença enquanto subjetividade e identidade refere-se a como “[...] os processos de formação da subjetividade são ao mesmo tempo sociais e subjetivos” (Brah, 2006Brah, A. (2006, junho). Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, 26, 329-376., p. 370), uma vez que, como mencionado anteriormente, a diferença não é estática. É fundamental lembrar que as diferenças marcam o corpo intencional e afetivamente e que “[...] o corpo inteiro, em sua fisicalidade, mentalidade e espiritualidade é produtivo de poder, e é dentro desse espaço relacional que desaparece o dualismo mente/corpo” (Brah, 2006Brah, A. (2006, junho). Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, 26, 329-376., p. 373). Logo, é importante considerar que, para entender como a intencionalidade corporal-afetiva se constrói, é também necessário compreender qual a história dos corpos em questão, ou seja, em quais relações sociais esses corpos se inserem, quais as experiências vividas por eles, quais subjetividades os atravessam e em quais identidades eles se ancoram ao longo dessas vivências singulares e plurais.

Também os conceitos de performance e performatividade de Butler (2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira.) constituem noções importantes neste debate a respeito de como os corpos intencionais e afetivos se constituem. Ao investigar o gênero, a autora o identifica como um ato que requer performances repetidas, as quais são “[...] a um só tempo reencenação e nova experiência de um conjunto de significados já estabelecidos socialmente; e também a forma mundana e ritualizada de sua legitimação” (Butler, 2003Butler, J. (1993). Critically Queer. GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32., p. 200). Apesar de centrar-se especificamente no gênero ao longo do trecho em questão, as ideias da autora permitem compreender diversos processos identitários sob uma perspectiva desconstrutivista, que questiona modelos teóricos totalizantes, como a ideia do sujeito universal, bem como “[...] abordagens que formulam uma compreensão da diferença tendo como referência um outro exógeno, externo, procedimento que mantém o princípio de uma unidade e coerência cultural interna” (Piscitelli, 2002Piscitelli, A. (2002, novembro). Recriando a (categoria) mulher?In L. Algranti(Org.), A prática feminista e o conceito de gênero(Textos didáticos, nº 48). IFCH/UNICAMP., p. 14).

Retomando, aqui, a noção de performance, postulamos que não pode ser compreendida como uma escolha deliberada do performer - ou praticante, como denominamos dentro da nossa mobilização teórica. Isto é, as performances acontecem “dentro” de modelos regulatórios ou sistemas compulsórios. Desse modo, a performance pode ser compreendida como um ato, enquanto a performatividade diz respeito à reprodução das normas que orientam a inteligibilidade do corpo no tempo e no espaço (Butler, 2009Butler, J. (2009). Performativity, precarity and sexual politics. AIBR. Revista de Antropología Iberoamericana, 4(3), 1-13.).

Em nenhum sentido se pode concluir que a parte de gênero que se realiza é a “verdade” de gênero; a performance como “ato” delimitado distingue da performatividade na medida em que esta consiste em uma reiteração de normas que precedem, constrangem e excedem o performer e, nesse sentido, não podem ser tomadas a partir da fabricação da “vontade” ou “escolha” do performer. A redução da performatividade ao desempenho seria um erro (Butler, 1993Butler, J. (1993). Critically Queer. GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32.).

As reflexões de Butler (1993Butler, J. (1993). Critically Queer. GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32., 2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira., 2009Butler, J. (2009). Performativity, precarity and sexual politics. AIBR. Revista de Antropología Iberoamericana, 4(3), 1-13.), assim como as reflexões de Brah (2006Brah, A. (2006, junho). Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, 26, 329-376.), permitem problematizar o corpo e sua intencionalidade afetiva. Entretanto, Butler (1993Butler, J. (1993). Critically Queer. GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32., 2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira., 2009Butler, J. (2009). Performativity, precarity and sexual politics. AIBR. Revista de Antropología Iberoamericana, 4(3), 1-13.), por meio das noções de performance e performatividade, permite desmistificar categorias identitárias naturalizadas e cristalizadas, que marcam os corpos, mostrando que eles são construções em curso e nunca acabadas dentro de regimes de poder e discurso, chamados pela autora de “matrizes de poder”. Assim, operando por meio de uma crítica genealógica, a autora “[...] investiga as apostas políticas, designando como origem e causa categorias de identidade que, na verdade, são efeitos de instituições, práticas e discursos cujos pontos de origem são múltiplos e difusos” (Butler, 2003Butler, J. (1993). Critically Queer. GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, 1(1), 17-32., p. 9).

