Acessibilidade / Reportar erro

Mulheres na política: emoções e desafios em dinâmicas institucionais complexas

Resumo

Estudos seminais sobre a teoria institucional destacaram que pesquisas sobre instituições têm se concentrado em questões cognitivas, entretanto, durante os últimos anos um corpo crescente de literatura também tem se dedicado a entender o papel das emoções na dinâmica institucional. Em um dos textos clássicos sobre a Teoria Institucional, Scott enfatiza três pilares institucionais, o regulatório, o normativo e o cognitivo. Pesquisadores apontam que agora ter-se-ia uma quarta ênfase: o papel das emoções na Teoria Institucional. Considerando o exposto, o presente artigo explora o papel das emoções nas dinâmicas institucionais, especialmente quanto à participação política das mulheres nas eleições brasileiras de 2018. Discute-se três casos específicos de mulheres candidatas com as maiores intenções de voto nas referidas eleições, levando em conta entrevistas, mídias sociais informações divulgadas publicamente buscando publicações e expressões de emoções não só delas, mas também da sociedade que poderiam refletir a dinâmica institucional presente no arranjo político brasileiro. Os principais resultados demonstraram que durante a campanha eleitoral brasileira de 2018, diante da institucionalização de um ambiente masculino no cenário político, a sociedade expressou emoções de ódio e agressão contra as candidatas analisadas neste estudo, uma vez que elas violaram arranjos institucionais de comportamentos considerados aceitáveis na lógica institucional dominante. Apesar disso, duas das três candidatas a cargos políticos foram eleitas como as candidatas mais votadas em seus estados, alcançando mais votos do que concorrentes masculinos, porém a última não foi eleita apesar de ter obtido expressivo número de votos.

Palavras-chave:
Mulheres na política; Dinâmica institucional; Eleições brasileiras; Emoções

Abstract

Seminal studies about institutional theory highlighted the focus on cognitive issues in research on institutions. However, during the last few years, a growing body of literature has also been devoted to understanding the role of emotions in institutional dynamics. In one of the classic texts on institutional theory, Scott emphasizes three institutional pillars, the regulatory, the normative, and the cognitive. Researchers point out that there is now a fourth pillar: the role of emotions in institutional theory. This article explores the emotions’ role in institutional dynamics, especially related to women’s political participation in the 2018 Brazilian elections. Three cases of female candidates who showed high performance in pre-election polls, were discussed. The research analyzed the candidates’ interviews and social media, observing their emotions in publications and expressions. Also, emotional expressions of society toward the studied candidates, as well as expressions potentially reflecting the institutional dynamic present in the Brazilian political arrangement, were analyzed. The main results show that during the 2018 Brazilian electoral campaign, in the face of the institutionalization of a masculine environment on the political scenario, the society expressed emotions of hatred and aggression against the three candidates since they violated institutional arrangements about behaviors considered acceptable in the dominant institutional logic. Despite this, two of the three female candidates were elected with the highest number of votes in their states, surpassing their male competitors. The candidate who was not elected obtained a significant number of votes.

Keywords:
Woman in politics; Institutional dynamic; Brazilian elections; Emotions

Resumen

ELos artículos seminales sobre la teoría institucional resaltaron que los estudios sobre instituciones se han centrado en cuestiones cognitivas. Sin embargo, durante los últimos años también se ha dedicado una creciente cantidad de investigación y comprensión del papel de las emociones en la dinámica institucional. En uno de los textos clásicos sobre teoría institucional, Scott enfatiza tres pilares institucionales: el regulador, el normativo y el cognitivo. Los investigadores señalan que ahora habría un cuarto énfasis: el papel de las emociones en la teoría institucional. El presente trabajo explora el papel de las emociones en las dinámicas institucionales, especialmente la participación política de mujeres en las elecciones brasileñas de 2018. Para ello, se discuten tres casos específicos de candidatas con las intenciones de voto más altas en las citadas elecciones, teniendo en cuenta sus entrevistas y redes sociales, buscando publicaciones y expresiones de emociones no solo de ellas, sino también de la sociedad que podrían reflejar la dinámica institucional presente en el arreglo político brasileño. Los principales resultados han demostrado que durante la campaña electoral brasileña de 2018, ante la institucionalización de un ambiente masculino en el escenario político, la sociedad expresó emociones de odio y agresión contra las candidatas analizadas en este estudio, ya que violaron los arreglos institucionales de comportamientos considerados aceptables en la lógica institucional dominante. A pesar de esto, dos de las tres candidatas a cargos políticos fueron elegidas como las candidatas más votadas en sus estados, alcanzando más votos que los competidores masculinos; la última no fue elegida, a pesar, de haber obtenido una cantidad significativa de votos.

Palabras clave:
Mujeres en la política; Dinámica institucional; Elecciones brasileñas; Emociones

INTRODUÇÃO

De acordo com Toubiana e Zietsma (2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.), desde os artigos seminais de DiMaggio e Powell (1983DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: Institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American sociological review, p. 147-160, 1983.) e de Meyer e Rowan (1977MEYER, J. W.; ROWAN, B. Institutionalized organizations: Formal structure as myth and ceremony. American journal of sociology, v. 83, n. 2, p. 340-363, 1977.), os estudos sobre instituições têm se concentrado em questões cognitivas, no entanto, durante os últimos anos muitos pesquisadores têm se dedicado também à compreensão do papel das emoções na dinâmica institucional. Em um dos estudos clássicos relacionados à Teoria Institucional, Scott (2013SCOTT, W. R. Institutions and organizations: Ideas, interests, and identities. Thousand Oaks: Sage publications, 2013.) destacou três pilares institucionais: o regulador, o normativo e o cognitivo. Toubiana e Zietsma (2017) argumentam, contudo, que existe uma quarta ênfase: o papel das emoções na Teoria Institucional.

Os arranjos políticos prevalecentes no Brasil baseiam-se na dinâmica institucional de “uma forte tradição patrimonialista associada a um longo período autoritário durante o seu processo de formação sociocultural” (MACHADO e GONÇALVES, 2007MACHADO, C. L.; GONÇALVES, S. Nota técnica: a teoria institucional. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. (Eds.). Handbook de Estudos Organizacionais. São Paulo: Ed. Atlas, 2007., p. 224), cujo cenário político é marcado pela presença predominante de homens. Nota-se que em todo o mundo a participação das mulheres na política é relativamente inferior à de homens (ROMERO e KERSTENETZKY, 2015ROMERO, K.; KERSTENETZKY, C. L. Entre o altruísmo e o familismo: a agenda parlamentar feminina e as políticas família-trabalho (Brasil, 2003-2013). Revista Brasileira de Ciência Política, n. 18, p. 119-146, 2015.), assim como o apoio eleitoral que lhes é dado (BAUER, 2020BAUER, N. M. Shifting standards: How voters evaluate the qualifications of female and male candidates. The Journal of Politics, v. 82, n. 1, p. 000-000, 2020.).

Quando se coloca o Brasil em pauta, percebe-se o desempenho das mulheres na política como um assunto conturbado, o que é possível verificar ao analisar-se o último ranking de representação feminina em congressos legislativos, realizado pela Inter-Parliamentary Union (2019), no qual o Brasil ocupa a 132ª posição dentre os 235 países pesquisados.

Diante de tal problemática, o objetivo delineado para este estudo é investigar o papel das emoções na lógica institucional do contexto político brasileiro e a forma como ele influencia as emoções de mulheres candidatas a posições políticas, bem como da sociedade como um todo (independente do gênero) em relação a essas mulheres. Considera-se relevante destacar que nas eleições de 2018, as lógicas institucionais baseadas no patriarcalismo suscitaram emoções agressivas na sociedade brasileira, manifestadas em comportamentos de violência expressos em redes sociais contra mulheres candidatas. Conforme se verá ao longo deste estudo, tal episódio pode ter despertado nessas mulheres “atividades emocionais de vergonha e rejeição” (VORONOV e WEBER, 2016VORONOV, M.; WEBER, K. The heart of institutions: Emotional competence and institutional actorhood. Academy of Management Review, v. 41, n. 3, p. 456-478, 2016., p. 2).