Considerando o exposto, acreditamos que as noções de diferenças, performance e performatividade permitem distinguir e localizar os corpos, ao mesmo tempo que compreendem suas intencionalidades e afetações que (re)definem constantemente as atmosferas das práticas organizacionais e respectivas desigualdades. Como afirma Küpers (2017Küpers, W. (2017). Critical Performativity and Embodied Performing as materio-socio-cultural Practices - Phenomenological Perspectives on performative Bodies at work. M@n@gement, 20, 89-106. https://doi.org/10.3917/mana.201.0089
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), as noções de performance e performatividade permitem compreender realidades específicas, constituídas por performances relativas ao lucro, patriarcado, racismo, dentre outras, que fazem das organizações instrumentos de dominação. Tais noções conduzem, ainda, ao desenvolvimento de caminhos alternativos, por meio dos quais novas práticas se tornem acessíveis e cultivadas.

Nossa proposta analítica direciona a atenção para diferentes contextos sociais, transitando de contextos macroanalíticos para contextos específicos de microanálises dentro das práticas organizacionais. O modelo regulatório, ou os macrorregimes de poder, é apresentado por uma linha esférica tracejada mais ampla, a qual engloba a análise do contexto microssocial associado às práticas organizacionais, conforme ilustrado na sequência pela Figura 1. Nas práticas organizacionais, envolvemos os diferentes corpos, as inúmeras intenções e os diversos afetos que se dão mediante múltiplas performances dentro das práticas organizacionais. No decorrer dos processos interativos entre as performances que ocorrem nas práticas organizacionais, a atmosfera afetiva acontece e as inclusões e exclusões são sentidas ao longo dos “encontros relacionais corporificados que são centrais” (Bell & Vachhani, 2019Bell, E., & Vachhani, S. J. (2019). Relational Encounters and Vital Materiality in the Practice of Craft Work. Organization Studies, 41(5), 681-701., p. 683) para a compressão dos fluxos de afetos constituintes das performances. Estas, por sua vez, são constituídas, ou formadas, por diferentes performances, que entrelaçam corpos, afetos e intenções. Por meio dessas performances, são elaboradas atmosferas afetivas que geram inclusões e exclusões na (e por meio da) prática.

Figura 1
Modelo analítico proposto

Para exemplificar, resgatamos o contexto utilizado por Figueiredo e Cavedon (2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.): uma doceria artesanal na qual o saber-fazer da prática é transmitido de maneira assimétrica, em razão da intencionalidade incorporada dos/das praticantes. Mais precisamente, enquanto os homens acessavam o saber-fazer da prática de doces, as mulheres (a depender também da raça) possuíam o conhecimento apenas do fazer. Esse cenário, mediante a categoria analítica da intencionalidade corporal-afetiva, revela-nos como as diferenças de gênero e raça são performadas dentro de sistemas regulatórios, informando como os fluxos de afetos se dão na prática do organizar da doceria artesanal.

Dito de outra maneira, a doceira mulher não acessava o saber do doce artesanal, de tal forma que a diferença do gênero moldava sua experiência. Sua performance, portanto, encontra-se “constrangida” por uma performatividade vigente nessa organização, assim como a performance da mestra doceira, reproduzindo, de modo mais ou menos coerente, um sistema regulatório que prevê o domínio da prática somente por homens.

Outros exemplos interessantes podem ser percebidos em estudos recentes sobre atmosferas afetivas (Lindberg & Lundgren, 2022Lindberg, J., & Lundgren, A. S. (2022). The affective atmosphere of rural life and digital healthcare: Understanding older persons’ engagement in eHealth services. Journal of Rural Studies, 95, 77-85.; Ruppert, 2022Ruppert, L. (2022, novembro). Affective atmospheres of weapons technologies: The case of battle drones, combat fighters and bodies in contemporary German geopolitics. Emotion, Space and Society, 45, 100909. https://doi.org/10.1016/j.emospa.2022.100909
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). O estudo de Lindberg e Lundgren (2022), particularmente, investiga como a atmosfera afetiva de um sistema de saúde on-line induz pessoas mais velhas de uma zona rural a endossarem as soluções digitais e, por consequência, a concepção neoliberal sobre velhice ativa. Tais soluções, de maneira crítica, podem ser entendidas como o resultado de um desmantelamento das instituições de saúde para esta população. O texto apresenta importante contribuição ao demonstrar que o estudo das atmosferas afetivas não apenas evidencia como acontecem nas relações entre humanos e arranjos materiais, mas também possibilita problematizações sobre como essas atmosferas (re)criam discursos e práticas hegemônicas. Aqui, acrescentamos que este entendimento pode ser aprofundado ao se considerar a noção das diferenças que marcam os corpos em relação (idosos em uma zona rural e tecnologias de saúde), bem como as performances e performatividade em jogo nessa relação.

Examinar a prática da pesquisa representa outra perspectiva para a compreensão de como as diferenças e performances constroem intencionalidades e distribuição de afetos. Afinal, a intencionalidade corporal-afetiva dos/das pesquisadores(as) cria atmosferas, ou seja, direciona os fluxos de afetos no campo investigado. Por isso, considerar as identidades, subjetividades, experiências e relações sociais dos investigadores é crucial para compreender suas performances e performatividade em campo e consequentes afetos construídos, seja investigando sobre trabalho informal, gênero, cultura, turismo, entre outros fenômenos sociais. Essas considerações levam a importantes questionamentos, tais como: o que o corpo intencional-afetivo do pesquisador pode acionar em campo? Identificação, admiração, estima, carinho, relaxamento, simpatia, repulsa, tensão, antipatia, desprezo, desconforto?

Portanto, sustentamos que as diferenças e performances do corpo podem intervir nas relações de aprendizagem da prática (Figueiredo & Cavedon, 2015Figueiredo, M. D., & Cavedon, N. R. (2015). Transmissão do Conhecimento Prático como Intencionalidade Incorporada: Etnografia numa Doceria Artesanal. Revista de Administração Contemporânea, 3(19), 336-354.) e provocar estranhamentos entre pesquisadores e praticantes. Um exemplo ilustrativo é a experiência vivida por uma das autoras deste texto. Durante a investigação de mestrado numa organização da cultura popular, a performance corporal da pesquisadora revelou seu não lugar naquela prática e uma relação de distinção entre quem investiga e quem é investigado. Outro exemplo diz respeito às afetações produzidas no pesquisador pelos elementos materiais do campo investigado, capazes de redirecionar a pesquisa (Ferreira et al., 2021Ferreira, T., Fantinel, L., & Amaro, R. (2021). Corpo e sentidos na pesquisa organizacional: A compreensão empática a partir de uma experiência encarnada. Revista de Administração Mackenzie, 22(5), 1-26. https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMG210138
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).

As possibilidades de fluxos de afetos para corpos intencionais em práticas organizacionais não se esgotam com esses exemplos. Sublinhamos, no entanto, a importância da proposta analítica aqui apresentada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, nosso objetivo principal foi posicionar a discussão sobre corporeidade, intenções e afetos como dimensões analíticas não representacionais para os estudos das práticas organizacionais, particularmente no que se refere à (re)criação de relações de poder que promovem inclusões ou exclusões na prática.

Ao longo da nossa argumentação, denominamos intencionalidade corporal-afetiva a proposta de relação analítica imbricada e não representacional, capaz de contribuir para a compreensão mais ampla das práticas organizacionais mediante os conceitos de performance, corpos, afetos, intenções e atmosferas afetivas, os quais foram interconectados em nossa proposta analítica. Desse modo, buscamos fornecer uma contribuição crítica para as áreas dos Estudos Organizacionais não representacionais e dos Estudos Baseados na Prática, recorrendo a uma perspectiva antirracionalista e anticognitivista.

Afinal, defendemos que a intencionalidade corporal-afetiva assume um potencial analítico das práticas organizacionais quando os fatores descritos a seguir são considerados.

O corpo, que esteve à margem da discussão empreendida nos Estudos Organizacionais, precisa ganhar centralidade nos processos organizacionais, porque, antes de vivenciarmos e apreendermos o mundo, nós o incorporamos.

A intencionalidade, como categoria articulada e associada à corporeidade, permite uma análise do corpo carregado de significados e sentidos que impulsionam o(a) praticante, possibilitando a compreensão das práticas organizacionais por meio de diferentes performances.