É importante salientar que no presente estudo compreende-se como lógica institucional os pressupostos e valores socialmente compartilhados, os quais fornecem repertórios de hábitos, competências e estilos que condicionam as ações realizadas nas instituições e podem envolver emoções específicas (TOUBIANA e ZIETSMA, 2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.).

O foco da pesquisa volta-se a três casos específicos de mulheres candidatas que obtiveram as maiores intenções de voto nas eleições brasileiras de 2018. Dentro das disposições políticas com “dinâmicas institucionais patrimonialistas” (baseadas na dominação e proteção dos homens), tais mulheres precisaram lidar com preconceitos, desafios, ameaças e outras questões negativas provindas de mídias sociais que influenciaram diretamente seus aspectos emocionais. De acordo com Voronov e Weber (2016VORONOV, M.; WEBER, K. The heart of institutions: Emotional competence and institutional actorhood. Academy of Management Review, v. 41, n. 3, p. 456-478, 2016.), é importante enfatizar que as emoções são centrais para a experiência humana e têm levado cada vez mais os pesquisadores a reconhecer o seu papel nas instituições, comprovando a importância do tema de estudo para a comunidade acadêmica.

Os principais resultados demonstram que devido a um ambiente político permeado por uma cultura sexista enraizada no patriarcado, menos mulheres têm se envolvido na política e, dessa maneira, não há um expressivo potencial de mudança nesse ambiente. As mulheres atuantes na política foram submetidas a pressões e demonstrações negativas de ódio e agressão em suas redes sociais, seja por meio de fake news ou até de ameaças à integridade física, fato que lhes gerou emoções públicas como medo e temor.

Os resultados também revelam que muitas pessoas no Brasil demonstraram emoções negativas de agressão e ódio a essas mulheres, compartilhando abertamente fake news, expondo seus nomes ou informações pessoais por meio das redes sociais. Algumas das ameaças às candidatas, especialmente referentes à integridade física, como por exemplo, as ameaças de morte, foram feitas de maneira anônima e encontram-se sob investigação. Toubiana e Zietsma (2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.) citam o trabalho de Creed, Hudson, Okhuysen et al. (2014CREED, W. E. D. et al. Swimming in a sea of shame: Incorporating emotion into explanations of institutional reproduction and change. Academy of Management Review, v. 39, n. 3, p. 275-301, 2014., p. 285) e destacam que pessoas com “compromissos cognitivos, emocionais e/ou morais” dentro de arranjos institucionais irão policiar os limites do comportamento aceitável, tentando envergonhar as pessoas (neste caso, as mulheres) que violam tais arranjos para “reforçar os padrões exigidos e/ou punir os infratores”.

Assim, as principais contribuições deste estudo são: (1) examinar o papel das emoções em um cenário de complexidade institucional; (2) salientar que, embora homens e mulheres ocupem papéis, por vezes, papeis desiguais na sociedade (VERAS, 2018VERAS, M. Calminha Querida. 2018. Available at: <Available at: http://www.aldeianago.com.br/outros-baianos/19617-calminha-querida-por-marcelo-veras >. Accessed on: July 07, 2018.
http://www.aldeianago.com.br/outros-baia...
), as mudanças tornam-se cada vez mais necessárias em todos os aspectos; (3) contribuir sobre o “papel que as mídias sociais podem desempenhar em organizações disruptivas diante de contextos institucionais complexos” (TOUBIANA e ZIETSMA, 2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.), sendo esta uma lacuna de investigação pois “poucos pesquisadores organizacionais examinaram” a referida questão (TOUBIANA e ZIETSMA, 2017).

Em relação às mulheres candidatas a cargos políticos nas eleições brasileiras de 2018, este estudo tem por foco três candidatas: duas foram eleitas como as candidatas mais votadas em seus respectivos estados, alcançando mais votos do que seus concorrentes masculinos; a terceira, no entanto, não foi eleita mesmo tendo obtido um número expressivo de votos.

REFERENCIAL TEÓRICO

Mulheres na política

A sub-representação das mulheres no ambiente político é uma preocupação constante em todo o mundo (ROMERO e KERSTENETZKY, 2015ROMERO, K.; KERSTENETZKY, C. L. Entre o altruísmo e o familismo: a agenda parlamentar feminina e as políticas família-trabalho (Brasil, 2003-2013). Revista Brasileira de Ciência Política, n. 18, p. 119-146, 2015.). Sabe-se que o gênero dos representantes políticos possui grande influência e relevância em relação aos aspectos e temáticas priorizados no desenvolvimento e na formulação de políticas (GRANT, KESTERNICH, STECKENLEITER et al., 2018GRANT, I. et al. Historic sex-ratio imbalances predict female participation in the market for politicians. Journal of Economic Behavior & Organization, v. 156, p. 144-165, 2018.).

Perante essa realidade, alguns países realizaram uma série de mudanças, principalmente em suas legislações com o propósito de encorajar a participação de um maior número de mulheres em posições políticas e reduzir a sub-representação feminina. Tais mudanças incluem as cotas mínimas, que variam de 30% a 40% de candidaturas reservadas às candidatas do sexo feminino (IDEA, 2018). Sabe-se que nos últimos 20 anos, o percentual de mulheres eleitas em escala mundial aumentou significativamente em comparação aos anos anteriores, contudo, elas ocuparam apenas 24% dos cargos políticos mundiais em 2018 (INTER-PARLIAMENTARY UNION, 2019; NG e MUNTANER, 2018NG, E.; MUNTANER, C. The effect of women in government on population health: An ecological analysis among Canadian provinces, 1976-2009. SSM-population health, v. 6, p. 141-148, 2018.).

Por outro lado, aspectos institucionais do sistema eleitoral e partidário, como o modelo de cotas adotado, podem limitar o potencial de participação das mulheres no campo político, como mostram estudos de Araújo (2010ARAÚJO, C. Rotas de ingresso, trajetórias e acesso das mulheres ao legislativo: um estudo comparado entre Brasil e Argentina. Revista Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 567-584, 2010.), relacionando seus resultados ao Brasil. Para a autora, numa perspectiva “institucional”, os resultados implicam também, e talvez em maior grau, em decisões partidárias “mediadas por” e “derivadas” da interação entre o tipo de sistema eleitoral e o sistema partidário (ARAÚJO, 2010ARAÚJO, C. Rotas de ingresso, trajetórias e acesso das mulheres ao legislativo: um estudo comparado entre Brasil e Argentina. Revista Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 567-584, 2010., p. 568). Um sistema eleitoral pode ser uma lista aberta ou uma lista fechada, sendo a aberta composta por um sistema de representação proporcional na qual os eleitores votam pelos partidos e na ordem dos candidatos da lista desse partido. Já a lista fechada consiste em um sistema no qual se vota pelos partidos e não pelos candidatos. Nota-se que o cenário analisado pela autora leva em consideração países como o Brasil e a Argentina. No Brasil, o sistema seria uma lista aberta, e na Argentina, uma lista fechada. Para Araújo (2010, p. 568), a lista fechada “preenche melhores condições para a realização de cotas”. Essas condições derivam do fato de que a lista fechada evita a chamada disputa intrapartidária e, também, permite a inclusão de mulheres nos primeiros espaços de sua ordem, garantindo boas chances de eleição.

Cabe ressaltar que foi em 1893 que o cenário político sofreu grandes alterações. Naquele ano, a Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a reconhecer o direito de voto às mulheres, seguida pela Finlândia, em 1906, o que alterou a lógica existente até então e incentivou outros países a realizarem tal mudança. No que se refere ao continente americano, os Estados Unidos reconheceram, em 1919, o voto feminino definido por meio de uma emenda à Constituição, e o Equador, em 1929, foi o primeiro país latino-americano a permitir que as cidadãs votassem (TOSI, 2016TOSI, M. A conquista do direito ao voto feminino. 2016. Available at: <Available at: https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/ >. Accessed on: June 11, 2019.
https://www.politize.com.br/conquista-do...
).

Desde a permissão da participação feminina no ambiente político, porém, as mulheres enfrentam uma série de desafios ao lidarem com questões históricas enraizadas no sistema. Não se trata apenas do preconceito por ser mulher, mas também, de várias barreiras que dificultam a sua permanência, além de tentativas de alteração da lógica dominante dentro deste cenário (ZAKAR, ZAKAR e HAMID, 2018ZAKAR, R.; ZAKAR, M. Z.; HAMID, N. Gender mainstreaming in politics: Perspective of female politicians from Pakistan. Asian Journal of Women’s Studies, v. 24, n. 2, p. 224-245, 2018.).

A questão do gênero acaba sendo uma grande dificuldade porém, não é a única enfrentada pelas mulheres na tentativa de entrarem na política. Existem vários posicionamentos negativos provindos não só daqueles que já estão incluídos no ambiente político, mas, também, por parte da população, fazendo com que a sua participação se torne retraída. As mulheres ainda são tratadas como sensíveis e emotivas demais para assumirem posições de liderança ou poder e este tipo de posicionamento é contrário às expectativas da população que, muitas vezes, espera que políticos tenham posições mais brutas e agressivas. É relevante salientar, contudo, que as mulheres possuem diferentes qualificações, experiências e posicionamentos em relação aos homens, o que influencia diretamente na sua aceitação, considerando que a política é um ambiente predominantemente masculino e altamente competitivo (COSTA e SCHAFFNER, 2018COSTA, M.; SCHAFFNER, B. F. How Gender Conditions the Way Citizens Evaluate and Engage with Their Representatives. Political Research Quarterly, v. 71, n. 1, p. 46-58, 2018.).

Mulheres na política brasileira

O ambiente político brasileiro é predominantemente masculino e tem como dinâmica institucional uma “forte tradição patrimonialista associada a um longo período autoritário durante o seu processo de formação sociocultural” (MACHADO e GONÇALVES, 2007MACHADO, C. L.; GONÇALVES, S. Nota técnica: a teoria institucional. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. (Eds.). Handbook de Estudos Organizacionais. São Paulo: Ed. Atlas, 2007., p. 224). Estes aspectos institucionais englobam questões cognitivas quando as mulheres que se envolvem na política tomam consciência e compreendem o seu funcionamento. Diante desta questão, destacam-se aspectos emocionais relativos à entrada das mulheres em um campo mundialmente ainda adverso a elas, inclusive no Brasil (ARAÚJO, 2012ARAÚJO, C. Gênero e acesso ao poder legislativo no Brasil: as cotas entre as instituições e a cultura. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, p. 23-59, 2012.), uma vez que, historicamente, o ambiente político brasileiro sempre foi predominantemente masculino (MIGUEL e FEITOSA, 2009MIGUEL, L.; FEITOSA, F. O gênero do discurso parlamentar: mulheres e homens na tribuna da Câmara dos Deputados. Dados, v. 52, n. 1, p. 201-221, 2009.).

Esse fato ocorre devido à inserção de mulheres na política brasileira iniciar-se com a luta pelo direito ao voto, em 1891, quando 31 constituintes assinaram uma emenda à Constituição, conferindo o direito ao voto feminino, cuja emenda foi rejeitada (TOSI, 2016TOSI, M. A conquista do direito ao voto feminino. 2016. Available at: <Available at: https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/ >. Accessed on: June 11, 2019.
https://www.politize.com.br/conquista-do...
). As eleições no país ocorrem desde 1532, no entanto, foi apenas com a Constituição de 1934 que as mulheres brasileiras puderam exercer o seu direito ao voto sem restrições, já que, durante muito tempo o sufrágio não foi visto como um direito, mas, sim, um privilégio que só podia ser atribuído à “cabeça política da família” (CAJADO, DORNELLES e PEREIRA, 2014CAJADO, A. F. R.; DORNELLES, T.; PEREIRA, A. C. Eleições no Brasil: uma história de 500 anos. Brasília, DF: Tribunal Superior Eleitoral, 2014.).

A luta pelo sufrágio feminino no Brasil foi travada não somente por mulheres, mas, também, por vários intelectuais, políticos e autoridades religiosas. Como resultado de tais batalhas, em 1932, as mulheres puderam votar por meio do Código Eleitoral assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, contudo, a votação era opcional e só era exercida se fosse autorizada pelo homem responsável da família (TOSI, 2016TOSI, M. A conquista do direito ao voto feminino. 2016. Available at: <Available at: https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/ >. Accessed on: June 11, 2019.
https://www.politize.com.br/conquista-do...
).

Apesar de uma história e reputação marcada pelo machismo e profundas desigualdades de gênero, atualmente, a América Latina é considerada a região do mundo que mais elegeu mulheres presidentes - a mais alta posição em democracias - comparada ao resto do mundo, obtendo este resultado sete vezes desde 2006 nos seguintes países: Chile, Argentina, Equador, Bolívia, Costa Rica, Nicarágua e, por fim, Brasil (REYES-HOUSHOLDER, 2018REYES-HOUSHOLDER, C. Women Mobilizing Women: Candidates’ Strategies for Winning the Presidency. Journal of Politics in Latin America, v. 10, n. 1, p. 69-97, 2018.).

Na tentativa de encorajar maior participação feminina, em 1997 foi aprovada a Lei nº 9.504, a qual estipula que nas eleições, cada partido ou coligação do país deve ter, pelo menos, 30% das suas candidaturas preenchidas por mulheres. Esta lei, porém, definiu que o percentual de reservas de lugares estaria na lista potencial de candidaturas e não na quantidade final de candidatos, perdendo a sua força e eficácia. Em 2009, com a Lei nº 12.034, tornou-se oficialmente obrigatório o preenchimento de 30% das candidaturas com mulheres, o que resultou em um aumento significativo do número de candidatas femininas em comparação aos anos anteriores. Mesmo com tais medidas, a concepção de tal legislação abriu brechas para candidaturas preenchidas apenas em requisitos formais, fazendo com que ainda houvesse “candidaturas laranja”. Este problema levou à percepção de que para maximizar a eficácia das cotas era necessário o foco em investimentos. Assim, na reforma política de 2015, que resultou na Lei nº 13.165, os partidos deveriam comprometer um mínimo de 5% dos recursos da campanha a candidaturas de mulheres, além de 15% dos recursos dos fundos partidários serem destinados a este fim. Com a intenção de verificar os efeitos e a eficácia dessas alterações legislativas foram analisados os resultados das eleições municipais de 2016 e, embora as candidaturas femininas tenham aumentado, a participação total de mulheres ainda é muito baixa, pois, atualmente, a proporção é de que existam sete vereadores homens para uma mulher (TSE, 2018TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - TSE. Ministro Sergio Banhos determina ao Facebook remoção de vídeo contra Manuela D´Ávila. 2018. Available at: <Available at: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/ministro-sergio-banhos-determina-ao-facebook-remocao-de-video-contra-manuela-davila >. Accessed on: Dec. 27, 2018.
http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-...
). Em cargos federais e estaduais, a situação não é diferente, tendo em vista que apenas 15% dos cargos são preenchidos por mulheres (INTER-PARLIAMENTARY UNION, 2019INTER-PARLIAMENTARY UNION. Woman in national Parliaments. 2019. Available at:<Available at:http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm >. Accessed on: June 11, 2019.
http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm...
).

Considerando que, historicamente, o contexto político brasileiro se baseia em uma dinâmica institucional predominantemente masculina e patriarcal, na seção seguinte são explicados os elementos da Teoria Institucional que ajudam a compreender esta lógica institucional prevalecente. Ressalta-se que a entrada das mulheres neste cenário é caracterizada como um evento disruptivo, trazendo para o contexto brasileiro duas lógicas institucionais conflitantes: uma delas possui predominância na tradição patriarcal e a outra incentiva e marca a entrada das mulheres neste campo, trazendo consigo novas lógicas delineadas por um novo ethos e processos emocionais complexos da sociedade em resposta a essas lógicas. Na sequência são apresentados os conceitos de lógicas institucionais, ethos, eventos disruptivos e os processos emocionais que permeiam essas questões.