O afeto, somado à categoria da intencionalidade incorporada, é uma força ou potência em fluxo na prática, que (re)produz relações de poder de inclusões ou exclusões.

Valendo-nos dessas compreensões, buscamos evidenciar que a dimensão analítica proposta permite uma melhor compreensão das atmosferas afetivas, ou seja, dos fluxos afetivos da prática, bem como constrói inclusões e exclusões mediante diferenças, performances e performatividade, as quais constituem os corpos em relação. Desse modo, intentamos, por meio do resgate das noções de diferença, performance e performatividade, localizar os corpos que estão em relação no contexto das práticas organizacionais. Com base nesse entendimento sobre o corpo-intencional, refletimos como determinado corpo afeta e é afetado na prática, (re)criando relações de poder.

Assim, esperamos que nossa proposta analítica contribua para a produção do conhecimento impactando positivamente três eixos: (a) a relação ensino e pesquisa; (b) a área dos Estudos Organizacionais não representacionais e a subárea dos Estudos Baseados na Prática; e (c) o contexto sociocultural de pesquisas empíricas.

A contribuição para o ensino e a pesquisa está relacionada à aproximação entre teoria e prática na área dos Estudos Organizacionais não representacionais, em temáticas como negócios, gestão e administração. Isso ocorre à medida que a pesquisa deixa de ser concebida como uma representação de algo, e o(a) próprio(a) pesquisador(a) passa a ser considerado um/uma praticante em relação com o fenômeno investigado. Questões importantes podem contribuir para esta reflexão: como a relação entre teoria e prática ajuda a repensar a maneira como ensinamos e pesquisamos as práticas organizacionais? Quais são as implicações práticas de discutirmos os corpos, as intenções e os afetos no processo de pesquisa e de ensino-aprendizagem? Por que é urgente sensibilizar os novos estudiosos, teóricos e praticantes da administração, gestão e negócios sobre afetos, corpos e intenções?

Entendemos que o uso das teorias não representacionais nos Estudos Organizacionais é uma importante contribuição deste artigo, considerando que são incipientes os estudos na área. Também vemos como contribuição para os Estudos Organizacionais não representacionais, em geral, e para os Estudos Baseados em Prática, em particular, a proposta teórica da intencionalidade corporal-afetiva. Esta proposta requer alinhamentos ontoepistemológica que implicam decisões metodológicas importantes para novos projetos de pesquisa.

Desse modo, desejamos instigar a reflexão mediante as seguintes problematizações para novas pesquisas empíricas: quais os limites que restringem ou libertam a expressão da corporeidade? Quando analisamos as práticas organizacionais, sobre quais corporeidades estamos descrevendo e teorizando? Podem essas corporeidades mudar? Se presumirmos que sim, como perceber essas mudanças na prática? Como identificar as intenções atribuídas à corporeidade? Podem essas intenções provocar inclusões e exclusões na prática? Na análise específica de determinada prática organizacional, como podemos identificar os afetos existentes? Como as diferentes corporeidades nutrem afetos? Quais intenções podemos enxergar por meio dos afetos percebidos?

Acreditamos que as reflexões apresentadas acima ajudam a instigar estudos voltados à compreensão não representacional da realidade organizacional, particularmente das práticas organizacionais. A tarefa de reconhecer a intencionalidade corporal-afetiva como dimensão analítica das práticas organizacionais traz implicações diretas à maneira como vislumbramos os fenômenos de interesse dos Estudos Organizacionais. Afinal, nossas posições ontoepistêmicas implicam apreensão e compreensão das práticas organizacionais e podem reproduzir desigualdades presentes no exercício de fazer pesquisa.

Neste artigo, buscamos fazer o chamado à urgência de compreendermos nossos corpos, nossas intenções e nossos afetos nas práticas marginais e precárias nas quais estamos posicionados no mundo. Mas ainda questionamos: a efetivação dessa tarefa é possível na (e por meio da) prática?

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  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

PARECERISTAS

  • 4
    Ana Silvia Rocha Ipiranga (Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza / CE - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8095-6800
  • 5
    Mariana Mayumi Pereira de Souza (Universidade Federal de Viçosa, Viçosa / MG - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2845-9214
  • RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES

    O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/91503/85939

Editado por

Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Out 2022
  • Aceito
    24 Ago 2023
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