Contribuição da Teoria Institucional e das emoções

A Teoria Institucional, de acordo com Voronov e Vince (2012VORONOV, M.; VINCE, R. Integrating emotions into the analysis of institutional work. Academy of Management Review, v. 37, n. 1, p. 58-81, 2012.), baseia-se implicitamente no pressuposto de que a ligação entre as pessoas e a ordem institucional é de natureza cognitiva ou habitual. Esta teoria levou algum tempo a incorporar que “as instituições dependem, tanto em sua formação como em seu cerne, de uma identificação apaixonada” (FRIEDLAND, 2012FRIEDLAND, R. The Institutional logics Perspective: A new approach to culture, Structure, and Process. Management, v. 15, n. 5, p. 583-595, 2012., p. 593). O objetivo de uma identificação apaixonada é o que se chama de ethos da instituição que, por sua vez, define uma ordem institucional em termos de princípios de valores morais e éticos (VORONOV e WEBER, 2016VORONOV, M.; WEBER, K. The heart of institutions: Emotional competence and institutional actorhood. Academy of Management Review, v. 41, n. 3, p. 456-478, 2016.).

Os participantes de uma ordem institucional se esforçam para manter, em suas experiências, a sua ligação com o ethos, cuja eficácia como mecanismo de poder disciplinar sobre os participantes de uma ordem se aprimora na medida em que algumas pessoas podem ser apontadas como exemplos ou personificações do ethos institucional. O conceito de ethos pode ser considerado complementar ao de lógica institucional, uma vez que esta é central para compreender a experiência vivida, bem como a dinâmica emocional no interior das instituições. As pessoas tendem a defender a lógica em que estão inseridas, especialmente porque se sentem ligadas emocional e ideologicamente a ela (VORONOV e VINCE, 2012VORONOV, M.; VINCE, R. Integrating emotions into the analysis of institutional work. Academy of Management Review, v. 37, n. 1, p. 58-81, 2012.; VORONOV e WEBER, 2016).

A respeito da defesa da lógica institucional na qual as pessoas estão inseridas, Araújo (2010ARAÚJO, C. Rotas de ingresso, trajetórias e acesso das mulheres ao legislativo: um estudo comparado entre Brasil e Argentina. Revista Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 567-584, 2010., p. 581) salienta que no Brasil, “há percepções profundas de que o poder é para os homens”. Muitas pessoas podem sentir uma ligação não só ideológica, mas, também, emocional com esses aspectos, cuja questão é levantada neste artigo em relação à sociedade brasileira (considerando-se todos os gêneros), que expressou emoções de ódio nas redes sociais em relação às mulheres que concorreram a cargos políticos em 2018.

A lógica institucional é compreendida neste estudo como os pressupostos e valores socialmente partilhados que se encontram profundamente enraizados, formando, assim, uma abordagem que legitima e permite organizar o tempo e o espaço institucionais. As lógicas institucionais fornecem repertórios de hábitos, competências e estilos que condicionam as ações realizadas nas instituições e, além disso, podem envolver emoções específicas (TOUBIANA e ZIETSMA, 2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.).

As lógicas institucionais condicionam o que deve ser feito, e nesse sentido, o ethos é o responsável por capturar o “espírito” ou “caráter” de uma ordem institucional em que as pessoas se identificam e desenvolvem um sentimento de pertencimento (VORONOV e WEBER, 2016VORONOV, M.; WEBER, K. The heart of institutions: Emotional competence and institutional actorhood. Academy of Management Review, v. 41, n. 3, p. 456-478, 2016.).

No contexto da lógica institucional encontra-se uma série de comportamentos, principalmente referentes a eventos “disruptivos”, que podem desencadear todo o tipo de emoções (TOUBIANA e ZIETSMA, 2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.). Nesse cenário, as pessoas com compromissos cognitivos, emocionais e/ou morais com arranjos institucionais monitoram os limites do comportamento considerado aceitável com o compromisso de fazer cumprir as normas até então estabelecidas e evitar transgressões (CREED, HUDSON, OKHUYSEN et al., 2014CREED, W. E. D. et al. Swimming in a sea of shame: Incorporating emotion into explanations of institutional reproduction and change. Academy of Management Review, v. 39, n. 3, p. 275-301, 2014.). Cada indivíduo, respondendo a elementos institucionais, comporta-se de forma a empoderar, orientar e motivar os outros a se comportarem de forma semelhante, levando consigo elementos institucionais e fazendo-os perpassarem na instituição (SCOTT, 2013SCOTT, W. R. Institutions and organizations: Ideas, interests, and identities. Thousand Oaks: Sage publications, 2013.).

As emoções acabam tendo um importante papel neste cenário, pois é por meio de práticas emocionais que as pessoas constroem e realizam o seu “eu” social (CREED, HUDSON, OKHUYSEN et al., 2014CREED, W. E. D. et al. Swimming in a sea of shame: Incorporating emotion into explanations of institutional reproduction and change. Academy of Management Review, v. 39, n. 3, p. 275-301, 2014.). Emoções podem ser definidas como um termo “guarda-chuva” - alguns autores as definem como processos afetivos - já que envolvem um vasto escopo de sentimentos, os quais são experimentados pelos indivíduos em relação a um momento específico, uma experiência afetiva de curto prazo ou alguns traços de sentimento que podem ou não ser estáveis (BARSADE e GIBSON, 2007BARSADE, S. G.; GIBSON, D. E. Why does affect matter in organizations? Academy of management perspectives, v. 21, n. 1, p. 36-59, 2007.).

Isto posto, é importante realçar neste arcabouço de sentimentos a existência do medo e da raiva. O medo é uma emoção comum e poderosa (GILL e BURROW, 2017) e representa uma resposta a uma ameaça iminente (DSM-V, 2014AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed Editora, 2014.), sendo descrito como avaliação de baixa certeza, falta de controle individual e, também, como alto grau de preocupação (SINGH, GARG, GOVIND et al., 2018NG, E.; MUNTANER, C. The effect of women in government on population health: An ecological analysis among Canadian provinces, 1976-2009. SSM-population health, v. 6, p. 141-148, 2018.).

A raiva, por outro lado, pode influenciar o julgamento e as decisões da pessoa que a experimenta, considerando que os indivíduos podem ter dificuldade em ficarem irritados no momento certo, com o propósito certo e da maneira certa. Em vez disso, existe a tendência de se sentirem confiantes e a pensarem o pior de outros, tanto que algumas situações resultam em consequências indesejáveis, como agressões (LERNER e TIEDENS, 2006LERNER, J. S.; TIEDENS, L. Z. Portrait of the angry decision maker: How appraisal tendencies shape anger’s influence on cognition. Journal of behavioral decision making, v. 19, n. 2, p. 115-137, 2006.).

Neste sentido, “medo institucional” significa que o medo e as regras relacionadas à sua experiência podem ser encontrados, ao longo do tempo, em grupos sociais e comunidades (GILL e BURROW, 2017). Assim, após expor o conteúdo teórico, na seção que segue são apresentados os procedimentos metodológicos que guiaram esta pesquisa.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa possui abordagem qualitativa, que representa uma forma de compreensão dos significados atribuídos a eventos específicos pelos seus participantes, considerando a existência de uma natureza subjetiva do indivíduo a ser analisado (CRESWELL, 2017CRESWELL, J. W.; CRESWELL, J. David. Research design: Qualitative, quantitative, and mixed methods approaches. Thousand Oaks: Sage publications, 2017.).

A abordagem da pesquisa qualitativa procura compreender, de maneira aprofundada, diferentes aspectos relacionados aos fenômenos sociais (GIBBS, 2009GIBBS, G. Análise de dados qualitativos: coleção pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman Editora, 2009.). Tais fenômenos alinham-se às particularidades da pesquisa qualitativa por abranger experiências pessoais, histórias de vida, textos e produções culturais, dentre outros, que representam circunstâncias usuais e adversas (RICHARDSON, 1989RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.), como foi o caso das candidatas brasileiras nas eleições de 2018.

Com a finalidade de atingir os objetivos propostos, foram utilizados dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados por meio de uma entrevista semiestruturada com uma das mulheres selecionadas, uma vez que este tipo de entrevista permite maior flexibilidade ao entrevistador, bem como melhor utilização da produção de diálogos (BRINKMANN, 2018BRINKMANN, S. The interview. In: DEZIN, N.; LINCOLN, Y. S. (Eds.). Sage Handbook of Qualitative Research. Thousand Oaks: Sage Publications, 2018. p. 576-599.). A entrevista foi realizada pessoalmente, gravada e posteriormente transcrita com o propósito de obter melhor compreensão do exposto.

Já os dados secundários relacionam-se às outras duas mulheres selecionadas, e retratam as emoções demonstradas pelas duas candidatas e também pela população em relação a elas. Os dados foram coletados por meio de informações divulgadas em mídias, principalmente informações de entrevistas concedidas pelas referidas candidatas a veículos brasileiros de comunicação, como televisão e jornais. Os pesquisadores também analisaram informações dessas candidatas em redes sociais, como, por exemplo, Facebook, Instagram e Youtube. Além disso, foram utilizadas revistas que publicaram entrevistas e artigos que tratam dessas mulheres, onde foi possível pesquisar as emoções expressas pelas candidatas e aquelas que a sociedade demonstrou (homens e mulheres). E, ainda, buscou-se notícias em jornais que reportaram notícias falsas (fake news) e propagandas com conteúdo de ódio dirigidas a essas mulheres.

A seleção dos materiais para análise foi realizada durante os meses de abril de 2018 a setembro de 2019, e a entrevista foi concedida no mês de dezembro de 2018. É importante salientar que todos os documentos coletados e utilizados neste estudo são de domínio público. Ressalta-se, também, que foram analisadas as declarações de três mulheres que concorreram a diferentes cargos eleitorais nas eleições brasileiras de 2018. Todas as candidatas têm posições políticas antagônicas e, no entanto, foram atacadas por meio de agressões verbais e ameaças. Para proteger a identificação, as candidatas foram nomeadas como G.A., C.A. e D.A.

As três candidatas foram selecionadas não apenas devido aos seus cargos e relevância no contexto das eleições, mas, especialmente, devido à exposição e ataques que sofreram. Embora outras candidatas também tenham sofrido e relatado ataques, as mulheres selecionadas neste estudo foram as candidatas que receberam a maior quantidade de votos em seus respectivos Estados. Todas enfrentaram circunstâncias inusitadas e adversas naquela eleição, que se caracterizou pela extrema polarização, sendo a oitava eleição nacional após a redemocratização do Brasil. Neste estudo não se pretende explorar a polarização das eleições em si, mas, sim, as dificuldades enfrentadas pelas candidatas mulheres que se atrelaram à condição de ser mulher e à complexa dinâmica institucional presente no cenário político. Além disso, é importante salientar que a análise de documentos, conforme já mencionado, traz contribuições importantes para a pesquisa qualitativa (CRESWELL, 2017CRESWELL, J. W.; CRESWELL, J. David. Research design: Qualitative, quantitative, and mixed methods approaches. Thousand Oaks: Sage publications, 2017.), especialmente para este estudo, pois revelou aspectos significativos da sociedade brasileira, principalmente em relação às emoções.

Quanto à análise de dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, a qual permite aos pesquisadores a interpretação de aspectos subjetivos relacionados aos dados e utiliza um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a diferentes tipos de discurso. Com a análise de conteúdo, o objetivo do pesquisador é examinar aspectos como a frequência e correlação existentes num conjunto de dados que podem trazer a interpretação de significados latentes. Esta forma de análise, contudo, vai além da simples compreensão da frequência dos temas presentes nos textos, aprofundando-se no que é exposto e verificado, sendo percebida como uma técnica necessária para desvendar as pessoas, as suas histórias, os seus pensamentos, as suas artes e as suas instituições (RICHARDSON, 1989RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.; SALDAÑA e OMASTA, 2016SALDAÑA, J.; OMASTA, M. Qualitative research: Analyzing life. Thousand Oaks: Sage Publications, 2016.).

A análise de conteúdo contribui para as Ciências Humanas, constituindo-se numa forma essencial para compreender a sociedade em permanente interação (RICHARDSON, 1989RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.). Os documentos selecionados para a análise foram organizados de acordo com seus temas e os vídeos selecionados foram transcritos e organizados por conteúdo. A análise dos documentos coletados a partir de notícias de jornais, vídeos e mensagens públicas em redes sociais revelou momentos/eventos decisivos e dramáticos para as três candidatas com o maior número de votos nas eleições de 2018.

ANÁLISE E RESULTADOS

De acordo com os dados apresentados anteriormente, o setor político brasileiro é predominantemente masculino e, devido a questões já enraizadas, a entrada e permanência de mulheres nesse campo é um tanto difícil. Esse fato precisa ser ultrapassado, tanto no Brasil como em outros países, uma vez que a participação das mulheres é um direito a ser conquistado e preservado em todo o mundo.

Os três casos aqui apresentados referem-se a diferentes candidatas que sofreram uma série de incidentes durante as eleições brasileiras de 2018. O primeiro caso apresentado é o da candidata G.A. que, em uma entrevista televisionada durante a campanha pré-eleitoral, sofreu uma série de agressões antes mesmo de sua candidatura ser lançada oficialmente. O programa em questão convidou G.A. para falar sobre os seus planos e intenções relativos à candidatura, bem como ao partido a que estava filiada, mas G.A acabou sofrendo uma série de constrangimentos (STYCER, 2018STYCER, M. Vitória da desinformação. Folha de S. Paulo, São Paulo, July 01, 2018. Available at: <Available at: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mauriciostycer/2018/07/vitoria-da-desinformacao.shtml >. Accessed on: Dec. 05, 2018.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ma...
). Segundo o jornal Folha de São Paulo (2018FOLHA DE SÃO PAULO. Interrupções a Manuela geram debate sobre machismo. Folha de S. Paulo, São Paulo, June 26, 2018. Available at:<Available at:https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/interrupcoes-a-manuela-geram-debate-sobre-machismo.shtml >. Accessed on: July 05, 2018.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018...
), G.A. foi interrompida pelo menos 40 vezes durante os 80 minutos do programa, o equivalente a uma vez a cada dois minutos. Note-se que, no mesmo programa, outros candidatos foram entrevistados e o que foi mais interrompido após G.A. obteve um total de nove interrupções no mesmo intervalo de tempo.

Retornando ao que fora destacado por Creed, Hudson, Okhuysen et al. (2014CREED, W. E. D. et al. Swimming in a sea of shame: Incorporating emotion into explanations of institutional reproduction and change. Academy of Management Review, v. 39, n. 3, p. 275-301, 2014.), esta situação expõe uma tentativa de constranger as pessoas para reforçar as normas e punir os transgressores e, neste caso específico, para envergonhar a mulher candidata a uma posição política por transgredir a norma culturalmente instituída da hegemonia masculina na política brasileira.

Mais tarde, já em época da campanha, G.A. sofreu uma série de ataques, principalmente por meio da difusão de notícias falsas que tinham a intenção de difamar a sua imagem mediante colagens e vídeos editados e difundidos por adversários nas redes sociais. Este fato obrigou-a a publicar um vídeo em sua defesa, mostrando que os vídeos e as notícias nas redes sociais eram todos falsos: “Eles me atacam [...] como todos têm acompanhado toda a campanha, eu sou o alvo favorito destas colagens ridículas na Internet” - afirmou em um dos seus pronunciamentos.

Além disso, foram criados 38 perfis falsos nas redes sociais com conteúdo ofensivo contra G.A., bem como mensagens agressivas e de ódio. O comportamento dos usuários expõe o que foi discutido por Lerner e Tiedens (2006LERNER, J. S.; TIEDENS, L. Z. Portrait of the angry decision maker: How appraisal tendencies shape anger’s influence on cognition. Journal of behavioral decision making, v. 19, n. 2, p. 115-137, 2006.) sobre a forma como as pessoas que experienciam a raiva contra algum evento podem ter dificuldades ao ficarem com esta emoção, expressando-a no momento errado, de forma errada e com o propósito errado. Foi possível verificar que os resultados deste fato tiveram impactos indesejáveis. Os perfis foram denunciados e bloqueados pela Justiça Eleitoral do Brasil (TSE, 2018TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - TSE. Ministro Sergio Banhos determina ao Facebook remoção de vídeo contra Manuela D´Ávila. 2018. Available at: <Available at: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/ministro-sergio-banhos-determina-ao-facebook-remocao-de-video-contra-manuela-davila >. Accessed on: Dec. 27, 2018.
http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-...
), mas as notícias falsas prejudicaram a imagem da candidata perante a sociedade, conforme noticiado por G.A: “Destruíram o meu corpo, manipularam as minhas palavras, fizeram com que pessoas que me conheciam rompessem relações comigo por acreditarem nestas fake news”.

É importante salientar que G.A. está no ambiente político há 14 anos e a eleição de 2018 foi a sétima em que concorreu. Um dos pontos destacados pela candidata nas entrevistas referia-se à reação de indignação de parte da sociedade às falsas notícias veiculadas, notando que tratou-se de uma notícia positiva que a fez acreditar que ainda há esperança, mesmo que nessas últimas eleições tenham ocorrido relatos de intolerância. A candidata explicou que a manifestação popular se deve, principalmente, a um maior acesso à informação partilhada na Internet, algo diferente das eleições anteriores, em que as únicas fontes de informação eram os jornais impressos e a televisão. Salientou ainda que “As mentiras geram raiva, violência e intolerância [...]. O Brasil e o povo brasileiro são muito melhores do que isso”.

Mesmo com toda a má repercussão das fake news divulgadas, G.A. demonstrou coragem ao desafiá-las e relatou que este fato não é capaz de derrubá-la porque, conforme comentou em uma entrevista, a maioria das mensagens eram moralistas, sexistas e misóginas com o objetivo de diminuir a sua imagem perante a sociedade. Esta não foi a primeira vez que G.A. precisou lidar com ameaças: “A minha vida já foi alterada há muito tempo”, o que confirma que quando a mulher entra na política tem de enfrentar muitos desafios e barreiras que se impõem contra a sua permanência, tal como expõem Zakar, Zakar e Hamid (2018ZAKAR, R.; ZAKAR, M. Z.; HAMID, N. Gender mainstreaming in politics: Perspective of female politicians from Pakistan. Asian Journal of Women’s Studies, v. 24, n. 2, p. 224-245, 2018.).

O caso de G.A também ilustra o que foi exposto por Toubiana e Zietsma (2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.), pois quando a instituição possui um evento disruptivo - neste caso, a inserção da mulher no cenário político - acaba desencadeando todos os tipos de emoções, bem como comportamentos percebidos por meio dos perfis falsos que espalharam as fake news.

Uma das razões que levam as mulheres a não serem bem aceitas no ambiente político é de que o Brasil manifesta uma cultura masculina enraizada na força histórica do patriarcado (TELES, 2017TELES, M.A.A. Breve história do feminismo no Brasil e outros ensaios. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2017.), o que faz com que ao assumirem determinados cargos, recebam uma série de ameaças. Isto permite enfatizar o que aconteceu com a candidata D.A., que expôs aos pesquisadores durante uma entrevista que já sofreu uma série de ameaças por conta de sua posição a favor dos direitos humanos em questões que envolvem a violência contra mulheres e crianças. A candidata declarou, contudo, que embora se tratasse de uma situação crítica, era essencial se envolver nesta causa específica, principalmente devido à sua posição como representante do povo. De acordo com a candidata: “é necessário ter coragem, mas normalmente, as pessoas têm medo”. O caso de D.A. leva a refletir sobre o fato de as mulheres terem um posicionamento diferente dos homens e, como ressaltado por Costa e Schaffner (2018COSTA, M.; SCHAFFNER, B. F. How Gender Conditions the Way Citizens Evaluate and Engage with Their Representatives. Political Research Quarterly, v. 71, n. 1, p. 46-58, 2018.), isso pode influenciar a aceitação por parte da população e outros que trabalham neste ambiente.

Em outro momento da entrevista, quando questionada sobre os seus sentimentos em relação às ameaças que sofreu e se considerava abandonar o campo político, a candidata respondeu: “Não sou insubstituível, mas neste momento estou fazendo a diferença neste lugar [...] por isso preciso ter força para enfrentar este tipo de situação”. Foi possível perceber, na resposta de D.A., um humor evocado com um sentimento positivo (BARSADE e GIBSON, 2007BARSADE, S. G.; GIBSON, D. E. Why does affect matter in organizations? Academy of management perspectives, v. 21, n. 1, p. 36-59, 2007.), especialmente porque ela acredita que é necessário enfrentar desafios para desenvolver algo maior.

O último caso a ser trabalhado destaca um fato vivenciado pela candidata C.A. que durante uma entrevista publicada nas redes sociais foi questionada por uma repórter sobre os seus receios e também sobre as ameaças recebidas. A candidata afirmou que sentiu medo pela sua filha, pelas ameaças “de morte, com um refinamento de crueldade que nem vale a pena ser dito”. Devido ao ocorrido, a candidata retirou a sua família do Brasil, já que não era possível saber se tais ameaças eram reais ou falsas. Salienta-se que durante a última campanha eleitoral, C.A. declarou que ela e a sua família tiveram que mudar quatro vezes de endereço: “Não importa para onde eu vá, eles acabam sempre me encontrando”, o que reforça a ideia de medo durante o período eleitoral.

Após o episódio, C.A. enfatizou que foi orientada a alterar a sua agenda de aparições públicas até que o caso fosse resolvido. Quando a entrevista foi concedida, C.A. afirmou que naquele momento já não estava assustada, apesar da intensificação das ameaças, pois, segundo ela: “Não enfrentei pequenas coisas nesta vida para chegar até aqui, não vai ser uma ameaça, as pessoas dizendo que me vão puxar o tapete ou que vão me dar um tiro que vai me parar. Vou avançar com a minha missão, tenho uma missão com este país, um compromisso com as pessoas, e vou seguir a minha missão, custe o que custar”.

Além disso, C.A. relatou na entrevista que sofreu uma série de agressões verbais por parte dos seus colegas de Partido, insinuando que era incompetente para ser candidata. Em resposta, afirmou: “Este tipo de ameaça não me intimida, eles mal sabem do que sou capaz”, reforçando que as mulheres em posições de liderança ainda são subestimadas (COSTA e SCHAFFNER, 2018COSTA, M.; SCHAFFNER, B. F. How Gender Conditions the Way Citizens Evaluate and Engage with Their Representatives. Political Research Quarterly, v. 71, n. 1, p. 46-58, 2018.). Declarou, ainda, que gostaria de trabalhar até que as mulheres “sempre renegadas no ambiente político” tivessem a oportunidade de atuar na política tal como ela, “sem cotas”.

A candidata C.A. também aponta que a política é popularmente conhecida como um lugar sujo: “As mulheres precisam ir lá e limpar a confusão [...], precisam se impor e é isso que eu quero fazer, ensinar que não tem que deixar ninguém levantar a voz com elas”.

A entrada das mulheres no cenário político permitiu uma dinâmica institucional mais complexa a essa esfera por meio de duas lógicas: uma predominante, baseada no patriarcalismo, e outra que possibilita às mulheres o incentivo e a legitimidade neste cenário. Nas eleições brasileiras de 2018, a presença de mulheres candidatas a cargos políticos provocou respostas emocionais de agressão, expressas, principalmente, em rede social. Um aspecto semelhante foi encontrado em Toubiana e Ziestma (2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.), que estudaram como “membros” e “líderes” demonstram respostas emocionais e influenciam atividades em resposta a um evento disruptivo, levando a uma violação das expectativas. No seu artigo, os autores exploram a forma “como as emoções influenciam organizações em situações de complexidade institucional”.

Embora a participação das mulheres na política ocorra desde 1934, foi apenas nas eleições de 2018 que elas ganharam o maior número de votos no país e se destacaram nos meios de comunicação social. O voto expressivo que as candidatas mencionadas neste estudo receberam, bem como a grande quantidade de notícias falsas e as agressões que sofreram indicam que a participação das mulheres no ambiente político é um evento disruptivo (TOUBIANA e ZIETSMA, 2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.). Assim, aspectos destacados dentro da lógica institucional da política brasileira podem se tornar uma barreira à participação das mulheres na política, pois, conforme destaca Araújo (2010ARAÚJO, C. Rotas de ingresso, trajetórias e acesso das mulheres ao legislativo: um estudo comparado entre Brasil e Argentina. Revista Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 567-584, 2010., p. 581), existem “percepções profundas de que o poder é para os homens”. Se, como salienta a autora, existe uma percepção de que o poder já é considerado masculino, é difícil que outros grupos excluídos ou não convencionais sintam-se motivados a participar do sistema. Este fato reafirma outra barreira: a existência de grupos políticos que ainda são uma característica forte deste ambiente (ARAÚJO, 2012ARAÚJO, C. Gênero e acesso ao poder legislativo no Brasil: as cotas entre as instituições e a cultura. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, p. 23-59, 2012.), o que impede a existência de novos participantes neste campo se não tiverem laços políticos, como é o caso de duas das candidatas mulheres selecionadas neste estudo. É visível que os “grupos políticos” são formados a partir de Partidos com um desequilíbrio no financiamento de campanhas, tal como expresso no estudo de Sacchet (2018SACCHET, T. Why gender quotas don’t work in Brazil? The role of the electoral system and political finance. Colombia Internacional, n. 95, p. 25-54, 2018), fato que desencadeou a necessidade de mudanças na legislação brasileira (BRASIL, 1997, 2009, 2015) devido ao seu impacto na representação de mulheres e grupos minoritários.

Não somente, mas ao considerar-se o papel das emoções nesse ambiente institucionalizado, percebe-se que a expressão de ódio de parte da sociedade brasileira às mulheres candidatas a cargos políticos em 2018, é um obstáculo à participação política feminina no Brasil, pois quando outras percebem essa agressão sentem-se desencorajadas a participar da vida pública. As agressões sofridas pelas candidatas selecionadas neste estudo geraram emoções de medo e pavor, as quais foram relatadas ao sofrerem ameaças à integridade física, tanto a elas como às suas famílias.

Os indivíduos - mulheres e homens da sociedade brasileira - que agrediram as candidatas fazem parte de um contexto brasileiro destacado por Araújo (2010ARAÚJO, C. Rotas de ingresso, trajetórias e acesso das mulheres ao legislativo: um estudo comparado entre Brasil e Argentina. Revista Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 567-584, 2010., p. 581) e já mencionado anteriormente, no qual “há percepções profundas de que o poder é para os homens”. Coaduna-se, assim, com Voronov e Vince (2012VORONOV, M.; VINCE, R. Integrating emotions into the analysis of institutional work. Academy of Management Review, v. 37, n. 1, p. 58-81, 2012.) ao afirmarem que as pessoas tendem a defender a lógica em que estão inseridas, especialmente porque podem se sentir ligadas tanto emocional como ideologicamente a esta lógica.

Dentre as três mulheres que participaram deste estudo, duas foram eleitas, enquanto a terceira, apesar de também ter recebido uma quantidade expressiva de votos, não foi eleita.

CONCLUSÃO

Na visão da Teoria Institucional, as instituições “tentam” fornecer ordem e estabilidade (SCOTT, 2013SCOTT, W. R. Institutions and organizations: Ideas, interests, and identities. Thousand Oaks: Sage publications, 2013.) diante de uma lógica institucional que liga os indivíduos emocional e ideologicamente a elas (VORONOV e WEBER, 2016VORONOV, M.; WEBER, K. The heart of institutions: Emotional competence and institutional actorhood. Academy of Management Review, v. 41, n. 3, p. 456-478, 2016.; VORONOV e VINCE, 2012ZAKAR, R.; ZAKAR, M. Z.; HAMID, N. Gender mainstreaming in politics: Perspective of female politicians from Pakistan. Asian Journal of Women’s Studies, v. 24, n. 2, p. 224-245, 2018.). Eventos disruptivos, no entanto, que violam expectativas institucionalizadas podem desencadear emoções que afetam esta lógica (TOUBIANA e ZIETSMA, 2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.).

Como as emoções são centrais para a experiência humana, elas podem influenciar diretamente as posições que são tomadas em qualquer ambiente em que o indivíduo se insere (VORONOV e WEBER, 2016VORONOV, M.; WEBER, K. The heart of institutions: Emotional competence and institutional actorhood. Academy of Management Review, v. 41, n. 3, p. 456-478, 2016.). As emoções, portanto, afetam diretamente as experiências (VORONOV e VINCE, 2012ZAKAR, R.; ZAKAR, M. Z.; HAMID, N. Gender mainstreaming in politics: Perspective of female politicians from Pakistan. Asian Journal of Women’s Studies, v. 24, n. 2, p. 224-245, 2018.) e a identificação (FRIEDLAND, 2012FRIEDLAND, R. The Institutional logics Perspective: A new approach to culture, Structure, and Process. Management, v. 15, n. 5, p. 583-595, 2012.) das mulheres na política.

Neste estudo, o evento disruptivo é a entrada das mulheres no cenário político. Em 1934 foi permitido às mulheres se candidatarem a cargos políticos no Brasil - evento considerado disruptivo que pode criar uma nova lógica institucional - trazendo ao ambiente político brasileiro uma lógica baseada em valores de incentivo e apoio à entrada das mulheres no cenário político. Esta nova lógica opõe-se à já existente, que é baseada no patriarcalismo, e que prevalecia no período anterior a tal evento disruptivo, enfatizando fortemente a presença de homens neste cenário.

Os resultados revelaram que durante a campanha eleitoral de 2018 muitas pessoas expressaram emoções negativas a essas candidatas por meio da divulgação de notícias falsas. Diante da institucionalização de um ambiente masculino no cenário político, a sociedade expressou emoções de ódio e agressão contra as referidas candidatas, uma vez que essas violavam arranjos institucionais de comportamentos considerados aceitáveis na lógica dominante (CREED, HUDSON, OKHUYSEN et al., 2014CREED, W. E. D. et al. Swimming in a sea of shame: Incorporating emotion into explanations of institutional reproduction and change. Academy of Management Review, v. 39, n. 3, p. 275-301, 2014.). Apesar disso, duas dessas candidatas a cargos políticos, e foco neste estudo, foram eleitas como as mais votadas em seus Estados, alcançando mais votos do que os concorrentes masculinos, enquanto a terceira não foi eleita apesar de ter obtido uma quantidade expressiva de votos. Percebe-se, portanto, que a sociedade brasileira ainda precisa realizar progressos significativos quanto ao apoio à participação das mulheres na política e em outras questões de direitos humanos no país.

Como mencionado anteriormente, as principais contribuições deste estudo envolveram: (1) examinar o papel das emoções em um cenário de complexidade institucional; (2) enfatizar que, embora homens e mulheres ocupem papéis, por vezes, muito desiguais na sociedade (VERAS, 2018VERAS, M. Calminha Querida. 2018. Available at: <Available at: http://www.aldeianago.com.br/outros-baianos/19617-calminha-querida-por-marcelo-veras >. Accessed on: July 07, 2018.
http://www.aldeianago.com.br/outros-baia...
), as mudanças tornam-se cada vez mais necessárias em todos os aspectos; e, também (3), contribuições sobre o “papel que os meios de comunicação social podem desempenhar em organizações disruptivas em ambientes institucionais complexos” (TOUBIANA e ZIETSMA, 2017TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.). Nesse sentido, a temática pode ser considerada uma lacuna de investigação, uma vez que poucos estudos organizacionais examinaram a referida questão

REFERENCES

  • AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed Editora, 2014.
  • ARAÚJO, C. Gênero e acesso ao poder legislativo no Brasil: as cotas entre as instituições e a cultura. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, p. 23-59, 2012.
  • ARAÚJO, C. Rotas de ingresso, trajetórias e acesso das mulheres ao legislativo: um estudo comparado entre Brasil e Argentina. Revista Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 567-584, 2010.
  • BARSADE, S. G.; GIBSON, D. E. Why does affect matter in organizations? Academy of management perspectives, v. 21, n. 1, p. 36-59, 2007.
  • BAUER, N. M. Shifting standards: How voters evaluate the qualifications of female and male candidates. The Journal of Politics, v. 82, n. 1, p. 000-000, 2020.
  • BEAMAN, L. et al. Powerful women: does exposure reduce bias? The Quarterly journal of economics, v. 124, n. 4, p. 1497-1540, 2009.
  • BRASIL. Mulheres na política. Brasília, DF: Data Senado, 2014. Available at: <Available at: https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/cartilha-mulheres-na-politica >. Accessed on: Nov. 20, 2018.
    » https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/cartilha-mulheres-na-politica
  • BRINKMANN, S. The interview. In: DEZIN, N.; LINCOLN, Y. S. (Eds.). Sage Handbook of Qualitative Research. Thousand Oaks: Sage Publications, 2018. p. 576-599.
  • CAJADO, A. F. R.; DORNELLES, T.; PEREIRA, A. C. Eleições no Brasil: uma história de 500 anos. Brasília, DF: Tribunal Superior Eleitoral, 2014.
  • COSTA, M.; SCHAFFNER, B. F. How Gender Conditions the Way Citizens Evaluate and Engage with Their Representatives. Political Research Quarterly, v. 71, n. 1, p. 46-58, 2018.
  • CREED, W. E. D. et al. Swimming in a sea of shame: Incorporating emotion into explanations of institutional reproduction and change. Academy of Management Review, v. 39, n. 3, p. 275-301, 2014.
  • CRESWELL, J. W.; CRESWELL, J. David. Research design: Qualitative, quantitative, and mixed methods approaches. Thousand Oaks: Sage publications, 2017.
  • DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: Institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American sociological review, p. 147-160, 1983.
  • FOLHA DE SÃO PAULO. Interrupções a Manuela geram debate sobre machismo. Folha de S. Paulo, São Paulo, June 26, 2018. Available at:<Available at:https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/interrupcoes-a-manuela-geram-debate-sobre-machismo.shtml >. Accessed on: July 05, 2018.
    » https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/interrupcoes-a-manuela-geram-debate-sobre-machismo.shtml
  • FRIEDLAND, R. The Institutional logics Perspective: A new approach to culture, Structure, and Process. Management, v. 15, n. 5, p. 583-595, 2012.
  • GIBBS, G. Análise de dados qualitativos: coleção pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman Editora, 2009.
  • GILL, M. J.; BURROW, R. The function of fear in institutional maintenance: Feeling frightened as an essential ingredient in haute cuisine. Organization Studies, v. 39, n. 4, p. 445-465, 2018.
  • GRANT, I. et al. Historic sex-ratio imbalances predict female participation in the market for politicians. Journal of Economic Behavior & Organization, v. 156, p. 144-165, 2018.
  • INSTITUTE FOR DEMOCRACY AND ELECTORAL ASSISTANCE - IDEA. Gender quotas database. 2018. Available at:<Available at:https://www.idea.int/data-tools/data/gender-quotas/database >. Accessed on: June 11, 2019.
    » https://www.idea.int/data-tools/data/gender-quotas/database
  • INTER-PARLIAMENTARY UNION. Woman in national Parliaments. 2019. Available at:<Available at:http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm >. Accessed on: June 11, 2019.
    » http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm
  • LERNER, J. S.; TIEDENS, L. Z. Portrait of the angry decision maker: How appraisal tendencies shape anger’s influence on cognition. Journal of behavioral decision making, v. 19, n. 2, p. 115-137, 2006.
  • MACHADO, C. L.; GONÇALVES, S. Nota técnica: a teoria institucional. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. (Eds.). Handbook de Estudos Organizacionais. São Paulo: Ed. Atlas, 2007.
  • MEYER, J. W.; ROWAN, B. Institutionalized organizations: Formal structure as myth and ceremony. American journal of sociology, v. 83, n. 2, p. 340-363, 1977.
  • MIGUEL, L.; FEITOSA, F. O gênero do discurso parlamentar: mulheres e homens na tribuna da Câmara dos Deputados. Dados, v. 52, n. 1, p. 201-221, 2009.
  • NG, E.; MUNTANER, C. The effect of women in government on population health: An ecological analysis among Canadian provinces, 1976-2009. SSM-population health, v. 6, p. 141-148, 2018.
  • REYES-HOUSHOLDER, C. Women Mobilizing Women: Candidates’ Strategies for Winning the Presidency. Journal of Politics in Latin America, v. 10, n. 1, p. 69-97, 2018.
  • RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.
  • ROMERO, K.; KERSTENETZKY, C. L. Entre o altruísmo e o familismo: a agenda parlamentar feminina e as políticas família-trabalho (Brasil, 2003-2013). Revista Brasileira de Ciência Política, n. 18, p. 119-146, 2015.
  • SACCHET, T. Why gender quotas don’t work in Brazil? The role of the electoral system and political finance. Colombia Internacional, n. 95, p. 25-54, 2018
  • SALDAÑA, J.; OMASTA, M. Qualitative research: Analyzing life. Thousand Oaks: Sage Publications, 2016.
  • SCOTT, W. R. Institutions and organizations: Ideas, interests, and identities. Thousand Oaks: Sage publications, 2013.
  • SILVA, A. C. B.; OLIVEIRA, E. C.; RIBEIRO FILHO, J. F. Revista Contabilidade & Finanças - USP: uma comparação entre os períodos 1989/2001 e 2001/2004. Revista Contabilidade & Finanças, v. 16, n. 39, p. 20-32, 2005.
  • SINGH, J. J. et al. Anger strays, fear refrains: The differential effect of negative emotions on consumers’ ethical judgments. Journal of Business Ethics, v. 151, n. 1, p. 235-248, 2018.
  • STYCER, M. Vitória da desinformação. Folha de S. Paulo, São Paulo, July 01, 2018. Available at: <Available at: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mauriciostycer/2018/07/vitoria-da-desinformacao.shtml >. Accessed on: Dec. 05, 2018.
    » https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mauriciostycer/2018/07/vitoria-da-desinformacao.shtml
  • TELES, M.A.A. Breve história do feminismo no Brasil e outros ensaios. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2017.
  • TOSI, M. A conquista do direito ao voto feminino. 2016. Available at: <Available at: https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/ >. Accessed on: June 11, 2019.
    » https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/
  • TOUBIANA, M.; ZIETSMA, C. The message is on the wall? Emotions, social media and the dynamics of institutional complexity. Academy of Management Journal, v. 60, n. 3, p. 922-953, 2017.
  • TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - TSE. Mais de 16 mil candidatos tiveram votação zerada nas Eleições 2016. 2016. Available at: <Available at: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Novembro/mais-de-16-mil-candidatos-tiveram-votacao-zerada-nas-eleicoes-2016 >. Accessed on: June 11, 2019.
    » http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Novembro/mais-de-16-mil-candidatos-tiveram-votacao-zerada-nas-eleicoes-2016
  • TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - TSE. Ministro Sergio Banhos determina ao Facebook remoção de vídeo contra Manuela D´Ávila. 2018. Available at: <Available at: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/ministro-sergio-banhos-determina-ao-facebook-remocao-de-video-contra-manuela-davila >. Accessed on: Dec. 27, 2018.
    » http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/ministro-sergio-banhos-determina-ao-facebook-remocao-de-video-contra-manuela-davila
  • VERAS, M. Calminha Querida. 2018. Available at: <Available at: http://www.aldeianago.com.br/outros-baianos/19617-calminha-querida-por-marcelo-veras >. Accessed on: July 07, 2018.
    » http://www.aldeianago.com.br/outros-baianos/19617-calminha-querida-por-marcelo-veras
  • VORONOV, M.; VINCE, R. Integrating emotions into the analysis of institutional work. Academy of Management Review, v. 37, n. 1, p. 58-81, 2012.
  • VORONOV, M.; WEBER, K. The heart of institutions: Emotional competence and institutional actorhood. Academy of Management Review, v. 41, n. 3, p. 456-478, 2016.
  • ZAKAR, R.; ZAKAR, M. Z.; HAMID, N. Gender mainstreaming in politics: Perspective of female politicians from Pakistan. Asian Journal of Women’s Studies, v. 24, n. 2, p. 224-245, 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2020
  • Aceito
    20 Jun 2020
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br